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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Qual é a verdadeira vocação do homem?

[...] PERGUNTA: Podeis dizer-nos o que entendeis pelas palavras “nossa vocação”? Parece-me que entendeis coisa diferente da significação comum das palavras.
Krishnamurti: cada um de nós segue uma dada vocação — o advogado, o militar, o policial, o negociante, etc. É bem óbvio que há certas profissões prejudiciais à sociedade: o advogado, o militar, o policial, o negociante que não cuida de tornar outros homens igualmente ricos.
Quando desejamos, quando escolhemos uma dada vocação, quando estamos educando os filhos para seguirem uma determinada profissão, não estamos criando um conflito com a sociedade? Escolheis uma profissão, e eu escolha outra; e isso não faz nascer conflito entre nós dois? Não é isso o que está acontecendo no mundo, visto que nunca pudemos achar a nossa verdadeira vocação? Estamos apenas sendo condicionados pela sociedade, por uma determinada civilização, a aceitar certas profissões, que geram competição e ódios entre os homens. Sabemos disso, estamo-lo vendo.
Ora, existe alguma outra maneira de viver, em que vós e eu possamos exercer as nossas verdadeiras vocações? Não existe uma vocação única para o homem? Tende a bondade de prestar atenção, Senhores. Há vocações diferentes para o homem? Vemos que há: um é funcionário de escritório, outro engraxate; um é engenheiro, outro político. Vemos que há inúmeras variedades de profissões e que todas elas estão em conflito entre si. Assim, pois, por causa da sua vocação o homem está em conflito com o homem, o homem odeia o homem. Sabemos disso. São-nos familiares esses fatos da vida, de cada dia. Pois bem, vejamos se não existe uma só vocação para o homem. Se pudermos descobri-la, então a expressão de diferentes capacidades não produzirá conflito entre os homens. Eu afirmo existir apenas uma vocação para o homem. Uma só, e não muitas. A vocação do única do homem é a de descobrir o que é o Real. Senhores, não vos mostreis espantados; isto não é uma asserção mística.
Se estamos, vós e eu, aplicados a descobrir o que é a Verdade, o que constitui a nossa verdadeira vocação, então, nessa busca, não haverá competição entre nós. Não competirei convosco, não lutarei contra vós, ainda que expresseis essa verdade de maneira diversa. Podeis ser Primeiro Ministro, mas eu não serei ambicioso e não desejarei tomar-vos o posto, porque estou buscando, do mesmo modo que vós, a Verdade. Por conseguinte, enquanto não descobrirmos aquela verdadeira vocação do homem, estaremos necessariamente em competição uns com os outros, e haveremos de odiar-nos mutuamente; e, sejam quais forem as leis que promulgardes, nesse nível só podeis produzir mais caos.
Não é possível, pois, desde a infância, mediante educação adequada, ministrada por verdadeiros educadores, ajudar o jovem, o estudante, a ser livre, para descobrir o que é a Verdade, a Verdade relativa a todas as coisas, e não simplesmente a Verdade em abstrato; descobrir a Verdade existente em todas as relações — a relação do jovem com a máquina, com a natureza, com o dinheiro, com a sociedade, o governo, etc.? Requer isso, não achais, — uma outra espécie de preceptores, cujo interesse seja o de ajudar o jovem, o estudante, dando-lhe liberdade, para que seja capaz de descobrir a maneira de cultivar uma inteligência nunca suscetível de ser condicionada por uma sociedade em perene decomposição.
Não existe, pois, uma vocação para o homem? O homem não pode existir no isolamento; ele só existe em relação. E quando, nessas relações, não há o descobrimento da Verdade respeitante ao estado de relação, há então conflito.
Há tão-somente uma vocação para vós e para mim. E na busca dessa vocação encontraremos a expressão em que não entraremos em conflito um com o outro, em que não nos destruiremos mutuamente. Mas tudo deve começar, sem dúvida, pela educação correta, ministrada por educador adequado. O educador também necessita de educação. Fundamentalmente, o verdadeiro preceptor não é meramente um homem que transmite conhecimentos, mas aquele que faz nascer no estudante a liberdade, a revolta que o habilitará a descobrir o que é a Verdade.


Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

sábado, 14 de maio de 2016

Você realmente ama o seu trabalho?

