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sábado, 21 de abril de 2018

O pensamento impede a integral comunhão do amor


O pensamento impede a integral comunhão do amor

Há, a meu ver, vasta diferença entre mudança e mutação. A mera mudança não conduz a parte alguma. Uma pessoa pode tornar-se superficialmente adaptável, muito hábil no ajustar-se aos diferentes ambientes e circunstâncias sociais, e existem várias formas de pressão interior e exterior; mas a mutação requer um estado mental bem diferente. Nesta manhã desejo salientar a diferença entre estas duas coisas.

Mudança é alteração, reforma, substituição de uma coisa por outra. Mudança implica ato de vontade, consciente ou inconsciente. E, considerando-se a confusão, a miséria, a opressão, a extrema aflição existente em toda a Ásia subdesenvolvida, torna-se evidente a necessidade de uma mudança radical, revolucionária. Há necessidade, não só de mudança física ou econômica, mas também de mudança psicológica — mudança em todos os níveis de nosso ser, exteriores e interiores, a fim de se proporcionar uma melhor existência ao homem. Isso é óbvio, e até os mais extremados conservadores o admitirão. Mas, ainda que o reconheçamos, em regra não consideramos profundamente a questão da mudança e tudo o que ela encerra. Qualquer ajustamento, substituição, reforma, é de ação profunda, ou consiste meramente num polimento superficial, numa “limpeza”, na moralidade das relações humanas? Penso que devemos compreender plenamente o que está implicado nesse mecanismo de mudança, antes de examinarmos o que considero mutação.

A mudança, embora necessária, me parece sempre superficial. Entendo por mudança todo movimento operado pelo desejo ou pela vontade, toda iniciativa concentrada numa dada direção, visando a uma certa atitude ou ação bem definida. Toda mudança, evidentemente, tem atrás de si um motivo. Esse motivo pode ser pessoal ou coletivo, manifesto ou remoto; pode ser um motivo bondoso, generoso, ou um motivo de medo, desespero; mas qualquer que seja a natureza ou o nível do motivo, a iniciativa ou movimento resultante desse motivo produz uma certa mudança. Isso me parece claro. Em geral somos suscetíveis, individual e coletivamente, de modificar nossas atitudes, sob influência, pressão, e também quando aparece alguma invenção nova que direta ou indiretamente influi em nossa vida. Podemos ser levados a mudar nossos pensamentos, orientá-los em diferente direção, por um artigo de jornal ou pela propaganda que se faz de uma ideia. A religião organizada empenha-se em educar-nos, desde a infância, numa certa forma de crença, condicionando-nos assim a mente, e, pelo resto da vida, toda mudança que operamos fica dentro dos limites “modificados” dessa crença.

Assim, são raros os que mudam, a não ser com um motivo. O motivo poderá ser altruísta ou interesseiro, limitado ou amplo; poderá ser o medo de perder uma recompensa, ou de não atingir um certo e prometido estado para o futuro. O indivíduo se sacrifica à coletividade, ao Estado, a uma ideologia, ou a determinada forma de crença em Deus. Tudo isso implica uma certa mudança, consciente ou inconscientemente produzida.

Pois bem; a chamada mudança é uma "continuidade modificada” do que já existia, e nessa suposta mudança nos tornamos muito hábeis. Estamos constantemente fazendo novas descobertas na Física, na Ciência, na Matemática, inventando coisas novas, preparando-nos para ir à Lua, etc. etc.

Em certos aspectos tornamo-nos extraordinariamente “sabidos”, bem informados; e essa espécie de mudança envolve capacidade de ajustamento ao novo ambiente, às novas pressões que ela cria. Mas, basta isso? Pode-se perceber tudo o que determina essa superficial modalidade de mudança. Entretanto, sabemos, interiormente, profundamente, ser necessária uma mudança radicalmudança não produzida por nenhum motivo ou como resultado de pressão. Percebemos a necessidade de mutação na própria raiz da mente, pois, sem ela, somos apenas uma horda de macacos habilíssimos e dotados de extraordinárias aptidões — e não autênticos entes humanos.

Percebendo-se isso, profundamente, em nós mesmos, que cumpre fazer? Vemos que se necessita de uma mudança revolucionária, de completa mutação na raiz mesma de nosso ser, porque, do contrário, nossos problemas, tanto econômicos como sociais, irão crescendo inevitavelmente, e se tornando cada vez mais críticos. Necessita-se de uma mente nova, fresca — e, para a termos, deve operar-se, na totalidade de nossa consciência, uma mutação não produzida por ato de vontade e, portanto, sem motivo.

Não sei se me estou expressando claramente.

Percebendo a necessidade de mudança, pode uma pessoa exercer a vontade, a fim de produzi-la — sendo “vontade” o desejo fortalecido, em dada direção, pela determinação e posto em movimento pelo pensamento, pelo medo, pela revolta. Mas toda mudança dessa ordem — mudança produzida pela ação do desejo, da vontade — é sempre limitada. É uma “continuidade modificada” do que era antes, como se pode ver pelo que está ocorrendo no mundo comunista, e também nos países capitalistas. Necessita-se, pois, de uma revolução extraordinária, de revolução psicológica no ente humano, no próprio homem; mas, se ele tem um alvo, se sua revolução é planejada, está ainda dentro dos limites do “conhecido” e, por conseguinte, não constitui mudança nenhuma.

Eu posso mudar, posso forçar-me a pensar de outro modo, a adotar um diferente sistema de crenças; posso suprimir um dado hábito, livrar-me do nacionalismo, reformar meu raciocínio, fazer eu próprio a “lavagem” de meu cérebro, em vez de deixá-la para ser feita por um partido ou igreja. Tais mudanças são muito fáceis de operar em mim mesmo; mas percebo sua total inutilidade, porquanto são superficiais e não conduzem à compreensão profunda que deve orientar-nos na vida. Assim, que fazer?

Compreendeis minha pergunta? Acho que fui claro.

Se faço um esforço para mudar, esse esforço tem motivo, significando isso que o desejo inicia um movimento em certa direção. Aí está em ação a vontade, e, por conseguinte, qualquer mudança que seja produzida é uma simples modificação — não é uma mudança real, absolutamente.

Vejo claramente que preciso mudar, e que essa mudança deve ocorrer sem esforço. Todo esforço para mudar anula-se a si próprio, uma vez que supõe a ação do desejo, da vontade, em conformidade com um padrão, uma fórmula, um conceito preestabelecido. Assim sendo, que fazer?

Não sei se sentis como eu a relevância desta questão — o quanto ela nos interessa, não só no sentido intelectual, mas, principalmente, como um fator essencial em nossa vida. Há milhões de anos vem o homem fazendo um esforço incessante para mudar, entretanto continua envolto em aflições, desespero, medo, só tendo raros e fugidios clarões de alegria e deleite. E como pode essa entidade, que há tanto tempo vem sendo fortemente condicionada, alijar sua carga sem nenhum esforço? Esta a pergunta que estamos fazendo a nós mesmos. Mas, “o lançar fora a carga” não deve tornar-se mais um problema; porque, como antes indiquei, problema é algo que não compreendemos, algo que não temos capacidade para examinar até o fim e liquidar de uma vez.

Para se produzir essa mutação — “produzir”, não, esta é uma expressão errônea; a mutação é uma necessidade e tem de verificar-se agora. Introduzindo-se o tempo como fator de mutação, o tempo cria o problema. Não há amanhã, não há tempo nenhum em que eu irei mudar — sendo o tempo pensamento. Isso tem de acontecer agora ou nunca. Compreendeis?

Percebo a necessidade dessa mudança radical em mim, ente humano, parte integrante da humanidade; e percebo, também, que o tempo, que é pensamento, não deve representar nisso um fator. O pensamento não deve representar nisso um fator. O pensamento não pode resolver este problema. Venho exercendo o pensamento há milhares de anos e, no entanto, não mudei. Continuo com meus hábitos, minha avidez, minha inveja, meus temores, e me vejo ainda todo enredado no padrão de competição da existência. Foi o pensamento que criou o padrão; e o pensamento não pode, em circunstância alguma, alterar esse padrão sem criar outro padrão — sendo o pensamento tempo. Portanto, não posso contar com o pensamento, com o tempo, para operar a mutação, a mudança radical. Não pode haver exercício da vontade, e não se pode deixar o pensamento orientar a mudança.

Que me resta, então? Vejo que o desejo, que é vontade, não pode operar em mim uma verdadeira mutação. O homem vem trabalhando nisso há séculos e nele não se produziu nenhuma mudança fundamental. Tem-se servido, também, do pensamento para produzir mudança em si próprio — pensamento como tempo, pensamento como amanhã, com todas as suas exigências, invenções, pressões, influências — e, como vemos, ainda não houve nenhuma transformação radical. Que fazer, pois?

Ora, uma vez compreendida, em sua totalidade, a estrutura e o movimento da vontade, esta deixa de atuar; e, percebendo-se que o emprego do pensamento, do tempo, como instrumento de mudança, não passa de mero adiamento, termina então o mecanismo do pensar. Mas, que queremos exprimir ao dizer que percebemos ou compreendemos uma coisa? A compreensão é meramente intelectual, verbal, ou significa que se está vendo uma coisa como fato? Posso dizer que “compreendo” — mas a palavra não é a coisa real. A compreensão intelectual de um problema não é a solução desse problema. Ao compreendermos uma coisa apenas verbalmente (e isso é o que chamamos compreensão intelectual), a palavra importa muito; mas, havendo verdadeira compreensão, ela perde toda a importância, sendo então simples meio de comunicação. Há contato direto com a realidade, o fato. Se percebemos como um fato a futilidade da vontade, e também a futilidade do pensamento, ou do tempo, no produzir essa radical transformação, então a mente (que rejeitou toda a estrutura da vontade e do pensamento) nenhum instrumento tem com que iniciar a ação.

Bem, até agora vós e eu temos estado em comunicação, e talvez tenhamos também estabelecido entre nós uma certa comunhão. Mas, antes de prosseguirmos, considero importante compreender o que entendemos por comunhão. Se alguma vez andastes entre as árvores de uma floresta, ou pela margem de um rio, e sentistes a quietude, tivestes o sentimento de estar vivendo completamente com todas as coisas, com as pedras, com as flores, com o rio, com as árvores, com o céu — sabereis então o que é comunhão. O “eu” — com seus pensamentos, suas ânsias, seus prazeres, lembranças, desesperos — cessou completamente. Não existis como observador separado da coisa observada; há só aquele estado de completa comunhão. E espero que seja esta a comunhão aqui estabelecida entre nós. Ela não é um estado hipnótico; o orador não vos está hipnotizando, para pôr-vos nesse estado. Explicou certas coisas com todo o cuidado, Mas há algo mais, que não pode ser explicado verbalmente. Até um certo ponto podeis ser informados pelas palavras do orador, mas ao mesmo tempo cumpre ter em mente que a palavra não é a coisa, e que ela não deve interferir na direta percepção do fato. Quando comungais com uma árvore — se alguma vez o fazeis — vossa mente não está ocupada com a espécie dessa árvore, ou a respeito de sua utilidade ou não utilidade. Estais em comunhão direta com a árvore. Analogamente, deve-se estabelecer esse estado de comunhão entre vós e o orador, porque vamos passar agora a um assunto dos mais difíceis de tratar verbalmente.

Como disse, a ação da vontade, e a ação do pensamento como tempo, e o movimento que é iniciado por influência ou pressão de qualquer natureza, cessaram de todo. A mente, por conseguinte, que de fato observou e compreendeu tudo isso, está completamente quieta. Ela não é a iniciadora de qualquer movimento, consciente ou inconsciente. E isso, também, é algo que precisa ser considerado, antes de podermos ir um pouco mais longe.

Conscientemente, podereis não desejar atuar em nenhuma direção determinada, porque já observastes a futilidade de toda espécie de mudança calculada, da mudança promovida pelo comunista ou pelo mais reacionário conservador. Vedes quanto tudo isso é fútil. Mas, interiormente, inconscientemente, há o tremendo peso do passado a impelir-vos numa certa direção. Estais condicionado como europeu, como cristão, como cientista, como matemático, como artista, como técnico; e há a milenar tradição (muito zelosamente explorada pela igreja) que instilou no inconsciente certas crenças o dogmas. Podeis, conscientemente, rejeitar tudo isso, mas, incutis cientemente, o seu peso continua existente. Sois ainda cristãos, inglês, alemão, francês; sois ainda movido pelos interesses nacionais, econômicos, familiais, e pelas tradições da raça a que pertenceis, e, quando se trata de raça antiquíssima, mais profunda ainda é sua influência.

Ora, como eliminar tudo isso? Como purificar o inconsciente, imediatamente, do passado? Creem os analistas que o inconsciente pode ser expurgado, em parte ou no todo, por meio da análise mediante investigação, exploração, a confissão, a interpretação dos sonhos, etc., — de modo que qualquer um pode tornar-se pelo menos um ente humano “normal”, capaz de ajustar-se ao atual ambiente Mas, na análise, há sempre o analista e a coisa analisada, um observador a interpretar a coisa observada — e isso representa uma dualidade, fonte de conflito.

Vejo, pois, que a mera análise do inconsciente a nenhuma parte conduz. Poderá ajudar-me a ser menos neurótico, mais amável com minha mulher, meu próximo — ou outra superficialidade semelhante; mas não é disso que estamos falando. Percebo que o processo analítico (que implica tempo, interpretação, movimento do pensamento que analisa, como observador, a coisa observada) não pode libertar o inconsciente; por conseguinte, rejeito completamente o mecanismo analítico. Assim que percebo esse fato, que a análise não pode, em circunstância nenhuma, afastar o fardo do inconsciente estou fora da análise. Já não analiso. Assim, que aconteceu? Não havendo analista separado da coisa analisada, o próprio analista é essa coisa. Não é uma entidade à parte. Descobre-se, então, que o inconsciente é de pouca importância. Percebeis?

Estive mostrando quanto é trivial o consciente, com suas atividades superficiais, sua perene tagarelice, etc.; e o inconsciente é também trivial. O inconsciente, como o consciente, só se torna importante quando o pensamento lhe dá continuidade. O pensamento tem seu lugar próprio, sua utilidade em assuntos técnicos, etc., mas o pensamento é de todo em todo fútil, quando se trata de operar aquela radical transformação. Se percebo ser o pensamento que dá continuidade ao pensador, termina essa continuidade.

Espero estejais seguindo o que estou dizendo, que requer muita atenção.

O consciente, ou o inconsciente, pouco significam. Eles só se tornam importantes quando o pensamento lhe dá continuidade. Ao perceberdes a verdade de que todo o “mecanismo do pensar” é uma reação do passado e não pode, de modo nenhum, atender à enorme necessidade de mutação, então, tanto o consciente como o inconsciente perdem toda a importância, e a mente deixa de ser influenciada ou impelida por qualquer dos dois. Por conseguinte, já nenhuma iniciativa toma; fica completamente quieta, tranquila, silenciosa. Embora ciente da necessidade de mutação, revolução, de completa e radical transformação de nosso ser, a mente nenhum movimento inicia, em qualquer sentido; e, nesse total percebimento, nesse silêncio completo, opera-se a mutação. A mutação, pois, só pode verificar-se de uma maneira não “diretiva”, isto é, quando a mente nenhum movimento inicia e, por conseguinte, permanece inteiramente tranquila. Nessa tranquilidade há mutação, porque a raiz de nosso ser, ficando exposta, estiola-se. Esta é a única revolução real (e não a revolução econômica ou social) e não pode ser feita pela vontade ou pelo pensamento. Só naquele estado de mutação, pode-se perceber o imensurável, algo de supremo, acima de toda tecnologia e todo reconhecimento.

Espero não tenhais adormecido! Quereis fazer perguntas?

PERGUNTA: Até onde tenho experimentado, o pensamento me condena ao isolamento, porquanto me impede a comunhão com as coisas que me cercam , e também de penetrar as raízes de meu ser. Por conseguinte, pergunto: Porque pensam os entes humanos? Qual a função do pensamento? E porque tanto exageramos a importância do pensar?

KRISHNAMURTI: Supus que isso já tivesse ficado para trás. Está bem, senhor, vou explicar.

Escutar meramente uma explicação não é ver o fato, e não podemos estar em comunhão por meio de uma explicação, a menos que ambos vejamos o fato e não o toquemos, isto é, nos abstenhamos de nele interferir. Então, estamos também em comunhão com o fato. Mas, se interpretais o fato de uma maneira e eu o interpreto diferentemente, não estamos em comunhão nem com o fato nem entre nós.

Ora, como surge o pensamento — o pensamento que isola, que não dá amor, o único meio de comunhão? E, como pode terminar esse pensamento? O pensamento — a totalidade do mecanismo do pensamento tem de ser compreendido, e essa própria compreensão é o seu fim. Examinemos isso.

Surge o pensamento, como reação, quando há um “desafio”. Se nenhum desafio houvesse, vós não pensaríeis. O desafio pode ter a forma de uma pergunta, trivial ou importante, e conforme a pergunta “respondemos”. No intervalo de tempo entre a pergunta e a resposta, começa o mecanismo de pensamento, não é verdade? Se me perguntais alguma coisa com que estou bem familiarizado, minha resposta é imediata. Se me perguntais onde moro, por exemplo, não há intervalo de tempo, porque não tenho de pensar nisso, e imediatamente respondo. Mas, se vossa pergunta é mais complexa há um intervalo (durante o qual fico rebuscando na memória) entre vossa pergunta e minha resposta. Podeis perguntar-me qual a distância entre a Terra e a Lua, e eu digo: “Será que sei alguma coisa a este respeito? Ah! se i...” — e, então, respondo. Entre vossa pergunta e minha resposta há um intervalo de tempo, durante o qual a memória se põe em funcionamento, fornecendo, por fim, a resposta. Assim, quando sou “desafiado”, minha “resposta” pode ser imediata ou pode necessitar de algum tempo. Se me perguntais algo a cujo respeito nada sei, o intervalo é muito mais longo. Digo: “Não sei, mas vou verificar”; e, não encontrando a resposta entre as coisas guardadas na memória, apelo para alguém, a fim de obter a informação, ou procuro-a num livro. Também aqui, durante esse longo intervalo, o “mecanismo de pensamento” está em função. Essas três fases nos são bem familiares.

Pois bem; há uma quarta fase que talvez desconheçais ou nunca tenhais encadeado às outras, e que é a seguinte: Vós me fazeis uma pergunta, e eu realmente não sei a resposta. Minha memória não tem registro dela, e eu não estou contando que outra pessoa me dê a resposta. Não tenho resposta nenhuma, e nenhuma expectativa. Com efeito, eu não sei. Não há intervalo de tempo e, por conseguinte, não há pensamento, porque a mente não está à procura de nada, nem esperando nada. Este estado é, com efeito, uma negação completa, um estado livre de todas as coisas que a mente tem conhecido. E só então o novo pode ser compreendido — sendo o novo o Supremo, ou outra qualquer palavra que preferirdes. Nesse estado, cessou todo o mecanismo do pensamento; não há observador nem coisa observada, não há experimentador nem coisa experimentada. Toda experiência cessou, e nesse silêncio total há completa mutação.

Krishnamurti, Saanen, 19 de julho de 1964,
A mente sem medo

quarta-feira, 11 de abril de 2018

A totalidade do mecanismo do conflito


A totalidade do mecanismo do conflito

Se me permitis, continuarei com o assunto de que está­ vamos tratando em nossa reunião de sexta-feira passada. Dizíamos então que era sumamente importante adotarmos uma nova maneira de pensar e, também, que era de toda a necessidade uma nova maneira de viver, neste mundo que se tornou tão superficial, com crescentes problemas e a constante perspectiva de tremendos perigos. Não denotamos perceber — principalmente neste país — quão grave é o problema. Aqui, achamo-nos em relativa segurança; talvez estejamos muito corrompidos, mas temos segurança. Temos nossos problemas: o nacionalismo se intensifica, enquanto noutros países está sendo repudiado; temos ainda líderes, quando noutros países os estão rejeitando; temos também a autoridade da posição, enquanto noutros países a autoridade está sendo posta em dúvida. Aqui muito se fala de religião, mas, na realidade, não somos religiosos, absolutamente; vivemos, como qualquer outro, superficialmente, interessados apenas em ganhar dinheiro, ter êxito, progredir, divertir-nos, como todos os demais habitantes deste mundo, embora falemos em alto som a respeito de Deus, etc.

Nessas condições, parece-me de essencial necessidade o advento de uma nova mentalidade. Não deixareis de reconhecer quanto é urgente essa necessidade, se observardes as condições mundiais, a geral superficialidade, os êxitos mecânicos, o progresso técnico, as tremendas influências postas em ação. Se observamos ainda mais atentamente essas condições, penetrando-as com certa profundeza, não podemos deixar de ver que é indispensável uma nova mentalidade. E essa nova qualidade não pode ser criada por nenhuma espécie de progresso técnico. Cumpre perceber isso bem claramente. E, se me permitis desejo estender-me mais um pouco sobre o que estava dizendo na última sexta-feira.

Como sabeis, vós sois o resultado do passado, de muitos dias que ficaram para trás. Sois o resultado de vosso ambiente, da sociedade em que fostes educados, da propaganda chamada religião que há séculos vem sendo instilada em vós. Podeis falar muito eloquentemente sobre as ideias religiosas e a influência ocidental na mente oriental, na vossa mente; mas tudo isso continua a ser muito perfunctório. Percebendo bem isso, qualquer pessoa verdadeiramente séria não pode deixar de perguntar a si própria: Para onde nos está levando tudo isso, qual a finalidade disso? Ao fazerdes com toda a seriedade esta pergunta, podereis retornar ao vosso condicionamento e responder que tudo “dará certo”, que se trata apenas de uma temporária mutação pela qual o homem está passando, e que no fim desta confusão tudo sairá certo, porque há Deus, porque há Justiça, Beleza, Amor. Mas tudo isso são só palavras sem muita significação. O homem faminto não se satisfaz com palavras: ele quer comida. Se fizerdes seriamente aquela pergunta a vós mesmo, vereis que, como já salientamos, sois o resultado do passado — o autêntico resultado — e que não há nada novo.

Toda tentativa para alcançar o novo é realmente uma reação do “velho”, projeção de uma certa parte do velho, sendo “o velho” a religião em que fostes criado, o meio cultural, a influência da família, da tradição, etc. Assim, não há nada novo. E, entretanto, as circunstâncias da vida — a crise atual, a presente confusão, miséria, sofrimento, fome — exigem o aparecimento de uma nova mentalidade; não de uma nova ordem de ideias, pois não se necessita de novas ideias ou ideais, porém, antes, de “um novo acesso à vida”, de todo diferente. E esse “novo acesso” não é de modo nenhum questão de tempo. Isto é, precisamos de mutação, de imediata transformação, de uma nova qualidade mental, para produzir uma ação de qualidade diferente, novos valores.

E como irá efetuar-se essa mutação? Era sobre isso que estávamos tentando falar na última sexta-feira, e desejo prosseguir com este tópico. Estivemos dizendo que é importante compreender um fato: o fato de que estamos imitando, de que estamos em busca de êxito, de que somos ambiciosos — que releva vermos esse fato. Porque o próprio ato de ver o fato produz a mutação. O próprio ato de ver uma certa coisa como um fato, sem emitir opinião, nem julgamento, sem condenação, produz o necessário ímpeto, a energia que operará a mutação. Talvez a maioria de vós não compreenda o significado desse ver, desse escutar. E desejo apreciar esse ponto, porquanto, para mim, o ato de ver, o ato de escutar constitui o único meio, o único instrumento que operará uma revolução, a transformação da mente.

Em maioria desejamos o bom êxito. Vou falar a esse respeito, a fim de ajudar-vos a ver o fato — não para o rejeitardes, não para o aceitardes: ajudar-vos a vê-lo, simplesmente. Em regra se adora o sucesso, o sucesso neste mundo; ou, também, desejamos ser bem sucedidos psicologicamente. E para se ser bem sucedido tem de haver imitação, cópia, continuidade do que foi. E, se observardes a vós mesmo, vereis ser isto o que desejais: sucesso; não só neste mundo, mas também interiormente aspirais a um resultado. E esse desejo de resultado implica, por certo, a observância de certo padrão, não é verdade? E quando tendes de observar um padrão, não há possibilidade de transformação fundamental. Todo afastamento do padrão gera medo. E, a fim de evitar o medo, seguis as linhas traçadas pela autoridade, e obedeceis a essa autoridade — que poderá ser o Gita, ou o líder político, ou o guru, ou quem quer que seja — a fim de terdes êxito, para estardes livres de perturbações, evitardes todo e qualquer conflito, sempre tendo em mente um resultado satisfatório, que represente um “sucesso”.[...]

Por que razão todos nós admitimos o conflito como parte da existência? Por que aceitamos o conflito como coisa essencial à vida? Se observardes vossa própria vida, vereis que estais em conflito, não só com vosso próximo e o mundo, mas também psicologicamente; interiormente vos achais num conflito muito maior. Não sabeis o que fazer. Ou, se sabeis o que deveis fazer, vós o fazeis; e o resultado é um problema, é sofrimento, atrito, luta. Tudo isso, como sabemos, é conflito; e estamos sempre procurando evitar esse conflito, fugir dele. Isso é um fato. Não estou tentando dizer-vos como ser livre de conflito — mostrar-vos o caminho, a via de fuga. A fuga, a coisa para a qual fugimos, se torna muito mais importante do que o próprio conflito. Essa coisa — bebida, vossa igreja, vossos deuses, sexo, poder, ambição — se torna importante; tudo isso representa uma fuga do fato de que estais em conflito. Eis a realidade. Por favor, vede esse fato; vede-o no sentido que dou à palavra “ver”; não negueis, não digais: “Que devo fazer com esse fato?”, “Como poderei fugir dele?”; vede o fato de que estais em conflito e de que há esse impulso a fugir do conflito. E que, depois de fugirdes, a coisa para a qual fugistes se torna de suma importância. Vossa religião, vosso nacionalismo, vosso guru, os ideais, os santos — tudo isso são fugas do fato central de que vos achais em conflito, de que vos achais em sofrimento.

Ora, como surge o conflito — não apenas os pequenos conflitos da vida diária, mas também os profundos conflitos interiores, os conflitos inconscientes e conscientes, que ficaram sem solução? Como surge esse conflito? Notai mais uma vez que não deveis aceitar nem rejeitar isso, mas, sim, verificar se o orador está dizendo a verdade, verificar — não concordar — se estais em conflito. Se estais realmente apercebido de vossas próprias condições, deveis ficar apercebido de estardes em conflito. Estais em conflito; por quê? Há conflito, porque há contradição. Quereis fazer uma certa coisa e ao mesmo tempo desejais fazer o oposto dela; isso é uma contradição, como o é o amor e o ódio, o ser ambicioso e ao mesmo tempo fingir-se não ambicioso, o desejar ser rico e simultaneamente fazer o mesmo jogo do político simulando pobreza. Há o fato, “o que sois”, e a ideia de “o que deveríeis ser”; o fato do que realmente é e a ideia do que deveria ser — uma contradição. Sois educado na ideia do que “deveríeis ser”, e de que não deveis enfrentar o fato. Sois educados para serdes não violentos e nunca enfrentardes o fato de que sois violentos. É o que se vem ensinando neste país há anos e anos: que deveis ser não violentos que deveis ser idealistas. E os ideais se tornam mais importantes do que “o que é”. Assim, entre o que é e o que deveria ser abre-se um vão, e o esforço para lançar uma ponte sobre esse vão gera conflito. Observai a vós mesmo. Estou apenas pondo em palavras aquilo que constitui o fato real.

É assim que surge a contradição; da contradição surge o conflito e, depois, vem o esforço. Gostamos de fazer esforços. Para nós o esforço é muito importante. Tudo o que fazemos é resultado de esforço. Isso é um fato. É o que estamos acostumados a fazer. Por que devemos forcejar?

Não é possível viver-se neste mundo sem esforço algum? Só podeis responder a esta pergunta se compreenderdes a totalidade do mecanismo do conflito, tanto exterior como interiormente — conflito entre nações e entre as pessoas, exteriormente; e o conflito, a profunda ansiedade interior. E, quando há conflito, há esse esforço para dominá-lo. Por conseguinte, o conflito surge por causa da contradição. E havendo contradição, com os sofrimentos, as agitações e ansiedades que a acompanham, há o impulso para se fazer esforço a fim de dominar esse conflito; e neste círculo ficamos presos. E todo o nosso interesse se concentra em fugirmos desse fato, resultando, daí, consequentemente, mais conflito — mais esforço em nossas práticas religiosas, com o fim de disciplinar, de moldar, compelir, renunciar, obedecer. Dessa maneira, nossa mente nunca se acha quieta, nunca é capaz de olhar qualquer coisa, de escutar qualquer coisa plenamente, completamente. Ela está sempre agitada.

E como pode a mente agitada compreender o que quer que seja? A vida é uma coisa imensa que precisa ser compreendida. A vida não é simplesmente exercer emprego, gerar filhos, não é meramente sexo, meramente prosperidade; a vida não é uma série de êxitos, não é o preenchimento de ambições; ela é muito mais do que tudo isso. A vida é também investigação, para descobrir se há ou se não há Deus, algo que se encontra além das palavras; para descobrir se o amor existe; descobrir como enfrentar e compreender o desespero, o sentimento de culpa, o imenso sofrimento, a ansiedade jacente no coração do homem. Tudo isso é a vida. E, para compreendê-la, necessita-se de uma mente serena, não uma mente talada pelo conflito, pela agitação.

E que acontece quando nos vemos frente a frente com tudo isso? Volvemos ao passado, ou recorremos a um certo livro, uma certa autoridade; e pensamos ter compreendido toda essa enorme complexidade seguindo uma certa fórmula absurda, ou o Gita, ou um guru, este ou aquele livro. Mas, para compreenderdes essa imensidade é necessário uma revolução em vossa mente — não revolução econômica e social, porém, sim, mutação da qualidade da mente. Essa mutação não pode ser efetuada por volição, porque, quanto mais recorrerdes ao passado, tanto mais condicionamento haverá e, por conseguinte, nenhuma possibilidade de mutação. Vede pois o fato — que é tudo isso — vede quanto nos tornamos mecanizados.

A virtude perdeu seu significado, pois qualquer um pode tornar-se virtuoso com ingerir certas substâncias químicas. Não sei se tendes visto tudo o que se está passando no mundo. A pessoa pode tomar uma pílula e tornar-se tranquila. A tranquilidade, portanto, perdeu sua significação. Podeis tomar um comprimido, um preparado químico, para vos tornardes menos irritadiço, menos ciumento, menos rancoroso, etc. Se sois sexualmente apaixonado, podeis tomar uma pílula e acalmar o amor. Perderam, pois, as virtudes o seu significado. E os computadores, os cérebros mecânicos, essas extraordinárias máquinas eletrônicas estão-se encarregando de pensar por nós; e, de fato, se desempenham de suas tarefas bem melhor ido que o homem. E a ‘'automatização” — máquinas que farão funcionar outras máquinas — está também prestes a surgir. Estamo-nos tornando — não só aqui na Índia, mas também no resto do mundo — muito superficiais, porque nos estamos mecanizando. Considerando-se tudo isso, que são fatos e não invenções minhas, os deuses já nada significam, as religiões perderam toda a sua importância; e estamos na expectativa de iminentes perigos. O futuro é desconhecido; o que tendes é unicamente o passado, e nada mais — o passado, constituído pelo que conheceis, pelo que aprendestes, o passado relativo à bomba atômica, à vossa tradição, etc. etc. Eis o que tendes. Vossa mente é só isso, e nada mais.

Ora, como operar, dessa base, aquela extraordinária mutação, aquela revolução radical? Este é que é o verdadeiro problema. Espero tenhais compreendido a pergunta; não se trata de “o que se deve fazer”. Devemos primeiramente compreender a pergunta e seu verdadeiro significado. Vede, senhores, vós ledes o Gita, sois cristãos, budistas, maometanos ou o que mais seja. O que faz a diferença não é o que o Gita diz, mas o que realmente sois; não são vossos turbantes e casacos, vossa erudição e saber, mas o que sois. Se isso vos é retirado, resta-vos apenas o passado, algo que já existiu, algo que conhecestes, enfim, o mecanismo do passado. E tudo o que fizerdes com base no passado condicionará o futuro e, por conseguinte, será ainda o passado.

Vede, por favor, a importância do que se está dizendo. Se fizerdes qualquer esforço para operar a mutação — e essa mutação é absolutamente necessária no mundo atual — esse impulso provirá do passado e, por conseguinte, condicionará a mutação, que, portanto, já não será mutação, e, sim, meramente, um prolongamento do passado. O que verdadeiramente nos interessa é a mutação, uma mente nova, capaz de perceber a totalidade da existência, e não simplesmente uma parte dela. Houve tempo em que vos diziam, neste país, que não devíeis ser provincialistas, separando-vos do resto da nação; e é estranho constatar que agora vos estais tornando nacionalistas, mas continuais divididos. O que vos deve interessar é o todo da vida; não a Índia, os hindus ou os budistas, mas o homem, o futuro do homem, a mente do homem, de que também fazeis parte. Assim, ao perceberdes esse fato, esse percebimento deve obrigar-vos a indagar fundamentalmente. Mas, se procurardes resposta para aquela pergunta, a resposta procederá do passado; assim, deveis fazer a pergunta sem procurar resposta. E isso é dificílimo: limitar-se a fazer a pergunta, e investigar.

Nosso problema, portanto, é este: Há necessidade de uma radical revolução interior, na mente, na consciência. Ao verificar-se essa revolução, ela atuará na esfera social e econômica, e de forma singular. Ora, como promover essa revolução? Estou empregando a palavra “como”, não para sugerir um método, um sistema— pois, se tendes algum método ou sistema, isso faz parte ainda do passado; estou empregando-a apenas como meio de investigação e não como meio de oferecer um sistema. Como promover essa revolução?

Em primeiro lugar, para se viver plenamente, para se ver claramente qualquer coisa, é preciso que não haja conflito de espécie alguma; por conseguinte, deve haver compreensão de todo o problema da contradição — e isso significa investigar, observar as operações da própria mente e ver que qualquer forma de ambição, de ordem externa ou interna, produz contradição. Sempre que há preenchimento pessoal, sempre que há impulso para o preenchimento — impulso para ser isto ou não ser aquilo — nesse próprio desejo de preenchimento há contradição, ou seja, frustração. Deste modo, a ambição, o sucesso, o preenchimento implicam frustração, e da frustração resulta conflito. Tudo isso são fatos psicológicos, e não invenções minhas. Se vos observardes, verificareis serem esses os fatos que estão ocorrendo.

Assim, a mente que está procurando compreender o que a mutação implica já deixou de ser ambiciosa. Perguntareis, então: Como pode essa mente viver neste mundo — este mundo feito de conflito, de ambição, de crueldade, em que cada um só cuida de si — como pode a mente não ambiciosa viver neste mundo? Não pode. Por conseguinte, quando tiverdes compreendido e abandonado completamente a ambição, vereis que podereis viver sem os preceitos da velha sociedade, pois tereis criado um novo mundo. Compreendeis, senhores, o que estamos dizendo? Um novo mundo precisa vir à existência. E não podereis criar um novo mundo, se apenas dizeis: “Tenho de ajustar-me, para viver neste mundo”. Vós tendes de destruir esta sociedade, para criardes um mundo novo. Não estou falando da destruição de construções, porém da destruição dos valores sociais. E isso não desejais fazer, porque temeis; por conseguinte, novamente vos vedes envolvido em conflito.

Tendes, pois, de ver com clareza que, havendo ambição de qualquer espécie, há também conflito, sofrimento. Mas, como sabeis, somos criados na ambição, na competição. Todo escolar é ensinado a competir. Ensina-se-lhe a adorar o êxito. E como rejeitareis todo esse padrão, o padrão em que fostes educado? Vós o rejeitareis quando perceberdes a importância de rejeitá-lo, quando estiverdes enfrentando uma crise. E a crise atual reclama uma mente nova. É o que ela reclama, e não uma maneira de reformar o velho padrão. Assim, uma vez apercebido da crise, uma, vez apercebido de tudo o que a ambição implica, após terdes penetrado a fundo em vós mesmo para descobrirdes a fonte da ambição — porque sois ambicioso, porque há competição, luta, ânsia de posição, de prestígio pessoal — depois de terdes compreendido toda a anatomia da ambição, ou ficareis com a ambição e suas crueldades, ou saireis dela. E o homem que “saiu” dela cria uma mente nova, um pensar de nova qualidade.

Assim, o que deveras nos interessa é perceber a importância dessa profunda revolução interior e descobrir se ela é possível, ou não, a cada um de nós. A época a exige, as circunstâncias também, vossa própria vida a impõe; e o extraordinário nisso é que não há tempo. Não podeis dizer: “com o tempo eu mudarei, acumularei a energia necessária para efetuar a mutação”. O tempo não vos dá energia. O tempo vos rouba energia; envelheceis, definhais. O que vos dá energia para investigar profundamente é o enfrentar o fato, simplesmente enfrentar o fato, qualquer que seja ele. E vereis que, do enfrentar o fato, nasce a energia. Ela não nasce da negação do fato; esta nunca dá energia. E vós necessitais de tremenda energia, porque não só é necessário enfrentar e compreender as trivialidades da vida, mas é necessário também ultrapassá-las. Há ainda outra coisa mais significativa e que requer toda a vossa atenção: Precisais descobrir por vós mesmo, não por meio de palavras, porém realmente, se alguma coisa existe além dos limites da mente, algo chamado o Imensurável, que transcende a morte, as palavras, o pensamento. Se não descobrimos isso, a vida se torna bem superficial, mecânica; e ela é então toda de sofrimentos e agitações. E para o descobrirdes, necessitais de imensa energia.

Mas essa energia só pode vir quando compreendida a “qualidade de ver”, a “qualidade de escutar”, quando a pessoa é capaz de olhar os fatos, olhar o próprio ciúme, a própria ambição, olhar as próprias paixões e todos os absurdos de que se cercou e a que chama “religião”. E quando temos a capacidade de enfrentar esses fatos e de não reagir, desse enfrentar resulta energia. E é essa qualidade de energia que opera a mutação. E só então a mente se torna algo extraordinário; já não é produto do ambiente, já não é produto da experiência. Fica então apta a renovar-se constantemente; passa a ter aquela qualidade denominada juventude, inocência. E ela necessita dessa qualidade que é a inocência, a perfeita humildade, a fim de descobrir o que se acha além das palavras, além do pensamento, além do tempo.

Krishnamurti, Nova Déli, 28 de janeiro de 1962, A mutação Interior


terça-feira, 10 de abril de 2018

A revolução radical na qualidade mental


A revolução radical na qualidade mental

[...] As ideias são tão só pensamento verbalizado e, em si, elas pouco significam. Não podem produzir transformação radical, transformar de todo a mente. E aqueles que dependem das ideias para estimulá-los a transformar-se sairão deste acampamento de mãos vazias, porquanto aqui não nos ocupamos com ideias. Estamos tratando de coisa mais profunda, mais duradoura, e que significa uma revolução radical na qualidade da própria mente. E essa revolução não pode ser produzida com palavras, nem com ideias. As palavras têm um significado. Palavras não são coisas; e as ideias — se as observamos bem — se ajustam a um padrão de pensamento. E ideias e palavras não têm nenhum papel significativo e profundo em nossas vidas — pelo menos não o têm na vida dos homens profundamente refletidos e sérios. Assim, desde o começo, devemos compreender-nos mutuamente.

Não tem por fim esta reunião converter-vos a qualquer ideia ou modo de pensar individual. Pelo contrário, iremos examinar questões às quais tereis de aplicar o vosso ser inteiro; e não devereis — numa base meramente intelectual — aceitar ou rejeitar certas palavras. Cumpre, também, ter sempre presente que não estamos falando como autoridade. Não há autoridade em questões espirituais; não há seguir, não há guia, não há guru. Cada um tem de descobrir por si mesmo a luz. E o que durante estas palestras iremos tentar é, não só esclarecer para nós mesmos os empecilhos que nos são impostos pela sociedade, mas também descobrir o cativeiro em que a mente está sendo mantida.

Nessas condições, iremos investigar, principalmente, de que maneira fazer nascer uma mente nova e de todo diferente, uma diferente maneira de pensar, uma atitude diversa, uma nova ordem de valores. E para tal necessita-se de um pensar claro e preciso; necessita-se também de capacidade para enfrentar a vida inteiramente só. E isso, por certo, não se consegue com a “mente coletiva”, pois esta nunca será capaz de revolução. Só a mente individual, a mente não enredada na sociedade, na tradição social, nas práticas da sociedade — é capaz de revolução. Necessita-se de individualidade para haver uma revolução radical, e não de simples ajustamento a padrão estabelecido pela sociedade. A mente individual tem a possibilidade de fazer o necessário para operar uma transformação duradoura, revolucionária, no mundo.

Cumpre-nos, pois, diferençar entre “ação coletiva” e “ação individual”. Nós não somos verdadeiros indivíduos; somos o resultado do “coletivo”. Vós sois o resultado de vossa sociedade, da religião, da educação, do clima, da alimentação, dos trajos, da tradição, do meio em que fostes educado — sois isso, exatamente. E pensardes que sois um “indivíduo” constitui verdadeiro absurdo, como vereis, se investigardes profundamente a questão. Podeis ter um nome, um corpo diferente, uma conta no banco, certas qualidades superficiais; mas, essencialmente, a totalidade de vossa mente está bem condicionada pela sociedade em que foi educada. E a capacidade de perceber essa condição e de romper a crosta secular do passado — essa é a qualidade, a intensidade, a compreensão que faz nascer a individualidade. Porque só a entidade individual, e não a coletiva, é capaz de descobrir o que é real. Só a mente individual, e não a coletiva, pode verificar se há, ou se não há aquilo que se chama “Deus”. A mente coletiva só sabe repetir a palavra; mas a palavra “deus” não é Deus. A mente “coletiva” pode ler o Gita, citar os Upanishads e todas as autoridades religiosas; mas essa mente nunca descobrirá o Verdadeiro. Só a mente que rompeu com a tradição, que destroçou os valores impostos pela sociedade, que se libertou do passado — só ela é capaz de descobrir.

E o que nos interessa é descobrimento, e não asserções, acordos ou desacordos. Nós mesmos é que temos de descobrir. Mas é quase impossível descobrir o verdadeiro, descobrir se existe o atemporal, além dos limites da mente — se pertenceis a alguma religião, se sois hinduísta, parsi, sikh, cristão, se pertenceis a qualquer religião organizada; porque crença e dogma são, essencialmente, obstáculos ao descobrimento. Só a mente que percebe todas ás falsidades e influências condicionadoras dessa propaganda rotulada de “religião” — só essa mente pode libertar-se, descobrir.

Mas isso requer muita penetração, muita investigação, vigilância, percebimento das coisas como são, e não mera aceitação ou rejeição puramente intelectual. Porque o aceitar ou rejeitar é simples questão de intercâmbio verbal. Mas, se realmente empreendemos o trabalho de descobrir — e nós precisamos descobrir — temos de pôr em dúvida todas as instituições. Pois todos devemos tornar-nos cônscios da situação mundial, da geral deterioração. As religiões falharam completamente. A educação não trouxe a paz ao mundo, embora se pensasse, outrora, que, dando-se instrução ao homem, ele se tornaria tão civilizado que deixaria de haver guerras, já não haveria nacionalidades. Mas tudo isso se foi “por água abaixo”, porquanto, com os atuais meios de intercomunicação, está-se verificando extraordinária mutação. A rapidez com que se está processando essa mutação é bem mais significativa do que a própria mutação. E não há paz neste mundo, e nenhum político, de qualquer espécie que seja, jamais conseguirá trazer a paz ao mundo. Isso porque os políticos — tal como a generalidade das pessoas, que também são parcialmente políticas — estão interessados principalmente nos problemas imediatos: o imediato bem-estar, a ação imediata, sem se preocupar com a perspectiva. Observando vossa própria vida, podereis ver que não sentis interesse na totalidade da vida, só vos interessando o “imediato” — vosso emprego, vossa posição, vossa família, etc. — tudo isso dentro dos limites do “imediato”. O político é obviamente um homem interessado nas coisas imediatas. E os chamados líderes sociais e religiosos estão igualmente interessados no “imediato”.

Mas é necessário promover uma revolução radical. Pode uma pessoa não estar apercebida da atual deterioração mental. Entretanto, se observardes, vereis que há cada vez menos liberdade no mundo. As democracias falam de liberdade; mas todos têm de submeter-se às regras do partido, ou à tradição. E a observância da tradição é, evidentemente, uma coisa fatal, porque impossibilita o homem de ver claramente, de discernir profundamente. E, em vista não só do estado em que se acha o mundo, mas também da angústia e da confusão nele reinantes, os que pensam com certa clareza tratam de negar a importância dos líderes e da autoridade; e o resultado é mais confusão, mais conflito e, por conseguinte, mais deterioração.

Estou certo de que tendes feito a vós mesmos esta pergunta: Que se deve fazer num mundo que se acha em rápido declínio; que se pode fazer a respeito da guerra, da ameaça da bomba, da tirania e do cerceamento da liberdade; e que pode fazer um indivíduo em face do problema da fome em todo o Oriente, da pobreza, da degradação, da geral desumanidade? Que podemos, vós e eu, fazer? Ou a ação cabe ao Governo e em nada concerne ao indivíduo? E, também, deveis ter perguntado a vós mesmos: Vendo-se o mundo como é, existe alguma realidade, uma coisa que se possa “experimentar”, descobrir? Estas perguntas só podem ser feitas quando a pessoa está muito profundamente insatisfeita, em profundo descontentamento. Mas a maioria de nós, quando nos vemos descontentes, encontramos fáceis possibilidades de nos contentarmos, fáceis maneiras de nos satisfazermos. E não sei se tendes notado que, quanto maior a confusão, quanto maior a incerteza, tanto maior se torna a busca de autoridade, tanto maior o desejo de apoiar-nos nas coisas do passado. E, observando tudo isso, observando os fatos que estão realmente sucedendo — os fatos, e não as opiniões relativas aos fatos, não o vosso concordar ou vossa tradução dos fatos em conformidade com vosso fundo — torna-se evidente a necessidade de terdes uma mente nova, para enfrentar esses fatos, para compreendê-los e instituir uma diferente maneira de viver.

Sem dúvida, o problema é que há um imenso acúmulo de conhecimentos provenientes dos séculos passados, o peso do passado diante do futuro, que é desconhecido, uma parede lisa, que desconheceis completamente, mas o traduzis nos termos do pretérito e, por conseguinte, pensais conhecê-lo. Mas, realmente, não o conheceis. E esse me parece ser o problema central para o homem que realmente sentiu e, profundamente, fez a si próprio perguntas irrespondíveis — pois a maioria das pessoas faz perguntas com o fim de encontrar as respostas.

Permita-me dizer, aqui, que há uma maneira de escutar, e uma maneira de apenas ouvir palavras. A capacidade de escutar é uma arte, porque, quando escutamos, escutamos sem traduzir, sem interpretar. Escutamos, então, não com o fim de concordar ou discordar, pois isso é falta de madureza; mas para realmente descobrir. Portanto, deveis escutar. Mas não podeis escutar, se ficais traduzindo o que ouvis em termos do que já conheceis, daquilo com que estais familiarizado. Talvez desconheçais o que se está dizendo; por conseguinte, deveis escutá-lo sem o interpretardes consoante o vosso fundo, pois, se assim estais fazendo, cessastes de escutar. Tenho dúvidas sobre se já alguma vez escutamos alguma coisa! Em geral, não desejamos escutar, porque isso é muito perigoso: temos medo de despedaçar as coisas que nos são caras, as coisas com que estamos habituados. Assim, limitamo-nos a ouvir palavras, para, intelectualmente, concordar ou discordar. E dizemos, então: “Como juntar a ação àquilo que pensamos? Intelectualmente concordamos com o que estais dizendo, mas como pô-lo em prática?” Tal coisa não existe: compreensão intelectual; o que estais dizendo significa apenas que ouvis as palavras e que elas têm certos significados idênticos aos que conheceis; e essa identidade de significados é o que chamais compreensão, concordância intelectual. Não há concordância intelectual, tal coisa não existe. Ou compreendeis ou não compreendeis.

E para compreender profundamente, realmente, com todo o vosso ser, tendes de escutar. Já escutastes vossa esposa, vosso marido, vosso filho, ou mesmo vosso patrão? Nós não ousamos escutar. E quando tentardes fazê-lo (talvez o deixeis para outra ocasião ou talvez o façais aqui), vereis que no próprio ato de escutar se verifica uma profunda transformação. O próprio ato de escutar, e não o de concordar com uma ideia, produz essa transformação. Se assim escutais, se escutais com todo o vosso ser — com todos os vossos sentidos, vossa mente, vosso coração — se escutais totalmente o que vos dizem, o que sentis, ficais aptos a discernir o que é verdadeiro e o que é falso. E, escutando, descobrireis por vós mesmo o verdadeiro, pois o ato de escutar é o ato de descobrimento do fato. Entretanto, estamos sempre evitando o fato, qualquer que ele seja, porque temos opiniões a seu respeito. Nunca o olhamos, porque desejamos fazer alguma coisa a respeito dele, procuramos organizar-nos de maneira que possamos atuar sobre o fato.

Consideremos uma coisa muito simples que está ocorrendo neste desafortunado país: a doença do nacionalismo. Os políticos estão-lhe avivando a chama. E, se observardes, vereis que o fato é que as nacionalidades estão sempre em guerra entre si, e que elas são responsáveis pelas guerras. A veneração da bandeira é um símbolo. E o símbolo, segundo se supõe, cria a unidade. Mas ele, com efeito, não dá de modo nenhum unidade ao mundo. Bem ao contrário, as bandeiras estão separando os homens, tal como o têm feito as religiões. Isso é um fato. Quer o admitais, quer não, é um fato. Esse fato está ocorrendo em nosso país; esse veneno, que nunca existiu aqui, está-nos sendo inoculado na mente, a fim de se criar a unidade. Mas a unidade não pode ser criada com uma bandeira. Não se pode criar a unidade mediante um símbolo. Um símbolo é mera palavra, não é a coisa real. E para enfrentardes esse fato, para descobrirdes o que é verdadeiro, necessitais de toda a vossa capacidade, toda a vossa inteligência. E isso significa que deveis dissociar-vos completamente do “coletivo”. Mas tal é dificílimo, porque correis o risco de perder o emprego, de vos indispordes com vossa família; poderá haver um sem-número de obstáculos inconscientes a vos impedirem de olhar o fato.

Consideremos outro fato muito simples. Vós vos denominais hinduístas, sikhs, muçulmanos, e sabe Deus o que mais. Por meio de secular propaganda fizeram-vos pensar que sois isto e aquilo. Mas isso não vos faz ser uma pessoa religiosa, não vos dá a qualidade da verdadeira mente religiosa. Obedeceis ao padrão da religião organizada — dessa suposta religião, que tem doutrinas, crenças e dogmas religiosos. E, agora, para enfrentardes esse fato, deveis escutar, para conhecer a qualidade da verdadeira mente religiosa. E, quando assim escutais, isso significa que estais começando a dissociar-vos da propaganda a que chamam religião.

Nessas condições, senhores, para poderdes efetuar a transformação interior de vós mesmos e, portanto, do mundo, não deverá essa transformação proceder de nenhuma compulsão, nem de concordâncias, nem de palavras e argumentos intelectuais, porém do descobrimento do verdadeiro, realizado por vós mesmos (pois ninguém vo-lo pode mostrar) mediante o percebimento próprio. Podeis dizer que estais de acordo, por enquanto, intelectualmente, talvez. Mas, depois de vos irdes daqui, continuareis a ser hinduísta, continuareis a ser cristão, sikh, muçulmano, ou quaisquer que sejam vossos títulos e rótulos. Mas, se realmente vos escutardes, escutardes o “mecanismo” de vosso próprio pensar, observardes os fatos, vereis então que já não fazeis parte do “coletivo”, nem da tradição, já em processo de dissolução. E essa libertação não resulta de esforço consciente, pois esforço consciente é mera reação, e toda reação provoca novas reações.

Estais, pois, escutando o que aqui se está dizendo — quer dizer, estais realmente escutando a vós mesmo, e não ao orador. O orador só vos está dando indicações por meio de palavras. Mas, se seguis apenas as palavras e seus significados, elas não vos levarão longe. Mas, escutando, vereis de frente o fato da deterioração que, mais rápida, talvez, do que nunca, está ocorrendo no mundo; vereis que o mundo está caindo nas mãos dos políticos, dos tiranos, dos reacionários. Com a palavra “reacionários” refiro-me aos que se intitulam revolucionários mas são verdadeiramente tirânicos por causa da reação, porquanto baseiam na reação todas as suas atividades e pensamentos. O comunismo, por exemplo, é uma reação ao capitalismo. E reação significa apenas reavivar, de forma modificada, o passado.

Assim sendo, observando-se tudo isso — que a religião perdeu todo o seu significado, que a educação está formando técnicos e não entes humanos, que a existência moderna é extremamente superficial — que cumpre fazer? Como encontrar uma saída desse matagal, desse caos? Tudo depende da maneira como fazeis essa pergunta. Podeis fazê-la em consequência de reação e encontrar, assim, uma resposta que será também reação; ou podeis fazê-la sem esperar resposta alguma. Ao fazerdes uma pergunta sem esperar resposta, pois não há resposta, sois reenviado a vós mesmo e, por conseguinte, tendes de indagar dentro em vós mesmo e não fora de vós.[...]

Assim, impende compreender por nós mesmos, e para isso precisamos investigar o estado de nossa própria mente — não tentando “resolver” o estado da mente, porém, sim, compreendê-lo. É necessário compreendê-lo. Com a palavra “compreender” quero dizer: olhar as coisas sem condenação, olhá-las sem avaliação — o que é dificílimo para a maioria das pessoas, senão todas; olhar, ver, escutar, sem introduzir opiniões, juízos, condenações e justificações: olhar apenas. Não sei se já alguma vez fizestes isto — olhar sem pensamento, olhar uma flor sem lhe aplicar todos os vossos conhecimentos de botânica — olhá-la, simplesmente. Se o experimentardes, vereis quanto isso é difícil, pois a mente é escrava das palavras. A palavra é mais significativa para a maioria de nós do que o fato. E, enquanto a mente for escrava de palavras, de conclusões, de ideias, será totalmente incapaz de olhar e compreender.

Compreender um fato não é ter opinião a respeito dele, mas, sim, ter a capacidade de olhá-lo — olhá-lo sem julgamento, sem a palavra. Não sei se já alguma vez olhastes para uma ave ou uma árvore, ou para a esqualidez, a imundície das ruas. Estou empregando as palavras “esqualidez” e “imundície” no sentido lexicográfico, sem lhes emprestar nenhum conteúdo emocional. Porque, vede bem, se estais apto a olhar, deixa de haver medo. Não há temor ao serdes capaz de olhar, capaz de olhar a vós mesmo. E precisais olhar dessa maneira, pois só assim podereis conhecer-vos. Se não vos conheceis, nenhuma razão tendes para pensar, nenhuma base tendes para o pensamento, pois sois um mero autômato, que pensa o que se lhe manda pensar. Mas, se fordes capaz de observar-vos, de observar vossos modos de ser, vosso pensar, vossas atividades, observar como olhais as pessoas, o que vedes, o que fazeis, como falais — tudo isso — descobrireis então que essa observação, esse ver, esse total percebimento é energia, é a chama que consome o passado.

E vereis então, por vós mesmo, que a mente penetrou fundo em si própria. A mente tem de penetrar em si mesma profundamente, porque o fomento da educação, do progresso, da industrialização, nos está tornando cada vez mais superficiais. E a vida não é só indústria, não é só exercer um emprego, ganhar dinheiro e gerar filhos. A vida é coisa bem mais grandiosa do que tudo isso, incluindo também tudo isso. Mas o menor não pode conter o maior; o maior é que contém o menor. Entretanto, aparentemente, contentamo-nos com o menor e, por conseguinte, estamos interessados no “imediato”. E a vida se está tornando sobremodo superficial. Pensais que ir semanal ou diariamente a uma cerimônia hinduísta, a isto ou àquilo, vos torna muito “direto”, pensais ser muito atilado porque lestes uns tantos livros; mas tudo isso é muito superficial. O profundo não se encontra em nenhum livro, ainda que seja o Gita ou os Upanishads. Não se encontra em nenhum guru, nenhum templo ou igreja. Cumpre ser encontrado dentro de vós mesmos. Tendes de penetrar muito, penetrar profundamente em vós mesmo, passo por passo, observando cada movimento de vosso ser, cada ação, cada sentimento. E vereis então que não há limite, que nunca se alcança o fundo daquilo que vedes.

Por certo, só a mente que de todo se dissociou da sociedade, da tradição, que se tornou capaz de estar completamente só, só ela pode descobrir se existe o inefável, o incognoscível. E existe. Digo que existe; mas isso nenhum valor tem para vós, absolutamente, porque vós é que tendes de descobri-lo. O laboratório sois vós mesmo; cabe-vos demolir, destruir tudo, para poderdes descobrir. Essa é a única revolução interessante, de profunda significação; não o é a revolução econômica, a revolução social, a revolução industrial a que estamos assistindo neste país.

Só há uma revolução: a revolução da mente, a revolução da consciência; e essa revolução não se realiza com discussões, com palavras, com inferências e conclusões. Essa revolução chega, profunda, duradoura, precisa, ao penetrardes em vós mesmo, sem aceitar coisa alguma e, por conseguinte, contestando tudo. E, com esse próprio contestar, que não é busca de nenhuma resposta, descobrireis que uma extraordinária revolução ocorrerá sem esforço algum. E só então a mente pode descobrir por si mesma se há, ou não, o atemporal.

Krishnamurti, Nova Déli, 21 de janeiro de 1961, A mutação Interior

Como pode uma pessoa saber se mudou?


Como pode uma pessoa saber se mudou?

PERGUNTA: Como pode uma pessoa saber se mudou?

KRISHNAMURTI: Esse cavalheiro pergunta: Como pode uma pessoa saber se mudou? Ainda que se trate de uma mudança salutar produzida pelos fatos externos — não é ela desejável? Como se sabe de qualquer coisa? “Como sabe um indivíduo que mudou?” é uma pergunta importante — assim o diz o referido cavalheiro. Vamos examiná-la. Como se sabe disso? Sabe-se, quer por experiência direta, quer por intermédio de outrem. Só há duas possibilidades de sabê-lo: ou alguém vo-lo diz, ou vós mesmo experimentais o fato.

Ora, pode a experiência servir-nos de critério, fazer-nos saber? Vossa experiência vos dirá o que é verdadeiro? Vossa experiência é a reação a um desafio, e essa experiência está condicionada ao vosso fundo. Por certo, “respondeis” a cada desafio em conformidade com vosso fundo; e o vosso fundo resulta de inumeráveis influências, de milênios de propaganda; essa propaganda pode ser boa ou pode ser má. Esse fundo provém de vosso condicionamento, esse fundo é vosso condicionamento; e, de acordo com esse condicionamento, “respondeis” a cada desafio, por mais insignificante que seja. É esse o critério do que é bom e do que é mau? Ou o que é bom, realmente salutar, se encontra fora do condicionamento? Entendeis? Este país começa agora a cultuar bandeiras, a adquirir consciência nacional; essa a nova espécie de condicionamento que se está verificando aqui. O nacionalismo, evidentemente, é um veneno, porque irá separar o homem do homem. Em nome da bandeira iremos destruir vidas humanas, não só neste país, mas também noutros países. Pensamos que ele (o nacionalismo) será o “toque de reunir”, o fator que unirá os homens; esta é a mais recente influência, a mais nova forma de pressão, a mais nova propaganda. Ora, se não a contestamos, se aceitamos passivamente a influência da imprensa ou dos líderes políticos, como giremos descobrir se ela é justa, se verdadeira ou falsa, nobre ou ignóbil? Não há influência que seja boa; e toda influência pode ser má. Por conseguinte, vossa mente precisa ser cortante como uma navalha, para penetrar, descobrir, e conservar-se sã num mundo onde se rende culto às coisas falsas.

Eis por que deveis investigar o vosso próprio condicionamento; e essa investigação é o começo do autoconhecimento.

PERGUNTA: Podemos conservar a mente livre quando estamos em contato com a natureza?

KRISHNAMURTI: Pergunta esse cavalheiro: É possível uma pessoa ser livre ao achar-se em contato com a natureza? Não compreendo bem esta pergunta. Talvez ele queira dizer que estamos sendo constantemente estimulados pelos fatos externos, por nossos sentidos e que cada estímulo deixa marca na mente, na forma de lembrança; e como pode uma pessoa ficar livre dessa lembrança? Isto é — deixai-me esclarecer a pergunta para mim mesmo — como pode um ente humano que a todas as horas está recebendo “desafios”, na forma de estímulos, e reagindo a esses desafios, consciente ou inconscientemente, com seu próprio fundo, com sua memória — como pode a mente, em tais condições, ser livre? Tem ela possibilidade de ser livre?

Ora, posso formular a pergunta de outra maneira? Não vou fugir à pergunta, mas, sim, apenas formulá-la diferentemente. Toda experiência deixa marca na mente, na forma de lembrança; qualquer experiência, consciente ou inconsciente, deixa um “arranhão”, que chamamos lembrança, memória; e, enquanto essa memória funciona, pode a mente ser livre?

Que necessidade há de memória? Preciso dela para saber onde moro; do contrário não poderia regressar a casa. É também necessário para a construção de uma casa, para se andar de bicicleta, acionar um motor. Dessa forma, a memória é essencial em relação às coisas mecânicas; e é por isso que críamos hábitos; uma vez formado um hábito, funciono sem pensar, maquinalmente. Assim sendo, nossa vida se torna gradualmente mecânica, mercê do hábito, da memória, das chamadas experiências, que deixam marcas. Distingamos, pois, entre a necessidade da memória mecânica e a daquela memória prejudicial à compreensão. Eu preciso saber escrever— essa memória é boa. O inglês que estou falando resulta da memória, e é indispensável para que eu possa comunicar-me convosco; o conhecimento técnico que adquiri, o saber fazer as coisas, é-me necessário para dirigir um escritório, trabalhar numa fábrica, etc. Mas, quando a sociedade, por meio da cultura, da tradição, impõe à mente uma certa crença e de acordo com ela eu fico funcionando mecanicamente, essa crença e minha consequente atuação mecânica não prejudicam a mente e, por conseguinte, não constituem uma negação da liberdade? Vós sois hinduístas. Há séculos que vos dizem isso; fostes educados desde pequenos para crerdes em certas coisas, e isso se vos tornou automático, mecânico; credes em Deus incondicionalmente; isso é mecânico. Não deveis negar tudo isso para poderdes descobrir? Se observardes bem, podereis negá-lo, apagar de todo essa lembrança de serdes hinduísta.

Há, pois, liberdade no ver as coisas que vos foram impostas ao pensamento — como conceito, como ideia, como crença, como dogma — no negá-las e no examinar todo o processo da negação, o porquê da negação. Daí resulta, então, liberdade, embora continueis a funcionar mecanicamente nos incidentes da vida cotidiana.

Dizem que o homem é mero resultado do ambiente — e com efeito o é. De nada serve alegardes que não o sois, dizerdes que sois Paramatman, pois isso é uma espécie de propaganda que aceitastes passivamente, coisa que vos foi inculcada. Portanto, sois efetivamente resultado do ambiente — do clima, da alimentação, dos jornais, das revistas, da mãe, da avó, da religião, da sociedade, dos valores sociais e morais. Vós sois isso, e nenhum bem vos faz o negardes, dizendo que sois Deus; isso, também, é pura propaganda. Precisamos admitir esse fato, percebê-lo, e libertar-nos dele. Podemos libertar-nos dele? Verbal ou teoricamente, não é possível. Mas, se o examinardes concretamente, passo por passo e negardes de todo que sois hinduísta, ou hindu, ou cristão, ou seja o que for (e isso significa investigar toda a questão do medo, que não vamos examinar agora, porquanto envolve muita coisa), podereis então descobrir se podemos ser livres ou não; mas é de todo inútil o mero especular sobre a liberdade.

PERGUNTA O pensamento não funciona na forma de símbolos?

KRISHNAMURTI: Diz essa senhora que o pensamento funciona na forma de símbolos, que o pensamento é palavra; e é possível eliminar os símbolos e a palavra e, por conseguinte, tornar existente um pensamento novo? Símbolos e palavras vêm-nos sendo impostos há séculos e séculos. Ora, é possível estarmos apercebidos dos símbolos e da respectiva fonte, e passarmos além deles?

Em primeiro lugar, temos de investigar não apenas a mente consciente, mas também a inconsciente. Do contrário, estaremos apenas lidando com palavras — quer dizer, com meros símbolos e não com a realidade. Só há consciência. Dividimos a consciência em “consciente” e “inconsciente” por conveniência, mas, realmente, não há tal divisão. Dividimo-la por comodidade; não há essa divisão de mente consciente e mente inconsciente. A mente consciente é a mente educada, que aprendeu uma nova língua, uma nova técnica, para trabalhar num escritório, acionar um motor; ela foi educada para viver neste mundo. O inconsciente, que compreende as camadas mais profundas dessa mesma mente, é o resultado de séculos de herança racial, de temores raciais, do resíduo da experiência humana — tanto coletiva como individual — das coisas ouvidas na infância, das histórias que a bisavó contava, das influências recolhidas da leitura dos jornais — coisas de que não estamos claramente conscientes. Assim, as influências, o passado, quer imediato, quer de há dez mil anos, tudo isso está enraizado no inconsciente. Não precisais de concordar comigo; trata-se de um fato psicológico e não de uma invenção minha, com a qual podeis concordar ou não concordar. Eis a realidade. Assim é, mas precisais examinar-vos, em vez de lerdes livros, para dizerdes que assim é. Se penetrardes em vós mesmos mui profundamente, não deixareis de encontrar-vos com esse fato. Se meramente ledes livros e chegais a uma conclusão, trata-se então de uma questão de concordar ou discordar — e isso nenhuma importância tem.

Todo o pensar é simbólico. Todo pensar resulta de vossa memória, é reação a vossa memória; essa memória é bem profunda, e ela “responde” por meio de palavras, de símbolos. E essa senhora pergunta: É possível ficar-se livre desses símbolos? É possível o cristão ficar livre do símbolo de Jesus e da Cruz? É possível o hinduísta ficar livre da ideia de Krishna, do Gita, etc.? A referida senhora pergunta também: Como apareceram esses símbolos? Como sabeis, é muito mais fácil nos deixarmos arrebatar pelo símbolo do que pela realidade. O símbolo é instrumento de propaganda, nas mãos do propagandista. O símbolo é a bandeira — e podeis apaixonar-vos terrivelmente por causa da bandeira. Pois bem, o símbolo da Cruz, o símbolo de Krishna, etc., — como surgem eles? Eles surgem, evidentemente, a fim de obrigar o homem a comportar-se dentro de um certo padrão, a submeter-se, por medo, à autoridade — porque este mundo está a deteriorar-se, é um mundo em desordem, um mundo confuso; e a Cruz e Krishna são símbolos graças aos quais podemos fugir a ele. A autoridade diz: “Recorrei a isto, e sereis feliz; cultivai aquilo e vos tornareis nobre”, e outras coisas que tais. Assim, por causa do medo, do desejo de estarmos em segurança, psicologicamente, interiormente, surgem os símbolos.

A mente que interiormente, profundamente, é sem temor, nenhum símbolo tem. Porque deveria ter qualquer símbolo que fosse? Quando a mente já não busca segurança de espécie alguma, que necessidade tem de símbolos para funcionar? Ela se; acha em presença do fato, e não de uma ideia a respeito do fato, ideia que se torna um símbolo. Dessa forma, psicologicamente, interiormente, para a maioria de nós, os símbolos assumem desmedida importância. E essa senhora pergunta: É possível estarmos apercebidos, não só dos símbolos e de sua fonte, mas também do medo? Eu poderia responder “Sim”, mas isso nenhum valor teria, porquanto seria apenas a minha palavra contra a palavra de outrem. Mas, se puderdes penetrar fundamente em vós mesma, se puderdes pensar e estar apercebida de todo o mecanismo de pensamento — porque pensais, como pensais, e se há possibilidade de transcender a imagem — e investigardes bem isso, tratar-se-á, então, de uma experiência direta, vossa. E só a mente que conhece a fonte do símbolo e da palavra, só essa mente pode ser livre.

PERGUNTA: Pode a mente ser livre e ao mesmo tempo ter fé?

KRISHANAMURTI: Pergunta esse senhor: Pode a mente livre ter fé? Claro que não. Fé em que? Porque deve ter fé num fato? Vejo um fato — vejo que sou ciumento; porque devo ter fé e dizer que um dia não serei mais ciumento? Estou em presença do fato, e o fato é que sou ciumento; e eu vou eliminá-lo. Descobrir como fazê-lo — isso é mais importante para mim do que ter fé em que não serei ciumento, fé na ideia.

Assim, a mente que está investigando o que é a liberdade trata de destruir tudo para descobrir. Essa mente, por conseguinte, é uma mente em extremo perigosa. Por conseguinte, a sociedade é sua inimiga.

PERGUNTA: Como fazer a mente parar de condicionar-se?

KRISHNAMURTI: Pergunta esse cavalheiro: Qual a ação concreta que deterá o condicionamento? Qual a ação positiva que fará a mente parar de condicionar-se?

Ela só pode ser detida ao estarmos apercebidos do mecanismo condicionante. Quando ledes o jornal — como o fazeis todos os dias — no qual só se fala em política, o que ledes, obviamente, se imprime na vossa mente. Mas, ler o jornal sem se deixar influenciar, ver o mundo tal como é e não sofrer sua influência, isso exige uma mente vigilante, penetrante, capaz de raciocinar de modo são, racional, lógico; numa palavra, uma mente bem sensível.

Agora, a questão é: como criar uma mente sensível? Senhores, não há nenhum “como”, nenhum método; se algum método houvesse, o mesmo efeito se conseguiria tomando um sedativo, um comprimido para acalmar a vossa agitação, fazer-vos dormir. Quando estais apercebido de todos os problemas (e isso significa conhecê-los, observá-los, senti-los, não verbalmente, porém realmente — conhecê-los assim como conheceis vossa fome, vossos apetites sexuais), esse próprio conhecimento, esse próprio contato com o fato torna a mente sensível. O saberdes que não tendes coragem — não que deveis desenvolver a coragem — saberdes que não sois independente, que sois incapaz de sustentar o que pensais — conhecerdes o fato de que careceis de capacidade — tudo isso vos dará capacidade, e não há necessidade de a procurardes.

Krishnamurti, Varanasi, 01 de janeiro de 1961, A mutação Interior

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill