(...) O que é o amor? O amor será prazer? Será desejo? O amor será produto do pensamento, como são o prazer e o medo? Poderá o amor ser cultivado, poderá vir com o tempo? E se não sei o que é o amor, serei capaz de o encontrar?
O amor não é, obviamente, sentimentalismo ou emocionalidade, por isso podemos pô-los imediatamente de lado, porque o sentimentalismo e a emocionalidade são românticos, e o amor não é romantismo.
O prazer e o medo fazem parte do movimento do pensamento e para a maior parte de nós o prazer é a coisa mais importante na vida — o prazer sexual e a lembrança dele, o pensamento de ter tido esse prazer, pensar nele, tornar a pensar e desejar tê-lo amanhã — a moralidade social está baseada no prazer.
Assim, se o prazer não é amor, então o que é o amor? Reparem nisto, por favor, porque vocês é que têm de dar a resposta a essas questões, não podem esperar apenas que o orador ou qualquer outra pessoa o faça. Trata-se de um problema humano fundamental que tem de ser resolvido por cada um de nós, não por um guru ou filósofo que diga "isto é amor", "aquilo não é amor".
Amor não é ciúme, não é inveja, ou será? Vocês estão muito silenciosos! Poderemos amar e ao mesmo tempo sermos ávidos, ambiciosos, competitivos? Pode-se amar quando se matam não só os animais, mas também outros seres humanos?
Pela negação daquilo que o amor não é — não é ciúme, inveja, ódio, não é atividade egocêntrica do "eu", e do "você", a competição tão cheia de falsidade, e desumanidade e a violência da vida quotidiana — saberemos o que é o amor. Quando pusermos de lado todas estas coisas, não intelectualmente mas de maneira real, com o nosso coração, a nossa mente, as nossas... ia a dizer entranhas — porque obviamente tudo isto não é amor — então encontraremos o amor. Quando soubermos o amor, quando tivermos amor, então estaremos livres para fazer o que está certo; e o que quer que façamos estará certo.
Mas para chegar a este estado, para ter esse sentido da beleza e da compaixão que o amor traz, tem também de haver a morte do ontem. A morte do ontem significa morrer interiormente a todas as coisas — a toda a ambição e a tudo o que se tenha acumulado psicologicamente. Afinal, quando vier a morte, isso é o que de qualquer modo vai acontecer — deixaremos a nossa família, a nossa casa, os nossos valores, todas as coisas que possuímos. Deixaremos todos os livros, donde obtemos tantos conhecimentos, assim como os livros que queríamos escrever e não escrevemos, e os quadros que queríamos pintar. Quando se morre a tudo isso, então a mente está completamente nova, fresca e inocente. Suponho que vão dizer que é impossível.
Quando se diz que é impossível, começa-se então a inventar teorias: deve haver uma vida depois da morte. Segundo os cristãos há a ressurreição, enquanto toda a Ásia acredita na reencarnação. Os hindus afirmam que é impossível morrer para todas as coisas enquanto ainda se tem vida, saúde e beleza; assim, temendo a morte, dão esperança inventando essa coisa maravilhosa chamada reencarnação, o que significa que a próxima vida será melhor. Contudo, o melhor tem uma condição: para ser melhor na próxima vida, tenho de ser bom nesta, portanto, devo saber comportar-me. Devo viver de maneira reta; não devo fazer mal a ninguém, não deve haver ansiedade, nem violência. Mas infelizmente esses crentes da reencarnação não vivem dessa maneira; pelo contrário, são agressivos, tão cheios de violência como qualquer outro, por isso a sua crença tem tão pouco valor como os dias de ontem já mortos.
O que é importante é o que se é agora, e não se se acredita ou não acredita, se as experiências que se têm são psicodélicas ou apenas vulgares. O que importa é viver com retidão, com virtude — sei que não se gosta desta palavra. Abusou-se terrivelmente destas duas palavras "virtude" e "retidão", todos os sacerdotes as usam, qualquer moralista ou idealista as emprega. Mas a virtude é completamente diferente de qualquer de qualquer coisa que seja praticada como sendo virtude, e aí reside a sua beleza; se se tenta "praticá-la", deixa de ser virtude. Ela não é do tempo, por isso não pode ser "praticada", e uma conduta reta não depende do ambiente; a conduta que depende do ambiente poderá estar correta à sua maneira, mas não é virtude. Virtude é amor; é não ter medo, é viver no mais alto nível da existência, o que significa morrer interiormente para todas as coisas — morrer para o passado — para que a mente se torne clara e inocente.
Só uma mente assim pode encontrar aquela imensidão extraordinária que não é invenção da própria pessoa, nem de algum filósofo ou guru.
Krishnamurti em, O mundo somos nós
Krishnamurti em, O mundo somos nós