Na atenção total, a bondade
PERGUNTA: Neste mundo, a bondade não compensa. Como criar uma sociedade que estimule à bondade?
KRISHNAMURTI: Para os intelectuais, "a bondade" é uma palavra terrível, que eles evitam o mais que podem. Entretanto, atualmente, está-se tornando moda, até entre intelectuais, o emprego desta palavra. Existe bondade, quando há algum "motivo" por detrás dela? Se tenho um "motivo" para ser bom, isso produzirá bondade? Ou bondade é uma coisa completamente destituída desse impulso para ser bom, que se baseia sempre em "motivo"? O bom é oposto do "mau", oposto do "mal"? Todo oposto contém o germe do seu próprio oposto. Há avidez e há o ideal de "não avidez". Quando a mente aspira à "não avidez" e procura tornar-se "não ávida", ela continua ávida, porque está desejando ser alguma coisa. A avidez implica desejo, aquisição, expansão; e, ao perceber que não compensa ser ávido, a mente quer tornar-se "não ávida"; o motivo continua o mesmo — ser ou adquirir alguma coisa. Quando a mente deseja não desejar, a raiz do desejo continua existente. O bem, portanto, não é o oposto do mal, é um estado completamente diferente. E que estado é esse?
Evidentemente, a bondade não tem motivo, porque todo motivo se baseia no "eu", é um movimento egocêntrico da mente. Nestas condições, que se entende por "bondade"? Por certo, só existe bondade, quando existe atenção total. A atenção carece de "motivo". Quando há "motivo" para a atenção, existe atenção? Se presto atenção com o fim de adquirir alguma coisa, este mecanismo de aquisição, em bom ou mau sentido, não é atenção: é distração, divisão. Só pode haver bondade, quando há totalidade de atenção, sem esforço para ser ou não ser. Provavelmente não estais acostumados a ouvir dessas coisas.
Para mim, o esforço que se faz para ser bom é "mecanismo" que traz no seu bojo coisas más. O homem que deseja ser humilde e pratica a humildade, produz males; porque no momento em que alguém se compenetra de que é humilde, já não é humilde é arrogante. Senhores, não riais. A humildade não é coisa para praticar; e quem pratica a humildade está promovendo a arrogância. A virtude não é coisa que se cultive; porque quem cultiva a virtude, cultiva o "ego" — só que o veste com roupagens mais respeitáveis. Assim como a humildade não pode ser praticada, assim também a bondade não pode ser praticada: só se torna existente, quando existe atenção completa, a qual acompanha a total compreensão de vós mesmo.
Pensai nisso, e vereis que a própria prática da "não violência", produz violência. Para se estar livre da violência, precisa-se compreender todas as implicações da violência; e para tanto se torna necessária toda a atenção, que não podeis dar se estais no encalço do chamado "ideal". Quando a mente é capaz de dar toda a sua atenção ao que é — a avidez — ver-se-á que ela ficará totalmente livre da avidez. Não se torna "não ávida"; torna-se livre da avidez, que é um estado completamente diferente. Utilizamos o ideal da "não avidez" como meio de nos libertarmos da avidez; mas nunca nos livraremos da avidez por meio de um ideal. Vimos praticando este ideal há séculos, e continuamos ávidos. Mas o homem que percebe verdadeiramente a necessidade de ser livre da avidez, esse homem não tem ideal nenhum; só lhe interessa a avidez, à qual dispensa sua inteira atenção. E quando prestamos toda a atenção a uma coisa, nessa atenção não há comparação, nem condenação, nem julgamento. A mente que está comparando, condenando a avidez é incapaz de dar-lhe plena atenção, uma vez que está interessada na comparação e na condenação.
A bondade, pois, não é um oposto, não é uma virtude; é um "estado de ser", sem "motivo", resultante do autoconhecimento.
Krishnamurti, Segunda Conferência em Madanapale
19 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana