Pergunta: Tendes estado em retiro nestes últimos dezesseis meses, e isto pela primeira vez em vossa vida. Podemos saber se há nisto alguma significação?
Krishnamurti: Não
desejais, também, às vezes, recolher-vos à quietude, para fazer um balanço das
coisas, a fim de não vos tornardes simples máquina de repetição, um
discursador, um explicador, um expositor? Não desejais fazer isso, alguma vez,
não desejais estar em tranqüilidade, não desejais conhecer-vos melhor? Alguns
de vós o desejam, mas não o podem fazer por motivos econômicos. Há de haver
dentre vós alguns que desejam fazê-lo, mas as obrigações de família, etc., os
impedem. De qualquer maneira, é benéfico recolher-nos à tranqüilidade, para
proceder a um balanço de todas as coisas que praticamos. Ao fazer isso, uma
pessoa adquire experiências que não são reconhecidas, que não são traduzidas, O
meu recolhimento, portanto, não tem
significação nenhuma para vós. Sinto muito. Mas o vosso recolhimento, se o observardes corretamente, há de ter
significação para vós. Julgo essencial que entreis, de vez em quando, em
recolhimento, deixando tudo o que estais fazendo, detendo por completo as
vossas crenças e experiências, e olhando-as de maneira nova, em vez de ficardes
a repetir, como máquinas, o que credes ou o que não credes. Deixaríeis, assim,
entrar ar fresco em vossas mentes, não é verdade? Isso significa que tendes de
estar inseguros, não é verdade? Se fordes capazes de tanto, estareis abertos
aos mistérios da natureza e para as coisas que sussurra ao redor de nós, e que
de outra maneira não poderíeis alcançar; encontrareis o Deus que aguarda o
momento de vir, a verdade que não pode ser chamada, mas vem por si mesma. Não
estamos abertos ao amor e a outros processos mais delicados que se verificam
dentro em nós, porque vivemos fechados em nossas ambições, em nossas
realizações, em nossos desejos. Não há dúvida de que é muito salutar nos
retrairmos de todas essas coisas. Deixai de ser membro de alguma sociedade
deixai de ser brâmane, hindú, cristão ou muçulmano. Abandonai o vosso culto, os
vossos ritos, retirai-vos completamente de tudo isso, e vereis o que
acontecerá. Nesse retiro, não mergulheis noutra coisa qualquer, não abrais
livro algum, absorvendo-vos em novos conhecimentos e novas aquisições. Rompei
completamente com o passado, e vereis o que acontece. Fazei-o, senhores, e
conhecereis o deleite. Descortinareis as imensidões do amor, da compreensão, da
liberdade. Quando vosso coração está aberto, então é possível a vinda da realidade.
E não mais ouvireis os sussurros dos vossos próprios preconceitos, os ruídos
que vós mesmos produzis. Eis porque é salutar entrarmos em retiro, recolher-nos
e fazer parar a rotina — não só a rotina da existência exterior, mas também a
rotina que a mente estabelece para sua própria segurança e conveniência.
Experimentai-o, senhores, se
tendes oportunidade para tal. Então, talvez conheçais a verdade que não pode
ser medida. Vereis, que Deus não é uma coisa que se experimente e se reconheça,
mas, sim, que Deus é algo que vem a nós sem que o invoquemos. Isso só se dá
quando a vossa mente e o vosso coração estão completamente tranqüilos, não
estão buscando, esquadrinhando, e quando não tendes nenhum desejo de aquisição.
Deus só pode ser encontrado quando a mente não mais busca vantagem para si. Se
nos retrairmos de todas essas coisas, talvez não ouçamos mais os sussurros do
desejo, e, então, aquilo que está à espera, virá diretamente, infalivelmente.
Krishnamurti - 5 de janeiro de 1952
Do livro: Quando o Pensamento Cessa