Ao ouvir estas palestras, não vos
apegueis, por favor, a uma única frase, imaginando haver compreendido o todo.
Eu posso, por infortúnio, usar palavras que deixem de transmitir o que tenho em
vista , ou usar um exemplo que não expresse o significado pleno do meu
entendimento. Portanto, eu vos concitaria a não vos dardes por satisfeitos com
o sentido literal das palavras, porém antes, buscar-lhes o integral
significado. Vossos pensamentos acham-se tão condicionados por preconceitos e
tradições que estais habilitados a perverter o entendimento. Se sois cristãos,
tendeis a colorir as novas com a visão tradicional, não as podeis examinar
livremente. Se fordes comunista, dar-lhe-eis uma interpretação comunista.
Assim, pois, vosso pensamento está sendo continuamente condicionado pelas
tradições, pelas vossas opiniões e ideias preconcebidas. Enquanto vossa mente
não estiver liberta de todos os preconceitos, jamais compreendereis o
verdadeiro significado da vida.
Tendes que por de lado vosso
Cristianismo, vosso Budismo, vossa Teosofia. Isto é coisa muito difícil de
fazer, como bem o sabeis. Educado como hindu, que sou, tive que libertar minha
mente de todos os hábitos tradicionais do pensamento hindu e, mais tarde, das
ideias teosóficas. Tive que abandonar todas as minhas ideias preconcebidas e
encarar as coisas sob o ponto de vista de seu valor intrínseco, não do ponto de
vista imbuído da tradicional irreflexão. A tradição e a autoridade são compulsões
que violam a completude intrínseca.
A maioria das pessoas no mundo
não se libertam porque desejam conforto e consolação; vivem na ilusão porque
querem contentamento e satisfação. Não ousam desnudar-se, temem esvaziar suas
mentes. Se contemplardes vossa própria mente verificareis estar ela cheia de
teorias herdadas a respeito do mal e do bem, do que é espiritual e do que não o
é.
Ocasionalmente, em meio desta
luta de tristeza e alegrias alternadas, alcançais um vislumbre de algo que vos dá êxtase e buscais tornar isto
permanente evitando o conflito. Percebeis este êxtase à distância, ao passo que
estais ainda rodeados por todas as vossas lutas, por vossas tristezas, por
vossos prazeres e dores. Ele parece distante e ansiais por escapar a todos
esses torvelinhos para ingressar nesse êxtase; no entanto, é por meio deles e neles que se acha este
êxtase da liberdade e não na evasão.
Pelo fato de evitardes o conflito
e a luta, o medo é criado e por causa do medo estabeleceis ilusões que vos
proporcionam consolo, conforto. Por causa deste medo aderis às tradições e vos
tornais um imitador. Confiais na compulsão e por isso não há entendimento. Por causa deste medo estabeleceis
autoridades espirituais e vós próprios vos erigis em autoridade. Assim
nasce a religião do temor e desse medo surge a exploração espiritual.
O mesmo se dá em relação com as
coisas físicas. O homem que necessita de haveres para sua felicidade, cria a
exploração material. O explorador não vem à existência de súbito, ele não é um
exotismo da natureza; é o resultado de vossas exigências espirituais e
econômicas. Portanto, vós sois os
responsáveis.
Se estiverdes colhidos pela
ilusão proveniente do medo, da tradição, da imitação, vossas ações hão de levar
à estagnação. No vos esforçardes por escapar ao conflito, vossas ações
conduzirão a ilusões inconscientes e à dependência da autoridade, na qual vos
tornais cada vez mais embaraçados. O homem viola sua própria e intrínseca completude
pela sujeição à autoridade espiritual. Sua disciplina não é disciplina, mas
unicamente uma sutileza de egoísmo que lhe proporciona animação para beneficiar
levado pelo seu desejo. Toda a sua concepção de vida está baseada sobre o
egoísmo, com todas as suas ramificações, suas ilusões, temores e consolos. Pelo
fato de sua ação, por causa do medo, ser inconsciente, ela conduz à
irresponsabilidade e, portanto, ao caos.
Ajustamento é apercebimento
continuado, o auto-recolhimento, a concentração que sabe que, onde quer que
haja egoísmo, há irresponsabilidade de ação e, por conseguinte, caos. O homem
que conhece o verdadeiro significado do ajustamento, está continuamente
buscando preservar em sua ação, a qual inclui pensamento e emoção, o límpido êxtase
do entendimento, e por isso não cria exploração, seja ela espiritual ou física.
Sendo a sua ação consciente, conduz à ação pura, sendo pura ação na qual não
mais exista egoísmo, personalidade, na qual a individualidade cessou por
completo.
Tornando-vos plenamente consciente,
responsáveis, baseareis vossa ação nessa responsabilidade consciente e não no
temor e na compulsão. Verdadeira ação é o consciente ajustamento de si próprio,
sem coação nem temor, sem estímulo de recompensa. É alegria agir sob este ponto
de vista; porém, quando imitais a alguém ou vos disciplinais de acordo com um
sistema dado, nada mais será que conformar-vos, coisa que representa a lenta
decadência. Não vos enganeis a vós mesmo dizendo: “É este o meu mais alto
ideal, portanto, a este ideal me estou adaptando”. Não vos podeis adaptar a um
ideal. Haveis apenas estabelecido uma imagem para vosso culto, que nada mais é
que egoísmo. Por outras palavras, mais não estais fazendo que glorificar o
vosso próprio ego, vossa própria personalidade. A realidade não é um ideal; é a
própria vida, e o vosso ajustamento a essa vida é a verdadeira ação.
Se pretendeis buscar o
entendimento, libertai-vos de todas as vossas imitações, de vossos cultos, de
vossas reclusões, de vossas igrejas e templos. Eles são a origem da exploração,
cuja fonte está dentro de vós mesmos.
Em primeiro lugar temos, pois, a
irresponsabilidade da ação; a obediência, em vossa vida espiritual e moral, e,
como consequência dela, a exploração e a desgraça. Isto é, primeiro vos é estatuída
uma lei e vós a seguis sem pensar; depois, por meio do sofrimento, por meio da
alegria, chegais a vos tornar responsáveis, plenamente conscientes e através
dessa chama da eu-consciência vos libertais de ação irresponsável. E assim vos
tornais a vossa própria lei.
O trabalho deve ser organizado,
planejado, porém o esforço individual para a compreensão jamais pode estar
sujeito a um sistema. No trabalho tem que haver autoridade, porém o pensamento
e emoção individual, a luta e ajustamento individual na vida, não podem ser
organizados nem disciplinados por autoridades.
Nos antigos tempos as comunidades
eram ilhas de refúgio baseadas na ideia de salvação comum; pensamento e emoção
eram guiados pela autoridade. Os indivíduos somavam suas capacidades e
combinavam entre si a partilha do trabalho da comunidade, visto sustentarem uma
crença comum. Reuniam-se sob a égide de uma autoridade aceita.
Ora, como disse, não vos é licito
sistematizar o pensamento e emoção individuais; o indivíduo tem que ser livre.
Porém, com esta liberdade, advém a organização natural do trabalho para
benefício do conjunto, sem sacrifícios individuais. A ideia de que mediante uma
autoridade espiritual pode ser criada uma moral que influencie a economia da
vida, é uma utopia, pois a moral somente pode ser firmada para o indivíduo por
meio de seu próprio esforço desperto. Por esta maneira, o trabalho torna-se
nada mais nada menos que um incidente necessário e o indivíduo não confia
somente no trabalho para a realização da verdade.
Não podeis realizar o êxtase da
verdade unicamente por meio de mera perfeição da técnica, de um talento
particular, ou do trabalho ou do serviço. Pensais que, a não ser que acentueis
vossa particular capacidade, não podeis ser indivíduos, ficareis submersos na
coletividade, no grupo anônimo. Ora, eu encaro as coisas por modo diferente.
Pelo fato de serdes parte da comunidade, a comunidade organiza vosso trabalho;
porém, quanto ao pensamento e emoção ficais inteiramente livres e é esta a
verdadeira liberdade individual. Portanto, não acentueis coisa alguma de
pequena importância.
Eu sustento que a realização da
verdade, do êxtase, reside unicamente em vossa auto-completude. É então que
conheceis plena, a consciente responsabilidade e sereis mantidos na solidão
pela vossa própria integridade. Por meio da chama da eu-consciência, chegais à
plena responsabilidade; estabeleceis vossa própria lei e isto é liberdade plena.
Esta solidão não é uma fuga, uma evasão; é a cessação gradual da ação
inconsciente, que não leva senão à desgraça, e que é começo da verdadeira ação.
Não sei quantos de vós tomarão o
que eu digo meramente como uma teoria filosófica, como um discurso que se pode
repetir aos outros, ou quantos de vós o tomarão com sinceridade. Se o tomardes
como um discurso filosófico ou se meramente repetirdes as minhas palavras, será
isso coisa difícil. É apenas pelo mudar fundamentalmente, com uma orientação
diferente do pensamento, uma modificação básica da mente, que podeis achar esta
completude, que podeis realizar este êxtase da vida. Para mudar
fundamentalmente, tendes que proceder a um começo consciente. Tornai-vos
plenamente responsáveis para convosco próprios, desde o próprio início; pensai
continuamente no que estais fazendo. Podeis conhecer a felicidade perdurável
apenas se, verificando o peso morto e a tirania dos anos passados, mantiverdes
a grade resolução de a vós próprios modificar no presente.
Krishnamurti, Palestra em Ommen,
Reunião de Verão de 1931