Pergunta: Dizeis que uma mente ocupada não pode receber aquilo que é a Verdade ou Deus. Mas, de que jeito posso ganhar a vida, a menos que esteja ocupado com meu trabalho? E vós, não estais ocupado com estas palestras, que são o vosso particular meio de ganhar a vida? 

Krishnamurti: Deus me livre de estar ocupado com minhas palestras! Não estou. E elas não constituem meu meio de vida. Se eu estivesse ocupado, não existiria nenhum intervalo entre pensamentos, aquele silêncio que é essencial para se ver qualquer coisa nova. Em tal caso, o falar me seria a coisa mais aborrecida do mundo. Não quero aborrecer com minhas palestras, e por esta razão não falo de memória. O que faço é uma coisa completamente diferente. Mas, isso não tem importância, e podemos conversar a seu respeito, noutra ocasião. 
O interrogante pergunta omo poderá ganhar o seu sustento, se não se ocupar com seu trabalho. Escutais bem isto: Se vos ocupais com vosso trabalho, então não amais o vosso trabalho. Compreendeis a diferença? Se amo o que estou fazendo, não estou ocupado com isso, meu trabalho não está separado de mim. Porém, neste país, somos exercitados — e infelizmente este mesmo hábito se está generalizando no mundo inteiro — para adquirirmos eficiência num trabalho que não amamos. Pode haver uns poucos cientistas, uns poucos técnicos especialistas, uns poucos engenheiros que realmente amam o que fazem, no sentido total da palavra, o que explicarei mais adiante. Mas, em geral, não gostamos do que estamos fazendo, e por esta razão é que andamos ocupados com nosso meio de vida. Acho que se pode perceber uma diferença entre as duas coisas, se se examinar bem isso. Como posso amar o que estou fazendo, se estou sendo impelido, a todas as horas, pela ambição, se quero, com meu trabalho, alcançar um fim, tornar-me pessoa importante, ter êxitos felizes? O que artista está interessado no seu nome, sua grandeza, na comparação, na realização de suas ambições, deixou de ser artista, sendo meramente um técnico como outro qualquer. E isso significa, realmente, que para se amar uma coisa, faz-se necessária a cessação completa de toda ambição, todo desejo de reconhecimento por parte da sociedade, que afinal está podre (risos). Senhores, por favor, não façais isso! Mas, nós não somos preparados para isso, não somos educados para isso; temos de adaptar-nos a uma certa rotina que a sociedade ou a família nos deu. Porque os meus antepassados foram médicos, advogados, ou engenheiros, tenho de ser médico, advogado ou engenheiro. E atualmente há necessidade de mais e mais engenheiros, porque a sociedade o está exigindo. E, assim, perdemos o amor à coisa em si — se alguma vez o tivemos, do que duvido muito. E, quando amais uma coisa, não há nenhuma ocupação com ela. O espírito não está pretendendo alcançar alguma coisa ou procurando ser melhor do que outro; toda comparação, toda competição, todo desejo de sucesso, de preenchimento, desapareceu totalmente. É só a mente ambiciosa que anda ocupada.

De modo idêntico, a mente que está ocupada a respeito de Deus, da verdade, nunca o descobrirá, porque se a mente está ocupada com uma coisa, já a conhece. Se já conheceis o imensurável, o que conheceis é produto do passado, e, por conseguinte, não é o imensurável. A Realidade não pode ser medida, e por conseguinte não pode haver ocupação com ela; o que deve haver é só uma serenidade da mente, um vazio, em que nenhum movimento existe, e é só então que pode despontar na existência o Desconhecido.

Krishnamurti em, Realização sem esforço - 14 de agosto de 1955

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Existe uma diferença entre "emprego" e "trabalho"?


Existe uma diferença entre "emprego" e "trabalho". Emprego é o que satisfaz nossas necessidades financeiras e físicas; trabalho é o que satisfaz nossas necessidades emocionais, mentais e espirituais e dá sentido à nossa vida. A personalidade pensa em termos de emprego, enquanto a alma anseia por um trabalho significativo. Num mundo ideal, emprego e trabalho seriam sinônimos, mas, infelizmente, o que acontece é que a maioria das pessoas tem emprego, não um trabalho verdadeiro. Em nossa sociedade, é cada vez maior o desejo de um trabalho significativo, capaz de satisfazer as necessidades tanto da personalidade quanto da alma, o que leva a um questionamento sobre o conceito acerca da natureza do trabalho. 

(...) A imagem que temos de nós mesmos e o amor-próprio estão de tal modo vinculados ao nosso trabalho que muitas pessoas, mesmo não o apreciando, temem deixar o emprego. A ideia de ficar desempregado provoca uma grande ansiedade e até mesmo medo, pois o conceito que temos de nós mesmos se baseia em grande parte no nosso emprego. Se perguntarmos às pessoas: "O que você faz?", quantas delas responderão que são ciclistas, ambientalistas pu pai/mãe? Tão forte é o senso de identificação do nosso ser com o trabalho e com o salário que aqueles que não dispõem de um trabalho remunerado, os que se dedicam a criar os filhos ou que prestam serviços voluntários, frequentemente se sentem desprestigiados e assumem uma posição de defensiva diante dessa pergunta. Do mesmo modo, os indivíduos que escolheram atividades "alternativas" — tais como a massagem, astrologia ou artes — ou profissões autônomas podem achar que seu trabalho é menos importante que as carreiras tradicionais. O próprio fato de sua ocupação ser considerada "alternativa" já indica desconfiança e reprovação implícitas. 

Nós devemos mudar essa visão do trabalho e perceber que todas as ocupações capazes de promover o bem comum têm valor. Contanto que o nosso trabalho coadune com o propósito da alma, estaremos fazendo o que viemos fazer. 

(...) Precisamos examinar a nossa personalidade e o conjunto de circunstâncias que nos foi dado nesta vida e encontrar o nosso trabalho dentro desses limites. Queixar-se de que não é justo, que é mais fácil para os outros, que não é o que desejamos, nada disso nos fará qualquer bem. Devemos revolver o solo das nossas circunstâncias genéticas, históricas e culturais para encontrarmos a pérola de inestimável valor que ali está enterrada. Algumas vidas pedem excelência no mundo exterior e outras no mundo interior. A alma e a personalidade precisam aprender a trabalhar juntas para determinar seu propósito conjunto e abraçá-lo com alegria. 

(...) Trabalhar com alma significa executar o trabalho que fomos convocados a fazer. E queremos executá-lo, não importa o salário e o status ou a opinião dos amigos e da família. Executá-lo nos faz sentir bem com nós mesmos, com os outros e com o mundo. A nossa vida adquire significado e caminhamos em conformidade com o nosso objetivo. 

(...) Quando colocamos a alma no trabalho, colocamos a totalidade de quem somos no nosso trabalho. Quando fazemos o que amamos, nós nos energizamos e o resultado é a manifestação do nosso sonho no mundo material — o que leva à realização interior e exterior.

Tanis Helliwell em, Trabalhando com Alma - Transforme sua vida e o seu trabalho

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Diálogo sobre o trabalho

PERGUNTA: Falais tanto na necessidade de incessante vigilância. Mas o meu trabalho me embota de maneira tão irresistível, que falar de vigilância após um dia de labor, é o mesmo que deitar sal numa ferida.

KRISHNAMURTI: Senhor, esta questão é importante. Se vos apraz, vamos examiná-la com toda a atenção, para ver o que ela implica. Pois bem, a maioria de nós se embota nisso que se chama trabalho, emprego, rotina. Os que amam o trabalho e os que são forçados a trabalhar por necessidade — tanto uns como outros estão embotados. Tanto os que amam o trabalho como os que a ele resistem são homens embotados, não é verdade? Quando um homem ama o seu trabalho, que faz ele? Pensa nele da manhã à noite, está constantemente ocupado com ele. Tão identificado se acha com o seu trabalho que não pode vê-lo objetivamente: ele próprio é a ação, o trabalho; e a uma pessoa em tais condições que acontece? Vive numa gaiola, vive isolado no seu trabalho. Nesse isolamento pode ele ser muito proficiente, muito inventivo, muito sutil, mas, sem embargo, está isolado; e se torna embotado, porque está resistindo a qualquer outra espécie de trabalho, a qualquer outra espécie de ação. O seu trabalho, por conseguinte, é uma forma de fuga da vida: da sua esposa, dos seus deveres sociais, de inumeráveis exigências, etc. E há o homem da outra categoria, o homem que, como a maioria de nós, é obrigado a fazer algo que detesta, e o faz com relutância. É o trabalhador de fábrica, o funcionário do banco, o advogado, etc.

Agora, que é que nos faz embotados? É o trabalho em si? Ou, é a nossa resistência ao trabalho, ou o nosso empenho em evitar outros contactos? Compreendeis bem este ponto? Espero que eu o esteja expondo claramente. Isto é, o homem que ama o seu trabalho, está tão fechado nele, tão preso, que ele se torna uma devoção. Por conseguinte, o seu amor ao trabalho é uma fuga da vida. E o homem que resiste ao seu trabalho, que preferiria estar fazendo outra coisa, para esse há o conflito incessante da resistência àquilo que está fazendo. Nosso problema, pois, é: O trabalho torna a mente embotada? Ou o embotamento é produzido pela resistência ao trabalho, num dos casos, ou pelo uso do trabalho como meio de evitar os choques da vida; no outro caso? Isto é, a ação, o trabalho, torna a mente embotada, ou a mente se torna embotada por causa da fuga, do conflito, da resistência? É bem evidente que não é o trabalho, porém a resistência que torna a mente embotada. Se não opondes resistência e aceitais o trabalho, que acontece? O trabalho não vos embota, porque só uma parte da vossa mente fica ocupada com o trabalho que tendes de executar. O resto do vosso ser, o inconsciente, o oculto, fica ocupado com os pensamentos em que de fato tendes interesse. Logo não há conflito. Poderá isso parecer um tanto complexo; mas se examinardes com muita atenção, vereis que a mente se embota, não por causa do trabalho, mas por causa da resistência ao trabalho ou da resistência à vida. Digamos, por exemplo, que tenhais de executar um determinado serviço que levará umas cinco ou seis horas. Se dizeis “Que aborrecimento, que coisa horrível, preferiria fazer outra coisa qualquer” — o vosso espírito está evidentemente resistindo a esse trabalho. Uma parte da vossa mente está desejando que estivésseis fazendo outra coisa. Esta divisão produzida pela resistência, causa o embotamento, porque estais desperdiçando esforço, desejando que estivésseis fazendo outra coisa. Mas se não resistis e fazeis o que é realmente necessário, nesse caso dizeis: “Preciso ganhar o meu sustento, e hei de ganhá-lo corretamente”. Mas a profissão adequada não significa o exército, a polícia, ou a advocacia, — porque esses prosperam na discórdia, na desordem, na astúcia, no subterfúgio, etc. Este é um problema bastante difícil, e talvez o examinemos mais tarde, se houver tempo.

Assim, se estais ocupado com um serviço que tendes de fazer para ganhar o vosso sustento, e se resistis a ele, a mente se embota, é claro; porque essa resistência é a mesma coisa que fazer funcionar um motor acionando ao mesmo tempo o freio. Que acontece ao pobre motor? O seu funcionamento se torna falho, não é verdade? Se já dirigistes automóvel, sabeis o que acontecerá se se fizer uso constante do freio: não só o freio se gasta, mas também o motor. É exatamente isso o que fazeis, quando resistis ao trabalho. Mas, se aceitais a tarefa que tendes de executar, e a executais o mais inteligente e o mais cabalmente possível, que acontece então? Porque já não estais resistindo, as outras camadas da vossa consciência continuarão ativas, independentemente do que estais fazendo; estais aplicando apenas a mente consciente ao trabalho, e a parte inconsciente, a parte oculta da mente está ocupada com outras coisas muito mais vitais e muito mais profundas. Embora estejais em presença do trabalho, o inconsciente funciona independente dele.

Agora, se observais, que acontece realmente na vossa vida de cada dia? Digamos, por exemplo, que estejais interessado em achar Deus, em ter paz. Esse é o vosso interesse real, com o qual está ocupa da tanto a vossa mente consciente como a inconsciente: encontrar a felicidade, encontrar a realidade, viver com retidão, com beleza, com lucidez. Mas tendes de ganhar o vosso sustento, porque não existe coisa tal como viver no isolamento: tudo o que existe, que é, está em relação. Estais interessado na paz, mas ó vosso trabalho diário estorva esse interesse, e por isso resistis a ele. Dizeis: “Quisera dispor de mais tempo para pensar, para meditar, para exercitar-me no violino, etc.”. Quando assim procedeis, quando apenas resistis ao trabalho que tendes de executar, essa própria resistência é um desperdício de esforço, que torna a mente embotada; mas, se, por outro lado compreendeis que todos nós fazemos coisas que têm de ser feitas — escrever cartas, conversar, lavar o estábulo — e por conseguinte não resistis, mas dizeis: “tenho de fazer esse trabalho”, vós o fareis de bom grado e sem enfado. Não havendo resistência, vereis que, no momento em que terminardes o trabalho, a vossa mente estará em paz. Porque o inconsciente, as camadas mais profundas da mente estão interessadas na paz, vereis que a paz começará a surgir. Não há, pois, divisão entre a ação, que poderá ser rotina, que poderá ser desinteressante, e a vossa busca da realidade: as duas coisas são compatíveis quando não há resistência por parte da mente, quando a mente não se torna embotada por causa dessa resistência. É a resistência que cria a divisão entre a paz e a ação. A resistência se baseia numa idéia, e a resistência não pode produzir ação. É só a ação que liberta, e não a resistência ao trabalho.

Importa, pois, compreender que a mente se torna embotada por causa da resistência, da condenação, da reprovação, da fuga. A mente não está embotada, quando não há resistência. Quando não há reprovação, nem condenação, ela está cheia de vitalidade, ativa. A resistência é mero isolamento, e a mente do homem que, consciente ou inconscientemente, está sempre procurando isolar-se, se torna em botada por causa dessa resistência.

Krishnamurti – Do livro: Novo Acesso a Vida – Editora ICK - 1955

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O pico mais alto da consciência

O pico mais alto da consciência é quando você é apenas um ser — não fazendo nada, imóvel, profundamente silencioso, como se você não existisse mais. Subitamente toda a existência começa a derramar flores sobre você. 

O homem é treinado para realizar porque a sociedade necessita dele treinado como trabalhador em diferentes direções, para produção, para a ganância, para a esperteza, para o poder. Ele tem que ser transformado em um escravo cuja vida inteira não seja nada além de fazer desde a manhã até a noite. Ele nem mesmo está rejuvenescido pelo sono e tem que ir trabalhar nas estradas, trabalhar nos campos, trabalhar nos pomares.

A sociedade fez do realizar algo muito proeminente e respeitável. Ela esqueceu completamente que existe outra dimensão na vida. Eu não estou dizendo que você não deve fazer nada. Você tem que comer, tem que se vestir, você necessita de um teto, de modo que algum tipo de realização será necessário. Mas o realizar deve ser apenas utilitário; ele não vai lhe dar as grandes experiências para as quais a vida é uma oportunidade. O seu realizar vai lhe dar a sobrevivência. Mas sobreviver apenas não é estar vivo. Estar vivo significa ter uma dança em seu coração. Estar vivo significa ter cada fibra de seu ser cheia de música celestial. Estar vivo significa experimentar o fluxo eterno da força da vida dentro de suas veias. Isto é possível não pelo realizar; isto é possível apenas através da não-realização. Portanto, a não-realização é o derradeiro valor. Realizar é simplesmente mundano — por necessidade você tem que fazer algo.

Mas existe tempo suficiente, vinte e quatro horas por dia: você pode dedicar cinco ou seis horas para as necessidades ordinárias, e ainda sobrarão dezoito horas. Se você puder encontrar até mesmo duas para a não-realização, você ficará tão enriquecido que não pode conceber antecipadamente — porque quando você não está fazendo nada, você não existe. Então o que existe? Este imenso silêncio da existência, esta imensa beleza das flores, este infinito do céu que cerca você, tudo se torna parte de você. E o toque do eterno e o infinito e o imortal trazem tanto júbilo que mesmo quando você está fazendo, lentamente, lentamente você encontrará mesmo no seu fazer esses júbilos, esses êxtases estarão entrando em seu trabalho.

Então o trabalho não é mais trabalho. Fazer não é mais fazer; torna-se a sua criatividade. O que quer que você faça, você fará com totalidade. E toda a existência o sustentará, encherá você com tanto néctar de modo que você possa derramar esse néctar em suas ações, nos seus afazeres. Subitamente você se torna um mágico. O que quer que você toque se transformará em ouro. Para onde você for, a existência segue lhe dando as boas-vindas, e o que quer que você faça, mesmo que pequeno, se torna parte de sua meditação.

O S H O — Satyam-Shivam-Sundram

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A realidade não é intelectual

A realidade não é intelectual; mas desde a infância, através da educação, através de todas as assim chamadas formas de aprendizado, desenvolvemos uma mente arguta, competitiva, sobrecarregada de informações — como acontece com os advogados, políticos, técnicos, especialistas. Nossas mentes foram trabalhadas, buriladas, o que se transformou no objetivo mais importante a alcançar e, com isso, todo o nosso sentimento extinguiu-se. Você não tem pena do homem pobre em sua amargura, não se sente jamais feliz por ver um ricaço guiando em seu belo carro; não fica encantado ao ver um lindo rosto; não sente emoção diante do arco-íris, ou do esplendor de um gramado verdinho. Estamos tão absorvidos em nosso trabalho, em nossas misérias, que não temos um momento de lazer para sentir o que é amar, para ser bom, generoso. E, no entanto, desprovidos de tudo isso, queremos saber o que é Deus!... Que coisa incrivelmente estúpida e infantil! De forma que se torna muito mais importante para o indivíduo viver — não reviver; você não pode reviver sentimentos mortos, a glória que passou. Mas não podemos acaso viver intensamente, plenamente, prodigamente mesmo que só por um dia? Pois tal dia abrangeria um milênio. Não se trata de fantasia poética. Você compreenderá isso quando tiver vivido um dia pleno, no qual não existe tempo, nem futuro, nem passado — você conhecerá então a plenitude conferida por esse estado extraordinário. Esse modo de viver não tem nada a ver com conhecimento. 

Krishnamurti — Sobre Deus 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Sobre trabalho, emprego e rotina


PERGUNTA: Falais tanto na necessidade de incessante vigilância. Mas o meu trabalho me embota de maneira tão irresistível, que falar de vigilância após um dia de labor, é o mesmo que deitar sal numa ferida.

KRISHNAMURTI: Senhor, esta questão é importante. Se vos apraz, vamos examiná-la com toda a atenção, para ver o que ela implica. Pois bem, a maioria de nós se embota nisso que se chama trabalho, emprego, rotina. Os que amam o trabalho e os que são forçados a trabalhar por necessidade — tanto uns como outros estão embotados. Tanto os que amam o trabalho como os que a ele resistem são homens embotados, não é verdade? Quando um homem ama o seu trabalho, que faz ele? Pensa nele da manhã à noite, está constantemente ocupado com ele. Tão identificado se acha com o seu trabalho que não pode vê-lo objetivamente: ele próprio é a ação, o trabalho; e a uma pessoa em tais condições que acontece? Vive numa gaiola, vive isolado no seu trabalho. Nesse isolamento pode ele ser muito proficiente, muito inventivo, muito sutil, mas, sem embargo, está isolado; e se torna embotado, porque está resistindo a qualquer outra espécie de trabalho, a qualquer outra espécie de ação. O seu trabalho, por conseguinte, é uma forma de fuga da vida: da sua esposa, dos seus deveres sociais, de inumeráveis exigências, etc. E há o homem da outra categoria, o homem que, como a maioria de nós, é obrigado a fazer algo que detesta, e o faz com relutância. É o trabalhador de fabrica, o funcionário do banco, o advogado, etc.

Agora, que é que nos faz embotados? É o trabalho em si? Ou é a nossa resistência ao trabalho, ou o nosso empenho em evitar outros contactos? Compreendeis bem este ponto? Espero que eu o esteja expondo claramente. Isto é, o homem que ama o seu trabalho, está tão fechado nele, tão preso, que ele se torna uma devoção. Por conseguinte, o seu amor ao trabalho é uma fuga da vida. E o homem que resiste ao seu trabalho, que preferiria estar fazendo outra coisa, para esse há o conflito incessante da resistência àquilo que está fazendo. Nosso problema, pois, é: O trabalho torna a mente embotada? Ou o embotamento é produzido pela resistência ao trabalho, num dos casos, ou pelo uso do trabalho como meio de evitar os choques da vida, no outro caso? Isto é, a ação, o trabalho, torna a mente embotada, ou a mente se torna embotada por causa da fuga, do conflito, da resistência? É bem evidente que não é o trabalho, porém a resistência que torna a mente embotada. Se não opondes resistência e aceitais o trabalho, que acontece? O trabalho não vos embota, porque só uma parte da vossa mente fica ocupada com o trabalho que tendes de executar. O resto do vosso ser, o inconsciente, o oculto, fica ocupado com os pensamentos em que de fato tendes interesse. Logo não há conflito. Poderá isso parecer um tanto complexo; mas se examinardes com muita atenção, vereis que a mente se embota, não por causa do trabalho, mas por causa da resistência ao trabalho ou da resistência à vida. Digamos, por exemplo, que tenhais de executar um determinado serviço que levará umas cinco ou seis horas. Se dizeis “Que aborrecimento, que coisa horrível, preferiria fazer outra coisa qualquer” — o vosso espírito está evidentemente resistindo a esse trabalho. Uma parte da vossa mente está desejando que estivésseis fazendo outra coisa. Esta divisão produzida pela resistência, causa o embotamento, porque estais desperdiçando esforço, desejando que estivésseis fazendo outra coisa. Mas se não resistis e fazeis o que é realmente necessário, nesse caso dizeis: “Preciso ganhar o meu sustento, e hei de ganhá-lo corretamente”. Mas a profissão adequada não significa o exército, a polícia, ou a advocacia, — porque esses prosperam na discórdia, na desordem na astúcia, no subterfúgio, etc. Este é um problema bastante difícil, e talvez o examinemos mais tarde, se houver tempo.

Assim, se estais ocupado com um serviço que tendes de fazer para ganhar o vosso sustento, e se resistis a ele, a mente se embota, é claro; porque essa resistência é a mesma coisa que fazer funcionar um motor acionando ao mesmo tempo o freio. Que acontece ao pobre motor? O seu funcionamento se torna falho, não é verdade? Se já dirigistes automóvel, sabeis o que acontecerá se se fizer uso constante do freio: não só o freio se gasta, mas também o motor. É exatamente isso o que fazeis, quando resistis ao trabalho. Mas, se aceitais a tarefa que tendes de executar, e a executais o mais inteligente e o mais cabalmente possível, que acontece então? Porque já não estais resistindo, as outras camadas da vossa consciência continuarão ativas, independentemente do que estais fazendo; estais aplicando apenas a mente consciente ao trabalho, e a parte inconsciente, a parte oculta da mente está ocupada com outras coisas muito mais vitais e muito mais profundas. Embora estejais em presença do trabalho, o inconsciente funciona independente dele.    

Agora, se observais, que acontece realmente na vossa vida de cada dia? Digamos, por exemplo, que estejais interessado em achar Deus, em ter paz. Esse é o vosso interesse real, com o qual está ocupada tanto a vossa mente consciente como a inconsciente: encontrar a felicidade, encontrar a realidade, viver com retidão, com beleza, com lucidez. Mas tendes de ganhar o vosso sustento, porque não existe coisa tal como viver no isolamento: tudo o que existe, que é, está em relação. Estais interessado na paz, mas o vosso trabalho diário estorva esse  interesse, e por isso resistis a ele. Dizeis: “Quizera dispor de mais tempo para pensar, para meditar, para exercitar-me no violino, etc.” Quando assim procedeis, quando apenas resistis ao trabalho que tendes de executar, essa própria resistência é um desperdício de esforço, que torna a mente embotada; mas, se, por outro lado compreendeis que todos nós fazemos coisas que têm de ser feitas — escrever cartas, conversar, lavar o estábulo — e por conseguinte não resistis, mas dizeis: “tenho de fazer esse trabalho”, vós o fareis de bom grado e sem enfado. Não havendo resistência, vereis que, no momento em que terminardes o trabalho, a vossa mente estará em paz. Porque o inconsciente, as camadas mais profundas da mente estão interessadas na paz, vereis que a paz começará a surgir. Não há, pois, divisão entre a ação, que poderá ser rotina, que poderá ser desinteressante, e a vossa busca da realidade: as duas coisas são compatíveis quando não há resistência por parte da mente, quando a mente não se torna embotada por causa dessa resistência. É a resistência que cria a divisão entre a paz e a ação. A resistência se baseia numa idéia, e a resistência não pode produzir ação. É só a ação que liberta, e não a resistência ao trabalho.
            Importa, pois, compreender que a mente se torna embotada por causa da resistência, da condenação, da reprovação, da fuga. A mente não está embotada, quando não há resistência. Quando não há reprovação, nem condenação, ela está cheia de vitalidade, ativa. A resistência é mero isolamento, e a mente do homem que, consciente ou inconscientemente, está sempre procurando isolar-se, se torna em botada por causa dessa resistência.

Krishnamurti – Novo Acesso à Vida – 8 de agosto de 1948
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill