[...]Os ritmos da respiração
trabalham em uníssono com os ritmos dos nossos estados mentais; a excitação
provoca uma respiração irregular e entrecortada; a contemplação tranquila
provoca uma respiração regular e suave. Uma vez que o pensamento e a respiração
estão entrelaçados, basta-nos apenas manter a atenção constante — bem como
dosar o ritmo — sobre a respiração para que produzamos um efeito correspondente
sobre os pensamentos. Em consequência, a aquietação da respiração tende a
aquietar os pensamentos. Quando, a exemplo do que ocorre no exercício seguinte,
o pensamento e a respiração são amalgamados com tal propósito, começará a
surgir um estado de calma inalterável dentro do qual a verdadeira meditação
torna-se muito mais fácil para a hiperativa mente ocidental.
Devemos então adotar o seguinte
exercício que deve ser praticado imediatamente após a análise intelectual do eu,
e não antes.
Há, contudo, três breves
preliminares a serem cumpridas. A primeira exige a direitura da espinha dorsal
de uma forma fácil e natural enquanto estivermos sentados. Isto porque a
postura física afeta a respiração.[...] Depois os olhos devem ser fechados e
mantidos assim durante todo o exercício. Por fim, todo o ar viciado dos pulmões
deverá ser expelido por meio de quatro exalações seguidas. Feito isto, deve-se
cuidar do processo de alterar o ritmo normal de nossa respiração.
1. Devemos diminuir gradualmente a velocidade
da respiração de semana para semana, e durante cinco ou dez minutos por dia até
que, aproximadamente, essa velocidade fique reduzida à metade.
2. No final de cada inalação devemos
interromper a atividade respiratória, reter o ar durante dois ou três segundos,
e a seguir expirar o ar puro.
3. Simultaneamente, a respiração deve ser
tornada tranquila, suave, plácida e isenta de esforço;
4. Devemos manter em cuidadosa observação a
respiração e enfocar nela toda a nossa atenção.
[...] É importante que o
exercício seja convenientemente praticado, apesar de sua simplicidade. Ele só
será capaz se todas as condições forem satisfeitas.
[...] Devemos fazer o exercício
durante cinco minutos cada vez — não mais. Se nos exercitamos pela manhã,
poderemos repetir à dose à noite.
Não se deve progredir com rapidez
exagerada; deve-se progredir lenta e naturalmente nesta esfera.
Em todos os caos a diminuição do
ritmo respiratório deve acontecer de tal forma que não se verifique nenhum
desconforto agudo e anormal. Naturalmente, no princípio será inevitável uma
ligeira sensação de tontura, pois quando começamos a usar de forma diferente um
órgão do corpo, este reage e resiste durante algum tempo à atividade inusitada
que lhe está sendo imposta. Se patentear-se alguma dor real, ou uma sensação
definida de sufocação ou qualquer outro sintoma obviamente anormal, o exercício
deverá ser imediatamente suspenso e o estudante reverá com cuidado o método
prescrito, a fim de verificar se o está seguindo à risca pois tais sintomas só
podem surgir em decorrência de uma má interpretação do método, ou em virtude de
algum mal orgânico do coração ou do pulmão. Pessoas afetadas por doenças deste tipo não
devem jamais fazer exercícios respiratórios.
[...] Devemos evitar uma série de
movimentos bruscos ao inspirar e objetivar de preferência uma ação firme, leve
e contínua. A respiração deve ser propositadamente convertida num fluxo leve e
suave. Deve-se evitar um ofegar audível. O nosso esforço deve ser no sentido de
acalmar o processo respiratório. O ar deve correr com tal suavidade que,
segundo com muita propriedade dizem os místicos chineses, uma pensa colocada
diante das narinas não deverá se agitar. Assim como devemos relaxar
inteiramente o corpo afim de conseguir a postura física para a meditação, assim
também devemos relaxar por completo a respiração. A arte do relaxamento deve
ser levada através do corpo até os pulmões. Por meio de treinamento adequado a
respiração poderá tornar-se tão suave que apenas uma tênue corrente de ar se movimente
como um fio entrando e saindo das narinas.
[...] Requer-se uma vigília contínua
durante os poucos minutos da prática, uma observação mental atenta da entrada e saída do ar. A mente deve estar
abstraída de qualquer outra atividade e presa tão apenas ao movimento
respiratório; essa observação voluntária acabará por proporcionar o controle
sobre esse movimento e reduzi-lo ao ritmo
mínimo, que é o objetivo. Precisamos ater a mente a isso. Este exercício não
deve ser feito com indiferença, mas com uma concentração consciente sobre o
fluxo da respiração; isto é muito importante se desejamos um aproveitamento
integral. Todos os demais pensamentos devem ser suprimidos e esquecidos, e o
nosso eu deve ser totalmente imerso no ritmo respiratório. A potencialidade do
método será proporcional à concentração nele empregada. Se a atenção for
interrompida ou pausas desnecessárias acontecerem durante os exercícios, o
poder de alterar o estado mental será reduzido.
Enquanto empenhados no exercício
respiratório é possível que adquiramos uma consciência muito aguda do nosso batimento
cardíaco, que se apresentará não como um latejar descompassado mas como um pulsar
suave. Trata-se de uma consequência natural da maior atenção dispensada à
respiração e não há razão para alarme.
O êxito poderá surgir de pronto,
como também poderá vir apenas com o tempo, mas os exercícios não são difíceis
de seguir. Algumas pessoas levarão mais tempo que outras porque a capacidade
física, mental e pulmonar varia de indivíduo para indivíduo.
Qual será o resultado de tais
exercícios?
A mente será posta numa condição
de harmonia com a respiração. Os pensamentos espontaneamente se tornarão mais
escassos à medida que a respiração for se tornando mais escassa. Todo o
processo do pensamento será retardado. Uma impressão global de calma interior e
equilíbrio começará a impor-se gradualmente. As paixões flutuantes e inquietas tornar-se-ão
mais tranquilas. O intelecto será aprisionado como um pássaro
cativo; ao nos apossarmos da vida respiratória, a vida reflexiva será também dominada.
A total serenidade da inalação moderada será refletida na moderação da mente.
Naqueles compridos momentos em que a respiração é realmente sustada o intelecto
será apanhado por uma reação e o seu poder de encobrir a realidade tornar-se-á
menor.
Este é precisamente o esforço
necessário para nos levar ao estágio seguinte no caminho do desenvolvimento
espiritual. O intelecto atingiu os seus limites e chegou o momento de prepara-lo
para cessar os seus esforços. Uma análise ulterior a este ponto seria
improdutiva e, na verdade, desvantajosa. Precisamos estar agora preparados para
invocar e intensificar toda a nossa faculdade da atenção e mergulhar mais fundo
no nosso ser, na busca do Eu Superior.
Um homem que mergulhe no mar não
se entregará a uma sucessão de pensamentos acerca do mar, mas, esquecendo o
resto, sustará a respiração e fará o mergulho. Da mesma forma, quando nos
prepararmos para mergulhar na região fronteiriça do Eu Superior, não devemos
nos entregar a novas meditações a respeito, mas, esquecendo o resto, trataremos
de controlar a respiração a ponto de sustá-la intermitentemente e a seguir
mergulhar diretamente no ser mais profundo.
[...] É concebível a existência de
tipos altamente metafísicos ou altamente espiritualizados sobre os quais esses
exercícios respiratórios não exerçam nenhuma atração e para os quais pareçam
totalmente desnecessários. Tais pessoas poderão prescindir dos exercícios desde
que encontrem força interior para passar sem dificuldades do estágio da análise
intelectual para o estágio intuitivo que se segue. Mas a maioria esmagadora dos
ocidentais não será capaz de fazer a passagem de um estágio para o outro, a não
ser com a maior dificuldade, e este simples exercício foi concebido para
auxiliá-las. Pois, extrovertidas como de hábito são, com mentes sempre a
produzir imagens do mundo externo, elas não podem subtrair-se com facilidade
aos assuntos mundanos, colocando-se numa região de profunda abstração espiritual.
Poderemos também nos beneficiar
do exercício mesmo fora dos minutos de retiro diário. Se em qualquer período do dia formos perturbados por estados de indesejável
melancolia ou ira desordenada, de extrema irritabilidade ou paixões descontroladas,
nervosismo desenfreado ou medo opressivo, basta-nos apenas praticar essa
respiração vagarosa, onde quer que estejamos, e de imediato surgirão os efeitos
benéficos, acalmando os nervos e reajustando harmonicamente as nossas perspectivas.
Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior