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terça-feira, 10 de abril de 2018

O mecanismo da autoridade do passado


O mecanismo da autoridade do passado

Penso que todos percebemos a necessidade de uma certa mudança. Quanto mais inteligentes e penetrantes somos, tanto mais premente, tanto mais urgente se nos mostra a necessidade de mudança; mas, em geral, pensamos em mudança no nível superficial — mudança das circunstâncias, mudança de emprego, um pouco mais de dinheiro, etc.

Mas nós nos referimos à mudança total, completamente radical e revolucionária. Para promovermos esta mudança, precisamos fazer perguntas fundamentais. Importa verificar como se faz uma pergunta. Podemos fazer perguntas resultantes de reação. Desejo produzir uma certa mudança em mim próprio ou na sociedade, e essa mudança bem pode ser uma reação. A pergunta que faço a mim mesmo pode ser o resultado de uma reação ou independente de reação. Só há duas maneiras de fazer uma pergunta: uma que é reação, e a outra que não é reação. Se fazemos perguntas resultantes de reação, receberemos invariavelmente respostas superficiais. Fazer perguntas não procedentes de reação é dificílimo, porque para essas perguntas talvez não haja resposta alguma. Deve, pois, haver um inquirir que fica sem resposta; e isso, a meu ver, é bem mais significativo do que fazer uma pergunta que tem resposta.

Desejo discorrer nesta tarde sobre uma mudança de todo indispensável à mente que busca a revolução completa, total, a mente que exige liberdade completa, se tal coisa existe — liberdade completa. E, a meu ver, para investigarmos esta questão cumpre em primeiro lugar verificar o verdadeiro significado da autoridade, porquanto a mente de quase todos nós está sob o completo domínio da autoridade — a autoridade da tradição, a autoridade da família, a autoridade da técnica, a autoridade do conhecimento, da religião e da moral social. Eis as várias formas de autoridade que nos moldam a mente. Até que ponto pode a mente ficar livre delas, e que significa ser livre? Desejo examinar esta matéria, porque acho que a autoridade — se não for perfeitamente compreendida destrói todo o pensar, deforma o pensamento, e a mente que só funciona mecanicamente, dentro dos limites do conhecimento, é incapaz de transcender a si própria.

Por conseguinte, parece-me, cabe-nos investigar devidamente a questão da autoridade, interrogar-nos por que e em que nível obedecemos às leis físicas das experiências psicológicas que se tornam conhecimento e nos orientam. Porque deve haver obediência? Todos os governos, principalmente os governos tirânicos, não querem que os cidadãos em circunstância nenhuma critiquem os seus líderes. Pode-se ver bem claramente porque se exige essa obediência absoluta. Também se pode ver porque, psicologicamente, nós seguimos a autoridade — a autoridade do guru, a autoridade da tradição, a autoridade da experiência — a qual invariavelmente gera hábito, bom ou mau, resistência ao mau e sujeição ao bom. Um hábito se torna também autoridade, tal como a autoridade do conhecimento, do especialista, do policial, da mulher sobre o marido ou do marido sobre a mulher.

Até que ponto pode a mente ser livre dessa autoridade? É possível obedecer à lei, ao Governo, ao policial e, interiormente, ser de todo livre da autoridade, inclusive a autoridade da experiência, com seu saber e sua memória? Se me permitis dizê-lo, seria sobremodo lamentável se vos limitásseis a ouvir esta palestra verbalmente, intelectualmente, em vez de “experimentardes” deveras o que se está dizendo. Isto é, devemos perguntar-nos sob que autoridade, sob que compulsão, nossa mente funciona, e perceber que a experiência no-la está moldando. De tudo isso precisamos estar bem apercebidos, pois, afinal de contas, estamos falando, não para fazer propaganda, nem para convencer-vos de alguma coisa ou forçar-vos a adotar determinada norma de ação. Só quando começamos a interrogar-nos, parcial ou completamente, pode haver ação verdadeira; só então poderá terminar toda à nossa angústia. Ouvir estas palavras apenas verbal ou intelectualmente parece-me um completo desperdício de tempo. Não se trata aqui de argumentar, de concordar ou discordar; trata-se, sim, de olhar todos os fatos externos e observar como, interiormente, a nossa mente está escravizada pela autoridade, e investigar se podemos ficar livres dela (pois, evidentemente, a liberdade supõe que se esteja livre da autoridade) e qual o estado da mente quando realmente livre da autoridade, e, também, se é possível um tal estado.

Para descobrir por si própria, deve a pessoa fazer perguntas fundamentais; e uma das perguntas fundamentais é esta: Por que obedecemos — por que fazemos isto ou aquilo? (Não vos estou aconselhando a obedecer ou desobedecer; mas, sem dúvida, cumpre fazer tal pergunta, para podermos descobrir.)

Isso poderá parecer um pouco infantil, sem madureza, mas se pudermos penetrar muito lentamente na matéria, passo por passo, talvez venhamos a compreender se é possível, ou não, ficarmos inteiramente livres do passado — que é autoridade. Eis uma questão fundamental, porquanto o passado está-nos sempre moldando a mente — a passada experiência, o conhecimento passado, os incidentes e acidentes passados, as pretéritas lisonjas, os insultos recebidos, o que disseram e o que será dito em consequência do que disseram. E apresenta-se, assim, a questão de se é realmente possível ficarmos livres dessa imensa teia do passado que está sempre traduzindo o presente e, por conseguinte, pervertendo o presente que forma o futuro.

Pois bem. Por que obedecemos? O escolar obedece porque o professor é um homem investido de autoridade, de poderes discricionários, e porque tem de passar em seus exames, etc. E há, ainda, a obediência à lei, também muito compreensível: obedecemos-lhe, geralmente, porque tememos ser punidos e por várias outras razões. É necessária, sem dúvida, uma inteligente obediência à lei. Mas, há necessidade de qualquer outra forma de obediência? Por que deve o passado — digo psicologicamente, interiormente — condicionar a mente e, por essa maneira, impor-lhe restrições, obrigá-la á ajustar-se ao seu padrão? Dizemos que, se nenhum passado temos, na forma de conhecimento, não há ação possível. Se não houvesse conhecimentos acumulados — ou seja a ciência — nada poderíamos fazer, não poderíamos ter nossa moderna existência. O conhecimento científico, portanto, é essencial, e um homem precisa obedecer para poder ser um físico. Mas esse homem, para ser um físico criador, não um simples inventor de novidades mecânicas, deve desembaraçar-se do conhecimento e achar-se num total estado de negação — se posso empregar esta palavra — para poder ser sensível, alertado, em alto grau, e, assim, capaz de perceber algo novo.

A mente é moldada pelo passado, pelo tempo, por cada incidente, cada movimento, cada precedente vibração — ou pensamento. Pode esse passado — que na realidade é memória — ser apagado? Porque, se o não apagarmos (e é possível apagá-lo), nunca veremos algo novo, nunca experimentaremos algo totalmente imprevisto, desconhecido. No entanto, o passado está-nos sempre guiando, moldando; cada instinto, cada pensamento, cada sentimento é por ele guiado, ele que se constitui de memória; e a memória nos impele a obedecer, a seguir. Espero vos estejais observando em funcionamento, enquanto ouvis o que se está dizendo.

Onde a memória é necessária e essencial, e onde não é? Pois a memória é uma autoridade para a maioria de nós. Memória é toda a experiência acumulada, do passado, da raça, da pessoa; e a reação dessa memória é pensamento. Quando vos denominais hinduísta ou cristão, ou estais ligado a determinado movimento, tudo isso é reação da memória. Assim, só o homem que compreendeu realmente toda a anatomia, toda a estrutura da autoridade, da memória, pode experimentar algo totalmente novo. Por certo, se há ou não há Deus, isso só se pode descobrir quando a mente é de todo nova, quando ela já não está condicionada pela tradição de crença ou de descrença. Assim, pois, pode-se eliminar completamente a autoridade, a memória, que gera medo e da qual procede o impulso para obedecer? Como a maioria de nós está buscando a segurança, numa ou noutra forma, segurança física ou segurança psicológica — para termos segurança externamente, precisamos obedecer à estrutura da sociedade, e, para termos segurança interior, precisamos obedecer à experiência, ao conhecimento, à memória acumulada, e armazenada. É possível apagar por inteiro a memória, exceto a memória mecânica da existência diária, que em nada influi, que não cria, não gera mais memória? Quanto mais velhos ficamos, mais confiamos na autoridade; e, dessa maneira, todo o nosso pensar se torna estreito, limitado.

Para podermos operar uma mutação completa, cumpre duvidar a fundo da autoridade. Para mim, esse duvidar é bem mais importante do que investigar como ficar livre da autoridade; porque, duvidando, desvendaremos a natureza da autoridade, sua significação, seu valor, sua nocividade, seu caráter venenoso. Pelo duvidar, descobre-se o que é verdadeiro. O problema está então resolvido e ninguém precisa perguntar a si mesmo: Como poderei ficar livre da autoridade? Mas é absolutamente necessário duvidar de tudo, de todas as formas de crença e todas as formas de tradição, demolir todo o edifício. Do contrário, permaneceremos medíocres. Neste país, pode ser uma verdadeira calamidade a existência de líderes; a autoridade política, a autoridade do guru, a autoridade dos livros sagrados destruiu realmente todo o pensar e, por consequência, não existe um verdadeiro investigar. Se todas as investigações se iniciam com a aceitação da autoridade do Gita, da Bíblia, ou do que quer que seja, como é possível prosseguir a investigação? E como o homem que crê em Deus ou numa certa utopia querer investigar, indagar: seu investigar nenhuma validade tem.

A maioria de nós começa com a aceitação de uma certa autoridade. Poderá ser necessária à criança a aceitação de determinada autoridade; mas, quando a criança começa a crescer, começa a raciocinar, deve ser ensinada a pôr em dúvida os pais, a pôr em dúvida o mestre, a pôr em dúvida a sociedade; mas nunca lha ensinamos. Isso, naturalmente, não sucede porque, basicamente, existe o medo; e a mente temerosa só pode criar ilusões. E do medo nasce a autoridade. O homem sem medo não segue nenhuma autoridade, crença ou ideal; e só esse homem, é óbvio, pode descobrir se há, ou não, o Imensurável.

Entretanto, a autoridade é necessária na especialização. Para o homem que busca a liberdade (não a liberdade consistente em estar livre de alguma coisa, pois isso é uma reação e, por conseguinte, não é liberdade), para o homem que busca a liberdade, a fim de descobrir, a liberdade está justamente no começo, e não no fim. Para descobrirmos o verdadeiro, descobri-lo por nós mesmos, e não através do que nos dizem, ou nos transmitem livros sagrados (se eles existem), a mente deve ser livre. Do contrário, tornamo-nos apenas mecanizados, passando em nossos exames, obtendo emprego e seguindo o padrão da sociedade; e esse padrão é sempre corruptor, sempre destrutivo.

Com efeito, para o homem que busca o verdadeiro, a sociedade é um inimigo. Ele não pode reformá-la. É uma de nossas ideias favoritas, essa de que os bons reformarão a sociedade. O bom é o homem que abandona a sociedade. Com “abandonar” não estou significando “abandonar a casa, a roupa, o abrigo” mas, sim, abandonar as coisas que a sociedade representa, ou sejam, basicamente, autoridade, ambição, avidez, inveja, ânsia de aquisição — abandonar todas essas coisas que a sociedade tornou respeitáveis. Realmente, só com o profundo investigar é que começamos a destroçar o falso, a demolir o edifício erguido pelo pensamento para sua mesma proteção.

Krishnamurti, Varanasi, 03 de janeiro de 1961, A mutação Interior

sábado, 7 de abril de 2018

Onde há dependência, há autoridade


Onde há dependência, há autoridade

PERGUNTA: Não admitis a necessidade da orientação dada por um guia? Se, como dizeis, não deve mais haver nem tradição nem autoridade, nesse caso todos terão de lançar novas bases para a sua existência. Assim como o corpo físico teve um começo, não deve haver também um começo para o nosso corpo espiritual e mental e não deve este ascender de cada degrau para o degrau superior, imediato? Assim como nosso pensamento se inflama, quando vos ouvimos, não é necessário despertá-lo, pelo contacto com os grandes espíritos do passado?

KRISHNAMURTI: Senhor, este é um problema velho como o mundo. Pensamos que necessitamos de um guru, um instrutor, para nos despertar a mente. Pois bem. Que implica isso? Implica, de um lado, o homem que sabe, de outro lado, o homem que não sabe. Continuemos devagar, sem nos deixarmos influir por preconceitos. "O homem que sabe" se torna a autoridade, e "o homem que não sabe" se torna seu discípulo. E o discípulo vai sempre seguindo o mestre, na esperança de alcançá-lo, de se colocar no mesmo nível que ele. Agora, prestai atenção! Quando o guru diz que sabe, já não, é guru. Porque o homem que diz que sabe, não sabe. E vede porque não sabe: porque a Verdade, a Realidade, ou "o outro estado", não se acha num ponto fixo, não se pode alcançar por um certo caminho, e temos de descobri-la momento por momento. Se está num ponto fixo, nesse caso esse ponto se acha dentro dos limites do tempo. Para um ponto fixo pode haver caminho, como há um caminho para vossa casa; mas para uma coisa viva que não tem pouso fixo, que não tem começo nem fim, não pode haver caminho algum.

Ora, um guru que se oferece para ajudar-vos a conhecer a Realidade só poderá ajudar-vos a reconhecer o que já conheceis; porque o que se pode reconhecer, experimentar, tem de ser reconhecível, não achais? Quando o reconheceis, dizeis: "Experimentei" — mas o que é reconhecível, não pode ser aquele outro estado. O outro estado não é reconhecível, pois nunca foi conhecido; não é uma coisa que já experimentastes e que sois capazes de reconhecer. O "outro estado" é uma coisa que tem de ser descoberta momento por momento; e para descobri-la, a mente tem de ser livre. Senhor, a mente tem de estar livre para descobrir qualquer coisa; e a mente agrilhoada pela tradição, antiga ou moderna, a mente que leva a carga da crença, dos dogmas, dos ritos, não é livre, evidentemente. Para mim, a ideia de que um outro pode despertar-vos, não tem validade alguma. Isto não é uma opinião; é um fato. Se um outro vos desperta, ficais sob sua influência, dependente dele; por conseguinte não sois livre; e só a mente livre pode descobrir.

É este, portanto, o problema, não achais?

Aspiramos àquele outro estado, e uma vez que não sabemos como alcançá-lo, passamos invariavelmente a depender de alguém, a quem chamamos instrutor, guru, ou a depender de um livro, ou de nossa própria experiência. E está criada, assim, a dependência, e onde há dependência há também autoridade. A mente se torna, por conseguinte, escrava da autoridade, escrava da tradição, e essa mente, de toda evidência, não é livre. Só a mente que é livre, pode descobrir; e contar com a ajuda de outro para o despertar da mente, é o mesmo que recorrer a uma droga que vos fará ver as coisas com muita nitidez, muita clareza. Há drogas que podem fazer a vida parecer, momentaneamente, muito mais "vital", de modo que todas as coisas assumem um relevo, um brilho extraordinário — as cores que vedes todos os dias, sem lhes dar atenção, se tornam extraordinariamente belas, etc. Tal poderá ser o vosso "despertar" da mente, mas estareis então na dependência da droga, como dependeis agora de vosso guru ou de um certo livro sagrado. E quando se torna dependente, a mente se embota. Da dependência provém o temor — o temor de não realizar o que se quer, o temor de não ganhar. Quando dependemos de outro, seja o Salvador, seja outro qualquer, isso significa que a mente está em busca de um resultado feliz, um fim satisfatório. Podeis chamá-lo Deus, a Verdade, ou como quiserdes — mas é sempre uma coisa que se quer ganhar. E, assim, a mente fica aprisionada, se torna escrava e, não importa o que faça — sacrificar-se, disciplinar-se, torturar-se — essa mente nunca descobrirá o outro estado.

O problema, pois, não é quem seja o instrutor correto, mas sim descobrir se a mente pode manter-se desperta. E isso só se pode descobrir quando todas as relações se tornam um espelho, em que ela se vê exatamente como é. Mas a mente não pode ver-se como é, quando há condenação ou justificação daquilo que vê, ou se há qualquer forma de identificação. Todas essas coisas tornam a mente embotada e, embotados que estamos, desejamos ser despertados. Por essa razão amparamo-nos em outro, para que nos desperte. Mas, em virtude do próprio desejo de ser despertada, a mente embotada se torna mais embotada ainda, porquanto não percebe a causa do seu embotamento. É só quando a mente percebe e compreende todo esse mecanismo, e não depende de explicações de ninguém, é só então que ela é capaz de libertar-se.

Mas, como é fácil nos satisfazermos com palavras, com explicações! São muitos poucos os que rompem a barreira das explicações, ultrapassando as palavras e descobrindo por si mesmos o que é verdadeiro. A capacidade é produto da aplicação, não é? Mas nós não, nos aplicamos, porque nos satisfazemos com palavras, com especulações, com as tradicionais respostas e explicações com que fomos criados.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Madanapale
26 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

O mecanismo de segurança na autoridade


O mecanismo de segurança na autoridade

PERGUNTA: Na Índia é-nos ensinado, há séculos, a sermos espirituais, e nossa vida diária é uma rotina interminável de rituais e cerimônias. Isto é espiritualidade? Se não, que significa, então, "ser espiritual"?

KRISHNAMURTI: Vejamos, senhor, o que significa "ser espiritual". Não queremos a definição da palavra, que se pode achar num dicionário, mas procuremos, aqui sentados, como estamos, experimentar realmente esse estado, se ele existe.

A mente, mutilada pela autoridade — de um livro, um guru, uma crença ou uma experiência — é incapaz, evidentemente, de descobrir o verdadeiro. E pode a mente ficar livre de toda e qualquer autoridade? Isto é, pode a mente deixar de procurar a segurança, na autoridade? Por certo, só a mente que não teme a insegurança, a incerteza, é capaz de descobrir o que significa ser espiritual. O homem que se limita a aceitar uma crença, um dogma, que observa ritos e cerimônias, não é capaz de descobrir o que é verdadeiro ou o que é "ser espiritual", porque sua mente está presa no padrão da tradição, do medo, da avidez.

Ora, pode a mente que se tornou escrava das cerimônias abandoná-las imediatamente? Por certo, este é o único critério adotável, já que, abandonando-se as cerimônias, será possível descobrir quanto elas implicam: temores, antagonismos, disputas. Deste modo, tudo o que a mente se exime de enfrentar sairá à luz. Mas tal coisa não queremos fazer. Só sabemos falar em "ser espiritual". Lemos o Upanishads, o Gita, recitamos mantras, entretemo-nos com cerimônias — e a isso chamamos religião.

Por certo, o que é espiritual tem de ser atemporal. Mas a mente é resultado do tempo, de incontáveis influências, ideias, imposições; ela é produto do passado, que é tempo. E pode alguma vez essa mente perceber o que é atemporal? Nunca, naturalmente. Poderá especular; poderá — inutilmente — buscar ou repetir certas experiências que outros porventura tiveram; mas, sendo resultado do passado, a mente nunca achará o que existe além do tempo. Portanto, o que ela pode fazer é, apenas, ficar quieta, completamente, sem nenhum movimento de pensamento, porque só assim há possibilidade de se revelar aquele estado que é atemporal. A própria mente é, então, atemporal, eterna.

As cerimônias, pois não são espirituais, tampouco o são os dogmas, as crenças, a prática de determinado sistema de meditação. Porque todas essas coisas são produto de uma mente em busca de segurança. O estado de espiritualidade só se pode experimentar pela mente que nenhum "motivo" tem, pela mente que já não está a buscar, pois toda busca se baseia em algum "motivo". A mente capaz de nada perguntar, nada procurar, de ser completamente nada, só essa mente pode compreender o atemporal.

Krishnamurti, Quinta Conferência em Madrasta, 01 de fevereiro de 1956
Da Solidão à Plenitude Humana


sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

No amor não há espaço para autoridade e conformidade

(...) Como é fácil destruir o que amamos! Com que rapidez surge uma barreira entre nós, uma palavra, um gesto, um sorriso! A saúde, o humor e o desejo nos entristecem e o que era maravilhoso torna-se insípido e opressivo. Pelo uso nós nos desgastamos, e aquilo que era vivo e claro torna-se cansativo e confuso. Por meio de constantes atritos, esperanças e frustrações, aquilo que era belo e simples torna-se terrível e cheio de expectativas. Relacionamentos são complexos e difíceis, e poucos conseguem sair deles ilesos. Embora quiséssemos que fosse estático, duradouro e contínuo, o relacionamento é um movimento, um processo que deve ser profunda e completamente entendido, e não forçado a se conformar a um padrão interno ou externo. A conformidade, que é a estrutura social perde seu peso e autoridade somente quando há amor. O amor no relacionamento é um processo purificador, pois revela os mecanismos do eu. Sem essa revelação, o relacionamento tem pouca importância.

Mas como lutamos contra essa revelação! A luta assume muitas formas: controle ou submissão, medo ou esperança, ciúme ou aceitação e assim por diante. A dificuldade é que nós não amamos; e se nós de fato amamos, queremos que isso funcione de uma forma particular, não lhe damos liberdade. Nós amamos com nossas mentes e não com nossos corações. A mente pode se modificar, mas o amor, não. A mente pode se tornar invulnerável, mas o amor, não; a mente pode sempre se retrair, ser exclusivista, tornar-se pessoal ou impessoal. O amor não é para ser comparado e tolhido. Nossa dificuldade está naquilo que chamamos amor, que é realmente da mente. Enchemos nossos corações com coisas da mente e mantemos nossos corações sempre vazios e cheios de expectativas. É a mente que se apega, que é ciumenta, que controla e destrói. Nossa vida é dominada pelos centros físicos da mente. Nós não amamos e não deixamos em paz, mas ansiamos por ser amados; nós damos a fim de receber, que é a generosidade da mente, não do coração. A mente está sempre buscando garantia, segurança; e pode o amor ser garantido pela mente? Pode a mente, cuja própria essência é temporal, perceber o amor, que é sua própria eternidade?

(...) Nossa maior dificuldade é estar ampla e profundamente atentos ao fato de que não existem meios para o amor como um objetivo desejável da mente. Quando entendemos isso real e profundamente, há uma possibilidade de receber algo que não é desse mundo. Sem o toque desse algo, façamos o que quisermos, não poderá haver felicidade duradoura no relacionamento. Se você receber essa graça e eu não, naturalmente estaremos em conflito. Você pode não estar em conflito, mas eu estarei; e em minha dor e tristeza eu me desligarei. A dor é tão exclusiva quanto o prazer, e até que exista aquele amor que não seja uma construção minha o relacionamento será dor. Se houver a benção daquele amor, você nada poderá fazer a não ser me amar pelo que sou, pois então não moldará o amor segundo o seu comportamento. Quaisquer que sejam os truques da mente, somos independentes; embora possamos estar em contato um com o outro em alguns pontos, a integração não é com você, mas dentro de mim. Essa integração não é resultado da mente em nenhum momento; ela toma forma somente quando a mente está inteiramente silenciosa, tendo alcançado o limite de suas forças. Somente assim não existe dor no relacionamento.

Krishnamurti em, Comentários sobre o Viver

domingo, 24 de agosto de 2014

O inerente medo do conhecimento de si mesmo por si mesmo

Parecemos não perceber a extraordinária importância do aprender sobre a nossa pessoa (não o que os outros disseram, por maiores que sejam esses especialistas): o aprender realmente acerca de nós mesmos. Não parecemos muito ardentemente interessados nisso e nos mostramos mais dispostos a aceitar prontamente "informações" de segunda mão, a respeito de nós mesmos. Como sabem, há iogues, swamis, mararishis, — todo esse bando que anda a percorrer a Índia, este país, a Europa, a América. Em geral somos tão crédulos que estamos prontos a seguir qualquer um, desde que nos prometa alguma coisa! Mas, para aprender sobre mim, torna-se necessária a total negação do passado, a negação de tudo o que aprendi a meu respeito, porquanto sou um ente vivo, em movimento, uma coisa que está constantemente a modificar-se, por força das tensões e pressões da vida diária, da propaganda — da constante pressão do mundo e da vida de relação. 

Queremos traduzir este ente vivo em termos do passado, examiná-lo por meio do passado, e por essa razão é que nos parece difícil aprender acerca de nós mesmos, isto é, porque temos o padrão do passado, o padrão do "correto" e do "errado", do "bom" e do "mau"; não estou dizendo que não existe "bom" e "mau", mas temos essa imagem, firmemente arraigada no passado, e ela impede a compreensão do presente, do "eu" vivo. 

Apresenta-se, assim, a questão de saber se não há possibilidade de rejeitarmos a autoridade externa dos sistemas espirituais, dos livros, dos guias religiosos, dos teólogos, etc. Tratemos de recusá-la, bem como a autoridade interna do processo psicológico das experiências acumuladas, do conhecimento, do saber, a fim de termos uma base para começarmos a aprender. Isso, com efeito, significa: Pode a mente — ao observar tudo isso com muita simplicidade e clareza, se é uma mente são, e não neurótica, emocional — pode a mente perguntar então a si própria se é capaz de enfrentar o medo que vem, inevitavelmente, quando uma pessoa se vê completamente só? Porque, quando se rejeita toda autoridade, tanto externa como interna, e sabendo-se que se está sujeito a errar, que não existe nenhum guia, nenhum filósofo, nenhum amigo para mostrar-nos a direção, se estamos aprendendo a respeito de nós mesmos — esse medo se apresenta inevitavelmente. Ele nasce, invariavelmente, por causa da comparação: alguém alcançou o esclarecimento e eu não alcancei. Desejo alcançá-lo. Há também o temor de cometer algum erro, de perder tempo. E ainda o de ficar sem amparo, completamente só. Afinal de contas, nós temos de estar sós — estamos sós. Ao negarmos totalmente a estrutura psicológica da sociedade — o que equivale a estar fora da sociedade, como, psicologicamente, devemos estar — então, evidentemente, estamos sós. Mas não se trata, de certo da solidão do monge, que é isolamento. Tampouco se trata da solidão da pessoa que se consagrou a uma determinada atividade; nem da solidão da pessoa que ficou abandonada, que não tem lugar na sociedade. Quando se repudia, por inteiro, a estrutura psicológica da sociedade, fica-se inteiramente só e isso, por sua vez, gera um grande medo. Porque a maioria de nós é o passado e vive com o passado; quanto mais velho ficamos, tanto mais significativo se torna o passado; o passado se torna nosso guia. 

É necessário rejeitar tudo isso, porque desejo aprender sobre mim. E quando o rejeito, existe alguma coisa para aprender a respeito de mim?  aprendi; nada mais há que aprender. Não sei se vocês estão percebendo. Pois, o que estou aprendendo acerca de mim mesmo? Desejo conhecer-me, mas percebo que, para aprender, necessito de estar livre de toda espécie de autoridade, não apenas verbalmente, porém em cada segundo, em cada minuto do dia. E noto, assim, em mim próprio, a inclinação para seguir, porque sinto medo. E percebo a existência, em mim mesmo, do perigo, do medo de me ver inteiramente só. W percebo, também, o temor de errar, de não atingir a meta, de não realizar, não conseguir aquela certa coisa existente além de todo pensamento e de toda experiência. 

E, após esse exame, o que resta para aprender a respeito de mim? Já aprendi tudo; já conheço a natureza total de "mim mesmo". Entretanto, resta essa coisa chamada "medo". E, se me permitem, vamos examiná-la. Porque a mente que se vê presa na rede do medo, em qualquer de suas formas, conscientes ou inconscientes, tem de necessariamente viver num mundo sombrio e de ver as coisas deformadas; jamais compreenderá o que significa ser verdadeiramente livre. E, porque tememos, criamos, natural e inevitavelmente, toda uma rede de vias de fuga — o estádio de futebol, a igreja, o bar, etc.

Mas há possibilidade de nos libertarmos do medo?... Temos a possibilidade de libertar-nos total e completamente dessa coisa chamada "medo"?

Krishnamurti em, A Essência da Maturidade

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A divisão entre mestre e discípulo é anti-espiritual

Senhor, não siga autoridade alguma. Toda autoridade é perniciosa. A autoridade destrói, a autoridade perverte, a autoridade corrompe; e o homem que segue a autoridade está destruindo a si próprio e destruindo igualmente aquilo que se fez de autoridade. O seguidor destrói o mestre, assim como o mestre destrói o seguidor. O guru destrói o discípulo, assim como o discípulo destrói o guru. Através da autoridade você nunca descobrirá coisa alguma. É preciso que você esteja livre da autoridade, para achar a realidade. É uma das coisas mais difíceis ficar-se livre da autoridade, tanto exterior como interior. A autoridade interior é a consciência da experiência, a consciência do conhecimento. E a autoridade exterior é o Estado, o partido, o grupo, a comunidade. O homem que deseja encontrar a realidade deve evitar toda autoridade, seja externa ou interna. Não deixe, pois, que lhe digam o que deve pensar. Essa é a maldição da leitura: a palavra de outro se torna de máxima importância.

O autor da pergunta começa dizendo "Disseram-nos". Quem é que pode dizer-lhe alguma coisa? Não vê, senhor, que os guias e os santos e os grandes instrutores falharam, porque você é o que é? Deixe-os, pois, sossegados. Você os fez mal-sucedidos, porque você não está à procura da Verdade; você quer satisfação. Não siga pessoa alguma, nem a mim próprio. Não faça de outra pessoa sua autoridade. Você mesmo tem de ser mestre e discípulo. No momento em que você reconhece outro como seu mestre, e a si mesmo como seu discípulo, você está negando a Verdade. Na busca da Verdade, não há mestre nem discípulo. A busca da Verdade é que é importante, e não você ou o mestre que se propõe a ajudar-lhe a achá-la. Evidentemente, a educação moderna, bem como a antiga, tem-lhe ensinado O QUE PENSAR e não A PENSAR. Puseram-lhe num molde, e esse molde lhe destruiu; porque você só procura um guru, um instrutor, um guia, seja político ou de outra espécie, somente quando você se acha confuso. Do contrário, nunca segue pessoa alguma. Se você está esclarecido, se, interiormente, você é uma luz para si mesmo, não seguirá ninguém. Mas como não o é, você segue, segue por causa da sua confusão; e aquilo, que você segue fica também, necessariamente, confuso. Seus guias, assim como você mesmo, estão confusos, política ou religiosamente. Por conseguinte, trate em primeiro lugar de dissipar a sua própria confusão, tornando-se uma luz para si mesmo, e então desaparecerá o problema. A divisão entre mestre e discípulo é anti-espiritual.

Krishnamurti em, O Que Te Fará Feliz?

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A falsa ideia do devido respeito à posição

A chuva que cai em solo ressecado é uma coisa maravilhosa. Lava as folhas, refresca e renova a terra. E eu acho que todos deveríamos “lavar”, purificar nossa mente, da mesma maneira como as árvores são lavadas pela chuva, tão pesada que está da poeira de muitos séculos, dessa poeira que chamamos “conhecimento”, “experiência”. Se você e eu fizéssemos todos os dias uma “limpeza” em nossa mente, livrando-a das reminiscências de ontem, cada um de nós possuiria uma mente nova, uma mente capaz de enfrentar os numerosos problemas da existência.

Ora, um dos grandes problemas que estão perturbando o mundo é o da chamada “igualdade”. Mas, em certo sentido, essa coisa chamada “igualdade” é inexistente, porque todos temos diferentes capacidades; mas estamos tratando aqui da igualdade no sentido de que todos deveriam ser tratados de igual maneira. Numa escola, por exemplo, os cargos de diretor, professor, monitor, são apenas empregos, funções; mas, como você sabe, a certos cargos ou funções está associada a ideia de posição, e  posição é uma coisa respeitada, porque supõe autoridade, prestígio, confere a um homem o poder de dar ordens a outros, de distribuir empregos entre os amigos e membros da própria família. Vemos, pois, que à função está associada a posição. Mas, se pudéssemos eliminar totalmente essa ideia de categoria, influência, posição, prestígio, poder de conferir favores a outros, a função teria então um significado muito diferente e muito simples, não acha? Então, quer se tratasse de governadores, primeiro-ministros, quer de simples cozinheiros ou pobres professores, todos seriam tratados com igual respeito, porquanto cada um está desempenhando uma diferente porém necessária função na sociedade.

Sabe o que aconteceria, principalmente numa escola, se fosse possível afastar definitivamente da função toda noção de poder, de posição, de prestígio, eliminar o sentimento de se ser “O Chefe”, o “homem importante”? Estaríamos todos vivendo numa atmosfera completamente diferente, não? Nenhuma autoridade haveria — “autoridade”, no sentido de “superior e inferior”, o homem importante e o homem sem importância — e, por conseguinte, haveria liberdade. E muito importa criar-se numa escola uma atmosfera assim, uma atmosfera de liberdade, de amor, onde cada um tenha um forte sentimento de confiança; porque, como sabe, a confiança nasce quando uma criança se sente como “em casa”, em segurança. Mas — você se sente à vontade em sua própria casa, quando seu pai, sua mãe, sua avó, está constantemente lhe dizendo o que você deve fazer, tirando-lhe gradualmente a confiança em sua própria capacidade de fazer qualquer coisa por iniciativa própria? Quando você crescer, deve ser capaz de investigar, de descobrir o que considera verdadeiro, e de se ater com firmeza ao que descobre. Deve ser capaz de sustentar o que considera justo, ainda que daí lhe advenha penas, sofrimentos, prejuízos de dinheiro, etc., e para ser assim você deve se sentir, enquanto é jovem, em perfeita segurança e livre de constrangimento.

A maioria dos jovens não se sentem em segurança, porque vivem amedrontados. Têm medo dos mais velhos, dos educadores, da mãe, do pai, e, por conseguinte, nunca se sentem perfeitamente tranquilos. Mas, quando você se sente verdadeiramente tranquilo, à vontade, acontece uma coisa extraordinária. Quando você pode se retirar para seu quarto, fechar a porta e ficar , sem ninguém a lhe observar, sem ninguém a lhe dizer o que você deve fazer, então você se sente em perfeita segurança; começa, assim, a desabrochar, a compreender, a se abrir. É função da escola ajudar-lhe a se abrir; se ela não o faz, não é digna desse nome.

Quando você se sente à vontade num lugar, isto é, quando se sente em segurança, não intimidado, não compelido a fazer isto ou aquilo; quando se sente muito feliz, perfeitamente tranquilo, não é então mau, é? Quando é verdadeiramente feliz, não tem vontade de magoar ninguém, de destruir coisa alguma. Mas é dificílimo fazer o estudante sentir-se perfeitamente feliz, porque ele já vai para a escola com a ideia de que o diretor, os educadores, os monitores vão-lhe dizer o que deve fazer, “empurrá-lo” para um lado e para o outro. Por isso há medo.

Quase todos vocês procedem de famílias ou de escolas onde foram educados para respeitar a posição. Seu pai e sua mãe têm posição, o diretor te posição, e, por conseguinte, vocês já chegam aqui com medo, com esse respeito à posição. Mas, temos de criar na escola uma atmosfera de liberdade, e isso só pode acontecer quando há função sem posição e, por conseguinte, um sentimento de igualdade. O verdadeiro encargo da educação correta é encaminhar-lhes para serem um ente humano valoroso e sensível, um ente humano sem medo e sem a falsa ideia do devido respeito à posição.  

Krishnamurti — A cultura e o problema humano

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Onde há o seguir, há medo


Para compreenderem a causa da autoridade, precisam seguir o processo mental e emocional que a cria.
Para mim, o homem que está limitado por uma lei externa ou interna está confinado numa prisão, está preso numa ilusão. Desse modo, tal homem não pode compreender a ação espontânea, natural e sã.
(...)
Se um homem deseja obedecer e seguir a um outro, ninguém o pode impedir; porém é o superlativo da falta de inteligência e leva a grande infelicidade e frustração.

Se aqueles de vocês que estão me ouvindo, começarem a pensar real e profundamente a respeito da autoridade, não mais seguirão a ninguém, inclusive a mim mesmo. Como disse, porém, é muito mais fácil seguir e imitar do que, realmente, libertar o pensamento da limitação do medo, e bem assim, da compulsão e da autoridade. Admitir a autoridade é se abandonar à influência de outro, o que implica sempre o propósito, o desejo de se obter algo em retorno; ao passo que na outra há absoluta insegurança; e como as pessoas preferem a ilusão do conforto, da segurança, seguem a autoridade com sua frustração. Se, porém, a mente discerne a ilusão de conforto ou da segurança, nasce a inteligência, o desconhecido, a essência da vida.
(...)
O seguir a outrem não é aconselhável, nem tão pouco o é a aceitação da autoridade, pois que nestas coisas há medo; e o medo destrói todo o discernimento.
(...)
Quase todas as pessoas são inconscientes tanto da inteligência como da estupidez que a cerca. Porém, como poderá cada indivíduo averiguar o que é estupidez e o que é inteligência, se seu pensamento e ação estão baseados no medo e na autoridade? Individualmente, temos de nos tornar percebidos, conscientes dessas condições de limitadoras.
(...)
Por meio da ansiedade, do desejo, gera-se o medo, e deste surge a busca de conforto e segurança, encontrados na autoridade da experiência.
(...)
Esta autoridade em suas várias formas sustenta o processo do "eu", que se baseia no medo.

Considerai os pensamentos, atividades e a natureza da moral de vocês, e verão que estão baseados no medo que se quer proteger a si próprio com suas autoridades sutis e confortadoras. Deste modo, a ação nascida do medo está sempre limitando a si própria e, portanto, esse processo do "eu" é mantenedor de si mesmo, por meio de suas atividades desejantes.
(...)
Se a autoridade deve existir ou não, na escola ou na família, é coisa que terá resposta, quando vocês próprios compreenderem o inteiro significado da autoridade.

O que eu entendo por autoridade é a conformação, pelo medo, a um molde particular, seja o padrão do ambiente, o da tradição, o do ideal ou o da memória. Tomai a religião tal qual ela é. Nela observam que, por meio da fé e da crença, o homem foi aprisionado numa prisão de autoridade, porque cada um está buscando a sua própria segurança, através daquilo que ele chama imortalidade. Isto nada mais é que egoísta ânsia de continuidade, e o homem que afirma existir a imortalidade proporciona uma garantia à sua segurança.

Assim, gradualmente, por meio do medo, ele chega a aceitar a autoridade, a autoridade das ameaças religiosas, dos temores, das superstições, das esperanças e das crenças. Ou então, rejeita as autoridades externas e desenvolve os seus próprios ideias pessoais, que se tornam autoridades próprias, apegando-se a elas, na esperança de não ser ferido pela vida. Assim, a autoridade torna-se um meio de própria defesa contra a vida, contra a inteligência.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

terça-feira, 12 de março de 2013

A autoridade espiritual impede a busca da verdade

Pergunta: Todos nós, os teosofistas, estamos fundamentalmente interessados na Verdade e no Amor, tanto como vós estais. Não podíeis ter ficado na nossa Sociedade, ajudando-nos, em vez vos separardes de nós e fazer-nos acusações?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, muitos de vós estais achando isso divertido; outros estão um tanto ou quanto agitados, outros apreensivos. Não o estais sentindo? Vamos investigar.

Fundamentalmente, estamos, vós e eu, procurando a mesma coisa? Pode-se procurar a verdade no seio de uma organização qualquer? Podeis colocar um rótulo em vós mesmos, e procurar a verdade? Podeis ser hinduísta e dizer "Estou procurando a verdade"? Porque, então, o que estais procurando não é a verdade, mas a confirmação de uma crença. Podeis pertencer a qualquer organização, a qualquer grupo espiritual, e procurar a verdade? Pode-se achar a verdade coletivamente? Conheceis o amor, quando credes? Não sabeis que quando credes fortemente numa coisa e eu creio no contrário, não existe amor entre nós? Quando credes em certos princípios hierárquicos e em certas autoridades, e eu não creio, pensais que existe comunhão entre nós? Quando toda estrutura do vosso pensar é o futuro, o vir-a-ser por meio da virtude, quando ides ser alguém no futuro, quando o processo do vosso pensar está baseado na autoridade e em princípios hierárquicos, pensais que existe amor entre nós? Podeis servir-vos de mim, por conveniência, e eu servir-vos de vós, por conveniência. Mas isso não é amor. Vejamos com clareza. Não vos agiteis a respeito destas questões. Não as compreendereis, se vos agitais por causa delas.

Para descobrir se realmente estais em busca da verdade e do amor, deveis investigar, não achais? Se investigásseis, se descobrísseis, interiormente, e, portanto, agísseis exteriormente, que aconteceria? Ficaríeis fora (da vossa sociedade) não é verdade? Se duvidásseis de vossas crenças, não estaríeis de fora? — Enquanto houver sociedades e organizações, — as chamadas organizações espirituais, com direitos adquiridos", na propriedade, na crença, no saber — as pessoas a elas pertencentes, evidentemente não estão em busca da verdade. Podem dizer que estão. Cabe-vos, pois, averiguar se estamos fundamentalmente, buscando a mesma coisa. Podeis ver a verdade por intermédio de um Mestre, por intermédio de um guru? Pensai bem nisso, senhores. É problema vosso. Pode-se descobrir a verdade por intermédio do Mestre, do discípulo, do guru? Que podem eles dizer-vos, fundamentalmente? Só podem aconselhar-vos a dissolver o "eu". Estais fazendo isso? Se não estais, então, evidentemente, não estais procurando a verdade. Não sou eu que vos estou dizendo que não estais procurando a verdade, mas o fato é que se dizeis: "Vou ser alguém", se ocupais uma posição de autoridade espiritual, não podeis estar em busca da verdade. Sou muito claro, a respeito desses assuntos e não procurando persuadir-vos a aceitar ou rejeitar — o que seria estupidez. Não posso fazer-vos acusações, como diz o interrogante. Apesar de me ouvir há vinte anos, continuais com as vossas crenças; porque é uma coisa muito reconfortante sabermos que temos quem cuide de nós, que temos mensageiros especiais para o futuro, que ides ser algo belo, agora, no final dos tempos. Assim continuareis, porque tendes os vossos "direitos adquiridos", em vossa propriedade, vosso emprego, crença, saber. Não duvidais deles. A mesma coisa acontece no mundo inteiro. Não é só este ou aquele grupo de indivíduos, mas todos os grupos — católicos, protestantes, comunistas, capitalistas — se acham nas mesmas condições. Todos têm os seus direitos adquiridos. O homem que é deveras revolucionário, que interiormente está percebendo a verdade sobre todas essas coisas, esse homem achará a verdade. Saberá o que é o amor, não numa data futura, porque isso nenhum valor tem. Quando um homem tem fome, quer comer agora e não amanhã. Mas vós tendes cômodas teorias, sobre o tempo, sobre o correr do tempo, a que estais presos. Por conseguinte, onde há ligação, onde há relação entre vós e mim, ou entre vós e aquilo que estais tentando descobrir? E, no entanto, todos falais de amor, de fraternidade, e tudo o que fazeis é o contrário. É um fato evidente, senhores, que no momento em que há organização, há necessariamente intrigas para a conquista de postos, de autoridade; conheceis muito bem tudo isso.

Assim, o necessário não é que eu vos acuse ou que vós me acuseis e me expulseis. O problema não é este. É claro que tendes de repelir um homem que vos diz que o que credes, o que fazeis é errado; ou, interiormente, deveríeis fazê-lo, porque eu digo que me oponho aquilo que desejais. Se realmente desejais procurar, se realmente desejais achar a verdade e o amor, deve haver uma unidade de propósitos, abandono completo de todos os vossos direitos adquiridos; o que significa que deveis ficar interiormente vazios, pobres, sem estar buscando, sem estar conquistando posições de autoridade, como expoentes ou portadores de mensagens dos Mestres. Precisais estar despojados de tudo. Como, entretanto, não desejais isso, naturalmente adquiris rótulos, crenças e várias formas de segurança. Senhores, não rejeiteis o que digo; averiguai se de fato estais — como dizeis — fundamentalmente em busca da verdade. Tenho minhas dúvidas. Duvido, realmente, quando vos ouço dizer "estou em busca da verdade". Não podeis procurar a verdade, porque a vossa busca é uma projeção de vós mesmos, de vossos próprios desejos; vosso "experimentar" dessa projeção é uma experiência que desejais. Mas quando não estais a buscar, quando a mente se acha quieta e serena, sem nenhum desejo, nenhum motivo, nenhuma compulsão, vereis então que vem o êxtase. Para que o êxtase venha, precisais estar despojados de tudo, vazios, sós. A maioria das pessoas ingressa em tais organizações porque são gregárias, porque elas são grêmios e o ingressar em grêmios tem suas vantagens, socialmente falando. Pensais que ides achar a verdade, enquanto estais em busca de conforto, de satisfação, de segurança social? Não, senhores; deveis ficar sós, sem arrimo algum, sem amigos, sem guru, sem esperança, de todos desnudos, e vazios, interiormente. Só então, assim como se pode encher uma taça vazia, pode o vazio interior encher-se com aquilo que é eterno.

Krishnamurti — 20 de janeiro de 1952
Quando o pensamento cessa - ICK  

domingo, 20 de janeiro de 2013

A mente deve estar livre de toda autoridade

Sem dúvida, a mente consciente, a mente que está desperta durante o dia, funcionando em nossas atividades diárias, é apenas a orla do inconsciente, não é verdade? Não há diferença fundamental entre os dois (o consciente e o inconsciente). Assim como a folha de uma árvore é o produto de suas raízes, aprofundadas no seio da terra, assim também a mente consciente é o produto do inconsciente profundo. Não há distinção entre eles; não são duas coisas diversas; nós é que não estamos familiarizados com o inconsciente.

É-nos familiar a mente consciente, a atividade diária de ganância, competição, ciúme, inveja, o desejar uma coisa e não desejar outra, a nossa luta incessante; mas os mesmos impulsos encontram-se também nos níveis mais profundos, não é verdade? Pode-se, pois, contar com o inconsciente para se realizar uma transformação radical?

Se prestais atenção ao que estou dizendo e o seguis sem esforço; encontrareis a solução correta; e o descobrimento da solução correta é a revolução no centro.

Qual é o estado da mente quando não há esforço algum, nem por parte do consciente nem do inconsciente? Existe, então um centro? Para a maioria de nós existe um centro, que é o "eu", o "ego"; e se esse centro se acha num nível superior ou inferior, isso não tem grande importância.

O centro é o "eu", o instinto de aquisição, que se expressa no possuir propriedades, no desejo de nos tornarmos melhores, de adquirir virtudes, pelo controle, pela disciplina e tudo o mais.

Temores, ansiedades, disposições de ânimo, anelos, esperanças, fracassos, frustrações — tal é o centro que conhecemos, não é verdade? E o fazer cessar completamente esse centro, é a única revolução verdadeira; essa revolução, porém, não é possível por meio de esforço por parte do consciente ou do inconsciente.

Pois bem. Quando percebemos tudo isso, qual é o estado da nossa mente? Evidentemente, a primeira reação é um sentimento de ansiedade, de temor, de desconhecimento do que vai acontecer.

O "eu", o centro, que é uma acumulação de inúmeras reações, inúmeras influências culturais, políticas e religiosas — esse centro é que tem funcionado até agora; e se queremos que esse centro desapareça de todo, para que a mente seja pura, incorruptível, única, singular, a primeira reação, por certo, é um tremendo sentimento de negação, de não-saber; e mui poucos de nós somos capazes de suportar tal coisa, que significa olhar de frente o que na realidade somos.

Por conseguinte, no centro existe temor, e, refugiados nesse centro, começamos a levantar defesas, a apegar-nos aos nossos dons, capacidade, talentos, produzindo desse modo o conflito constante entre o que somos realmente e o que gostaríamos de ser. E, entretanto, em momentos lúcidos, percebemos que esse mero lidar com coisas exteriores nunca produzirá uma revolução profunda, duradoura, fundamental.

Nessas condições, aqueles dentre nós que tiverem intenções sérias e inclinações religiosas, hão de interessar-se necessariamente por esta questão da revolução no centro.

Uma vez que nem a mente consciente nem a inconsciente pode produzir uma transformação fundamental no centro, que deve a mente fazer? Pode ela fazer alguma coisa? Como vimos, a mente tanto é atividade consciente como atividade inconsciente de pensamento, de reação, de memória.

A mente é resultado do tempo, e o tempo não pode produzir revolução. Ao contrário, só o cessar do tempo produz a revolução. Ao contrário, só o cessar do tempo produz a revolução fundamental no centro. O centro está habituado ao tempo, o centro é tempo, é todo o "processo" psicológico de ontem, hoje, amanhã — eu fui, eu sou, eu serei — frustração, temor, esperança.

Como vemos, a mente não pode produzir revolução; quando o faz, cria mais brutalidade, mais tiranias, mais horrores, e a compulsão totalitária. E se a mente é incapaz de efetuar uma transformação radical, qual é então a sua função?

Espero que estejais seguindo, porquanto não falo para mim mesmo, mas também para vós. Acredito, se essa revolução extraordinária pudesse realizar-se em cada um de nós, criaríamos um mundo diferente, seríamos missionários de uma nova espécie, de uma espécie inteiramente diversa, — não daqueles que convertem, mas dos que libertam.

Qual é, pois, a função da mente, ao reconhecer que nenhum esforço, consciente ou inconsciente, da sua parte, pode produzir uma transformação completa? Que deve ela fazer? Apenas, ficar tranquila, não é verdade? Todo esforço de sua parte para modificar-se é produto de seu condicionamento, de seu temor, do desejo de bom êxito, da esperança de melhorar as coisas; e tal esforço só pode dificultar o descobrimento da solução correta.

Vede bem a importância disso. Se reconheço que a revolução fundamental não pode ser reproduzida por nenhuma reação da mente consciente ou inconsciente; que todas essas reações estão baseadas no temor, que impele à aquisição, na memória, no tempo, e se encontram, portanto, na parte externa, na periferia — se reconheço tudo isso, então o que a mente deve fazer e ficar completamente tranquila, não achais?

A função da mente, por conseguinte, consiste apenas em perceber como surgem essas reações, e em não procurar conquistar um determinado estado ou produzir uma modificação no centro, pela ação da vontade. O que pode fazer é apenas observar as próprias reações.

O observar, porém, exige paciência infinita; e se sois impaciente, a observação transforma-se num trabalho exaustivo, pois desejais progredir, desejais um resultado.

Só quando a mente está sempre cônscia de suas próprias reações de temor, de ganância, de inveja, de esperança, essas reações podem desaparecer; não desaparecem, porém, quando há condenação, comparação, julgamento. Só desaparecem pela observação simples, inteiramente isenta de escolha.

A mente se torna então extraordinariamente tranquila, de todo serena, e uma vez existente essa serenidade, opera-se uma revolução no centro.

Aí, somente, há a possibilidade de se ser individual, porque então a mente está só, livre de toda influência. Esse estado é criação. Nele, não existe um "experimentador" que experimenta. Enquanto há "experimentador", há processo de tempo.

Assim, essa revolução no centro, tão obviamente necessária, não é possível por meio de nenhuma espécie de compulsão ou disciplina, que são coisas muito infantis; realizar-se-á apenas quando a mente estiver de todo tranquila, percebendo, sem escolha, todas as suas reações externas e internas, como um processo total.

Vereis, então, surgir um sentimento extraordinário de bem-aventurança interior, o que não constitui uma promessa, nem uma recompensa de vossos valorosos esforços de muitos dias, ou muitos anos, para alcançá-la.

Essa felicidade, essa bem-aventurança não é o oposto do sofrimento; nada tem em comum com o sofrimento. Esse estado nasce da compreensão do sofrimento, a qual nos torna livres do sofrimento.

Ao apreciarmos estas questões, espero que vós e eu estejamos realmente refletindo juntos sobre o problema respectivo. Não estais à espera de minha solução, pois eu não dou soluções. É muito simples dar respostas, dizer "sim" ou "não", como qualquer mestre-escola.

O importante é que vós e eu descubramos a solução no próprio problema, porquanto esta é a única solução correta; e para o fazermos, deveis estar vigilantes, e eu devo estar vigilante. A solução correta não se encontra facilmente.

Temos, quase todos nós, tanta ânsia de achar a solução e passar ao problema seguinte, que nunca examinamos o próprio problema.

Se há um problema, embora possa ter enunciados diferentes; e para que ele seja compreendido através dos seus diversos enunciados, requer-se muita sabedoria, penetração, discernimento, e uma paciência que não é indolência.

Para penetrar, compreender, deve a mente estar livre de toda autoridade, de todo saber dos livros, de tudo o que outra pessoa tenha dito anteriormente. Infelizmente, temos lido tanto, sabemos tão bem o que disse o Buda, o que disse o Cristo ou outro qualquer, que somos incapazes de refletir sobre o problema de princípio a fim. Mas, para que possamos achar juntos a solução correta, tendes de pensar, investigar, penetrar a questão.

Krishnamurti — Percepção Criadora

sábado, 11 de agosto de 2012

É possível nos livramos da autoridade do conhecimento?

É possível nos livrarmos do conhecimento? Conhecimento é o que se vai acumulando, de contínuo, do passado. Toda experiência que vocês têm é logo traduzida, guardada, registrada; e com esse registro vamos ao encontro da próxima experiência. Por conseguinte, nunca compreendem uma experiência; ficam apenas traduzindo cada desafio em conformidade com a reação do passado e, dessa maneira, estão reforçando o registro. Isso é o que se passa no cérebro eletrônico, no computador. Mas, nós somos apenas pobres imitações desse maravilhoso instrumento mecânico chamado "computador". É possível sermos livres? De outro modo, não se pode descobrir o que é a Verdade; vocês podem falar incessantemente a respeito dela, como os políticos citam o Gita. A vocês, cabe investigar. Mas, essa investigação não é verbal; é o estado mental de escuta.
O conhecimento se torna nossa autoridade — autoridade, na forma de tradição, de experiência, de coisas lidas, aprendidas, e a autoridade imposta por aqueles que dizem que sabem. No momento em que um homem diz que sabe, não sabe! A Verdade não é cognoscível. Ela tem de ser percebida a cada instante, como a beleza da árvore, do céu, do sol-poente. O conhecimento, como vimos, se torna a autoridade que nos guia e molda e nos dá coragem, forças para prosseguir. Tenham a bondade de prestar atenção a tudo isso, porque temos de compreender a anatomia da autoridade — a autoridade do governo, a autoridade da Lei, a autoridade do policial, a autoridade psicológica constituída por nossas experiências e pelas tradições que nos foram transmitidas, consciente ou inconscientemente; tudo isso se torna nosso guia, se torna um sinal de advertência que nos indica o que se deve fazer e o que não se deve fazer. Tudo isso se encontro nos domínios da memória. E esta constitui, efetivamente, o que somos. Nossa mente é o resultado de milhares de experiências, com suas lembranças, suas "arranhaduras", resultado das tradições transmitidas pela sociedade, pela religião, e das tradições educativas. Com essa mente tão repleta de memórias tentamos compreender o que não pode ser compreendido por meio da memória. Portanto, devemos nos livrar da autoridade.
Não sei se vocês compreendem o significado da palavra "autoridade". O significado da palavra, em si, é "o originador", "aquele que cria algo novo". Considerem a própria religião de vocês. Não sei se são verdadeiramente religiosos — provavelmente não são. Costumam ir ao templo, engrolar um amontoado de palavras, repetir certas frases, e a isso chamam "ser religioso". Ora, que peso extraordinário de tradição os chamados guias espirituais e "santos" implantaram na mente de vocês — o Gita, o Upanishads, Sankhara e outros intérpretes do Gita! os interpretadores, estribados no Gita, interpretam a vocês seguem interpretando. E consideram uma coisa extraordinária essa interpretação, e a quem sabem interpretar o chama de "homem religioso". Mas, essa pessoa está condicionada pelos seus próprios temores; adora uma pedra esculpida pela mão ou pela mente! Essa tradição lhes é inculcada através de uma propaganda milenar — e não por propaganda recentemente criada; vocês a aceitam; ela lhes molda o pensar.
Assim, se desejam ser livres, têm de varrer tudo isso — varrer os Sankharas, os Budas, todos os livros e instrutores religiosos — para serem vocês mesmos, para serem capazes de descobrir. De outro modo, jamais conhecerão a extraordinária beleza e o significado da Verdade, jamais conhecerão o Amor.
Assim, podem vocês, que foram moldados por Sankhara, por tantos "santos", pelos templos, varrê-los todos da mente de vocês? Vocês têm de apagá-los da mente. Vocês têm de ficar completamente sós, desajudados, sem desesperar e sem nada temer; só então serão capazes de descobrir. Para serem capazes de apagá-los, de negá-los totalmente — não apenas dizer, negativamente, "os larguemos", porém, negá-los totalmente, devem compreender toda a anatomia e estrutura, toda a essência da autoridade; devem compreender o homem que busca a autoridade. Não podem arrebatar a autoridade ao homem que a deseja, porque ela é seu único consolo, seu pão de cada dia — como também o é do político, do sacerdote, do filósofo. Mas, se desejam compreender essa coisa extraordinária chamada Verdade, não devem aceitar autoridade de espécie alguma. Porque, só a mente que está fresca, inocente, que é jovem e vibrante, pode compreender tais coisas, e não aquela que está sendo impelida, moldada, debilitada, sujeitada pelo passado. Ou uma coisa ou outra. Ou vocês dizem: "Não é possível ficar-se livre do passado, do conhecimento, da autoridade que a mente busca, em sua pobreza, em seus desespero e de cujo escoro necessita. A mente não pode em tempo algum ficar livre da autoridade, do passado, das coisas que aprendeu, adquiriu, acumulou". Ou, ainda, vocês dizem que a mente pode ficar livre do passado. Mas, vocês têm de investigar, descobrir; não podem simplesmente dizer que ela pode ser livre ou não pode ser livre; isso significa apenas entreter uma opinião absolutamente sem valor — deixem isso a cargo dos filósofos. Se querem descobrir, devem investigar se aquilo é possível ou não; não podem simplesmente admiti-lo ou negá-lo.
Vocês têm, pois, de aprender o significado do conhecimento e da autoridade. Quando se aprende, não há contradição, porque então se está aprendendo. Mas, quando se está meramente adquirindo conhecimento, nesse caso há contradição. Por favor, procurem perceber isso. Se estão meramente acumulando conhecimento, se verão em conflito, porque a coisa sobre a qual estão adquirindo conhecimentos é uma coisa viva, móvel, mutável e, por conseguinte, entre o que vão acumulando e a realidade, se apresenta uma contradição. Mas, se estão aprendendo o significado dessa coisa, não há contradição nenhuma; por conseguinte, não há conflito. Mas, quando a mente só se interessa em acumular, adicionar e, por conseguinte, em olhar, observar, com base em seu conhecimento, então há contradição; há então conflito e, portanto, dissipação de energia. 
Assim, pois, o homem que aprende não tem conflito; mas o homem que meramente acumula conhecimentos, a fim de viver em conformidade com determinado padrão estabelecido por ele próprio ou pela sociedade em que vive, ou por uma certa personalidade religiosa — não importa qual seja — esse homem se acha em contradição e, por conseguinte, em conflito.
E, como disse outro dia, o conflito é a própria essência da desintegração. O conflito não surge apenas do passado, mas também em relação com o presente. Surge também quando vocês têm ideais — "que devem ser isto" ou que "devem se achar em tal estado"; quando entretêm idéias "esplêndidas", "nobilitantes". Muito importa compreender a natureza de um ideal. O ideal não é a realidade. Uma idéia, projetada da mente que se acha em conflito, torna-se o ideal, de acordo com o qual essa mente deverá viver; por conseguinte, a mente fica em conflito, em contradição. Mas, a mente que está escutando um fato, não um ideal — essa mente não se acha em conflito e, por conseguinte, se está movendo de fato para fato. Essa mente se encontra num estado de energia. Sem essa energia vocês não podem ir muito longe. Mas estão dissipando a energia de vocês em contradições, na luta para se tornarem isto e não aquilo.
Cumpre a vocês, pois, observar, escutar, ver o fato — o que é — e com ele ficar. Isso é dificílimo.
Evidentemente, vocês nunca refletiram sobre estas coisas ou provavelmente elas não lhes vêm natural e espontaneamente, assim como as chuvas descem do céu. Vocês estão, talvez, as ouvindo pela primeira vez ou já lerão algo a respeito delas. Como este orador tem falado tantas vezes sobre elas, dirão, porventura: "Eis ele de volta, com suas velhas falas". Mas, se vocês estão escutando, se estão cônscios das intenções do orador, verão o fato, isto é, que tudo o que vocês têm é conhecimento, e ficarão com esse fato. O fato é que são, completamente, o passado em relação com o presente; o passado poderá ser modificado, alterado, mas vocês estarão sempre movendo e existindo no passado.
Ora, que entendemos por "viver com um fato?" Entendemos: não aceitá-lo, não rejeitá-lo, porém, escutá-lo; escutar todos os sutis movimentos, insinuações e sugestões, e perguntas e respostas que ele determina; não negá-lo, porque isso não é possível — se o fizerem, podem ir parar num hospício. Eis, com efeito, o que significa observar o fato e "viver com ele".
Ora, quando vivem com alguma pessoa ou coisa — com sua esposa, seus filhos, com uma árvore, com sua idéia — ou ficam acostumados com ela que ela deixa de existir, ou vivem com ela, tudo observando. No momento em que se acostumam com uma coisa, tornam-se insensíveis. Se eu me acostumo com esta árvore, torno-me insensível a ela. Se fico insensível a árvore, fico insensível ao que é sórdido, insensível às pessoas; fico insensível a tudo. Mas, estar atento a alguma coisa não significa acostumar-se com ela, não significa acostumar-se com o que é sórdido, imundo, acostumar-se com a família, a esposa, os filhos. O não nos acostumarmos com uma coisa exige grande soma de atenção e, por conseguinte, de energia. Espero que estejam seguindo minhas palavras.
Por conseguinte, a mente que deseja compreender o que é verdadeiro, tem de compreender, não idealmente, o inteiro significado do que é liberdade. Liberdade não significa a libertação que se alcança num certo mundo celestial, porém, sim, a liberdade em seu sentido usual; a liberdade que consiste em estar livre do ciúme, do apego, da ambição, da competição — que representa o mais: "preciso me tornar melhor", "sou isto e preciso me tornar aquilo". Mas, quando se observam como são não há então se tornar diferente do que são; ocorre então uma imediata transformação do que é.
Assim, a mente que deseja ir muito longe, deve começar com o que está muito perto. Mas vocês não podem ir muito longe, se tratam apenas de verbalizar a respeito de algo que o homem criou e a que chamou Verdade ou Deus. Devem começar com o que está muito perto, para lançarem a base adequada. E mesmo para lançar esta base, se necessita de liberdade. Assentem, pois a base na liberdade e em plena liberdade; assim, já não será uma base: será um movimento, e não uma coisa estática.
Só quando a mente compreendeu a indescritível natureza do conhecimento, da liberdade e do aprender, pode o conflito cessar; só então poderá se tornar perfeitamente lúcida e precisa. Já não se verá embrenhada em opiniões e juízos; se achará num estado de atenção e, por conseguinte, num estado de energia integral e de aprender — que não significa "aprender a respeito de quê?" — Só a mente tranquila é capaz de aprender; e o importante não é "a respeito de quê" a mente aprende; o que importa é o estado de aprender, o estado de silêncio, no qual ela está aprendendo.
Madrasta, 15 de janeiro de 1964
Krishnamurti - O Despertar da sensibilidade
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill