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terça-feira, 13 de agosto de 2013

A regeneração está no despertar da inteligência

Pergunta: Como pode a regeneração individual trazer, sozinha e imediatamente, o bem-estar coletivo da grande maioria, como se faz necessário em toda a parte?

Krishnamurti: Pensamos que a regeneração individual é oposta à regeneração coletiva. Não estamos pensando em termos de regeneração, mas apenas em termos de regeneração individual. A regeneração é anônima. Enquanto penso na regeneração individual, como oposta à coletiva, não há relação entre os dois; mas se lhes interessa a regeneração, não individual, mas a regeneração, simplesmente, notarão então a presença de uma força, uma inteligência inteiramente diversa, em ação; porque, afinal de contas, o que é que nos interessa? Qual é a questão que nos preocupa, profunda e fundamentalmente? Pode uma pessoa reconhecer a necessidade de uma ação conjunta do homem para a salvação do homem, perceber que a ação coletiva é necessária para a produção de alimentos, de roupas e moradia. Isso requer inteligência, e a inteligência não é individual, não é deste partido nem daquele, desta ou daquela nação. Se o indivíduo busca a inteligência, esta há de ser coletiva. Mas, infelizmente, não estamos em busca da inteligência, não estamos em busca da solução do problema. Temos teorias com relação aos nossos problemas, métodos de resolvê-los, e os métodos se tornam individuais ou coletivos. Se você e eu estamos em busca de uma forma inteligente de nos aplicarmos ao problema, não somos nem coletivos nem individuais; só nos interessa, então a inteligência, que há de resolver o problema.

Que é coletivo, que é massa? São vocês, em relação com outra pessoa. Isso não é uma simplificação exagerada; porque nas minhas relações com vocês eu constituo uma sociedade; você  e eu criamos juntamente uma sociedade, em nossas relações. Sem essas relações não existe inteligência, não existe cooperação, da parte de vocês ou da minha parte, que é inteiramente individual. Se eu busco a minha regeneração e vocês buscam a sua, o que acontece? Estamos seguindo em direções opostas.

Se estamos ambos interessados na solução inteligente de todo o problema, porque esse problema é nossa principal preocupação, nesse caso, o que nos interessa, não é como eu considero e como vocês o consideram, qual seja o meu caminho ou qual seja o caminho de vocês. Não nos interessam fronteiras e preconceitos econômicos, nem direitos adquiridos e as coisas insensatas que nascem junto com esses direitos adquiridos. Então, vocês e eu não somos coletivos nem individuais; realiza-se essa integração coletiva, que é anônima.

O interrogante, porém, deseja saber como se deve agir imediatamente, o que fazer no momento imediato, de modo que sejam resolvidas as necessidades do homem. Quer me parecer que não existe tal solução. Não há remédio moral de ação imediata, apesar das promessas de políticos. A solução imediata é a regeneração do indivíduo, não em proveito próprio, mas a regeneração que é o despertar da inteligência. Inteligência não é coisa de vocês ou minha — é inteligência. Julgo importante que se perceba isso a fundo. Então, a nossa ação política ou individual, coletiva ou de outra natureza, será totalmente diferente. Perderemos a nossa identidade; não nos identificaremos com coisa alguma — nossa pátria, nossa raça, nosso grupo, nossas tradições coletivas, nossos preconceitos. Perderemos todas as essas coisas, porquanto o problema exige que percamos nossa identidade, para o resolvermos. Mas isso requer compreensão, compreensão total do problema.

Nosso problema não é o problema do "pão de cada dia"; nosso problema não é só comer, vestir e morar; é mais profundo do que isso. É um problema psicológico, o problema do porque o homem se identifica com alguma coisa, pois é a identificação com um partido, com uma religião, com o conhecimento, que está nos desunindo. E essa identidade só pode ser dissolvida quando, psicologicamente, todo o processo de identificação, o desejo, o motivo, é compreendido claramente.

Assim, é inexistente o problema do coletivo ou do individual, quando estamos em busca da solução de determinado problema. Se vocês e eu estamos interessados numa coisa qualquer, se estamos vivamente interessados na solução do problema, não nos identificamos com outra coisa. Mas, infelizmente, visto que não estamos vivamente interessados, nós nos identificamos; e é essa identificação que está nos impedindo de resolver este vasto e complexo problema.


Jiddu Krishnamurti — 20 de janeiro de 1952 – Quando o pensamento cessa

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pode o pensamento por fim a si mesmo?

O que temos discutido nas últimas semanas é a questão do "eu" e suas tendências. Chegamos a perceber que o "eu" é a causa fundamental de todos os males? O "eu", com todas as suas extravagâncias e ações sutis é o responsável por todos os nossos males. Todo homem inteligente deve resolver esse problema do "eu", em vez de procurar contrabalançá-lo, encobri-lo: deve compreender como, na vida cotidiana, está dando sustento, vitalidade e continuidade ao "eu". Se desejamos resolver qualquer um dos problemas mundiais, cumpre-nos, de certo, compreender todo o processo do "eu", com todas as suas complexidades, tanto conscientes como inconscientes. É o que temos discutido e considerado, sob diferentes aspectos.

A religião organizada, a crença organizada e os estados totalitários são muito semelhantes, visto que têm o mesmo escopo de destruir o indivíduo pela compulsão, pela propaganda, por várias formas de coerção. A religião organizada faz a mesma coisa, embora de maneira diferente, e por ela vocês são também obrigados a acreditar, aceitar, também são condicionados. A tendência geral, tanto da esquerda como das chamadas organizações espirituais, é moldar a mente segundo determinado padrão de conduta; porque o indivíduo, quando entregue a si mesmo, se torna um rebelde. Por isso, destrói-se o indivíduo, pela compulsão, pela propaganda: ele é controlado, dominado, para o bem da sociedade, do Estado, etc. As chamadas organizações religiosas fazem a mesma coisa, com a diferença apenas de que o fazem um pouco mais disfarçadamente, um pouco mais sutilmente. Porque, também lá, os indivíduos devem crer, devem reprimir, devem controlar, etc., etc. Todo o processo visa a dominar o "eu", de uma maneira ou de outra. Pela compulsão, busca-se promover a ação coletiva. É esse o alvo da maioria das organizações, quer econômicas, quer religiosas. Querem ação coletiva, o que significa que o indivíduo deve ser instruído; em última análise, só pode significar isso. Vocês aceitam a esquerda, a teoria marxista, ou as doutrinas hinduístas, budistas ou cristãs; e por essa maneira esperam promover ação coletiva. Sem dúvida, cooperação é coisa muito diferente.

Como se promove a ação coletiva, ou, como deve ser promovida? Até agora ela tem sido promovida pela crença, pela promessa econômica de um estado de prosperidade, pela promessa de um futuro brilhante; ou o tem sido pelo chamado método espiritual, pelo medo, pela compulsão, e por várias formas de recompensa. Não ocorre cooperação só quando existe inteligência não coletiva, nem coletiva nem individual? É sobre isso que desejo falar esta tarde.

 (...) Ao observarem a própria mente de vocês, estão observando não apenas os chamados níveis superiores da mente, mas também o inconsciente: estão vendo o que a mente realmente faz. Não é assim? Essa é a única maneira em que se pode investigar. Não devem sobrepor (ao que a mente faz) o que ela deveria fazer, como deve pensar ou como deve agir, etc. — pois isso redundaria em fazer meras afirmativas. Isto é, se dizem que a mente deve ser isto ou não deve ser aquilo, colocam fim a toda investigação e a todo o pensar; e também, se citam alguma grande autoridade, param de pensar. Não é verdade? Se citam Sankara, Buda, Cristo ou XYZ, colocam ponto final à busca, ao pensar, à investigação. Assim, devemos precaver-nos à esse respeito. Devem colocar de lado todas essas sutilezas da mente e saber que estão investigando, junto comigo, este problema do "eu".

Qual é a função da mente? Para descobrir, precisam saber o que é a mente está, na realidade, fazendo. Que faz a mente de vocês? Ela é todo um processo de pensamento, não é verdade?

De outra maneira, a mente não existe. Quando a mente não está pensando, consciente ou inconscientemente, quando não está verbalizando, não existe consciência. Cumpre-nos averiguar o que a mente faz — tanto a mente de que nos servimos em nossa vida diária, como a mente de que a maioria de nós não está cônscia — cumpre-nos averiguar o que a mente faz com relação aos nossos problemas. Devemos examinar a mente, tal como ela é, e não como deveria ser.

Pois bem, que é a mente, quando em funcionamento? Ela de fato, é um processo de isolamento, não acham? Fundamentalmente, é isso que ela é. É isso que constitui o processo do pensamento, — pensar de maneira isolada, embora permanecendo coletiva. Observando o próprio pensar, verão que ele é um processo isolado, fragmentário. Estão pensando em conformidade com suas reações, as reações de suas memórias, suas experiências, seu saber, suas crenças. Estão reagindo a tudo isso. Não é exato? Se digo que há necessidade de uma revolução fundamental, reagem imediatamente. Hão de contestar à palavra "revolução", se possuem bons "investimentos" (vantagens) — espirituais ou de outra natureza. A reação de vocês, pois, depende de seus conhecimentos, de suas crenças, de suas experiências. Isso é um fato bem óbvio. Há várias formas de reação. Dizem: "devo ser fraternal, devo cooperar, devo ser cordial, devo ser bondoso", etc. Que é isso? Só reações; mas a reação fundamental do pensar é um processo de isolamento. Não aceitem isso prontamente, porque estamos investigando juntos. Estão observando o processo da mente de vocês, cada um de vocês, o que significa que estão observando a própria ação, crença, conhecimento, experiência. Tudo isso dá segurança, não é verdade? Dá segurança, dá força, ao processo do pensar. Como já apreciamos ontem, esse processo só serve para fortalecer o "eu", seja "alto" ou "baixo". Todas as nossas religiões, todas as nossas sanções sociais, todas as nossas leis, existem para o amparo do indivíduo, do "eu" individual, da ação separativa; e, do lado oposto, temos o estado totalitário. Se penetrarem mais fundo no inconsciente, verão que lá também está em funcionamento o mesmo processo. Lá, somos o coletivo, influenciado pelo ambiente, clima, sociedade, pai, mãe, avô. Sabem tudo isso. Lá também existe o desejo de impor, de dominar, como indivíduo, como "eu".

Nessas condições, não é a função da mente, como a conhecemos e como funcionamos em cada dia, um processo de isolamento? Não estão em busca da salvação individual? Hão de ser alguém no futuro; ainda nesta vida, hão de ser um grande homem, um grande escritor. Toda a nossa tendência é para estarmos separados. Pode a mente fazer alguma coisa a mais do que isso? É possível para a mente não pensar de maneira separativa, de maneira egocêntrica, fragmentária? É impossível. Por esta razão, rendemos culto à mente, a mente é sobremodo importante. Não é verdade que qualquer pessoa que possui um pouquinho de sagacidade, um pouquinho de vivacidade, um pouquinho de ilustração e conhecimento, logo se torna muito importante na sociedade? Sabem o quanto veneram os homens que são intelectualmente superiores, os advogados, os professores, os oradores, os bons escritores, os grandes explicadores e expositores! Não é verdade? Vocês têm cultivado o intelecto e a mente.

A função da mente é existir isolada; de outra maneira, sua mente não existe. Depois de cultivarmos este processo durante séculos, vemos que é impossível cooperar; economicamente e religiosamente, só somos empurrados, compelidos, tangidos pela autoridade, pelo medo. Se tal é a situação de fato, não apenas conscientemente, mas também nos níveis mais profundos, em nossos motivos, nossas intenções, nossas ocupações, como é possível qualquer cooperação? Como podemos nos unir inteligentemente, para fazer alguma coisa? Sendo isso quase impossível, as religiões e os partidos sociais organizados forçam o indivíduo a certas formas de disciplina. Torna-se então obrigatória a disciplina tendo em vista a união e a cooperação.

Assim, enquanto não compreendermos como transcender esse pensar separativo, esse processo de exaltação do "eu" e da mente, quer sob forma coletiva, quer sob forma individual, não teremos paz; teremos constantes conflitos e guerras. Pois bem, o nosso problema consiste em descobrir a maneira de dissolver, de eliminar o processo separativo do pensamento, Pode o pensamento jamais destruir o "eu" — sendo o pensamento processo de verbalização e de certas reações? O pensamento não passa de reação; o pensamento não é criador; é apenas expressão verbal da criação, a que chamamos pensamento. Pode o pensamento por fim a si mesmo? É o que estamos procurando averiguar. Penso segundo essa diretriz: "preciso disciplinar-me", "preciso identificar-me", "preciso pensar de maneira mais adequada", "preciso ser isto, preciso ser aquilo".

O pensamento está forçando, impelindo, disciplinando a si mesmo, para ser alguma coisa ou para não ser alguma coisa. Não é isso um processo de isolamento? Logo, a inteligência integrada não é capaz de funcionar como um todo e da qual, tão somente, pode provir a cooperação. Percebem o problema, agora?

(...) Como chegarão a colocar fim ao pensamento? Ou melhor, como chegará o pensamento ao seu fim? Refiro-me ao pensamento que é isolado, fragmentário e parcial. De que maneira irão proceder? A disciplina o destruirá? Aquilo a que chama disciplina o destruirá? É bem evidente que não conseguirão tal resultado em todos estes longos anos; do contrário, não estariam aqui. Cumpre-lhes examinar o processo de disciplinamento, a qual é apenas um processo de pensamento, em que há sujeição, repressão, controle, dominação — tudo atingindo o inconsciente. Este se imporá mais tarde, ao ficarem mais velhos. Tendo tentado inutilmente a disciplina por muito tempo, devem ter reconhecido que a disciplina não é o processo capaz de destruir o "eu". O "eu" não pode ser destruído pela disciplina, porque a disciplina é um processo de fortalecimento do "eu". Entretanto, todas as suas religiões a defendem: todas as suas meditações, todas as suas asserções estão baseadas nisso. O conhecimento o destruirá? A crença o destruirá? Por outras palavras, tudo o que estamos fazendo presentemente, todas as atividades a que estamos entregues com o fim de extirpar o "eu", darão tal resultado? Tudo isso, fundamentalmente, não é um esforço em vão, dentro de um processo de pensamento, um processo de isolamento, um processo de reação? Que fazem, ao reconhecer, fundamental e profundamente, que o processo do pensamento não pode por fim a si mesmo? Que acontece? Observem-se, senhores, e digam-me. Ao ficarem inteiramente cônscios desse fato, o que acontece? Compreendem, então, que toda reação é condicionada, e que, mediante condicionamento, não haverá liberdade, nem no começo nem no fim. A liberdade está sempre no começo, e não no fim.

Ao perceberem que toda reação é uma forma de condicionamento e que, por conseguinte, dá continuidade ao "eu", por diferentes maneiras, o que acontece realmente? Precisam ter muita lucidez a esse respeito. A crença, o conhecimento, a disciplina, a experiência, todo o processo que visa ao resultado ou ao fim, a ambição, o vir-a-ser alguma coisa nesta vida ou na outra, na vida futura, — tudo isso é processo de isolamento, processo que gera destruição, sofrimento, guerras e do qual não há fugir pela ação coletiva, por mais que lhes ameacem com campos de concentração, etc. estão bem cônscios desse fato? Qual é o estado da mente que diz: "É exato", "este é o meu problema", "é justamente o estado em que me acho", "rejeitei", "vejo o que o conhecimento e a disciplina podem fazer, o que ambição faz"? Há aí, por certo, um processo diferente em funcionamento.

Vemos os caminhos do intelecto: não vemos o caminho do amor. O caminho do amor não pode ser encontrado por meio do intelecto. O intelecto, com todas as suas ramificações, com todos os seus desejos, ambições, empenhos, tem de cessar, para que o verdadeiro amor venha à existência. Não sabem que, quando amam, cooperam, não estão pensando em vocês mesmos? Essa é a mais alta forma de inteligência — não quando são amados como entidade superior ou quando se encontram em boa situação —, o que nada é senão medo. Onde houver direitos adquiridos, não pode haver amor; só há o processo de exploração, que culmina no medo. O amor só pode começar a existir, quando a mente não existe. Por conseguinte, cumpre-lhes compreender todo o processo da mente, o funcionamento da mente. Só então poderão descobrir quando se realizará a revolução fundamental.

Não podem compreender esse processo da mente em poucos minutos ou com o ouvir de duas palestras, apenas. Só podem compreende-lo quando há em vocês mesmos uma grande revolução, profundo interesse em compreender esse descontentamento, esse desespero. Não estão, porém, desesperados. Estão bem nutridos, intelectual e fisicamente. Não se deixam levar ao estado de desespero. Sempre possuem alguma coisa em que se encostar. Sempre podem fugir, ir ao templo, ler livros, ouvir uma conferencia, escapar; e o homem que foge não cai em desespero. Se vocês se vem em desespero, procuram uma maneira de ficarem esperançosos, de fugir para longe do desespero. Só o homem realmente inconsciente, que abandonou completamente todas essas coisas, se despojou de tudo, só esse descobrirá o que é o amor, e, sem amor, não há transformação, não há revolução, não há renovação. Só há imitação e cinzas; e tal é o estado de nossa civilização, no presente. Só quando sabemos amar uns aos outros, pode haver cooperação, ação inteligente, podemos nos reunir no interesse de qualquer coisa. Só então é possível descobrir o que é Deus, o que é a verdade. Ora, desejamos achar a verdade por meio do intelecto, por meio da imitação — o que é idolatria, quer os ídolos sejam feitos pela mão, quer pela mente. Só quando, pela compreensão, abandonam completamente a estrutura total do "eu", só então vem aquilo que é eterno, atemporal, imensurável; não podem ir a ele; ele vem a vocês.

Jiddu Krishnamurti — Quando o pensamento cessa

Sobre o despertar da inteligência

Qualquer forma de tradição -- trazida do passado --, que é utilizada para se saber se existe uma Grande Realidade, é obviamente um esforço perdido. A mente tem de estar liberta de toda a espécie de tradição e preceitos espirituais; caso contrário, ficamos completamente privados de verdadeira inteligência. (1)

Muitas pessoas no mundo são independentes, mas poucas são livres. Liberdade implica uma grande inteligência, não é? Assim, ser livre é ser inteligente, mas a inteligência não vem apenas pelo desejo de ser livre. Ela vem só quando começais a compreender totalmente o meio que vos rodeia, as influências sociais, religiosas, familiares e tradicionais que vos estão constantemente pressionando. Mas para compreender as várias influências do meio cultural a que pertenceis, das crenças e superstições, da tradição à qual vos conformais sem pensar - para as compreenderdes todas, e vos libertardes delas, é precisa uma visão profunda. Mas geralmente submeteis-vos a elas porque interiormente estais com medo. Tendes medo de não obter uma boa posição na vida; tendes medo do que os outros poderão dizer; tendes medo de não seguir a tradição, de não fazer a coisa certa. Mas liberdade é, verdadeiramente, um estado de espírito em que não há medo ou compulsão, nem ansiedade de estar seguro.(2) 

Inteligência é pensamento e sentimento em perfeita harmonia, e, portanto, a inteligência é a própria beleza, inerentemente, e não uma coisa para ser procurada.(3) 

Só existe um meio de encontrar a felicidade inteligente, que é o de vossa percepção e discernimento próprios; e só por meio da ação é que podeis dissipar os múltiplos obstáculos que vos impedem o preenchimento. Si, por vós próprios, puderdes perceber, simples e diretamente, as limitações que vos impedem de viver completo e profundo, e de como foram elas criadas, então sereis capazes de dissipar... Se cada qual de vós puder ter plenitude, viver em completa harmonia - cousa que exige grande inteligência e não a persecução de desejos egoístas - então haverá o bem estar para o todo.(4) 

Para se criar um ente humano inteligente, há necessidade de uma completa revolução no pensar. Um ente humano inteligente significa um ente humano se medo, não limitado pela tradição, o que não implica que deva ser amoral. Tendes de ajudar o vosso filho a ser livre, para descobrir e para criar uma sociedade nova - e não uma sociedade amoldada a algum padrão, tal seja o de Marx, o católico ou o capitalista. Requer isso muita reflexão, interesse e amor - não meras discussões sobre o amor. Se amássemos realmente os nossos filhos deveríamos de interessar-nos pela educação correta.(5)

No mundo moderno, a educação tem se preocupado não com o cultivo da inteligência, mas do intelecto, da memória e suas habilidades. Nesse processo pouco acontece além da transmissão de informações daquele que ensina para quem é ensinado, do líder para o seguidor, produzindo um modo de vida mecânico e superficial. Nisso não há quase nada de relacionamento humano.(6) 

Uma escola certamente é um lugar onde se aprende sobre a totalidade, o todo da vida. A excelência acadêmica é absolutamente necessária, mas uma escola inclui muito mais que isso. É um lugar onde tanto quem ensina quanto quem é ensinado investigam não somente o mundo exterior, o mundo do conhecido, mas também seu próprio pensar, seu próprio comportamento. A partir disso, eles começam a descobrir o próprio condicionamento e como o condicionamento distorce o pensar. Esse condicionamento é o eu, ao qual é dado uma tremenda e cruel importância. A libertação do condicionamento e de sua miséria começa com essa percepção. É somente em tal liberdade que um verdadeiro aprender pode acontecer. Nesta escola é responsabilidade do professor sustentar, junto com o aluno, uma investigação cuidadosa para com as implicações do condicionamento e, assim, terminá-lo.(7)

Todos os problemas que a humanidade hoje enfrenta, tanto psicologicamente, como nas outras esferas, são o resultado do pensamento. E nós estamos alimentando o mesmo padrão de pensamento, e o pensamento nunca solucionará nenhum desses problemas. Há contudo um outro tipo de instrumento que é a inteligência.(8)

Em lugar de meramente desejardes paz imediata neste mundo de confusão e angústia, considerai como vós, individualmente, podeis ser um centro não de paz mas de inteligência. A inteligência é essencial para a ordem, a harmonia e o bem-estar do homem. Há muitas organizações para a paz, porém, há poucos indivíduos livres, inteligentes no verdadeiro sentido da palavra. Vós deveis como indivíduos, começar a compreender a realidade; então a chama do entendimento se espalhará sobre a face da terra.(9)

Seguir quem quer que seja é, por certo, prejudicial à inteligência.(10)

A mente estúpida nunca se tornará inteligente mediante esforço; mas, se reconhece que é estúpida, isto basta para produzir uma transformação nela própria.(11)

Ser integralmente inteligente, significa estar desacompanhado do "eu".(12)

É a indagação constante, a autêntica insatisfação que faz nascer a inteligência criadora; mas é extremamente difícil manter acesos a investigação e o descontentamento; a maioria dos pais não quer que os filhos tenham essa espécie de inteligência, porque é muito desagradável morar com alguém que está sempre pondo em dúvida os valores convencionais.(13) 

O verdadeiro preenchimento advém quando a mente e o coração, voluntariamente se libertam daqueles valores auto-defensivos, impostos pela religião e pela sociedade; porém, enquanto a mente e o coração a si próprios se violentarem para se conformar a um modo particular de conduta, a um padrão de auto-defesa egoísta, tem sempre que haver medo, medo esse que nega o verdadeiro preenchimento e torna o homem uma máquina imitadora.(14)

Somos treinados para ser intelectuais, a nossa educação cultiva o intelecto para ser afiado, astuto, cheio de cobiça, e assim ele desempenha o papel mais importante em nossas vida. A inteligência é muito maior que o intelecto, porque é a integração da razão e do amor, mas só pode haver inteligência quando existe autoconhecimento, o entendimento profundo do processo total de si mesmo.(15)

É possível viver nesta sociedade, não apenas para ter um modo correto de subsistência, mas também para viver sem conflito? (…) Viver uma vida sem nenhum conflito requer grande dose de compreensão de si mesmo e, portanto, grande inteligência - não a inteligência aguda do intelecto, mas a capacidade de observar, de ver objetivamente o que está acontecendo, tanto externa como internamente.(16)

Opiniões, materiais ou ideológicas, impedem a realização da inteligência, a liberdade que apenas a realidade pode trazer à existência; e sem esta liberdade, a inteligência é consumida pela esperteza. As dimensões da esperteza são sempre complexas e destrutivas. É esta astúcia auto-protetora que conduz ao apego; e quando o apego provoca dor, é esta mesma sagacidade que busca o desapego e encontra prazer no orgulho e na vaidade da renúncia. A compreensão das manifestações da astúcia, das peculiaridades do ego, é o começo da inteligência.(17)

Educar o intelecto não resulta em inteligência. Antes, a inteligência advém quando se atua em perfeita harmonia, tanto intelectual como emocionalmente. Existe uma vasta diferença entre intelecto e inteligência. O intelecto é tão somente o pensamento funcionando independentemente da emoção. Quando o intelecto, sem ter em conta a emoção, é educado numa determinada direção, pode-se possuir um grande intelecto, nem por isso se tem inteligência, porque a inteligência contém a inerente capacidade tanto de sentir como de raciocinar; na inteligência, ambas as capacidades estão igualmente presentes de maneira intensa e harmônica... Se você introduz suas emoções nos negócios, diz você, os negócios não podem ser bem manejados nem ser honestos. Assim, pois, divide sua mente em compartimentos; num compartimento guarda seu interesse religioso, noutro suas emoções, num terceiro seu interesse comercial, o qual nada tem que ver com sua vida intelectual e emocional. Sua mente comercial considera a vida como um mero meio de ganhar dinheiro a fim de viver. É assim que continua esta existência caótica, esta divisão em sua vida. Se realmente usasse sua inteligência nos negócios, isto é, se suas emoções e seus pensamentos atuassem harmonicamente, seus negócios poderiam fracassar. É possível que assim acontecesse. E provavelmente você os deixaria fracassar quando de verdade percebesse o absurdo, a crueldade e a exploração que implica esta maneira de viver. Até que de fato vocês abordem toda a vida com inteligência, em vez de fazê-lo meramente com o intelecto, nenhum sistema no mundo salvará o homem do incessante afã por dinheiro.(18) 

Pensar criativamente é estabelecer harmonia entre a mente, o sentimento e a ação. Isto é, se estais convencidos de uma ação, em visardes a uma recompensa final, essa ação, resultado da inteligência, afasta todos os óbices impostos à mente pela falta de compreensão. (19)

Como disse (…), a inteligência é a solução única que produzirá a harmonia neste mundo de conflito, a harmonia entre a mente e o coração, na ação. (20)

Ora, (…) A essência da inteligência reside na compreensão da vida ou da experiência com a mente e coração frescos, renovados e aliviados de fardos. (21) 

Pois bem, (…) Como dissemos, quando há harmonia há silêncio. Quando a mente, o coração e o organismo estão em harmonia completa, há silêncio; porém, quando um dos três se deforma, se perverte, o que há é ruído. (…) Porém quando vocês vêem a verdade disso - a verdade, não o que “deveria ser” - quando vêem que isso é o real, então é a inteligência que o vê. Portanto, é a operação da inteligência a que produzirá esse estado. (22) O despertar da inteligência, pág. 175

O pensamento é do tempo, a inteligência não é do tempo. A inteligência é imensurável - não a inteligência científica, (…) a de um técnico, ou a de uma dona-de-casa, ou a de um homem que conhece muitíssimo. Isso está dentro do campo do pensamento e do conhecido. Quando a mente se acha em completo silêncio (…) só então há harmonia total, imenso espaço e silêncio. Somente então o imensurável é. (23) 

Ora, a inteligência, sem dúvida, só pode surgir quando sois livres para pesquisar, livres para pensar, livres para impugnar todas as tradições, para que nossa mente se torne muito ativa, muito lúcida e sejais, como indivíduo, uma entidade “integrada”, plenamente eficaz, - e não uma entidade assustada que nunca sabe o que lhe cumpre fazer e, por isso, obedece, sentindo intensamente uma coisa e sendo obrigada a ajustar-se a outra exteriormente. (…) Por isso, interiormente, há um conflito constante. (24) 

(1) Krishnamurti(2) Krishnamurti - in THIS MATTER OF CULTURE(3) Krishnamurti (A Luta do Homem, pág. 83)(4) Krishnamurti no Chile e no México - 1935(5)Krishnamurti - Autoconhecimento base da sabedoria(6) Krishnamurti - A Arte de Aprender - Terra Sem Caminho - Pág 221(7)Krishnamurti - A Arte de Aprender - Terra Sem Caminho - Pág 221(8)Krishnamurti - O Futuro da Humanidade - Cultrix
(9) Krishnamurti - Palestras em Ommem, 1936
(10) Krishnamurti - O Verdadeiro Objetivo da Vida - Cultrix(11) Krishnamurti - Austrália e Holanda - 1955(12)Krishnamurti - Quando o Pensamento Cessa - ICK(13) Krishnamurti - A Educação e o Significado da Vida(14) Krishnamurti no Chile e no México - 1935(15)Krishnamurti – O Livro da Vida(16)Krishnamurti - Perguntas e Repostas, pág. 75(17)Krishnamurti - O Livro da Vida(18) Krishnamurti - 4 DE MAIO OCK - Vol. I(19)Krishnamurti - A Luta do Homem, pág. 154-155(20)Krishnamurti -  Palestras em New York City, 1935, pág. 27(21) Krishnamurti - (Idem, pág. 49)(22)Krishnamurti - O despertar da inteligência, pág. 175(23)Krishnamurti -  (Idem, pág. 175-176)(24)Krishnamurti - Novos Roteiros em Educação, pág. 33

Despertando a inteligência integral

"Qualquer forma de tradição — trazida do passado —, que é utilizada para se saber se existe uma Grande Realidade, é obviamente um esforço perdido. A mente tem de estar liberta de toda a espécie de tradição e preceitos espirituais; caso contrário, ficamos completamente privados de verdadeira inteligência." — Krishnamurti


Pergunta: Você tem condenado a disciplina como meio de aperfeiçoamento, espiritual ou de outra natureza. Como se pode realizar qualquer coisa na vida, sem disciplina, ou pelo menos sem autodisciplina? 

Krishnamurti: Mais uma vez, escutemos. Escutemos, a fim de descobrir a verdade contida na questão. Não importa o que eu diga ou o que outro diga: nós temos de achar a verdade contida na questão. Em primeiro lugar, há muitos que afirmam que a disciplina é necessária, senão todo o sistema social, econômico e político, deixaria de existir; que para se fazer isto ou aquilo, para se conhecer Deus, necessita-se disciplina. É necessário seguir uma determinada disciplina, porque sem disciplina não se pode controlar a mente, sem disciplina nos excedemos. 

Eu, porém, desejo conhecer a verdade contida na questão e não o que disse Sankara, BUda, Patanjali, ou o que disse um outro qualquer. Desejo saber qual é a verdade a esse respeito. Não desejo depender de nenhuma autoridade, para descobrir. Eu imporia disciplina a uma criança? Disciplino uma criança quando não tenho tempo, quando sou impaciente, irado, quando quero obrigá-la a fazer alguma coisa. Mas se ajudo a criança a compreender porque prática mas ações, não é necessária a disciplina, vocês não acham? Se procuro explicar, se tenho paciência, se me dou ao trabalho de compreender o problema de porque a criança está procedendo de tal ou tal maneira, então, de certo, a disciplina é desnecessária. O que é necessário é despertar a inteligência, não acham? Se for despertada em mim a inteligência, então, evidentemente, não praticarei certas coisas. Visto que não sabemos a maneira de despertar essa inteligência, construímos muralhas de controle, resistência, a que chamamos disciplina. A disciplina, pois, nada tem em comum com a inteligência: ao contrário, destrói a inteligência. Se compreendo que determinada maneira de pensar — pensar, por exemplo, em termos de nacionalismo — é um processo errôneo, se percebo toda a sua significação, o isolamento, o sentimento de identificação com uma coisa maior, etc., se percebo toda a significação do desejo, da atividade da mente, se verdadeiramente lhe compreendo e percebo todo o conteúdo, se minha inteligência desperta para essa compreensão, então, o desejo desaparece; não preciso dizer "este é um desejo perverso". Requer isso vigilância, atenção, exame, não acham? E porque não somos capazes de tal, dizemos que precisamos de disciplina, maneira muito infantil de se pensar num problema tão complexo. Os próprios sistemas educativos estão abandonando a ideia de disciplina. Estão procurando investigar a psicologia da criança e a razão por que ela procede de tal maneira; estão observando-a, ajudando-a. 

Considerem agora o processo da disciplina. Em que ele consiste? A disciplina, sem dúvida, é um processo de compulsão, de repressão, não é certo? Desejo fazer uma determinada coisa e digo: "tenho de fazê-la, porque desejo alcançar tal estado", ou "essa coisa é má". Compreendo alguma coisa quando a condeno? E quando condeno alguma coisa, observo-a, examino-a? Eu não a vi. Só a mente indolente se coloca a disciplinar, sem compreender a significação que isso tem; e estou convencido de que todos os preceitos religiosos foram estabelecidos para os indolentes. É tão mais fácil seguir do que investigar, inquirir, compreender. Quanto mais disciplinada uma pessoa, tanto menos aberto o seu coração. Sabem estas coisas, senhores? Como pode um coração vazio compreender algo que não está sob a influência da mente?

O problema da disciplina, com efeito, é muito complexo. Os partidos políticos se servem da disciplina como meio de alcançar um determinado resultado, como meio de fazer o indivíduo ajustar-se ao padrão ideal de uma sociedade futura, pela qual estamos plenamente dispostos a nos deixarmos escravizar, porque ela promete algo maravilhoso. Assim, a mente que está em busca de recompensa, de um objetivo, obriga-se a ajustar-se a esse objetivo, que é sempre projeção de uma mente mais engenhosa, uma mente superior, uma mente mais astuciosa. A mente disciplinada nunca é capaz de compreender o que significa "estar em paz". Como pode a mente que está cercada de regras e restrições enxergar qualquer coisa que está além?

Se examinarem esse processo de disciplina, verão que o desejo é que o sustenta, o desejo de ser forte, o desejo de alcançar um resultado, o desejo de tornar-se algo, o desejo de ser poderoso, de se tornar "mais" e não "menos". Esse impulso do desejo está sempre ativo, impelindo ao conformismo, à disciplina, à repressão, ao isolamento. Vocês podem reprimir, podem disciplinar. Mas o consciente não pode controlar e moldar a mente inconsciente. Se procuram moldar a mente inconsciente de vocês, isso é o que se chama disciplina. Não é verdade? Quanto mais reprimem, quanto maios amordaçam suas mentes, tanto mais se revolta o inconsciente, e no fim a mente ou se torna neurótica ou extravagante. 

Por conseguinte, o que tem importância, nesta questão, não é seu eu condeno a disciplina ou se vocês a aprovam; vejamos como se desperta a inteligência integral, não a inteligência dividida em compartimentos, mas a inteligência "integrada", a qual traz a sua compreensão própria e evita, por conseguinte, certas coisas, naturalmente, automaticamente, livremente. A inteligência é que guiará, e não a disciplina. Senhor, este é uma questão realmente importantíssima e muito complexa. Se de verdade desejamos investigá-la, se observarmos a nós mesmos e compreendermos todo o processo da disciplina, veremos que não somos verdadeiramente disciplinados, em absoluto. Vocês são disciplinados, em suas vidas? Ou estão reprimindo as suas ânsias, resistindo às várias formas de tentação? Se resistem por meio da disciplina, aquelas tentações e ânsias continuarão a existir. Não ficam elas profundamente ocultas, aguardando apenas uma brecha por onde saírem impetuosamente? Vocês não têm notado como, a medida que vão ficando mais velhos, voltam a manifestar-se os sentimentos outrora reprimidos? Não podem usar de artifícios com o inconsciente de vocês. ele lhes dará o troco multiplicado por mil. 

Eu lhes asseguro que a disciplina não lhes levará a parte alguma; pelo contrário, ela é um processo cego, privado de inteligência e de pensamento. Mas despertar a inteligência constitui um problema de todo diferente. Não se pode cultivar a inteligência. A inteligência, uma vez desperta, traz consigo sua própria maneira de operar; ela regula a sua própria vida, observa as várias formas de tentações, inclinações, reações, e as investiga; compreende, não superficialmente, porém, de maneira integral, completa. Para tal, precisa a mente estar sempre atenta, sempre vigilante. Não é verdade? Certo, para a mente que deseja compreender, as restrições por ela própria impostas a si mesma são de pouquíssima valia. Para compreender, é mister liberdade; essa liberdade não vem por meio da compulsão de espécie alguma; e a liberdade não está no fim, e sim no começo. Nosso problema é o de despertar a inteligência "integrada", e isso só pode realizar-se quando somos capazes de compreender o todo. 

Este complexo problema do desejo expressa-se por meio da disciplina, do conformismo, da repressão, da crença, do conhecimento. Logo que percebemos a vasta estrutura do desejo, começaremos a compreende-lo. Começará então a mente a ver-se a si mesma e a ser capaz de receber algo que não é projeção dela própria. 

Jiddu Krishnamurti — 6 de janeiro de 1952 - Quando o pensamento cessa   

Leia também: Coletânea sobre o despertar da inteligência

terça-feira, 9 de julho de 2013

Pode a mente rude se tornar sensível?

Pergunta: Pode a mente rude se tornar sensível?

Krishnamurti: Escutem a pergunta, o significado que jaz oculto atrás das palavras. Pode a mente rude se tornar sensível? Se digo que minha mente é rude e procuro torna-la sensível, o próprio esforço para torna-la sensível é rudeza. Vejam bem isso, por favor. Não se mostrem intrigados — observem! Mas se, ao contrário, reconheço que sou rude, sem desejar mudar o estado, sem procurar tornar-me sensível; se começo a compreender o que é rudeza, se observo em minha vida de cada dia — minha maneira sôfrega de comer, a rispidez com que trato as pessoas, o orgulho, a arrogância, a vulgaridade de meus hábitos e pensamentos — então essa própria observação transforma o que é.

Analogamente, se sou estúpido e digo que devo tornar-me inteligente, o esforço para me tornar inteligente é apenas uma forma ampliada de minha estupidez; porque o importante é compreender a estupidez. Por mais que eu me esforce para me tornar inteligente, minha estupidez permanecerá. Poderei adquirir um superficial verniz de ilustração, ser capaz de citar livros, repetir mensagens dos grandes autores, mas, basicamente, continuarei estúpido. Porém, se vejo e compreendo a estupidez, conforme se manifesta em minha vida diária — como me comporto com meu empregado, como olho o meu vizinho, o homem pobre, o homem rico, o auxiliar de escritório — então, esse próprio percebimento provoca a dissolução da estupidez.


Tem isso. Observem-se quando falam com o seu serviçal, observem o enorme respeito que mostram para com o patrão e o pouco caso que fazem do homem que nada tem para dar-lhes. Começarão, então, a descobrir como são estúpidos; e, no compreender a estupidez, há inteligência, sensibilidade. Vocês não têm de tornarem-se sensíveis. O homem que está tentando tornar-se alguma coisa é feio, insensível; é rude.

Krishnamurti — A Cultura e o Problema Humano

Por que os mais velhos deixam de ser inteligentes?

Pergunta: O que é inteligência?

Krishnamurti: Examinemos esta questão devagar, pacientemente. Para descobrir. Descobrir não é chegar a uma conclusão. Não sei se vocês percebem a diferença. No momento em que vocês chegam a uma conclusão sobre o que é inteligência, deixam de ser inteligentes. Foi isso o que fez a maioria das pessoas mais velhas: chegaram a conclusões. Por isso, deixaram de ser inteligentes. Vocês descobriram, pois, uma coisa: que a mente inteligente é aquela que está aprendendo constantemente, sem jamais tirar conclusões.

O que é inteligência? A maioria das pessoas se satisfaz com uma definição do que é inteligência. Ou dizem: “Esta é uma boa explicação”, ou preferem sua explicação própria, pessoal. Mas a mente que se satisfaz com explicações é muito superficial e, por conseguinte, ininteligente. Vocês começaram a ver que a mente inteligente não é aquela que se satisfaz com explicações, com conclusões; não é, tampouco, a que acredita, porque a crença é, também, outra forma de conclusão. A mente inteligente é aquela que investiga, que observa, aprende, estuda. E o que significa isso? Que só há inteligência quando não há medo, quando vocês estão dispostos a se rebelarem contra toda a estrutura social a fim de descobrir o que é Deus, descobrir a verdade relativa a qualquer coisa.

Inteligência não é sapiência. Se vocês pudessem ler todos os livros do mundo, isso não lhes daria inteligência. A inteligência é coisa muito sutil; ela não tem ancoradouro. Surge quando vocês compreendem o processo total da mente — não a mente segundo certo filósofo ou professor, mas a própria mente de vocês. A mente de vocês é o resultado da comunidade inteira e, quando a compreendem, não necessitam de estudar um só livro, porque ela contém todo o conhecimento do passado. A inteligência, pois, surge com a compreensão de si mesmo; e só podem se compreender em relação com o mundo das pessoas, das coisas, e das ideias. Inteligência não é coisa adquirível, como a sapiência; ela surge quando há uma grande revolta, isto é, quando não há medo; e isso significa: quando há sentimento de amor, pois, quando não há medo, há amor.

Se você só está interessado em explicações, receio que irá achar que não respondi à sua pergunta. Perguntar o que é inteligência é coisa semelhante a perguntar o que é a vida. A vida é estudo e recreação, sexo, trabalho, disputa, inveja, ambição, amor, beleza, verdade; a vida é tudo, não é? Mas, vejam, a maioria de nós não tem paciência para prosseguir, séria e constantemente, nesta investigação.  

Krishnamurti — A Cultura e o Problema Humano

terça-feira, 9 de abril de 2013

Por que vive o homem em constante sofrimento?

O sofrimento não é meramente um choque aplicado á mente para despertá-la de sua própria insuficiência? O reconhecimento dessa insuficiência cria aquilo que chamamos tristeza. Suponham que vocês vem confiando em seu filho, marido ou esposa para satisfazer esta insuficiência; desta falta de plenitude, por motivo da perda dessa pessoa a quem amavam, é criada a consciência plena dessa vacuidade, desse vazio; e dessa vacuidade advém a tristeza e vocês dizem: "eu perdi alguém".

Assim, em virtude da morte, dá-se, em primeiro lugar, a plena consciência da vacuidade que vocês cuidadosamente tem evitado. Daí, onde houver dependência, sentimento de vazio, de insuficiência, há portanto, tristeza e dor. Nós não queremos reconhecer isto; não vemos que está é a causa fundamental de tudo isto. E assim, começamos a dizer: "perdi, o meu amigo, meu marido, minha esposa, meu filho. Como superar esta perda?" Como vencerei a tristeza?"

Todo este vencer e superar não é mais do que substituição. Nele não há entendimento e, portanto, só pode haver mais sofrimento, embora momentaneamente encontrem uma substituição, que lhes faça a mente afundar num completo sono. Se não buscarem superar, vencer o sofrimento, então vocês se voltam para as sessões espíritas, para o médiuns ou buscam por abrigo na prova cientifica de que a vida continua após a morte.

Assim, vocês começam a descobrir vários tipos de fuga e de substituição, que momentaneamente lhes aliviam do sofrimento. Ao passo que se tivesse lugar — a cessação desse desejo de vencer e se realmente existisse o desejo de compreender, de averiguar, fundamentalmente, o que causa dor e tristeza, então vocês descobririam que, enquanto houver solidão, sensação de vacuidade, de insuficiência, em, em sua expressão externa, representam dependência, tem de haver dor. E não lhes é possível preencher esta insuficiência, pelo domínio dos obstáculos, por meio de substituições, fugindo ou acumulando, que nada mais é do que esperteza da mente engolfada na conquista do lucro.

O sofrimento é apenas essa alta, intensa claridade do pensamento e emoção, que lhes força a reconhecer as coisas tais como são. Isto, porém, não implica aceitação, resignação.

Quando vocês, no espelho da verdade, veem as coisas tais como são, o que é inteligência, há alegria, há êxtase; nisso não há dualidade, nem sentimento de perda, nem divisão.

Eu lhes afirmo que isto não é teoria. Se refletirem sobre o que estou agora dizendo, verão como a memória cria uma dependência, cada vez maior, o contínuo retrocesso a um acontecimento emocional, para dele extrair uma reação, a qual impede a plena expressão da inteligência no presente.

(...)

Precisamos compreender as causas fundamentais da luta e do sofrimento e, então, a nossa ação, inevitavelmente, trará uma completa mudança.Todo o nosso interesse deveria orientar-se, não no sentido de resolver qualquer problema particular, não em direção a qualquer fim determinado ou objetivo definido, porém, na direção do entendimento da vida como um todo, integro. Para fazer isto, as limitações que foram opostas à mente e que estropiam o pensamento e ação têm de ser discernidas e dissipadas. Se o pensamento estiver, realmente, livre dos inúmeros empecilho que lhe impusemos em nossa busca de segurança, então, defrontaremos a vida como um todo e nisto se encontra grande felicidade. A mente cria a autoridade, e torna-se sua escrava, e daí a ação impedida constantemente, mutilada, sendo isso a causa do sofrimento. Se observarem o pensamento de vocês, verão como ele está aprisionado entre o passado e o futuro. O pensamento está continuamente bitolando-se, guiando-se pelo passado e ajustando-se ao futuro; a ação torna-se assim incompleta no presente, o que cria em nossas mentes a ideia do não preenchimento, de onde surge o temor da morte, a cogitação do além e as muitas limitações nascidas do ser incompleto.

(...)

Há muitas espécies de sofrimento, e se começarem a discernir a sua causa, perceberão que o sofrimento deve coexistir com a exigência, por parte de cada indivíduo, de se sentir seguro, seja financeiramente, seja espiritualmente, ou ainda nas relações humanas. Onde houver busca de segurança grosseira, ou sutil que seja, tem de haver medo, exploração e tristeza.

(...)

Como a maioria dentre nós está sendo adestrada, ou já o foi, para se torcer e se adaptar a um molde particular, não podemos ver a formidável importância, que há em considerar os múltiplos problemas humanos como um todo, sem dividi-los em várias categorias. E dado o fato de termos sido adestrados e torcidos, temos de nos libertar do molde imposto e reconsiderar, agir de novo, a fim de compreendermos a vida em conjunto. Isto exige que cada indivíduo, por meio do sofrimento, se liberte do medo.

Visto que haja múltiplas formas de medo, o medo social, o econômico e o religioso, no entanto, só há uma causa para ele, que é a busca de segurança. Quando, individualmente, destruirmos as paredes e as fórmulas que a mente criou para proteger a si mesma, por esse modo produzindo o medo, então se manifestará a verdadeira inteligência, que trará ordem e felicidade a este mundo de caos e sofrimento.

Aquilo que vocês são forçados a fazer, por meio do sofrimento, pode ser feito naturalmente, graciosamente.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK


sexta-feira, 5 de abril de 2013

Quem têm medo não pode ser inteligente

A inteligência, para mim, é verdade, beleza e amor.
(...)
O que eu chamo inteligência é o estado de plena consciência da fonte de suas ações e, para descobrir essa fonte, devem estar libertos da limitação da individualidade.

Busquem a fonte da ação de vocês pela constante vigilância da mente, pela compreensão do transitório, pelo significado pleno de uma experiência que encerra o eterno.
(...)
A inteligência, liberta do eu-consciência, torna a mente perfeita.

Inteligência é a harmonia da mente e do coração e, por isso, ela é suprema, em si mesma divina.
(...)
A sabedoria é como as águas que correm; não pode ser capturada nem adquirida. A sabedoria é verdadeira inteligência, e a verdadeira inteligência é o discernimento do reto valor. Vocês só podem descobrir o reto valor, quando a mente não mais procurar aquisições nem conformidades.  

Deixem que eu tome um exemplo e saberão o que tenho em mente dizer. Suponham que estão sofrendo intensamente, por causa da morte de alguém, ou porque alguém não lhes ama. Nesse sofrimento buscam felicidade, consolação. Por isso, prontamente aceitam qualquer consolo que outrem tenha para lhes oferecer. Se, entretanto, não estiverem buscando a felicidade como uma coisa oposta ao sofrimento de vocês, então examinarão impessoal e criticamente o que quer que lhes sobrevenha e, por essa maneira, descobrirão o verdadeiro valor de cada experiência, de cada dádiva da vida. No assim experimentar cada incidente da vida, com todo o ser de vocês, não buscando satisfação ou consolo próprio, nasce a inteligência.
(...)
A harmonia da mente e do coração é a verdadeira inteligência, não a inteligência proveniente do muito aprender, do muito conhecimento armazenado, porém a inteligência de uma mente que continuamente está se libertando de suas próprias ações, mente que, pelo fato de viver completamente no presente, não cria memória, mente que, pela sua própria ação, não cria uma resistência que desperdiça a concentração no presente.

Vocês necessitam da harmonia da mente e do coração para realizar a verdade, sendo que a maioria das pessoas evitam ser inteligentes, porque isto lhes exige ação. Para ser inteligente, vocês necessitam de se libertarem do fingimento da sociedade, da consciência de classe, do egoísmo. As pessoas que se interessam pelo movimento da realidade, podem ser inteligentes. A inteligência não é somente o dom do gênio. É na verdade muito simples; tão simples é, que lhes evita; ou melhor, é tão delicada que vocês a evitam, porque querem algo de concreto em que se agarrar. O que é que torna uma pessoa obtusa, estúpida, lenta? A falta de adaptabilidade, de plasticidade. É escrava de ideias particulares, que são ela própria, ao passo que, se sempre estiver alerta, vigilante, abrindo seu caminho sem finalidade fixa, sem uma ideia concreta de consecução, então será inteligente.
(...)
É o medo que conduz à ação não inteligente, portanto, ao sofrimento, e como os indivíduos estão cativos desse medo, eu procuro despertar neles a percepção da barreira por si mesma criada de ignorância e preconceito. Pelo fato de cada indivíduo buscar a própria segurança sob múltiplas formas, não pode haver cooperação inteligente com seu ambiente, e seguem-se daí muitos problemas, que não podem ser superficialmente resolvidos. Se cada um de vocês fosse corajoso, não ansiando por segurança, sob qualquer forma que fosse, neste mundo ou no além, então, neste estado de valentia, a inteligência poderia funcionar e produzir ordem e felicidade.
(...)
A inteligência desperta-se por meio do próprio percebimento de vocês, de um modo novo de viver, espontaneamente, sem esforço para se ajustarem. Nisto existe um êxtase que é verdadeira beleza.
(...)
O homem que têm medo não pode ser inteligente — pois o medo impede o puro discernimento.
(...)
Onde houver a imitação, não poderá haver o rico preenchimento da vida.
(...)
O desejo do oposto cria o temor e deste temor surge a imitação.
(...)
Onde há imitação, deve haver também medo, e a ação imitativa é desprovida da inteligência.
(...)
O indivíduo é o universo inteiro, o mundo inteiro, e não somente uma parte separada do mundo. O indivíduo é o todo-inclusive, não o todo-exclusivo. Ele está continuamente fazendo esforços, experimentando, em diferentes direções; porém o "eu" em vocês, em mim e em todos, é igual, embora suas expressões possam e devam variar. Quando compreenderem este fato e dele forem plenamente conhecedores, já não procurarão salvação no exterior. Não necessitarão de agente exterior e assim ficará abolida a causa fundamental do medo. Desembaraçar-se do medo é compreender que em vocês está o centro focal da expressão da vida. Quando tiverem tal visão, serão os criadores das oportunidades, já não evitareis as tentações, as transcenderão; já não desejarão imitar e se tornar uma máquina, em um tipo que é apenas o desejo de se conformar com uma base. Utilizarão a tradição para avaliar e por esse meio transcender toda a tradição.
(...)
A conduta nascida da compulsão, seja da recompensa ou da punição, a do temor ou do amor, não é reta conduta. É mera imitação forçar e drenar a mente, de acordo com certas ideias, a fim de evitar o conflito. Esta espécie de disciplina, imposta ou voluntária, não conduz à conduta reta.

A conduta reta só é possível, quando vocês compreenderem o pleno significado do processo auto-ativo da ignorância e o reformar da limitação pela ação do desejo. No discernimento profundo do processo do medo, dá-se o despertar daquela inteligência que produz a reta conduta. Pode a inteligência ser despertada pela disciplina, imposta ou voluntária?

Será isso questão de drenar o pensamento de acordo com um molde particular? A inteligência pode ser despertada, pelo medo que lhe impede de se subjugarem a um padrão moral? A compulsão, de qualquer espécie que seja, externa ou voluntariamente imposta, não pode despertar a inteligência, porque a imposição é resultante do temor. Onde há medo não pode haver inteligência. Onde funciona a inteligência, há ajuste espontâneo, sem o processo da disciplina.

Portanto, a questão não é se a disciplina é certa ou errada, ou se é necessária, mas como pode a mente libertar-se do temor por si próprio criado. Pois, quando há libertação do medo, não existe o sentimento da disciplina, mas sim a plenitude da vida.

O pensamento deve ser vital, dinâmico, não mecânico ou imitativo.

Considera-se pensar positivo um sistema de disciplinar a mente de acordo com uma modalidade particular. Primeiramente, vocês criam ou aceitam uma imagem intelectual, um ideal e, de acordo com este, torcem o pensamento de vocês.

Esta conformidade, esta imitação é tomada erroneamente por compreensão; porém, de fato, é apenas ânsia de segurança, nascida do medo. O incitamento do medo conduz apenas à conformidade, e a disciplina nascida do medo não é o reto pensar. 

Krishnamurti — O medo — 1946

Inteligência e conflito não podem existir

O conflito só pode existir entre duas coisas falsas; o conflito não pode existir entre a verdade e aquilo que é falso.
(...)
Para mim, o conflito é o fluir interrompido da ação espontânea do pensamento e sentimento harmoniosos. Quando o pensamento e a emoção estão desarmonizados, há conflito na ação; isto é, quando a mente e o coração estão em um estado de discórdia, criam um empecilho à expressão da ação harmoniosa e daí vem o conflito.

Tal empecilho à ação harmoniosa é causado pelo desejo de fugir à experiência completa da vida, pelo encarar a vida sempre com o peso da tradição — seja ela religiosa, política ou social.

Esta incapacidade de fazer face à experiência em sua totalidade cria o conflito e o desejo de fugir dele.
(...)
O conflito humano, sua dor e sofrimento, residem entre duas coisas falsas, entre aquilo que o homem considerar essencial e não essencial.

Enquanto não compreendermos o mérito do ambiente que cria o indivíduo que contra ele combate, tem de haver luta, tem de haver conflito, tem de haver sempre crescente refreio e limitação. Portanto, a ação cria barreiras interiores.

E a mente e coração — que para mim são o mesmo, eu as divido apenas para conveniência de linguagem — estão tolhidos e anuviados pela memória, e a memória é o resultado oriundo da busca de segurança, é a resultante do ajustamento ao ambiente, e essa memória está continuamente anuviando a mente, isto é, a própria inteligência. Esta memória cria a falta de entendimento; essa memória cria o conflito entre a mente e o ambiente. Se vocês, porém, puderem se acercar do ambiente renovado e não oprimido pela memória do passado que nada mais é que um cuidadoso ajustamento e, portanto, meramente uma advertência; se forem essa inteligência, essa mente que continuamente está renovando a si mesma, não se ajustando, se modificando, segundo uma condição, porém fazendo frente renovadamente, semelhante ao sol de uma fresca manhã ou às estrelas da tarde, então, nessa frescura, nesse estado de alerta, advém a compreensão de todas as coisas. Portanto, o conflito cessa por completo, pois que a inteligência e conflito não podem existir. A desarmonia cessa quando a inteligência está funcionando em sua plenitude.
(...)
Vocês se esforçam para buscar a realidade última, a qual chamam de Deus, Verdade ou Vida, através das névoas dos seus desejos, lutas e ilusões, e, com ideais preconcebidos, relativos a esta realidade, tentam viver todos os seus dias na sombra dessa imagem. Ora, para mim, esta maneira de viver, é falsa, pois que onde há conflito, luta e sofrimento, não pode haver compreensão da verdade. É somente por meio da completa cessação da luta, do esforço, da tristeza, que advém o entendimento dessa viva realidade.
(...)
O homem que se acha livre do medo, posto que se submeta às coisas externas, permanece isento da influência delas, livre em seu pensamento e puro em seu coração.

Tal homem gozará da harmonia interna e, por isso, compreenderá a verdade.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Na consciência limitada, o "eu", encontra-se a fonte do medo

O que é que a fé é criada no homem?

Fundamentalmente, é o medo. Vocês dizem: "Se me libertar da fé, ficarei com medo e por isso nada lucrarei".

Assim, vocês preferem viver numa ilusão, apegando-se às suas fantasias.

Para escapar do medo, vocês criam a fé. Agora, quando, por meio do pensar profundo, dissolvem a fé, ficam face à face com o medo. Somente então podem resolver a causa do medo. Quando todas as vias de fuga houverem sido, por completo, compreendidas e destruídas, então, estarão frente a frente com a raiz do medo; só então a mente poderá libertar-se da guerra do temor.

Quando há temor, as religiões e as autoridades que vocês têm criado, na busca de segurança, lhes oferecem o ópio a que vocês chamam fé ou amor de Deus.

Assim, apenas encobrem o medo, que se expressa em vias ocultas e sutis.

Assim, prosseguem rejeitando as velhas fés e aceitando as novas; porém, o verdadeiro veneno, a raiz do temor, jamais se dissolve. Enquanto existir essa consciência limitada, o "eu" tem de haver medo. Até que a mente se liberte dessa consciência limitada, o medo tem de continuar, sob uma ou outra forma.
(...)
A fé lhes proporciona conforto, alívio, no infortúnio ou na tristeza.

Sobre a fé vocês têm construído um sistema de compulsão, de disciplina, um conjunto de valores falsos.

Vocês buscam por abrigo atrás da parede protetora da fé e essa parede lhes impede o amor, a simpatia e a bondade; isso, porque a ocupação de vocês se refere a si próprios, à salvação e ao bem-estar de vocês neste mundo e no além.

Se começarem a estar percebidos, a discernir como criaram esse processo por meio do medo, como estão constantemente buscando abrigo, por detrás desses ideais, conceitos e valores, sempre que venha qualquer reação, então, compreenderão que o percebimento não é a ocupação com os seus pensamentos e sentimentos, porém, a profunda compreensão da insensatez de criar esses valores, por detrás dos quais a mente se abriga.
(...)
A individualidade se desenvolve no solo da paixão, do ódio, do ciúme, da avidez, da ação, da inação, da solidão, do desejo de companhia. Porém, o homem que depende de qualquer destas coisas conhece a separação e está preso às garras da tristeza. Onde quer que haja tristeza há busca de conforto e de segurança da existência individual. Quando se compreende que este anseio é uma ilusão, então, em seu lugar, nasce a fé — fé não em outra pessoa, em outro indivíduo, ainda que altamente evoluído, ainda que superior, mas a fé na realidade que existe dentro de si mesmo. É isto que denomino verdadeira fé — a realização de que dentro de vocês reside a potencialidade do todo e que a tarefa de vocês é perceber e realizar a totalidade.

Krishnamurti - O medo - 1946 - ICK

Despertando em si mesmo a verdadeira inteligência


Onde houver segurança há exploração. E vocês, como indivíduos, pela segurança, se tornam exploradores e explorados. Vocês é que criam o mediador entre vocês e o verdadeiro discernimento dos valores retos, o qual é inteligência.

Ninguém, porém, pode lhes dar essa inteligência. Nada, a não ser a sua própria percepção desperta, pode lhes ensinar o reto valor do dinheiro, do afeto, do pensamento.

Então, as complicações da crença organizada desaparecerão.

Então, não mais haverá esse prosseguimento da devoção, essa falsa reverência baseada no medo, no qual não existe a percepção dos verdadeiros valores.
(...)
Por todo o mundo anda o homem à busca da segurança na imortalidade. O medo o faz buscar conforto numa crença organizada, que se chama religião, com seus credos e dogmas, com sua pompa e superstição. Estas crenças organizadas, as religiões, fundamentalmente separam o homem. E se examinarem seus ideais, sua moral, verão que estão baseados no medo e no egoísmo. Da crença organizada decorre o desejo rendoso que, sutilmente se torna cruel autoridade, para explorar o homem por meio do seu medo.
(...)
Por toda parte do mundo há constante sofrimento que parece infindável. Há a exploração de uma classe pela outra. Vemos o imperialismo com todas as suas imbecilidades, com todas as suas guerras e com as crueldades oriundas do desejo rendoso, seja em ideias, seja em crenças ou em poder. Além disto, há o problema da morte e a busca de felicidade e de certeza num outro mundo. Uma das razões fundamentais pelas quais vocês pertencem a uma religião ou a uma seita religiosa é lhes prometer um lugar seguro no além.

Aqueles dentre nós que estão ativa e inteligentemente interessados pela vida, veem tudo isto e, desejosos de operar uma mudança fundamental, imaginam que deveria haver um movimento em massa.

Ora, para criar um movimento verdadeiramente coletivo, é preciso que se dê o despertar do indivíduo. Eu me preocupo com esse despertar. Se cada indivíduo despertar em si mesmo essa verdadeira inteligência, então produzirá o bem estar coletivo, sem exploração nem crueldade. Enquanto a plenitude inteligente do indivíduo estiver impedida, tem de haver caos, tristeza e crueldade.

Se vocês forem arrastados a cooperar, por meio do medo, jamais poderá realizar-se a plenitude individual. Portanto, eu não me preocupo em criar uma nova organização ou partido, ou em lhes oferecer uma nova substituição; preocupo-me com o despertar dessa inteligência, que é a única que pode dar solução às múltiplas tristezas e misérias humanas.
(...)
Onde houver medo, que é o resultado da segurança, tem de haver exploração. Libertar a mente do medo é uma das coisas mais difíceis de executar.

As pessoas são muito rápidas em dizer que não têm medo. Se, porém, quiserem realmente averiguar se estão libertos do medo, têm de a si próprias se colocar à prova na ação. Têm de compreender a estrutura, em conjunto, da tradição e dos valores e, no apartarem-se, elas próprias, dessas coisas criarão conflito em que descobrirão se estão livres. Ora, nós, pela maior parte, estamos agindo em conformidade com certos valores estabelecidos. Não conhecemos seu verdadeiro significado.

Se quiserem descobrir a constituição do ser de vocês, pulem fora da trilha que estão seguindo, e, então, verificarão os múltiplos e sutis temores que escravizam suas mentes. Quando a mente se libertar do medo, não mais haverá exploração, crueldade nem tristeza.
(...)
Na busca da segurança individual de vocês a que chamam imortalidade, começam a criar muitas ilusões e ideais que se tornam meios de grosseira ou sutil exploração. Para lhes dar segurança e para interpretar as suas ânsias de segurança no além e no presente, é preciso que haja mediadores, mensageiros, que, por meio do medo de vocês, se tornam seus exploradores.

Portanto, fundamentalmente, vocês são os criadores dos exploradores, sejam eles econômicos ou espirituais. Para compreender esta estrutura religiosa, que se tornou um meio de explorar o homem em todo o mundo, vocês precisam compreender o próprio desejo e as suas modalidades de ação sutil e astuta.
(...)
A religião nada mais é do que um sistema organizado de crença, baseado no medo e no desejo de segurança. Onde houver o próprio desejo, desejo de segurança, tem de haver temor; e vocês, por meio da religião, buscam aquilo a que se chama imortalidade, segurança no além, sendo que aqueles que lhes prometem e lhes asseguram essa imortalidade, tornam-se seus guias, seus instrutores e autoridades.
(...)
Pelo medo, cria-se a autoridade, e, a ela cedendo, vocês produzem a exploração. Portanto, cada um de vocês, em virtude do medo, cria exploradores. Pelos próprios desejos e temores, vocês têm criado as religiões com seus dogmas, seus credos e toda a sua pompa e representação.

As religiões, como crenças organizadas que são, com seus desejos rendosos, não conduzem o homem à realidade. Tornaram-se máquinas de exploração. Vocês são, porém, os responsáveis pela sua existência. A mente precisa de se libertar de todas as ilusões criadas pelo medo, ilusões essas que aparecem, agora, como realidade, e quando a mente for simples e direta, capaz de pensar verdadeiramente, então não mais criará exploradores.

Krishnamurti - O medo - 1946 - ICK

quinta-feira, 28 de março de 2013

Descobrindo a causa fundamental do medo

O homem é autoridade absoluta para si mesmo; o homem é o seu próprio senhor, não é tributário das circunstâncias exteriores. Ele , por suas próprias tristezas, pelas suas complicações, pelos seus desentendimentos, faz parte do mundo, e o mundo que o rodeia é sua expressão.

(...)

Para onde quer que vocês se dirijam, verificarão que as pessoas buscam a felicidade que é permanente, durável e eterna. São, porém, colhidas como peixe na rede — rede má — das coisas transitórias que as rodeiam, pelos aborrecimentos, pelas atrações, antipatias, ódios, despeitos, por todas essas mesquinhas coisas que ligam o homem. É como se estivéssemos num jardim onde há muitas flores. Cada flor se esforça por expandir-se, por viver e proporcionar seu aroma, mostrar sua beleza, seus desejos, por evidenciar ao mundo seu pleno crescimento. Durante o processo de desabrochar, de conquistar, de expandir-se, perde-se o homem no que é exterior. Surge daí a complicação e ele têm de distinguir desde o começo o que é essencial do que o não é.

(...)

Como vocês podem compreender o ambiente? Como podem entender o pleno significado e merecimento? O que é que lhes impede de ver seu significado? O medo. O medo é a causa da busca de proteção ou segurança, segurança que ou é física ou espiritual, religiosa ou emocional. Enquanto existir esta busca, tem de haver medo, o qual então cria a barreira entre a mente de vocês e o ambiente e, por esse modo, cria um conflito; e esse conflito, vocês não podem dissolver, enquanto somente se preocuparem com o ajustamento, a modificação, e jamais com a descoberta da causa fundamental do medo.

Assim, pois, onde houver esta busca de segurança, de certeza, de uma meta impedindo o pensar criador, tem de haver o ajustamento chamado disciplina de si própria, que nada mais é que compulsão, a imitação de um padrão. Ao passo que, quando a mente vê que não existe tal segurança no ajuntamento de coisas ou de conhecimentos, então a mente liberta-se do medo, e portanto a mente é inteligência, e aquilo que é inteligência não se disciplina a si mesmo. Só há própria disciplina, onde não há inteligência. Onde há inteligência, há entendimento liberto da influência do controle e do domínio. 

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK

Onde há medo não pode haver inteligência

Quero falar agora a respeito do medo, que necessariamente cria compulsão e influência.

Nós dividimos a mente em pensamento, razão e intelecto; mas, para mim, a mente é inteligência criadora de si mesma, porém nublada pela memória; a mente que é inteligência, estando nublada pela memória, confunde-se com esse "eu" consciência, que é o resultado do ambiente. Assim, a mente torna-se escravizada pelo ambiente que ela própria criou através do desejo, e, portanto, há temor continuamente. A mente criou o ambiente e, enquanto não compreendermos este ambiente, deve haver medo. Não damos todo o nosso entendimento ao ambiente e não estamos plenamente conscientes dele e, assim, a mente torna-se escrava desse ambiente e por causa disso há medo; e a compulsão é o instrumento desse medo. Logo, naturalmente, a falta de entendimento do ambiente é produzida pela falta de inteligência, e, por não compreendermos o ambiente, o medo é, por essa forma, criado, necessitando de influência, seja externa ou interna.

E como é criada esta continua compulsão, a qual se tornou o instrumento, o penetrante instrumento do medo? A memória nubla a mente, e a mente nublada, é o resultado da falta de entendimento do ambiente, que cria conflito, e a memória torna-se consciência de si própria. Esta mente, nublada, limitada e confinada pela memória, busca a perpetuação do resultado do ambiente, que é o "eu"; assim, na perpetuação do "eu", a mente busca ajustamento, a alteração ou modificação do ambiente, seu crescimento e expansão. Como sabem, a mente está continuamente buscando o ajustamento ao ambiente; porém, este ajustamento não produz entendimento, nem podemos verificar o significado desse ambiente pela tentativa de modificar ou expandir esse ambiente. Porque a mente busca, continuamente, sua proteção, ela, nublada pela memória, tornou-se confusa, identificada com a própria consciência — essa consciência que deseja perpetuar-se; por conseguinte, ela se esforça por alterar, ajustar, modificar o ambiente ou, em outras palavras, a mente procura tornar o "eu" imortal, universal e cósmico, como julga ser possível.

Não é assim?

Portanto, a mente que busca imortalidade, deseja realmente a continuação desse "eu"-consciência, a perpetuação do ambiente; isto é, enquanto a mente se apegar a ideia do "eu"-consciência, que é apenas a falta de compreensão do ambiente e, portanto, a causa do conflito, ela continuará a procurar nessa limitação sua própria perpetuação, que denominamos imortalidade, ou aquela consciência cósmica em que o particular ainda persiste. Enquanto a mente, que é inteligência, estiver presa no cativeiro da memória, que é o "eu"-consciência, haverá a busca do falso pelo falso. Este "eu", como expliquei, é a falsa reação do ambiente; há uma causa falsa e ela está sempre buscando uma falsa solução, um falso efeito, um falso resultado. Assim, quando a mente nublada pela memória busca perpetuar-se como própria consciência, está procurando falsa imortalidade, falsa expansão cósmica ou o que quer que lhe queiram chamar.

Neste processo de perpetuação do "eu", dessa memória que é conservadora de si própria, na perpetuação desse "eu", nasce o medo — não o medo superficial, porém o medo fundamental, de que tratarei logo em seguida. Eliminem esse medo, que tem como sua expressão exterior a nacionalidade, o crescimento, a expansão, o êxito — eliminem esse medo fundamental e, então, a ansiedade pela perpetuação desse "eu" e todos os temores cessam. Portanto, o medo existirá, enquanto existir o desejo de perpetuação dessa coisa que é falsa: este "eu" é falso, portanto, devem ter uma falsa reação, a qual é o próprio medo. E onde existir o medo, deve existir disciplina, compulsão, influência, domínio e a busca do poder que a mente glorifica como virtude e divino. Se realmente refletirem sobre isto, verificarão que onde existir inteligência não pode existir a busca pelo poder.

Toda a vida está moldada pelo medo e pelo conflito e, portanto, pela compulsão, pela imposição de decretos e grilhões que alguns julgavam virtuosos e dignos e outros consideravam venenosos e maus. Não é assim? São estas as restrições que vocês estabeleceram em suas buscas de  perpetuação, livre de medo; nessa busca criaram disciplinas, códigos e autoridades, a vida de vocês está modelada, controlada e conformada pela compulsão de várias formas e graduações. Alguns denominam de virtuosa esta compulsão, outros a consideram perniciosa.

Temos, em primeiro lugar, a compulsão exterior, que é a repressão do ambiente sobre o indivíduo. A pessoa vulgar, que vocês denominam não evoluída, não espiritual, é controlada pelo ambiente, o ambiente exterior; isto é, pela religião, códigos de conduta, padrões de moral, autoridade política e social; é uma escrava de tudo isto, porque isto tudo está radicado nas necessidades econômicas do indivíduo. Não é assim? Eliminem integralmente as necessidades econômicas de que o indivíduo depende e então os códigos de conduta, padrões de moral e valores políticos, econômicos e sociais desaparecem. Portanto, nestas restrições do ambiente externo, que criam conflito entre o indivíduo e o ambiente, na qual o indivíduo é oprimido, vergado, torcido, torna-se ele progressivamente sem inteligência. O indivíduo que está meramente condicionado, a todo instante, pelo ambiente exterior, amoldado por certas regras, leis, reações, editos e padrões de moral — quanto mais o oprimirem, menos inteligente ele se torna. A inteligência, porém, é a compreensão do ambiente, percebendo seu significado sutil, liberto de compulsão.

Estas restrições impostas ao indivíduo, às quais ele chama ambiente externo, tem como seus expoentes os charlatões e exploradores na religião, na moralidade popular, e na vida política do homem. Explorador é o indivíduo que se utiliza de vocês, consciente ou inconsciente, e vocês se submetem consciente ou inconscientemente, porque não compreendem; se tornam econômica, social, política e religiosamente, o explorado, e ele se torna o explorador de vocês. Assim, por esta maneira, a vida torna-se uma escola, um molde, um molde de aço em que o indivíduo é batido para tomar forma, em que ele se torna mero dente da engrenagem de uma máquina, irrefletido e rigidamente limitado. A vida torna-se uma luta, uma batalha contínua, e assim ele estabeleceu essa falsa ideia de que a vida é uma série de lições a serem aprendidas, a serem adquiridas, de modo que ele possa, previamente, ser advertido para defrontar a vida amanhã, novamente, porém, com suas ideias preconcebidas. A vida torna-se meramente uma escola, não uma coisa a ser vivida, a ser gozada, a ser vivida com êxtase, plenamente, sem medo.

O ambiente externo domina o indivíduo, forçando-o a entrar nessa estrutura de aço, de padrões, de moralidades, ideias religiosas, de editos de moral, e como o indivíduo é esmagado pelo exterior, busca escapar e foge para um mundo que ele chama interior. Naturalmente quando a mente é torcida, conformada, pervertida pelo ambiente exterior e há um constante conflito externo, luta, constantes falsos ajustamentos, a mente espera por tranquilidade, por felicidade, por um mundo diferente; assim o indivíduo edifica um céu romântico de fuga, onde procura compensação para as perdas e o sofrimento no mundo externo.

Por favor, como disse, vocês estão aqui para descobrir, para criticar, não para se oporem. Podem se oporem, depois que tiverem refletido muito cuidadosamente sobre o que lhes digo. Podem levantar barreiras, se assim o desejarem, mas, primeiro, averiguem plenamente o que eu quero lhes transmitir, e, para o fazerem, necessitam de ser supercríticos, apercebidos, inteligentes.

Como lhes disse, o indivíduo, esmagado pelas circunstâncias exteriores que criam sofrimento e esforçando-se para escapar a essas circunstancias, cria um mundo interno, começa a desenvolver uma lei interna e cria suas próprias restrições individuais a que denomina disciplina ou cooperação com aquilo  a que aprendeu a chamar seu "eu" superior.

A maioria das pessoas — as pessoas pretensamente espirituais — rejeitaram a força externa do ambiente e a sua influência, porém, desenvolveram uma lei interna, um padrão interno, uma disciplina interna, a que chamam trazer o eu superior para o eu inferior; isto, em outras palavras, é mera substituição. Existe, assim, a própria disciplina. Há, depois, aquilo que denominam de voz interior, cujo poder e controle é, sem dúvida, muito maior do que o ambiente externo. Qual é, porém, finalmente, a diferença entre um e outro, entre o externo e o interno? Ambos controlam, pervertem a mente, que é a inteligência, pelo desejo de perpetuação de si mesma. E vocês têm também aquilo que chamam de intuição, que é apenas a apelação, sem travas, de suas próprias esperanças e desejos secretos. Assim, vocês completaram o mundo interno, aquilo que chamam de mundo interior, com tudo isto — disciplina de si próprio, voz interna e intuição. Tudo isto, se refletirem são formas sutis desse mesmo conflito, levadas para um mundo diferente em que não há entendimento, mas apenas uma padronização, um ajustamento a um ambiente mais sutil a que vocês denominam mais espiritual.

Como sabem, algumas pessoas buscaram e encontraram, no mundo exterior, distinções sociais e, igualmente, as pessoas denominadas espirituais, buscam apenas nesse mundo interno, e geralmente encontram, seus pares e superiores espirituais; e, assim como há conflito entre os indivíduos no exterior, também é criado um conflito espiritual no mundo interno, entre os ideais, as expansões e suas próprias ansiedades. Vejam, pois, o que foi criado.

No mundo externo não há expressão para a mente nublada pela memória, para esse "eu"-consciência não há expressão, porque o ambiente é demais forte, poderoso e esmagador; nele, ou vocês se adaptam ao molde ou, se não o fizerem, são esmagados. Assim, vocês desenvolvem uma forma interna, ou mais sutil, de ambiente, em que tem lugar exatamente o mesmo processo. Este ambiente por vocês criado é uma fuga do ambiente externo, e nele vocês também têm padrões de leis morais, instituições, o eu superior, a voz interna, e a isso constantemente se ajustam. Isto é um fato.

Em essência, estas restrições, denominadas internas e externas, nascem do desejo e, por isso, existe o medo; do medo surge a repressão, a compulsão, a influência, e o desejo de poder, que são apenas expressões exteriores do medo. Onde há medo não pode haver inteligência, e enquanto não compreendermos isto, deve haver na vida essa divisão em interna e externa e, portanto, as nossas ações têm de ser sempre influenciadas e compelidas pelo externo, e, portanto pelo falso, ou pelo interno, que é igualmente falso, porque também no interno vocês estão procurando apenas se ajustarem a determinados outros padrões.

O medo é criado, quando o falso busca a perpetuação de si próprio no falso ambiente. E, assim, o que acontece à nossa ação, que é a nossa conduta diária, ao nosso pensamento e emoção, o que acontece a tudo isto?

A mente e o coração amoldam-se ao ambiente, ao ambiente externo, porém, quando verificam que não podem, por tornar-se a compulsão demasiadamente forte, então voltam-se para um estado interno, em que a mente e o coração buscam perfeita tranquilidade e satisfação. Ou, então, saciaram-se completamente pelas conquistas sociais, econômicas, políticas e religiosas e depois voltam-se para o interno e ali também desejam ter sucesso, bom êxito, triunfo, e, para o atingir, devem sempre ter em vista uma culminância, um objetivo que se torna apenas um estado, ao qual a mente e o coração estão continuamente se ajustando.

Assim, neste ínterim, o que é que acontece aos nossos sentimentos, às nossas emoções, aos nossos pensamentos, ao nosso amor, à nossa razão? O que acontece, quando vocês estão meramente se ajustando, quando simplesmente estão se modificando, alterando? O que acontece a qualquer coisa, por exemplo a uma casa cujas paredes vocês decoram, embora seus alicerces estejam deteriorados? De modo idêntico, nossos pensamentos e emoções estão meramente tomando forma, alterando-se, modificando-se segundo um padrão, seja ele externo ou interno; ou de acordo com uma compulsão externa ou de uma direção interna. Assim, pois, as nossas ações estão sendo grandemente limitadas pela influência, em que todo o raciocínio se torna apenas a imitação de um modelo, um ajustamento a certa condição, e o amor torna-se apenas outra forma de medo. Toda a nossa vida — afinal a nossa vida são os nossos pensamentos, as nossas emoções, as nossas alegrias e dores — toda a nossa vida permanece incompleta, todo nosso processo de pensar ou de expressão dessa vida, é meramente ajustamento, uma modificação, jamais um preenchimento, uma plenitude. E daí surge problema após problema, o ajuste ao ambiente que deve estar, constantemente, mudando, e a conformidade com padrões, que também devem variar. Assim, vocês prosseguem nesta batalha a que chamam evolução, no crescimento do eu, na expansão dessa consciência que é apenas memória. Vocês inventaram palavras para apaziguar suas mentes, porém, continuam nessa luta.

Ora, se ponderarem, realmente, sobre isto, se reconhecerem tudo isto, e sem o desejo de alterar, sem o desejo de modificar, se tornarem apercebidos desse ambiente exterior, destas circunstâncias, destas condições, e também do mundo interno em que existem as mesmas condições, os mesmos ambientes que apenas denominaram por nomes mais sutis e mais bonitos; se realmente se aperceberem de tudo isto, então começarão a compreender o verdadeiro significado do externo e do interno; então surgirá uma percepção imediata, a libertação da vida, a mente torna-se, depois, inteligência e pode funcionar com naturalidade e de modo criador, sem esta constante luta. Então, a mente — a inteligência — reconhece os obstáculos, e porque os compreende, ela penetra-os; não há mais ajustamento, não há modificação, há somente entendimento. Por esta razão, a inteligência não depende do externo ou do interno, e nesse percebimento não há desejo, não há ansiedade, mas apenas a percepção do que é verdadeiro. Para perceber o que é verdadeiro não pode haver desejo.

Vocês sabem que, quando há um desejo ardente, a mente de vocês já está nublada, pervertida, porque a mente identifica-se com uma coisa e rejeita outra — onde há desejo ardente, não há entendimento; porém, quando a mente não se identifica com o "eu", mas se torna percebida tanto do externo como do interno, das sutis divisões, das várias emoções, das delicadas matizes da mente, que se divide em memória e inteligência — então, nesse percebimento, verificarão o pleno significado do ambiente que criamos através dos séculos, desse ambiente que denominamos externo e também interno, ambos os quais estão continuamente mudando, ajustando-se um ao outro.

Tudo o que lhes preocupa agora é a modificação, a alteração, o ajustamento, e, portanto, deve haver medo. O medo tem seu instrumento na compulsão, e esta só existe, quando não há entendimento, quando a inteligência não está funcionando normalmente.  

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill