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terça-feira, 10 de abril de 2018

Como fazer nascer a mente nova, criadora?


Como fazer nascer a mente nova, criadora?

A maioria de nós parece considerar a ação individual como coisa sem importância, quando há tanta necessidade de ação coletiva. Supomos que a ação individual está geralmente em oposição à ação coletiva. Consideramos a ação coletiva bem mais importante e de maior significação para a sociedade do que a ação individual. Para nós, a ação individual a nenhuma parte conduz, não sendo suficientemente expressiva ou bastante criadora para produzir uma positiva alteração da ordem vigente, uma revolução real na sociedade. Desse modo, cremos ser a ação coletiva muito mais relevante, mais urgente do que a individual. Do ponto de vista técnico, mecânico, principalmente, num mundo em que prevalece cada vez mais a mentalidade técnica, mecânica, a ação individual tem pouca razão de ser; e, assim, gradualmente, decresce o valor do indivíduo e o “coletivo” se toma sobremodo importante.

Pode-se observar esse fato hoje em dia, quando a mente humana está sendo controlada, “coletivizada” — se assim me posso expressar — e mais do que nunca forçada a ajustar-se. A mente já não é livre. Está sendo moldada pela política, pela educação, pela crença organizada, pelos dogmas religiosos. Em todas as partes do mundo a liberdade e o indivíduo se estão tornando cada vez menos significativos. Já deveis ter observado — não só em vossas vidas, mas também geralmente — que a liberdade feneceu, liberdade para pensar com independência, liberdade para descobrir, duvidar, investigar.

Os guias se estão tornando cada vez mais importantes, porque queremos ser ensinados, queremos ser dirigidos e, infelizmente, quando isso ocorre, é inevitável a corrupção, a deterioração da mente — não da mente técnica, da capacidade de construir pontes, reatores atômicos, etc.; porém deterioração da mente criadora. Estou empregando a palavra “criadora” num sentido completamente diferente do usual. Não digo “criadora”, com a significação de escrever poemas, construir pontes, talhar no mármore ou numa pedra uma certa visão que se está captando — pois tudo isso são meras expressões do pensamento ou sentimento pessoal. Falamos de “mente criadora” num sentido todo diferente; referimo-nos à mente que é livre e, por isso, capaz de criar. A mente não sujeita aos dogmas, às crenças; a mente que não se refugiou dentro dos limites da experiência; a que rompeu todas as barreiras da tradição, da autoridade, da ambição, que já não está presa na rede da inveja — eis a mente criadora. Num mundo sobre o qual paira a ameaça de guerra, onde se observa geral deterioração — não tecnologicamente, mas a todos os outros respeitos — nesse mundo, parece-me, há necessidade dessa mente criadora.

É absolutamente necessário e urgente alterar de todo o curso do pensamento humano, da existência humana, que se está tornando cada vez mais mecanizada. E não vejo como operar essa completa revolução a não ser individualmente. O “coletivo” não pode ser revolucionário; o “coletivo” só é capaz de seguir, ajustar-se, imitar, submeter-se. Mas só o indivíduo — vós — pode romper as muralhas, destroçar todos esses condicionamentos, e se tornar, assim, criador. É a crise na consciência que exige essa mente nova. Mas, aparentemente, conforme se observa, ninguém pensa nisso; o que sempre se pensa é que, com mais melhoramentos — no campo técnico ou mecânico — se criará, como que miraculosamente, a mente criadora, a mente sem medo.

Assim, nestas palestras não nos iremos ocupar da melhoria dos processos técnicos, necessários no mundo da ação mecânica, coletiva, porém, tão só, de como fazer nascer aquela mente criadora, aquela mente nova. Porque, neste país, estamos assistindo a um declínio geral, à exceção, talvez, no setor industrial — possibilidades de ganhar mais dinheiro, construção de ferrovias, dragagem de rios e canais, usinas siderúrgicas, produção de mais mercadorias, tudo isso, naturalmente, necessário. Mas nada disso pode criar uma nova civilização. Trará progresso; mas o progresso, conforme se observa, não dá liberdade ao homem. Coisas e mercadorias são necessárias; mais casas, mais roupas, tudo isso é indispensável; mas há outra coisa que é igualmente necessária: o ato de “negar”.

Dizer “Não” é muito mais importante do que dizer “Sim”. Todos dizemos “Sim”; nunca dizemos “Não” e nos mantemos firmes no “Não”. É muito difícil negar, e muito fácil submeter-se; e a maioria de nós se submete, porque nada mais fácil do que resvalar para o conformismo, impelido pelo medo, pelo desejo de segurança e ser levado, assim, à gradual estagnação e desintegração. Mas o dizer “Não” exige a mais alta forma de pensar, porquanto dizer “Não” implica pensamento negativo — isto é, ver o que é falso. O próprio percebimento do falso, a clareza com que o percebemos, é ação criadora. O negar uma coisa, o pô-la em dúvida — por mais sagrada, por mais poderosa que seja essa coisa, ou por mais firmemente estabelecida — exige profunda penetração, exige a total demolição de nossas próprias ideias e tradições. E um indivíduo assim é absolutamente necessário no mundo moderno, onde a propaganda, onde a religião organizada, onde o embuste estão assumindo o controle de tudo. Não sei se vós também percebeis a importância disso — não verbalmente, não teoricamente, porém de fato.

Como sabeis, há uma maneira de olhar as coisas. Ou olhamos diretamente, “experimentando” a coisa que vemos, ou consideramo-la verbalmente, intelectualmente, tecendo teorias em torno do que é e procurando explicações para o que é. Mas o perceber diretamente (sem se procurarem explicações, sem se emitirem juízos — assuntos de que mais adiante tratarei), o perceber diretamente uma coisa como falsa requer atenção, requer toda a vossa capacidade. Mas, ao que parece, principalmente neste desafortunado país, onde a tradição, a autoridade, a chamada “sabedoria antiga”, imperam e dominam, há completa falta daquela enérgica qualidade, necessária para se ver o que é falso e rejeitá-lo resolutamente. Mas o investigar o que é falso requer mente livre. Não podeis investigá-lo se estais ligado a uma dada forma de crença, uma dada forma de experiência, uma certa norma de ação. Se estais ligado a um certo padrão de governo, não podeis nem ousais controlar nada, para não perderdes vosso emprego, vossa posição, vossa influência, as coisas que tendes medo de perder. E, também, quando estais ligado a uma certa forma de religião, quando sois hinduísta, budista, etc., não ousais contestar, não ousais romper as muralhas, destruir tudo, a fim de descobrir. Mas, infelizmente, em geral estamos bem comprometidos, política, econômica, social ou religiosamente; e, por causa desse “compromisso”, nunca pomos em dúvida o próprio centro, a própria coisa com que estamos comprometidos. Por conseguinte, estamos sempre a buscar a liberdade nas ideias, nos livros, em palavras e mais palavras.

Assim sendo, eu desejaria sugerir que, enquanto estiverdes a escutar, não vos limiteis a ouvir palavras, que são apenas um meio de comunicação, um símbolo que precisa ser interpretado por cada um; mas também que, por meio das palavras, procureis descobrir o estado de vossa própria mente, descobrir as coisas com que estais “comprometido”, descobrir, por vós mesmos, as coisas que vos atam de pés e mãos, de mente e de coração. Deveis descobrir realmente tudo isso e ver se há possibilidade de deitar abaixo as coisas a que estais ligados, a fim de descobrirdes o que é verdadeiro. Pois não vejo de que outra maneira realizar a regeneração do mundo. Haverá comoções sociais — comunistas ou de outra natureza — haverá mais prosperidade, mais alimentos, mais fábricas, mais fertilizantes, mais motores, etc., mas isso, por certo, não constitui a totalidade da vida, porém tão só uma parte dela. E, se veneramos o fragmento, se nele ficamos “vivendo”, não resolveremos os problemas humanos. Continuarão existentes a morte, o sofrimento, a ansiedade, a culpa, as torturas de numerosas ideias, esperanças, desesperos — tudo isso continuará.

Assim, ao escutardes, desejo sugerir-vos que o façais com uma mente mais interessada em examinar a si própria — os seus próprios “mecanismo” — do que em ouvir palavras, para concordar ou discordar — pois isso pouco importa. Porque só os fatos nos devem interessar: o fato de que os entes humanos se estão tornando cada vez mais mecanizados; o fato de que há cada vez menos liberdade; o fato de que, sempre que nos vemos em confusão, apelamos para a autoridade; e o fato de que há conflito, externamente, na forma de guerra, e internamente, na forma de sofrimento, desespero, medo. Tudo isso são fatos, e temos de dar-lhes atenção, não teórica, porém realmente. Dessa forma, o que nos interessa é como operar uma transformação, uma revolução radical no indivíduo, no ouvinte, pois só ele é capaz de criar, e não o político, o líder, o homem importante; estes estão “comprometidos” e estabilizados numa rotina; e necessitam de fama, necessitam de poder, posição. Vós também, porventura, desejais essas mesmas coisas, mas ainda estais tateando o caminho para alcançá-las; por conseguinte, ainda vos resta alguma esperança, já que ainda não estais comprometidos, como os homens importantes da Terra. Ainda sois gente insignificante, ainda não sois líderes, não controlais formidáveis organizações; ainda sois simples homens comuns. Assim, achando-vos mais ou menos livres de compromissos, ainda há para vós um pouco de esperança.

Por conseguinte, talvez ainda seja possível, mesmo na undécima hora, operar a transformação em vós mesmos. Só uma coisa nos interessa aqui; como realizar essa extraordinária revolução em nós mesmos.

Em geral, só nos modificamos sob compulsão, atuados por alguma influência externa, pelo medo, pela ameaça de punição ou promessa de recompensa — só isso nos faz mudar. Nunca mudamos voluntariamente; só o fazemos quando há um motivo. Mas toda mudança impulsionada por motivo não é mudança nenhuma. E estar apercebido dos motivos, das influências, das compulsões que nos forçam a mudar — estar apercebido de tudo isso e rejeitá-lo é operar transformação. As circunstâncias nos fazem mudar; a família, a lei, nossas ambições, nossos temores produzem mudanças. Mas uma mudança dessas é apenas reação e, consequentemente, resistência psicológica à compulsão; e essa resistência cria a respectiva modificação, alteração e, deste modo, não é efetiva transformação. Se eu mudo, ou me ajusto à sociedade porque dela espero alguma coisa, isso é transformação? Ou a transformação só é possível quando percebo as coisas que me estão impelindo a mudar e percebo a sua falsidade? Porque todas as influências, boas ou más, condicionam a mente; e a mera aceitação desse condicionamento cria uma resistência interior a qualquer espécie de mudança, de transformação radical.

Sendo assim, considerando-se a situação mundial — não apenas a deste país, mas a do mundo inteiro — onde o progresso constitui uma negação da liberdade; onde a prosperidade está tornando a mente cada vez mais dependente das coisas para a própria segurança — havendo, por isso, cada vez menos liberdade; onde as organizações religiosas se estão arrogando cada vez mais a fórmula de crença que impelirá o homem a crer ou a não crer em Deus; considerando-se, ainda, que a mente se está tornando cada vez mais mecanizada e, também, que os cérebros eletrônicos e os modernos conhecimentos técnicos estão proporcionando ao homem mais lazeres, considerando-se tudo isso, cabe-nos descobrir o que é liberdade, o que é realidade.

Estas perguntas não podem ser respondidas pela mente mecanizada. Temos de fazê-las a nós mesmos — fundamental, profunda, interiormente — e também por nós achar as respostas, se existem; e isso, com efeito, significa contestar toda e qualquer autoridade. Esta, aparentemente, é uma das coisas mais difíceis. Jamais consideramos a sociedade como nossa inimiga. Consideramo-la como o meio em que temos de viver, a que devemos submeter-nos e ajustar-nos; não a consideramos nunca como o real inimigo do homem, o inimigo da liberdade, o inimigo da virtude. Refleti sobre isso, olhai-o. O ambiente, que é a sociedade, está destruindo a liberdade. Ele não precisa de homens livres: quer santos, reformadores, para modificarem, ampararem, manterem de pé as instituições sociais. Mas religião é coisa de todo diferente, O homem religioso é o inimigo da sociedade. Não é religioso aquele que frequenta a igreja ou o templo, que lê o Gita, que pratica puja diariamente; este não é religioso. Verdadeiramente religioso é quem se libertou de toda ambição, inveja, avidez, temor, a fim de investigar, de descobrir o que existe além das coisas que o homem criou e a que chama “religião”. Mas tudo isso requer exame individual, investigação própria; sem essa base, não é possível ir muito longe.

Como vemos, faz-se mister uma revolução completa — não simples modificação, porém inteira transformação da mente. Como produzi-la? Eis o problema. Percebemos que ela é necessária. Todo homem que refletiu nisso, que observou as condições mundiais, que é sensível ao que se está passando dentro e fora de si próprio, há de exigir essa mutação. Mas, como operá-la?

Ora, antes de mais nada, existe algum “como” — sendo “como” o método, o sistema, a maneira, a prática? Se há uma maneira, se existe um método, se existe um sistema, e vós o praticais com o fim de promover a mutação, vossa mente se torna mera escrava desse sistema, é moldada por ele, pelo método, pela prática e, por conseguinte, nunca poderá ser livre. É o mesmo que uma pessoa se disciplinar para ser livre. Liberdade e disciplina nunca andam juntas — e isso não significa que devais tornar-vos indisciplinados. A busca da liberdade traz sua disciplina própria. Mas a mente que se disciplinou num sistema, numa fórmula, numa crença, em ideias, essa mente nunca poderá ser livre. Devemos, pois, ver, desde o começo, que o “como” — que supõe prática, disciplina, observância de uma fórmula — impede a realização da mudança. Essa é a primeira coisa que se deve perceber; porque a prática, o sistema, se torna a autoridade que nega a liberdade e, portanto, a transformação. Impende perceber realmente esse fato, perceber sua verdade. Dizendo “perceber” não quero significar “perceber intelectualmente, verbalmente” mas, sim, “estar emocionalmente em contato com o fato”. Ficamos em contato emocional com o fato ao vermos uma serpente; não há, então, dúvida nenhuma: trata-se de um desafio direto e de uma direta reação. Do mesmo modo, devemos ver que todo sistema, ainda o melhor concebido, e por quem quer que seja, atua profundamente, destruindo a liberdade, pervertendo a criação — “pervertendo” não, pondo fim à criação — porque todo sistema supõe ganho, realização, chegada, recompensa, e, por conseguinte, é a verdadeira negação da liberdade. Eis a razão por que estais disposto a seguir uma certa pessoa: desejais um meio de conseguir um certo ganho, e esse meio é sempre alguma espécie de disciplina.

Mas é preciso perceber o fato de que a mente deve ser inteiramente livre (se isso é possível ou não, é outra questão), o fato de que a liberdade é necessária, porque, sem ela, vos tornais meros autômatos, semelhantes a qualquer máquina. Devemos perceber com toda a clareza que a liberdade é essencial. E só quando há liberdade pode-se descobrir se há, ou não há, Deus ou algo imenso, além das dimensões do homem. Começareis, então, a contestar todos os sistemas, todas as autoridades, todas as estruturas da sociedade. E a presente crise exige essa mente. Só ela, por certo, pode descobrir o verdadeiro. Apenas essa mente pode descobrir se algo existe ou não, que transcende o tempo, que transcende as coisas criadas com o pensar humano.

Tudo isso exige intensa energia, e a essência da energia está na negação do conflito. A mente envolvida em conflito não tem energia — quer se trate de conflito interior, quer de conflito exterior, com o mundo. Tudo isso exige ampla investigação e compreensão. Espero possamos fazê-lo nas seis reuniões vindouras — isto é, ficarmos apercebidos do fato e observarmos o fato do princípio ao fim, para vermos se a mente — nossa mente, vossa mente — pode realmente ser livre.

Krishnamurti, Varanasi, 01 de janeiro de 1961, A mutação Interior


quinta-feira, 5 de abril de 2018

De fato, não sabemos o que é amor

De fato, não sabemos o que é amor

PERGUNTA: Sou artista, e preocupa-me sumamente a técnica de pintar. É possível que esta própria preocupação constitua um obstáculo à genuína expressão criadora?

KRISHNAMURTI: Eu quisera saber por que é que a maioria de nós, inclusive os artistas, tanto se preocupa a respeito de técnica. Todos perguntamos "como?" — como poderei ser mais feliz, como poderei achar Deus, como poderei ser um artista melhor, como poderei fazer isto ou aquilo? Todos andamos cheios de cuidados a respeito do "como". Se sou violento, desejo saber como ser não violento. Por termos tanto interesse na técnica e como o mundo não nos oferece outra coisa, estamos presos nessa rede. Cultivamos a técnica, porque desejamos resultados. Quero ser um grande artista, grande engenheiro, grande músico, alcançar fama, notoriedade. Minha ambição me impele à busca do método. Pode um artista, ou qualquer ente humano, cultivando uma técnica, tornar-se um verdadeiro artista? Mas, se amamos a coisa que estamos fazendo, não somos então artistas? Entretanto, não compreendemos a significação desta palavra — amar. Posso amar uma coisa por ela própria, se sou ambicioso, se desejo tornar-me conhecido? Se desejo ser o melhor pintor, o melhor poeta, o maior dos santos, se estou em busca de um resultado, posso amar realmente uma coisa, por ela própria? Se sou invejoso, imitativo, se há medo, se há competição, posso amar aquilo que estou fazendo? Se amo uma coisa, posso então aprender a técnica — como misturar as tintas, etc. Mas, atualmente, não possuímos esse sentimento de verdadeiro amor por uma coisa. Estamos cheios de ambição, de inveja; desejamos ser "um sucesso". E, assim, estamos aprendendo técnicas e perdendo a coisa real — "perdendo", não, pois nunca a tivemos.

Por ora, a nossa mente só está aplicada em adquirir uma técnica que nos leve a alguma parte. Se amo o que estou fazendo, então, por certo, não há problema, não existe competição, não é exato? Estou fazendo o que gosto de fazer, e não porque isso me dará popularidade, pois tal coisa não é importante para mim. O importante é amarmos totalmente o que estamos fazendo, e esse próprio amor será o nosso guia. Se o pai deseja que o filho siga nas suas pegadas, que se torne "alguma coisa", se os pais procuram preencher-se nos filhos, não há então amor, e, sim, mera autoprojeção. O próprio amor ao filho trará sua cultura própria, não achais? Mas, infelizmente, nós não pensamos em tal direção. E por isso temos este enorme problema e este espantoso desenvolvimento técnico.

PERGUNTA: Vejo-me inteiramente ocupado com os costumeiros cuidados, alegrias e tristezas da vida diária. Estou perfeitamente apercebido de que minha mente se acha ocupada exclusivamente com ações, reações, "motivos", mas sou incapaz de transcender essas coisas. Depois de ler os vossos livros e ouvir vossas palestras, vejo que existe outra maneira de viver, completamente diferente, mas não posso achar a chave que abrirá a porta do meu atravancado habitáculo, libertando-me. Que devo fazer?

KRISHNAMURTI: Tenho minhas dúvidas sobre se estamos realmente apercebidos daquilo com que a nossa mente está ocupada! Como diz o interrogante, a mente está ocupada apenas com coisas superficiais — o ganhar do sustento, os deveres paternais, etc. Mas sabemos o com que nossa mente está ocupada num nível mais profundo? Afora as ocupações cotidianas, sabemos com que está ocupada a nossa mente num nível diferente, no inconsciente? Ou a nossa mente consciente está tão ocupada durante o dia, a todas as horas, que não sabemos com o que está ocupado o inconsciente? Sabemos com que estamos ocupados, além da rotina diária, da existência diária? Pelo geral, a nossa ocupação é com o processo diário do viver, e nossa preocupação é o saber como produzir uma alteração aí — um melhor ajustamento, mais felicidade, menos disto e mais daquilo. Conservar nossa superficial felicidade, repelir certos fatores que nos causam dor, evitar certas tensões e pressões, ajustar-nos a certas relações, etc. — eis toda a nossa ocupação.

Sendo assim, podemos deixar tal ocupação entregue a si mesma, isto é, deixá-la seguir o seu curso, na superfície, para investigarmos, nas profundezas da mente, o com que ela está ocupada, inconscientemente? Todos percebemos a necessidade de certo ajustamento, na superfície; mas temos algum interesse a respeito da ocupação mais profunda da mente? Sei, eu, e sabeis vós, com o que está ocupada a mente mais profunda? Ora, é preciso investigar isso, porque essa ocupação pode traduzir-se em ocupações e ajustamentos superficiais, com suas alegrias e tristezas, suas tribulações e provações. E, assim, se vós e eu não conhecemos as ocupações mais profundas da mente, uma simples alteração de superfície tem muito pouca significação. Não é certo que deve terminar toda ocupação superficial, se desejo achar "a outra coisa"? Se minha mente está ocupada a todas as horas com ajustamentos superficiais — endireitando o quadro que outro pôs torto, preocupada com assuntos domésticos, a respeito dos filhos, da esposa, do que a sociedade pensa, e não pensa, da opinião do vizinho — essa mente, já tão ocupada, é capaz de descobrir a ocupação mais profunda, de si mesma? Ou não é necessário que termine a ocupação superficial? Isto é, podemos deixá-la prosseguir, ajustar-se, sem esforço, mas também investigar aquilo com que a mente está ocupada num nível mais profundo? Com o que está ela ocupada, num nível mais profundo? Eu o sei? Vós o sabeis? Ou apenas fazemos conjecturas a tal respeito? Ou pensamos que alguém no-lo pode dizer? É claro que não posso investigá-lo, a menos que não esteja totalmente ocupado com ajustamentos superficiais. Isto é, torna-se necessário nos desligarmos do superficial, para podermos investigar. Mas não ousamos desligar-nos, não ousamos soltar o que temos, porque não sabemos o que existe em baixo — temos-lhe medo, terror. E é por isso que os mais de nós estamos ocupados. Lá, muito fundo, pode encontrar-se uma completa solidão, um sentimento de profunda frustração, medo, torturante ambição — de que não estamos plenamente apercebidos. Mas, se ficamos um pouquinho apercebidos, ligeiramente vigilantes, assustamo-nos com o que vemos. E por isso nos preocupamos com o aspecto da sala, com os quadros, os abajures, os que entram e os que saem, os entretenimentos sociais; lemos livros, ouvimos rádio, aderimos a grupos — conheceis bem todo este triste negócio. Tudo isso bem pode ser uma fuga ao problema mais profundo. E, para examinar este problema mais profundo, temos de abandonar a sala com todo o seu conteúdo. Infelizmente, queremos ficar na sala, e o descobrimento da "outra coisa" é algo que nunca nos permitimos experimentar. Não se trata de tentar alcançar o nível mais profundo. O tentar depende sempre do tempo. Se desejo investigar o problema mais profundo e percebo a necessidade de deixar as coisas superficiais, não há então "tentar". Eu não tento abrir uma porta e não me ponho conscientemente em movimento para sair de casa. Sei que tenho de sair e saio — a porta lá está. Não se faz nenhuma "tentativa" para alcançar a porta; não se pensa em termos de "tentar". Compreensão e ação são simultâneas. Mas tal integração não é possível, se estamos interessados meramente no nível superficial.

Krishnamurti, Quarta Conferência em Londres, 24 de junho de 1955

Só e mente religiosa é revolucionariamente criadora


Só e mente religiosa é 
revolucionariamente criadora

PERGUNTA: Desejo que meu filho seja livre. A verdadeira liberdade é incompatível com a lealdade à tradição inglesa de vida e de educação?

KRISHNAMURTI: Isto é o que se diz na Índia também: posso ser hindu, leal à minha pátria, e ao mesmo tempo estar livre para achar Deus? Posso ser hinduísta, budista ou cristão, e ao mesmo tempo ser livre? É possível isto? Eu posso ter um passaporte, um pedaço de papel, para viajar; mas isso não me faz necessariamente hindu. A liberdade, por certo, é de todo incompatível com qualquer nacionalidade, qualquer tradição. Há o estilo de vida americano, o estilo de vida inglês, o estilo de vida russo, e o estilo de vida hindu. Cada um diz "Nosso estilo de vida é o único que convém", apegando-se tenazmente a esse estilo. E, no entanto, todos falamos de liberdade e de paz. Acho que tudo isso tem de desaparecer, se desejamos criar um mundo diferente, um mundo que seja nosso, um mundo sem comunismo, socialismo, capitalismo, hinduísmo ou cristianismo. A Terra é o nosso mundo, onde devemos viver, não divididos: viver felizes, livres. Mas não poderá ser nosso o mundo enquanto existirem ingleses, hindus, alemães, comunistas etc.; dessa maneira, nunca seremos livres.

Só poderá surgir a liberdade quando formos verdadeiramente religiosos, quando cada um de nós for realmente um indivíduo, no exato sentido da palavra. Quando formos religiosamente livres, poderemos então criar um mundo que será nosso e, por conseguinte, dar aos jovens uma educação diferente, e não meramente condicioná-los segundo uma determinada cultura, encaixá-los num determinado sistema, educá-los para serem comunistas, ateístas, católicos, protestantes ou hinduístas; tais indivíduos não são livres, e por conseguinte não são verdadeiramente religiosos: estão simplesmente condicionados; e são causadores de tanta miséria! Está visto pois que, se desejamos criar um mundo totalmente diferente, faz-se necessária uma revolução religiosa que não seja retrocesso a certa crença, nem avanço para certa realização, mas a libertação de todas as tradições, dogmas, símbolos, crenças, a fim de que cada um seja um verdadeiro indivíduo, livre para descobrir, para investigar o imensurável.

PERGUNTA: A mente ocidental é exercitada para a contemplação do objeto; a mente oriental para a meditação sobre o sujeito. A primeira conduz à ação, a outra à inação. Só pela integração dessas duas direções do percebimento, no indivíduo, poderá surgir uma compreensão total da vida. Qual a chave dessa integração?

KRISHNAMURTI: Porque separamos um ente humano, dizendo-o do Ocidente ou do Oriente? Não há uma maneira toda diferente de se considerar este problema, a qual não consista em mera tentativa de integrar a ação com a meditação? Considero tal integração uma impossibilidade. Talvez haja uma maneira diferente de nos abeirarmos deste problema, em lugar dessa tentativa de integrar a ação com um estado de espírito desprendido, que só observa, contempla. Dividimos a vida em ação e inação, e agora buscamos a integração. Mas, se não nos dividirmos a nenhum respeito, se pudermos eliminar do nosso pensar essa ideia de Oriente em oposição à de Ocidente, para considerarmos o problema de modo diverso, então, buscando a realidade, a mente se torna criadora, e, no percebimento mesmo daquilo que é real, há ação, que é contemplação; não há divisão alguma. Para a mentalidade ocidental, o Oriente, com seu misticismo, seus absurdos, é estranho. No Ocidente, devido ao clima frio, às várias formas de revolução industrial etc., o indivíduo tem de ser ativo, e tratar de ter muitas roupas. No Oriente, onde o clima é cálido e se necessita de muito pouca roupa, o indivíduo tem tempo, lazeres; e, lá, há também a velha tradição de que se tem de renunciar à sociedade para se achar o real.

Aqui viveis completamente interessados em reformas, melhores condições, uma vida melhor. Como podem integrar-se estas duas mentalidades? As duas maneiras de proceder podem ser falsas, e têm de sê-lo, sem dúvida, quando se dá exagerada importância a uma e se despreza a outra. Mas, se tentarmos achar a realidade, sem a buscarmos como um grupo de cristãos, mas como indivíduos independentes de qualquer autoridade, então essa própria busca é criadora, e essa capacidade criadora produz sua ação própria. Se não buscarmos essa liberdade religiosa, todas as reformas só poderão levar-nos a piores infortúnios, como se está vendo em toda parte. Pode-se ter paz pelo terror; mas haverá guerras interiores de todos contra todos, competição, crueldade, a busca do poder, pelo grupo ou pelo indivíduo. Só os que são religiosos, no sentido mais profundo desta palavra, os que se emanciparam de toda e qualquer autoridade espiritual, que não pertencem a nenhuma igreja, nenhum grupo, não se deixaram identificar com nenhuma doutrina particular, que estão perenemente buscando, indagando, sem nunca acumularem experiência alguma, só esses indivíduos são verdadeiramente criadores. Sua mente é a única mente religiosa e, portanto, revolucionária; e ela atuará sem se separar como mente contemplativa ou mente ativa, porque tal indivíduo é um ente completo, total.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Londres, 19 de junho de 1955

terça-feira, 3 de abril de 2018

O que é criação, a origem, o início?

O QUE É CRIAÇÃO, A ORIGEM, O INÍCIO?

 Suponho que devemos falar. Você gostaria de participar do que está se falando? Poderia? Siga, se deseja, o que está se falando. Não só sigam, senão, juntos, compartilhem. Refiro-me a participar não só pensar nisso ou casualmente prestar-lhe atenção, mas sim, juntos entrar no que o orador vai falar sobre o presente. Uma das coisas que devem ficar muito claras é que isto não é um culto a personalidade. Certo? O orador abomina tudo isso, adorar alguém, porque tudo o que disse é contraditório, se você adora pessoalmente a um indivíduo, ou fazer de algo um deus, em um... em todas tolices que se sucedem no mundo. O importante é escutar o que se tem a dizer, compartilhando, não só escutar, mas, na realidade, participar no que se diz. Você pode estar de acordo ou em desacordo, que você tem razão em fazer, mas já que está aqui e já que o orador está aqui, estamos falando juntos. Temos falado de — duvido — falamos sobre a vida, a mesma complexidade da vida, o começo da vida, vamos ver, juntos, o que é a vida? Qual é a origem de tudo isto? A terra, a terra maravilhosa, a bela tarde e o sol de madrugada, os rios, os vales, as montanhas e a glória da terra que está sendo disseminada, estragada. Então, qual é a origem de tudo isto?

Se você diz “Deus”, então, tudo está terminado, então você pode correr muito felizmente porque resolveu o problema. Mas, se começa a questionar, a duvidar, como deveria, todos os deuses, todos os gurus, — não pertenço a essa tribo —, se você começa a questionar tudo o que o homem tem juntado através de uma longa evolução de dois milhões de anos, desde o começo dos sumérios, e assim sucessivamente, os hebreus, os antigos egípcios, pelos corredores da história, sempre se tem feito esta pergunta: Qual é o começo? Qual é a origem? Como se sucedeu tudo isto? Espero que você esteja se fazendo está pergunta. Não  escute ao orador com os olhos muito abertos ou com olhos estreitos, ou seja lá que olhos tenha, mas compartilhe isso, faça-o em pedaços. Não aceite qualquer coisa que ele diga; o orador não é seu guru, graças a Deus! Ele não é seu líder. Ele ao é seu ajudante. Certo? Então, nessa plataforma, esse é o começo desta palestra. Esta é uma palestra muito séria na qual vamos entrar e a menos que seu cérebro esteja ativo, não só se sentar ali e olhar, estar realmente ativo, temo que você não possa seguir. Isso seria inútil para o orador e para você, se sentar aqui e escutar muitas palavras. Mas, se juntos pudermos fazer uma longa viagem, uma viagem muito longa, não em termos de tempo, não em termos de crença ou conclusões ou teorias, mas como temos examinado com muito cuidado o caminho de nossas vidas: medo, incerteza, insegurança e todas as invenções que o homem tem feito, incluindo os extraordinários computadores e tudo mais, se você faz uma viagem neste — onde estamos ao final de dois milhões de anos? Para onde vamos? Não é uma teoria, não o que disse um livro miserável, por mais sagrado que seja. Para onde vamos todos? E onde tudo começou? Ambos estão relacionados entre si: para onde vamos, onde começamos. O começo pode ser o final. Você entende? Não sei se você entende o que estou falando. Não estar de acordo, mas descobrir. Pode ser que não haja começo nem fim e vamos investigar isso juntos. Está tudo bem? Você está de acordo com tudo isso? Não importa se você aprova ou não, lá vou eu.

Desde o princípio dos tempos, o homem sempre tem pensado em termos de religião. Certo? Os antigos egípcios tinham sua Isis, Osíris e todos os deuses e os antigos hebreus e assim sucessivamente até os dias de hoje. O que é religião? Você entende a pergunta? O que é religião? Porque estamos tão inclinados, ou não, dizendo: “Não acredito em nada”? Mas o homem sempre tem buscado algo mais que este mundo. Eles adoram as estrelas, o sol, a lua e suas próprias criações; tem sido um esforço tremendo, esforço, energia, gasto em templos antigos, mesquitas e as igrejas, certamente. Tem gasto uma tremenda energia nisto. Alguns deles extraordinariamente formosos, outros horríveis, em volta da esquina você os pode encontrar. E nos perguntamos: qual é o espírito do homem que busca algo mais além do mundo, da agonia atual, do trabalho, do trabalho, ir à fábrica, ao escritório e escalar a escada do sucesso, ganhar dinheiro, procurando impressionar as pessoas, tratando de mandar de cima para baixo. Certo? Você está de acordo com isso? Isso é um fato, esteja de acordo ou não. Todos buscam o poder de alguma forma. Querem estar no centro das coisas,em Déli, ou aqui, ou em outros lugares. Eles querem estar ali. Mas, nos perguntamos: o que é a religião? O que é isso em que o homem gasta enormes tesouros ou tem dado tesouros a um templo, etc., o que o faz fazer tudo isto? Estamos falando juntos? Sim? Alguém fale um pouco. Deus, você necessita de um montão de cutucões, não é verdade?

O que o fez fazer tudo isto? Qual foi a energia que ele deu a tudo isto? Foi o medo? Foi uma busca por uma recompensa do céu ou do inferno, como queira chamá-lo? Buscando por uma recompensa. Essa era a origem? Porque o homem, como você, quer uma recompensa, quer algo para trocar. Reza três ou cinco vezes ao dia e espera por uma mudança, algo que alguma entidade lhe dará, de uma geladeira a um automóvel, a uma esposa melhor, ou melhor esposo, ou espera pela graça, algo que possa esperar, se apegar. Certo? Esta tem sido a história de todas as religiões organizadas, não? Você conhece o templo próximo daqui chamado Tirupatí.  Estou seguro de que você vai ali, não importa. Fazem, creio eu, um milhão de dólares a cada três dias. Certo? Não? Então, Deus e dinheiro estão sempre juntos. Assim é como se construiu a Igreja Católica, tremendo tesouros ali, extraordinárias joias valiosas e tudo isso. Então, você também os tem aqui nos vários templos e todo o puja e a adoração e toda essa trivialidade. Tudo isso é realmente sem sentido. Então, estamos tratando de averiguar, de investigar muito, muito profundamente, o que é a religião, — obviamente não todas estas coisas para fazer dinheiro. Certo? Você acompanha o que estou dizendo, inclusive por uma hora? Mas logo você pode regressar aos seus templos, às suas orações, à sua... — como se chama em sânscrito, me esqueci por um momento, não importa.

Então, perguntamos: o que é isso que não tem nome, que é a inteligência suprema, que não tem relação com todas as nossas orações, com todos os nossos templos, mesquitas, igrejas? Certamente, tudo isso é feito pelo homem. Certo? Todos os deuses, todos os templos, mesquitas, etc., inclusive isso, isso é feito pelo homem. Não? Temos construído as igrejas, não você que está no trabalho ou em outro lugar, mas os construtores dos monumentos antigos, templos antigos, tudo isso, todos os rituais, todos os vestidos estranhos que colocam, vestidos medievais, para impressionar as pessoas. Mas se você elimina tudo isso, qualquer homem inteligente deve ignorar tudo isso, as orações, o culto, o puja, dar guirlandas à algum ídolo, não? E o sacerdote murmurando algumas palavras sânscritas, provavelmente ele mesmo não as entende, e provavelmente seja sua tradição, e desse modo ganham muito dinheiro, e assim sucessivamente. Se você pode deixar tudo isso de lado, não ser cínico, não se converter-se simplesmente em cético, mas um cérebro realmente inquisitivo, certo? Cérebro inquisitivo. Você tem um cérebro assim? Investigando o cérebro, um cérebro que está ativo, um cérebro que investiga tudo, não só lá fora, que é o que estão fazendo os cientistas ao seu modo, o mundo, o mundo exterior, mas, você tem um cérebro que está perguntando em seus próprios pensamentos, em sua própria consciência, em suas próprias dores, sofrimentos, tudo o mais. Temos um cérebro assim?

Aqui, devemos separar o cérebro da mente. Não se importa? O cérebro é o centro de todos nossos nervos, de todo nosso conhecimento, todas as nossas teorias, opiniões, preconceitos, escolas, universidades, todo esse conhecimento se reúne no crânio. Certo? Está aí. Todos os pensamentos, todos os medos, etc. É o cérebro diferente da mente? Não me olhe, estou lhe fazendo uma pergunta. Se você presta atenção, seriamente, ao que lhe pergunta o orador: Há alguma diferença entre o cérebro? Seu cérebro, o que há dentro do crânio, e todo conhecimento que você tem reunido, não só você, senão seus antepassados, etc., etc., por dois milhões de anos. Tudo está encerrado ali. Então, esse cérebro sempre será limitado. Certo? Não esteja de acordo, senhor, isto é muito serio. E é a mente diferente disto, desde a minha consciência, desde a minha atividade diária, dos meus medos, ansiedades, incertezas, tristeza, dor e todas as teorias que o homem tenha reunido sobre tudo, está ali. Certo? E o cérebro — refiro-me à mente — não tem nenhuma relação com o cérebro, mas pode se comunicar com o cérebro, mas o cérebro não pode se comunicar com isso. Estou lhe deixando algo claro? Você entende a minha pergunta? Não esteja de acordo, por favor, isso é a última coisa que se possa fazer, estar de acordo comigo.

O orador diz que o cérebro é o guardião de toda nossa consciência, de nossos pensamentos, de nossos medos, e assim sucessivamente, e mais e mais; todos os deuses, todas as teorias sobre os deuses e todas as descrenças, tudo está ali. Ninguém pode discutir isso a menos que seja um pouco estranho. Sabe a palavra “estranho”? É um pouco tantã. Está tudo aí. Mas esse cérebro que está condicionado pelo conhecimento, pela experiência, pela tradição, etc., não pode ter nenhuma comunicação com essa coisa, com essa mente que está totalmente fora da atividade do cérebro. Não sei se você aceitará isto. Não se inquiete, só pense nisso, veja-o. Mas essa mente pode se comunicar com o cérebro, mas o cérebro não pode se comunicar com isso. Porque o cérebro pode imaginar infinitas coisas, o cérebro pode imaginar o anônimo; o cérebro pode fazer qualquer coisa. Entende? E isso é demasiado imenso porque não lhe pertence, não é a sua mente, você... etc., etc.

Então, vamos investigar, juntos, tenham sempre em conta, juntos, não só a natureza da religião mas também investigar o computador. Sabe o que é o computador? Não é assim? Sim. É uma máquina. Pode se programar a si mesmo. Pode gerar seu próprio computador. O computador pai tem seu próprio computador filho, que é melhor que o pai. Compreende tudo isto? Você não tem que aceitar isto. É público, não é algo secreto, assim que tenham cuidado. Esse computador pode fazer qualquer coisa que o homem possa fazer. Pode inventar todos os seus deuses, todas suas teorias, seus rituais, ainda melhor do que você algum dia será. Então, o computador vem no mundo, não só nas fábricas, mas também vai fazer com que seus cérebros sejam algo diferente. Qual é? Você tem ouvido falar de engenharia genética? Oh, Deus! Você não escuta todas estas coisas? Eles tentam goste você ou não, para modificar completamente o seu comportamento. Isso é engenharia genética. Estão tratando de mudar a sua forma de pensar. Você entende o que quero dizer? Oh, não me olhe, senhor! Ele está rindo. Poderia se sentar em outro lado? Poderia? Porque você está me olhando o tempo todo. Sente-se ali, senhor, não é verdade?

I: São só os meus olhos.

K: Eu sei, eu sei. Isso é o suficientemente bom. Se sentaria ali, senhor? Ótimo. Obrigado.

Então, a engenharia genética e o computador. Certo? Quando os dois se encontram juntos, vão se perguntar em poucos anos, o que você é? Entende o que estou perguntando, senhor? O que você é coo ser humano? O que é você? Seus cérebros serão alterados. Sua forma de comportamento vai se modificar. Certo? Podem eliminar completamente o medo, eliminar a dor, eliminar a todos os seus deuses. O farão, senhor, não engane a si mesmo. Porque tudo termina em guerra ou na morte. Certo? Então, na realidade, isto é o que está ocorrendo no mundo. Engenharia genética por um lado, e o computador no outro e, quando se encontram, já que inevitavelmente irão se encontrar, o que é você como uma máquina humana?  Na realidade, seu cérebro agora é uma máquina. Você nasce na Índia e diz: “Sou indiano”. Você está preso nisso. Ou nasce na Rússia, o mesmo, e assim sucessivamente. Você é uma máquina, por favor, não se sinta insultado. Não estou lhe insultando, você é uma máquina, que repete, repete ou diz que é diferente, você já sabe, máquina, como um computador. Certo? Não imagine que há algo divino em você — isso seria encantador — algo santo, que é eterno. O computador lhe dirá isso também. Então, o que é que está se passando com o ser humano? O que será de você?  

E também temos de perguntar — este é um tema muito sério, não esteja de acordo ou em desacordo, só escute, você não pode provavelmente participar nisso, o que é a criação? Entende minha pergunta? Ao menos entende a minha pergunta — criação? Não é a criação de um bebê, isso é muito simples, ou a criação de algo novo ou outro. A invenção é totalmente diferente da criação. A invenção se baseia no conhecimento. Certo? Posso melhorar, os engenheiros podem melhorar o jato. A melhoria se baseia no conhecimento e a invenção também se baseia no conhecimento. Então, devemos separar a invenção da criação. Você poderia? Não, não, senhor, não esteja de acordo. Isto requer sua energia total, sua capacidade para penetrar, não só dizer sim, sim. A diferença entre criação e invenção, entende a diferença? A invenção se baseia essencialmente no conhecimento. Certo? Eu melhoro o relógio; tenho um novo aparelho, porque os velhos aparelhos que tenho usado, tenho encontrado algo novo e invento algo mais. Então, todas as invenções se baseiam no conhecimento. Certo? Na experiência. As invenções são inevitavelmente limitadas, porque se baseiam no conhecimento. Oh, santo Deus! Que alguém acorde! Então, o conhecimento é sempre limitado, as invenções sempre devem ser limitadas. No futuro podem não ter jatos, mas algo mais e isso irá de Déli à Los Angeles em duas horas. Essa é uma invenção baseada no prévio conhecimento, que foi melhorado passo a passo, mas isso não é criação. Certo? Canso-me de ver essas caras que não dizem nada!

Então, o que é a criação? Então, o que é a vida? Você entende? A vida na árvore, a vida na pequena erva, vida no cientista — a vida, não o que eles inventam, o que fazem, mas o começo da vida. Não sei se você entende. A vida, o que vive. Você pode matá-lo mas segue ali no outro. Então, estamos perguntando, não concorde nem descorde, não assente com a cabeça, mas veja o que estamos perguntando, qual é a origem da vida. Estão de acordo? Estão de acordo comigo? Sinto, vou me deter. Então, vamos investigar o absoluto, algo que realmente é maravilhoso. Não é uma recompensa; não pode levá-lo para casa e dizer: “O usarei”.

O que é a meditação para você? Poderia me dizer de modo amável, o que é a meditação para você? Alguns de vocês meditam, não é verdade? Não? Oh, Deus! O que? Alguns de vocês o fazem, não é verdade? O que é meditação? A palavra, é uma linguagem comum no dicionário, significa “refletir, pensar” e “concentrar-se”, para aprender a concentrar-se em algo, não deixar que seu cérebro divague por todo lado. Certo? É isso o que você chama meditação? É bem simples, senhor, se é honesto. O que é isso? Dando todos os dias um certo período e você vai à um local em silêncio, senta-se durante dez minutos, um quarto de hora, medita. Certo? Está de acordo com isto, senhor? Não? Então, o que é a meditação para você? Concentração? Pensar em algo muito nobre? Você não pode responder todas estas perguntas. Então, vamos perguntar primeiro o que é a meditação. Qualquer esforço consciente para meditar é parte de sua disciplina no negócio. Porque você diz: “Se medito, terei uma mente tranquila, ou entrarei em outro estado”. E assim sucessivamente e assim sucessivamente. A palavra “meditação” também significa “medir”, não é verdade, senhor? Medir, o que significa comparar. Oh, Senhor! Então, sua meditação se torna mecânica, não? Porque você está exercitando energia, concentrar-se numa imagem, numa imagem ou numa ideia, e essa concentração se divide. Certo? Vocês entendem o que quero dizer? A concentração é sempre divisão. Não? Quero concentrar-me nisso, mas o pensamento se desvia. Logo, digo: “Não devo divagar, voltarei”. Repete isso todo o dia, ou meia hora. E logo você salta e diz: “Bem, já meditei”. E esta meditação é defendida por todos os gurus, por tudo o que você sabe, discípulos laicos, etc., etc. E a ideia cristã é, “Acredito em Deus e me sacrifico por Deus”. Entende o que estou dizendo? E, portanto, oro para me salvar, para salvar minha alma, salvar a mim, etc., etc. Tudo isto é meditação? Diga-me, não sei nada sobre a meditação, ao menos, não este tipo. Você me diria? Isto é meditação? Diga-me, senhor, não se assuste. Não sou seu guru, nem seu chefe, nem... Diga-me se isto é meditação. É como uma conquista. Certo? É uma conquista. Medito durante meia hora, e sinto-me brilhante. Ou há um tipo de meditação totalmente diferente? Certo, senhor? Totalmente diferente. Eu lhe pergunto, mas como você não responderá, devo responder.

Na palavra “meditação”, que é medida, como já disse, que é a comparação da conquista, isso não é meditação. Eu digo para que não aceite nada do que diz o orador, a qualquer preço. O orador diz que não é meditação, absolutamente. Isso é só um processo de conquista. Certo? Você tem estado um dia sem poder se concentrar e toma um mês e diz: “Sim, o tenho”. É como um empregado que se converte em gerente. Certo? Então, há um tipo diferente de meditação, que não é esforço, que não é medida, que não é rotina, que não é mecânico? Por favor, prestem atenção ao que estou dizendo. Há uma meditação na qual não há sentido de comparação, ou que não há recompensa nem castigo? Compreende tudo isto? Então, há alguma meditação que não esteja baseada no pensamento, que é medida, tempo e tudo isso? Entende a minha pergunta? Como pode se explicar uma meditação que não tem medida, isso não tem conquista, isso não diz, serei isso, eu sou isso, mas me converterei nisso. “Esse” é Deus ou super anjo. Então, isso requer — se posso assinalar, não para que você o aceite ou negue, simplesmente assinalando: há uma meditação que não tem nada que ver com a vontade, com nossa energia que diz, devo meditar, que não tem nada que ver com o esforço em absoluto? O orador diz que sim. Você não tem que aceitá-lo. Ele pode estar louco. Ele pode estar dizendo besteiras. Mas, ele vê logicamente que a meditação ordinária é auto-hipnose, enganando-se, e quando você deseja se enganar, detém todo esse processo mecânico. Há algum tipo diferente de meditação? E aí, afortunadamente, o orador diz que sim. Isso não é para lhe ser dito. “Sim, estou de acordo, meditarei”. Não pode conquistá-lo através do esforço, dando toda sua energia a algo. Você não pode, não há, entende? É algo que tem que ser absolutamente silencioso. Não fala silêncio agora. Não se sente em meditação. Por favor, não o faça, senhor. Não pode fazê-lo. Primeiro de tudo, comece humildemente, muito, muito humildemente e, portanto, muito suavemente. E, portanto, não empurrar, conduzir, dizer, “Devo fazer isto”. Requer uma grande sensação não só de solidão, mas uma sensação de... não devo descrevê-lo. Não devo descrevê-lo. Porque então, se apagará nas descrições. Se o descrevo, a descrição não é o real. Certo? A descrição da lua, ou a descrição pintada do Himalaia, não é o Himalaia, certo? Portanto, deixaremos de descrever. É para que você jogue com ele ou não jogue com ele, seguir seu próprio caminho e suas próprias conquistas peculiares, através da meditação e demais, recompensa e tudo o mais. Então, uma meditação que não é absolutamente nenhum esforço, sem conquista, sem pensar, então, o cérebro está em silêncio. Você entende? Não um silêncio feito pela vontade, pela intenção, pela conclusão, e todas essas besteiras; está tranquilo! E estando em silêncio, tem espaço infinito. Você está esperando que eu explore e traga o que explorei? Deus, que tipo de pessoas são vocês? Então, seu cérebro está sempre quieto? Estou lhe perguntando. Seu cérebro: pensar, temer, seu trabalho do escritório, seu pensamento de sua família, o que façam seus filhos, suas filhas — pensando, que é tempo e pensamento. Seu cérebro está sempre quieto? Você poderia, amavelmente, me dizer?

I: (inaudível).

K: O que, senhor? Não fique nervoso, senhor. Diga o que quer dizer e se não pode dizê-lo, esqueça-o.

Seu cérebro está quieto? Não aquietado por drogas e por todo tipo de incentivos, whisky ou várias formas de se drogar. Você se droga quando crê. Você se droga e diz: “Sim, isto está perfeitamente certo, o Buda disse que, portanto, deve estar correto”. Você está se drogando o tempo todo, portanto, você não tem energia, desse tipo que se exige na penetração de algo imenso.

Então, voltamos agora para descobrir o que é a criação. Você entende? O que é a criação? Porque não tem nada a ver com a invenção. Isso se foi. Então, qual é a criação, a origem, o começo? O que é a vida? Digam-me, senhores, o que pensam disso. Digam-me. O que é a vida? Não ir ao trabalho e tudo o mais, sexo e meninos, ou não filhos, sem sexo, etc., etc., etc. O que é a vida? O que é a vida desse filamento da erva em crescimento? Você entende? O que é a vida em nós? Não todas as coisas que pensamos: poder, posição, prestígio, fama ou nenhuma fama, senão vergonha. Então, isso não é vida, isso é parte de nosso mal manejo da vida. Mas,o que é a vida? Entende minha pergunta? Você entende, senhor? Por que está me escutando? O que lhe faz escutar o homem? Qual o motivo por detrás da sua escuta? O que você deseja? Qual é o seu desejo? Por detrás do desejo há um motivo. Certo? Então, o que é o desejo? Primeiro, detenhamo-lo rapidamente. O desejo é parte da sensação, não é assim? Vejo este belo relógio ou feio relógio; é uma sensação; o ver produz uma sensação. Oh, isto é normal, senhor, não... Dessa sensação, o pensamento vem e cria uma imagem dele. Quer dizer, vejo este relógio, bastante agradável, e gostaria de tê-lo. A sensação de ver, logo penso vir e fazer uma imagem dessa sensação, nesse momento, o desejo nasce. É muito simples, certo?

Então, há um cérebro, seu cérebro, que não está preso, nublado pelo meio ambiente, pela tradição, pela sociedade e tudo o mais? Então, qual é a origem da vida? Está esperando que eu lhe responda? Está esperando que o orador responda essa pergunta? E você? Poderia dizer-me amavelmente, sim ou não? Esperarei. Se me disser, então, continuarei. Este é um tema demasiado sério para que jogues, porque estamos tratando de ingressar, investigar algo que não tem nome, não tem fim. Posso matar esse pássaro, há outro pássaro. Não posso matar a todos os pássaros; há muitos deles no mundo. Então, estamos investigando o que faz um pássaro, o que é a criação por detrás de tudo isto? Certo? Está esperando que eu o descreva, entre nisso? Sim, senhor? Você quer que eu entre nisso? Por que?

P: Para entender.

K: O que você entende?

P: (Inaudível)

K: Através de seu cérebro?

P: (Inaudível)

K: Por que você pergunta isso? Por que perguntei? Já vê, e novo, você está... sinto, senhor. Nenhuma discrição cabe, pode descrever a origem. A origem é anônima, a origem é absolutamente tranquila, não está zombando sobre fazer ruído. A criação é algo que é santíssimo, isso é o mais sagrado na vida e se você arruinou a sua vida, transforme-a! Transforme-a hoje, não amanhã. Se não está seguro, descubra o porquê e esteja seguro. Se sua forma de pensar não é correta, pense logicamente, logicamente. A menos que tudo esteja preparado, tudo isto esteja resolvido, você não pode entrar neste mundo, no mundo da criação. Terminei. Esta é a última palestra. Você quer se sentar tranquilamente por um momento? Muito bem, senhores, sentem-se em silêncio por um tempo...

Podemos nos levantar e irmos embora?  

Krishnamurti, terceira palestra em Madras (Chennai),
04 de janeiro de 1986
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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

É possível investigar e agir coletivamente?

[...]Pode haver tal coisa — "ação coletiva"? Bem sei que esta é a frase em moda — ação em massa, ação coletiva, espírito de cooperação. Mas que significa "ação coletiva"? Podemos pintar um quadro, todos juntos? Prestem atenção a isso. Podemos escrever juntos uma poesia? Podemos arar juntos um campo ou trabalhar juntos numa fábrica? — Ora, senhores, o que realmente se entende não é ação coletiva. O que se entende é o pensar coletivo. Temos pois que ver com o pensamento coletivo, e não com a ação coletiva. Pois bem, do pensamento coletivo pode resultar ação; isto é, se todos nós pudermos concordar, unanimemente, sobre o que é bom para a Índia ou outro país qualquer, se as autoridades puderem "nos condicionar" dessa maneira o pensamento, haverá então ação coletiva, ação de forma coletiva, em que tomam parte individualmente; e se não tomarem parte nela, haverá sempre meios de obrigá-los a fazê-lo —  compulsão, extermínio, castigo, recompensa, etc. 

Essencialmente, a natureza da ação coletiva é o pensamento coletivo. Que se entende, porém, por "pensamento coletivo"? Podemos, vocês e eu e mais alguns milhões de pessoas, resolver juntos um problema, seja econômico, social, político, religioso, ou seja qual for? Sabemos resolver um problema independentemente, ou somos persuadidos por ameaça da punição ou promessas de recompensa, pelas tradições, pelas influências condicionadoras? Pode haver pensamento coletivo? Verifiquem, Senhores, observem por si mesmos, pensem! Vocês não são o resultado do pensamento coletivo? Quando se dizem hinduísta, brâmane, cristão, isso não é resultado de pensamento coletivo? Vocês são "condicionados" pelo pensamento coletivo, para serem hinduísta, budista, cristão, católico romano, ou comunista; e todo grupo, toda sociedade, toda religião condiciona, inculca suas ideias na nossa mente. É possível pensarmos independentemente, se estamos juntos, condicionados por uma determinada maneira? Somos gregários; não sabemos pensar independentemente. Não há pensamento independente, porque todo pensamento procede de uma mente condicionada; o pensamento é símbolo da reação à memória. Por conseguinte — todo pensar — consciente ou inconsciente — tem de ser coletivo. Não podem pensar independentemente, desde que sua mente já está condicionada pelo padrão comunista, católico, etc. Senhores, não há liberdade de pensamento. Ação coletiva é pensamento coletivo

Quando dizemos que vamos fazer o homem pensar diferentemente, não mais de acordo com o velho padrão mas pelas novas normas, isso representa, não obstante, a continuação do velho padrão, sob forma modificada. É só nisso que estamos interessados, e é isso o que entendemos por pensamento coletivo. Quando temos essa espécie de pensamento coletivo, necessitamos da propaganda para nos incitar a pensar de uma certa maneira, necessitamos dos jornais. E dessa forma, nos tornamos escravos da autoridade, das compulsões infligidas por mentes sutis, que nos gravam constantemente no espírito certas impressões. Nessas condições, o pensamento coletivo pode produzir ação individual, mas essa ação se realizará dentro de uma atmosfera de pensamento condicionado, e por isso não há nenhuma liberdade. A liberdade só é possível quando percebemos e admitimos que estamos completamente condicionados. Então existe a possibilidade de quebrarmos as cadeias e encontrar um estado mental livre de qualquer condicionamento. Quando percebermos toda a verdade a este respeito, haverá então ação coletiva — que não é pensamento condicionado coletivo. 

Quando vocês e eu afirmarmos que todo o nosso pensamento está condicionado — pelo molde católico, comunista, hinduísta, budista ou muçulmano — quando reconhecermos esse fato e vocês não desejarem que eu me torne comunista, nem eu desejar que se tornem católicos (visto que isso é a continuação do antigo padrão sob forma modificada, implicando temor, ameaça, compulsão, extermínio, campos de concentração, e toda espécie de propaganda, para nos obrigar a fazer coisas) quando reconhecermos que todo o nosso pensar está condicionado e por isso não pode haver revolução fundamental, então talvez cheguemos, vocês e eu, à compreensão daquela Verdade que não é produzida por pensamento condicionado. Quando a compreendermos, vocês e eu, haverá então ação coletiva. 

Não é nossa missão — suas e minha — descobrir a Verdade que se encontra além dos limites da mente condicionada, de modo que possamos trabalhar juntos, criar um novo mundo que nos pertença, a vocês e a mim, o nosso mundo — não o mundo comunista, capitalista, socialista ou hinduísta. Mas dirão talvez, ser esse um estado impossível, só realizável por pouquíssimos indivíduos, — colocando assim de parte a questão Senhores, é o nosso mundo. Podemos transformar o mundo, podemos realizar essa obra, para nós mesmos e nossos semelhantes; precisamos, porém, dar toda a atenção e reflexão ao assunto. A verdadeira ação coletiva, não a ação coletiva produzida pela mente condicionada, só será possível, só será realizável, quando vocês, como indivíduo, compreenderem o processo total. Eis porque as organizações políticas, religiosas ou sociais jamais conduzirão o homem à felicidade. 

Pode o homem ter roupas, a alimentação ou o teto de que necessita; existe, porém, na vida, uma coisa muito mais significativa do que a mera aquisição. Isso não significa que vocês devem se tornar um santo, sanyasi, e se retirar para uma caverna, numa fuga suprema. Entretanto, quando compreendermos, de verdade, a significação da mente que é livre de condicionamento e, por conseguinte, todas as nossas ações procederem dessa compreensão — isso será a verdadeira revolução. 

Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Pensamento, Sentimento, Ação; Harmonia, Ação Integrada

Por que razão dividiu o homem a sua existência em compartimentos diferentes - o intelecto e as emoções? Cada um desses compartimentos parece independente do outro. Na vida, essas duas forças motoras são muitas vezes tão contraditórias, que parecem dilacerar a própria estrutura de nosso ser. Harmonizá-las, de modo que o homem possa atuar como uma entidade total, foi sempre um dos principais alvos da vida. (…) (A Luz que não se Apaga, pág. 100)

Exatamente: o pensar e o sentir são uma só coisa; sempre, desde o começo, foram uma só coisa, e é isso, precisamente, o que estou dizendo. Nosso problema, por conseguinte, não é a integração dos diferentes fragmentos, mas, sim, a compreensão dessa mente e desse coração que são uma só coisa. (…) (Idem, pág. 102)

Desejo explicar, hoje, que há um modo de viver naturalmente, espontaneamente. (…) Quando viveis completamente na harmonia de vossa mente e coração, então o vosso agir é natural, espontâneo, sem esforço. (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 130)

Afinal, sentir é pensar, não? As duas coisas são inseparáveis. (…) O sentimento sempre acompanha o pensamento. E sentimento é percepção-sensação-contato, etc. Sentir é ser sensível; (…) (O Passo Decisivo, pág. 65)

Achais mesmo muito importante que a mente e o coração se unam? (…) Por que procurar uni-los? Essa preocupação é ainda do intelecto e não oriunda (…) de vossa sensibilidade, que faz parte de vós. Dividistes a vida em intelecto e coração; intelectualmente observais o emurchecer do coração e, verbalmente, vos preocupais com isso. (A Outra Margem do Caminho, pág. 21-22)

(…) Aquilo a que vos opondes é a periculosidade do intelecto, que endeusais. Essa periculosidade cria uma multidão de problemas. Vedes provavelmente os efeitos das atividades intelectuais, no mundo - as guerras, a competição, a arrogância do poder - e talvez tenhais medo do que está para acontecer, do desespero do homem. (Idem, pág. 22)

(…) Enquanto existir essa divisão entre os sentimentos e o intelecto - um a dominar o outro - um destruirá o outro, inevitavelmente; não há possibilidade de uni-los. (…) O amor não pertence a nenhum dos dois, porque o amor não é de natureza dominadora. Não é uma coisa fabricada pelo pensamento ou pelo sentimento. (…) O amor está no começo e não no fim de algum esforço. (A Outra Margem do Caminho, pág. 22)

Separamos o intelecto do sentimento, desenvolvemos o intelecto à custa do sentimento. Somos como um tripé com uma perna mais longa do que as outras, não temos equilíbrio. Somos educados para sermos intelectuais; (…) (A Educação e o Significado da Vida, pág. 79)

(…) O que pode produzir a transformação em nós, e por conseguinte na sociedade, é a compreensão do processo integral do pensar, que não é diferente do sentir. Sentir é pensar; (…) (Por que não te Satisfaz a Vida, pág. 73)

Krishnamurti: (…) Só conheço dois movimentos: um, o de pensar - o movimento intelectual, racional; o segundo, o sentimento de benevolência, delicadeza, doçura; (…) São dois movimentos separados? Ou porque os temos tratado como dois movimentos separados, surge todo nosso infortúnio, nossa confusão? (Tradición y Revolución, pág. 402)

Não achais necessário que o pensamento claro e correto seja sensível? Para sentir profundamente, não é necessário um coração aberto? Não se requer um corpo sadio para que as suas reações sejam prontas e adequadas? Embrutecemos nossa mente, nosso sentimento, nosso corpo, com as crenças e a malevolência, com estimulantes poderosos e insensibilizantes. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 17)

Se não desejais sentimentos embotados e empedernidos, deveis pagar o preço disso. Urge abandonardes a pressa, a confusão, as profissões e atividades inadequadas. Deveis torna-vos cônscios de vossos apetites, de vosso ambiente delimitador, e começardes, então, com uma justa compreensão dos mesmos, a novamente despertardes a sensibilidade. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 18)

Com a observação constante de vossos pensamentos-sentimentos, cairão por terra as causas do egotismo e da estreiteza mental. Se desejais atingir um elevado grau de sensibilidade e clareza, deveis trabalhar deliberadamente para esse fim; não podeis ser mundanos e ao mesmo tempo sinceros na busca da Realidade. (Idem, pág. 18)

Hipertrofiamos o intelecto, em prejuízo de nossos sentimentos mais profundos e claros, e uma civilização baseada no cultivo do intelecto há de produzir brutalidades e o culto da prosperidade. O basear-se no intelecto ou só no sentimento conduz ao desequilíbrio (…) É necessário que compreendamos as tendências do intelecto, mediante vigilância constante,(…) transcender o próprio raciocinar. (Idem, pág. 18-19)

(…) O culto do intelecto, em oposição à vida, conduziu-nos à nossa atual frustração, com suas inumeráveis vias de fuga. (…) A presente crise nasceu do culto do intelecto, e foi o intelecto que dividiu a vida numa série de ações opostas e contraditórias; foi o intelecto que negou o fator de unificação que é o amor. (A Arte da Libertação, pág. 248)

O intelecto encheu o nosso coração, que estava vazio, com coisas da mente; e só quando a mente está cônscia do seu próprio raciocinar é capaz de transcender a si mesma, e só então haverá enriquecimento do coração. Só o (…) enriquecimento do coração pode trazer a paz a este mundo louco e cheio de lutas. (Idem, pág. 248)

Com essa busca de saber, com nossos desejos gananciosos, estamos perdendo o amor, estamos embotando o sentimento do belo, a sensibilidade à crueldade; estamo-nos tornando cada vez mais especializados e cada vez menos integrados. A sabedoria não pode ser substituída pela erudição (…) (A Educação e o Significado da Vida, 1ª ed.,pág. 78)

(…) A erudição é necessária, a ciência tem o seu lugar próprio; mas, se a mente e o coração estão sufocados pela erudição, e se a causa do sofrimento é posta de parte com uma explicação, a vida se torna vazia e sem sentido. (…) (Idem, pág. 78)

Que quer dizer “razão”? Pode a razão separar-se do sentimento? Vós os separastes, porque desenvolvestes o intelecto e nada mais. E tendes, assim, uma espécie de tripé, com uma perna muito mais longa que as outras duas e que por isso não pode ficar em equilíbrio. É o que aconteceu. Somos altamente intelectuais. (…) E temo-nos servido do intelecto como meio para encontrarmos a Realidade. (Uma Nova Maneira de Viver, pág. 139)

Mas o intelecto representa uma parte, somente, e não o todo. Compreender a realidade e raciocinar são duas coisas diferentes. Sem razão (…) não podemos viver. Razão é equilíbrio, integração. (…) Mas a razão, como a conhecemos, é operação intelectual e não pode produzir senão fragmentação, como estamos vendo no mundo todo (…) O intelecto está produzindo toda esta devastação, degradação e miséria (…) A razão precisa transcender a si mesma, para encontrar a Realidade. (Idem, pág. 139)

Expressando-o diferentemente, com o raciocinar não se pode encontrar o real, porquanto o raciocinar é produto do passado, (…) depende do tempo, é reação no tempo e, por conseguinte, o raciocinar não pode nunca ser o atemporal. É preciso que o raciocinar termine, porque só então poderá manifestar-se o atemporal. Quando a mente tem percepção do seu existir, sobrevém um silêncio extraordinário, uma grande tranqüilidade (…) É nesse estado que pode dar-se a criação (…) (Idem, pág. 139-140)

(…) Separamos a mente dos sentimentos (…) a inteligência da mente e do coração, que para mim são uma só coisa. Inteligência é pensamento e sentimento em perfeita harmonia. (A Luta do Homem, pág. 83)

(…) Entendo por pensamento, não o mero raciocínio intelectual, que é somente cinzas, mas o equilíbrio entre os sentimentos e a razão, entre os afetos e o pensamento; e esse equilíbrio não é influenciado nem atingido pelo conflito dos opostos. (…) (A Luta do Homem, pág. 147-148)

(…) E a mente e o coração, que são para mim a mesma coisa (…) se debilitam e obscurecem pela memória (…) Mas, se fordes ao encontro do ambiente sempre renovados, sem a carga dessa memória do passado, (…) vereis então surgir a compreensão de todas as coisas (…) (A Luta do Homem, pág. 113)

Assim, a própria ação destrói as ilusões, não a disciplina auto-imposta. (…) Isso abre imensas avenidas à mente e ao coração (…) Mas só podereis viver completamente quando tiverdes percepção direta e a percepção direta não se atinge por meio de escolha (…) de esforço (…) Ela está na chama do apercebimento, que é a harmonia da mente e do coração na ação. (Palestras em Adyar, Índia, 1933-1934, pág. 162-163)

Quando estiverdes apercebido, com a mente e o coração, da necessidade da ação completa, agireis harmoniosamente. Então todos os vossos temores, (…) barreiras, (…) desejo de poder, de atingir - tudo isso se revelará, e as sombras da desarmonia dissipar-se-ão. (Idem, pág. 93)

Agora, já expliquei que o conflito não produz o pensar criador. Para se ser criador, para se produzir qualquer coisa, a mente precisa estar em paz, o coração cheio. (…) (A Arte da Libertação, pág. 219)

Essa tranqüilidade da compreensão não é produzida por ato de vontade, porquanto a vontade é também parte do vir-a-ser, do ansiar. Só pode estar tranqüila a mente-coração depois de cessar o tormento e o conflito do anseio. Assim como um lago se apresenta calmo após o vendaval, assim também está tranqüila a mente-coração, em sua sabedoria (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 143)

(…) Cumpre compreender esse anseio logo que se revele no nosso pensar-sentir-agir. Pela auto-vigilância constante, é possível compreender e transcender as tendências do anseio, do vir-a-ser pessoal. Não dependais do tempo, mas buscai com ardor o autoconhecimento. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 143-144)

(…) Poucos de nós estamos preparados para examinar um problema profundamente, e perceber o movimento de nosso próprio pensamento, sentimento e ação, como um todo geral, integrado; (…) (A Arte da Libertação, pág. 133)

Mas, que é ação? Bem considerada, ela é aquilo que pensamos e sentimos. E enquanto não tiverdes percepção de vosso pensamento, de vossos sentimentos, tem de haver insuficiência (…) (A Luta do Homem, pág. 81-82)

A ação é esse movimento que é, ele próprio, pensamento e sentimento (…) Essa ação é a relação entre o indivíduo e a sociedade. Pois bem: se esse movimento do pensamento for claro, simples, direto, espontâneo, profundo, não existirá então conflito no indivíduo, contra a sociedade, porque a ação é, nesse caso, a própria expressão desse movimento vivo e criador. (A Luta do Homem, pág. 153)

Nessas condições, (…) Não há técnica de pensar, mas somente a espontânea ação criadora da inteligência, a qual é a harmonia da razão, do sentimento e da ação, não separadas ou divorciadas entre si. (Idem, pág. 153)

Pensar criativamente é estabelecer harmonia entre a mente, o sentimento e a ação. Isto é, se estais convencidos de uma ação, em visardes a uma recompensa final, essa ação, resultado da inteligência, afasta todos os óbices impostos à mente pela falta de compreensão. (A Luta do Homem, pág. 154-155)

Visto que a todos nós interessa a ação e que, sem ação, não se pode viver, é de toda necessidade entrarmos a fundo na questão e procurarmos compreendê-la plenamente. É uma questão difícil, porque vivemos, em geral, uma vida desintegrada, seccionada (…) Assim, (…) precisamos verificar o que é atividade e o que é ação. (…) Há uma vasta diferença entre atividade e ação. (…) (A Arte da Libertação, pág. 39)

(…) Muito importa compreender a distinção entre atividade e ação. Eu chamaria atividade à conduta de vida baseada em níveis independentes, (…) “desintegrados” - isto é, queremos viver como se a vida estivesse num único nível, sem nos preocuparmos com os outros níveis, com outros campos da consciência. Se examinarmos tais atividades, verificaremos que se baseiam em idéias, e a idéia é um “processo” de isolamento (…) e não de unificação. (…) (Idem, pág. 40)

(…) A “ação integrada” não nasce de uma idéia; nasce assim que compreendeis a vida como um processo total, não fragmentado em compartimentos separados, em atividades separadas do todo da existência. (…) (A Arte da Libertação, pág. 41)

Nosso problema, portanto, é o de como agir “integralmente”, como um todo, e não em diferentes níveis não relacionados entre si. Para se agir como todo, (…) integralmente, é óbvia a necessidade de autoconhecimento. O autoconhecimento não é uma idéia: é um movimento. (…) (Idem, pág. 41)

(…) Nessas condições, o homem sincero não deve deixar-se envolver na atividade, mas, sim compreender as relações, pelo processo do autoconhecimento. A compreensão do processo do “eu”, do “meu”, na sua inteireza, traz a “ação integrada”, e essa ação é completa, não criará conflito. (Idem, pág. 41-42)

Existe uma ação que não seja resultado do movimento do pensar, (…) não condicionada por ideologias (…) criada pelo pensamento? Existe uma ação que esteja totalmente livre do pensamento? Uma ação semelhante seria então completa, total, íntegra - não fragmentária, não contraditória. Uma ação assim seria uma ação total, na qual não haveria arrependimento, nenhum sentido de “Eu houvera desejado não fazer isso”, ou “Tratarei de fazer aquilo”. A desordem surge quando opera o movimento do pensar; o pensamento mesmo é fragmentário e, quando opera, tudo tem de ser fragmentário (…) Qual é uma ação sem pensamento? (La Totalidad de la Vida, pág. 196)

(…) Ação significa fazer agora, não fazer amanhã ou haver feito no passado. Como o amor, essa ação não é do tempo. O amor e a compaixão estão mais além do intelecto, (…) da memória; são um estado da mente que assim atua [N.Revisor: há um erro gramatical aqui; examinar o texto em inglês], porque o amor e a compaixão são supremamente inteligentes - e a inteligência atua. Onde há espaço há ordem, que é a ação da inteligência; esta não é minha nem de vocês, é inteligência que nasce do amor e da compaixão. O espaço na mente implica que esta não se encontra ocupada; (…) (La Totalidad de la Vida, pág. 196-197)

Estou, pois, alvitrando que só se tornará possível a verdadeira ação quando a mente compreender a totalidade de sua ocupação, tanto consciente como inconsciente, e conhecer o momento em que cessou a ocupação. Vereis, então, que a ação resultante desses momentos de desocupação é a única ação “integrada”. Quando não está ocupada, a mente não está contaminada pela sociedade, não é produto de inumeráveis influências, não é hinduísta nem cristã, nem comunista, nem capitalista. Por conseguinte, ela própria é uma totalidade de ação, com que não tereis de ocupar-vos e em que não precisais pensar. (Da Solidão à Plenitude Humana, pág. 78)

A ação é esse movimento, que é, ele próprio, pensamento e sentimento (…) Essa ação é a relação entre o indivíduo e a sociedade. Ela é conduta, trabalho, cooperação, que chamamos preenchimento. Isto é, quando a mente atua sem visar a uma culminância ou objetivo, e é portanto criador o seu pensar, esse pensar é ação (…) (A Luta do Homem, pág. 153)

(…) Intrinsecamente, o pensamento é um produto do tempo, é medida e, portanto, fragmentário. (…) Se o vêem claramente uma vez, então poderão descobrir que é a ação, uma ação correta, precisa, na qual não há imaginação nem argumentações, nada senão o factual. (La Verdad y la Realidad, pág. 73-74)

Estamos tratando de descobrir que é a ação total, não fragmentária, a ação que não se acha presa no movimento do tempo, que não é tradicional e, portanto, não é mecânica. Quer o indivíduo viver uma vida sem conflito, viver em uma sociedade que não destrua a liberdade e, assim, sobreviver, (…) (Idem, pág. 74)

Assim, a ação, como a conhecemos, é, na realidade, reação, incessante “vir-a-ser”, ou seja, negação, evitação do que é; mas quando estamos cônscios do vazio, sem escolha, sem condenação, nem justificação, então, nessa compreensão do que é, há ação, e essa ação é o Ser criador. (…) (A Arte da Libertação, pág. 109-110)

Como disse (…), a inteligência é a solução única que produzirá a harmonia neste mundo de conflito, a harmonia entre a mente e o coração, na ação. (…) (Palestras em New York City, 1935, pág. 27)

Ora, (…) A essência da inteligência reside na compreensão da vida ou da experiência com a mente e coração frescos, renovados e aliviados de fardos. (…) (Idem, pág. 49)

Compreendo a pergunta. (…) Quando há harmonia total - harmonia real, não imaginária - quando o corpo, o coração e a mente estão integrados de modo completo e harmonioso, quando existe esse sentido de inteligência que é harmonia, e essa inteligência está usando o pensamento, haverá então divisão entre o observador e observado? Evidentemente, não. Quando não existe harmonia, há fragmentação, e então o pensamento cria a divisão do “eu” e do “não eu”, o observador e o observado. (El Despertar de la Inteligência, pág. 177)

A harmonia é quietude. Existe uma harmonia entre o corpo, o coração e a mente, harmonia completa, sem dissonância. Ao passo que, se o corpo é sensível, se está ativo e não deteriorado, tem sua própria inteligência. Deve o indivíduo possuir um corpo assim, vivo, ativo, não drogado. (…) (El Despertar de la Inteligencia, 1ª ed., pág. 174)

(…) E deve também ter um coração - não excitação, não sentimentalismo, nem emocionalismo, nem entusiasmo, senão esse sentido de plenitude, de profundidade, de qualidade e energia que só pode existir quando há amor. E deve ter uma mente com um espaço imenso. Então há harmonia. (Idem, pág. 174-175)

Como, pois, há de a mente encontrar isso? [N.Revisor: É esse o sentido?] Estou seguro de que todos vocês (…) se perguntarão: como pode um indivíduo ter esse sentimento de completa integridade, de unidade entre o corpo, o coração e a mente, sem sentido algum de distorção, divisão ou fragmentação? (…) Vocês vêem a realidade disso, (…) Vêem a verdade de que devem ter completa harmonia dentro de si, na mente, no coração e no corpo. Como podem vocês chegar a isso? (El Despertar de Ia Inteligencia, II, pág. 175)

Pois bem, (…) Como dissemos, quando há harmonia há silêncio. Quando a mente, o coração e o organismo estão em harmonia completa, há silêncio; porém, quando um dos três se deforma, se perverte, o que há é ruído. (…) Porém quando vocês vêem a verdade disso - a verdade, não o que “deveria ser” - quando vêem que isso é o real, então é a inteligência que o vê. Portanto, é a operação da inteligência a que produzirá esse estado. (Idem, pág. 175)

O pensamento é do tempo, a inteligência não é do tempo. A inteligência é imensurável - não a inteligência científica, (…) a de um técnico, ou a de uma dona-de-casa, ou a de um homem que conhece muitíssimo. Isso está dentro do campo do pensamento e do conhecido. Quando a mente se acha em completo silêncio (…) só então há harmonia total, imenso espaço e silêncio. Somente então o imensurável é. (Idem, pág. 175-176)

Pergunta: A harmonia surge quando finda o conflito?

Krishnamurti: Quero descobrir o que é harmonia entre a mente, o corpo e o coração, a completa sensação de ser total, sem fragmentação, sem super-desenvolvimento do intelecto, mas com o intelecto operando claramente, objetivamente, sã mente; e o coração operando não com sentimento, emocionalismo, exaltação histérica, mas com uma qualidade de afeição, cuidado, amor, compaixão, vitalidade; e o corpo com sua própria inteligência, não influenciada pelo intelecto. O sentimento de que tudo está operando, funcionando belamente como uma maravilhosa máquina é importante. É possível? (Exploration into Insight, pág. 52)

Há integração, quando somos capazes de observar os fatores da desintegração. A integração não está num ou noutro nível da nossa existência, ela é a reunião do todo. Antes que isso seja possível, temos de descobrir o que significa desintegração (…) (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 192)

Pergunta: Qual a maneira de alcançar a integração?

Krishnamurti: Que quer dizer integração? Não significa completar-se, viver sem conflito nem sofrimento? Em geral tentamos a integração nas camadas superficiais da consciência; procuramos Integrar-nos a fim de funcionarmos normalmente dentro do padrão da sociedade; desejamos ajustar-nos a um ambiente, que aceitamos como normal; mas não impugnamos o valor da estrutura social que nos circunda. A aquiescência a um padrão é considerado integração; a educação e a religião organizada facilitam-nos essa aquiescência. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 132-133)

A integração não tem significado mais profundo do que o mero ajustamento à sociedade e seus padrões? (…) Não é a integração o ser puro, e não apenas a satisfação de nosso desejo de nos tornarmos um todo, (…) “normais”? (…) O impulso à integração pode resultar da ambição, do desejo de mando, do temor à insuficiência, etc. (…) Há uns poucos que reprimem o anseio de prosperidade material, mas dão guarida ao desejo de se tornarem virtuosos, serem mestres, alcançarem a glória espiritual. Também aqui não temos a verdadeira integração. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 133-134)

(…) Dá-se a verdadeira integração quando, por todas as camadas da consciência, existe percepção e compreensão. Nossa consciência superficial é fruto da educação, de influências, e é só quando o pensamento transcende as limitações por ele próprio criadas, que pode haver a verdadeira integração. As numerosas partes adversas e contraditórias de nossa consciência só podem integrar-se quando já não existe a causa dessas divisões: dentro do padrão do “eu”, só pode haver conflito, nunca integração, plenitude. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 134)

Verifica-se a integração quando estamos livres do anseio. Não é ela um fim, em si, mas se buscardes o autoconhecimento, sempre com profundeza, tornar-se-á a integração o caminho por onde alcançareis a Realidade. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 134)

Ora, a inteligência, sem dúvida, só pode surgir quando sois livres para pesquisar, livres para pensar, livres para impugnar todas as tradições, para que nossa mente se torne muito ativa, muito lúcida e sejais, como indivíduo, uma entidade “integrada”, plenamente eficaz, - e não uma entidade assustada que nunca sabe o que lhe cumpre fazer e, por isso, obedece, sentindo intensamente uma coisa e sendo obrigada a ajustar-se a outra exteriormente. (…) Por isso, interiormente, há um conflito constante. (Novos Roteiros em Educação, pág. 33)

Ora, por certo, quando o falso é percebido como falso, o verdadeiro existe. Quando se está cônscio dos fatores da degeneração, não apenas verbalmente, mas profundamente, não há integração? (…) A integração não é um alvo, um fim, mas um estado de ser; é uma coisa viva, e como pode uma coisa viva ser alvo, objetivo? (…) Quando não há conflito, há integração. A integração é um estado de completa atenção. Não pode haver atenção completa quando há esforço, conflito, resistência, concentração. (Reflexões sobre a Vida, pág. 61)

Seleta de Krishnamurti
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill