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quarta-feira, 11 de abril de 2018

Existe algo além do tempo, algo imensurável?


Existe algo além do tempo, algo imensurável?

[...] Existe algo além do tempo, algo imensurável, atemporal; mas, para o encontrardes, para o descobrirdes, deveis lançar a base adequada; e para lançardes essa base, cumpre despedaçar a sociedade. Por “sociedade” não entendo a estrutura externa; não se trata de dinamitar edifícios, de tirar as roupas e vestir um manto de sannyasi, de tornar-se eremita; isso não fará ruir a sociedade. Quando falo de sociedade, refiro-me à estrutura psicológica, à estrutura interna de nossa mente, de nosso cérebro, aos processos psicológicos de nosso pensar; estes têm de ser completamente destruídos, para que se possa descobrir, criar uma mente nova. Vós necessitais de uma mente nova, porque, se observardes o que se está passando no mundo, vereis cada vez mais claramente que a liberdade está sendo negada pelos políticos, pelo progresso, pelas religiões organizadas, pelos processos mecânicos, técnicos. Mais e mais os computadores estão substituindo o homem, e está certo que assim seja. A virtude está sendo “produzida” com preparados químicos: tomando determinado preparado químico, podeis ficar livre da cólera, da irritabilidade, da vaidade; podeis quietar vossa mente, tomando um calmante, e podeis tornar-vos muito pacífico. Como vedes, vossa virtude está sendo regulada quimicamente; já não precisais submeter-vos à tirania da disciplina para vos tornardes virtuoso. Tudo isso está ocorrendo no mundo. E, assim, temos de criar um novo mundo, não no sentido químico, nem industrial ou político, porém espiritualmente — se posso usar esta palavra já tão gasta, tão desvalorizada pelos políticos, pelos religiosos. Não podeis ser espiritual se pertenceis a alguma religião, a alguma nacionalidade. Se vos denominais hinduísta, parse, muçulmano ou cristão, nunca sereis espiritual. Só sereis espiritual ao destruirdes a estrutura social de vosso ser — isto é, o mundo em que viveis, mundo de ambição, de avidez, de inveja, de sede de poder. Para a maioria de nós, esse mundo é a realidade, e nada mais o é; é a ele que todos nós aspiramos; do mais alto político à mais insignificante pessoa do povo, do maior dos santos ao devoto vulgar — é a ele que todos aspiram. Se não o quebrardes, não importa o que façais, nunca tereis amor, nunca atingireis a felicidade, e estareis sempre em conflito e aflição.

Assim, como disse, vamos investigar a estrutura da sociedade. Essa estrutura é produzida pelo pensamento; a estrutura da sociedade nasceu no cérebro que atualmente possuímos — o cérebro de que agora nos servimos para adquirir, competir, tornar-nos poderosos, ganhar dinheiro honesta ou desonestamente. O cérebro é o resultado da sociedade em que vivemos, do meio cultural em que crescemos, dos preconceitos, dogmas, crenças, tradições da religião; tudo isso é o cérebro — resultado do passado. Examinai a vós mesmos, por favor, não vos limiteis a ouvir o que se está dizendo.

Há duas maneiras de escutar. Uma delas é: ouvir meramente as palavras e seguir o seu significado — e isso é escutar, ouvir comparativamente, quer dizer, comparar, condenar, traduzir, interpretar o que se está dizendo. É o que faz a maioria das pessoas; é assim que escutamos. Quando se diz uma coisa, vosso cérebro imediatamente a traduz— por efeito de reação — em vossa própria terminologia, vossas próprias experiências; e, ou aceitais o que agrada, ou rejeitais o que desagrada. Estais apenas “reagindo”, não estais escutando. E há a outra maneira de escutar. Esta requer imensa atenção, porque nesse escutar não há tradução, não há interpretação, nem condenação, nem comparação; estais escutando, simplesmente, com todo o vosso ser. A mente capaz de escutar tão atentamente compreende de imediato; está livre do tempo e do cérebro, que é o resultado da estrutura social em que fomos criados. Enquanto esse cérebro não se tiver tornado de todo quieto — mas ao mesmo tempo intensamente atento, ativo —, enquanto isso não ocorrer, cada pensamento, cada experiência será por ele traduzida de acordo com seu condicionamento e, por conseguinte, cada pensamento, cada sentimento se tornará um obstáculo à investigação total.

Vede, senhores, a maioria das pessoas aqui presentes é parse, hinduísta ou cristã. Desde a infância vos dizem que sois hinduísta; essa lembrança se conserva por associação nas células cerebrais; e cada experiência, cada pensamento é traduzido segundo esse condicionamento; e esse condicionamento impede a vossa compreensão total da vida. A vida não é a vida de um hinduísta, ou de um cristão; a vida é algo muito mais vasto, muito mais significativo, que a mente condicionada de modo nenhum pode compreender. A vida é ir para o emprego; a vida é sofrimento; a vida é prazer; a vida é extraordinário senso da beleza; a vida é amor; a vida é pesar, ansiedade, sentimento de culpa — tudo isso. E se não a compreendeis, nada descobrireis. Não há “saída” do sofrimento. E, para compreender a totalidade da vida, o cérebro deve estar completamente quieto — o cérebro que está condicionado pelo meio cultural em que fostes criado, por cada pensamento, que é reação de vossa memória, por cada experiência, que é “resposta” a desafio, “resposta” do passado, nele concentrado. Se não compreendermos todo esse processo, o cérebro nunca ficará quieto. E para que possa nascer uma mente nova, é absolutamente necessário que o cérebro compreenda a si próprio, esteja apercebido de suas próprias reações, seu próprio embotamento, estupidez, condicionamento. O cérebro deve estar apercebido de si próprio e, por conseguinte, deve “interrogar” a si próprio, sem buscar resposta, porque toda resposta será projetada do seu próprio passado. Por conseguinte, quando “interrogais” interessado numa resposta, a resposta estará ainda dentro dos limites da mente condicionada, do cérebro condicionado. Assim, ao “interrogardes” — o que significa que estais apercebido de vós mesmo, de vossas atividades, de vossas maneiras de pensar, de sentir, de vossa maneira de falar, de andar, etc.— não busqueis resposta, porém apenas, olhai, observai. E vereis que, como resultado dessa observação, o cérebro começará a perder o seu estado condicionado. E quando isso acontecer, estareis fora da sociedade.

Assim, o mais importante de tudo é vos investigardes — e não o que o Sankara, Buda ou vosso guru vos disse; investigar a vós mesmo, investigar os movimentos de vossa mente, de vosso cérebro, os movimentos de vosso pensamento.

E mutação difere de mudança. Por favor, escutai, prestai atenção! Mudança implica tempo, gradualidade, mudança implica continuidade do que foi; mas, mutação implica uma quebra completa e a verificação de algo novo. Mudança implica tempo, esforço, continuidade, modificação que requer tempo. Na mutação, não existe o tempo; ela é imediata. O que nos interessa é a mutação, e não a mudança. O que nos interessa é a completa e imediata cessação da ambição, e essa quebra imediata da ambição é mutação — que ocorre imediatamente, que não admite o tempo.

Continuaremos a examinar esta questão. Mas, por ora, procurai aprender o significado disto: até agora vivemos através de séculos de tempo, mudando gradualmente, gradualmente moldando nossa mente, nosso coração, nossos pensamentos, nossos sentimentos; nesse processo temos vivido, em constante sofrimento, constante conflito; nunca houve uma dia, nunca houve um momento de completa libertação do sofrimento; o sofrimento sempre existiu, escondido, reprimido. E a coisa sobre que agora estamos falando é uma terminação completa e, portanto, uma total mutação; e essa mutação é a revolução religiosa. Explicaremos isso, um pouco, nesta tarde.

O importante é compreender a capacidade de ver, a capacidade de escutar. Há duas maneiras de ver — só duas. Ou vedes com o conhecimento, com o pensamento; ou vedes diretamente, sem conhecimento, sem pensamento. Quando vedes com o conhecimento, com o pensamento, o que realmente sucede é que não estais vendo, porém interpretando, dando opiniões, impedindo a vós mesmo de ver. Mas, quando vedes sem pensamento, sem conhecimento — o que não significa que, quando vedes, vossa mente está “em branco”; a o contrário, vedes completamente — esse ver é o fim do tempo e, por isso, há mutação imediata. Por exemplo, se sois ambicioso, dizeis que gradualmente mudareis — esse é o hábito que a sociedade sempre aprovou; a sociedade inventou todos os meios e modos possíveis, de vos livrardes a pouco e pouco de vossa ambição; no entanto, no fim de vossa vida sois ainda ambicioso, estais ainda em conflito — e isso é completamente infantil, sem madureza. Madureza é enfrentar o fato e dar-lhe fim imediato. E podeis pôr fim ao fato prontamente quando o observais sem pensamento, sem conhecimento.

O conhecimento é a acumulação do passado, da qual brota o pensamento. Por conseguinte, o pensamento não constitui o meio de promover a mutação; ele impede a mutação. Por favor, tendes de examinar isto muito atentamente, e não apenas aceitá-lo ou rejeitá-lo. Considerarei isso durante estas palestras; mas procurai desde já apreender o seu significado, o seu perfume. Porque, para mim, só há mutação, e não mudança. Ou sois ou não sois; não se trata de, quando sois ambicioso, cuidardes de tornar-vos menos ambiciosos; isso é proceder como os políticos que falam da extinção da política e do poder, e continuam na política. São falas insinceras. O que nos interessa é a terminação imediata, para que possa nascer uma mente nova.

E vós necessitais de uma mente nova, porque um novo mundo precisa ser criado — não pelos políticos, não pelos indivíduos religiosos, não pelos técnicos, porém por vós e por mim, que somos simples pessoas comuns; porque somos nós que temos de mudar completamente, somos nós que temos de operar uma mutação em nossa mente e nosso coração. Isso pode ser feito imediatamente, desde que possais ver o fato e “permanecer com o fato” — sem procurar pretextos, dogmas, ideais, fugas; “permanecer com o fato” totalmente, completamente. Percebereis, então, que o ver completo põe fim ao conflito. O conflito tem de terminar. É só quando a mente está por inteiro quieta, e não num estado de conflito, é só então que ela pode penetrar fundo nas esferas que estão além do tempo, do pensamento, do sentimento.

Krishnamurti, Nova Déli, 21 de fevereiro de 1962, A mutação Interior

sábado, 31 de março de 2018

Na vida holística, não há raízes psicológicas

Na vida holística,
não há raízes
psicológicas

[...] Devemos compreender a insegurança, sua causa. A causa da insegurança é nossa própria limitação de percepção, nosso estado psicológico fragmentado. Mas há uma maneira de viver holística em que não existe a segurança ou a insegurança.

Assim, se o desejam, vamos nos perguntar o que é esse estado holístico da vida. A palavra holístico significa “completo”, um estado no qual não existe fragmentação (como um homem de negócios, um artista, um poeta, uma pessoa religiosa, etc.) Contudo, nós constantemente categorizamos as pessoas como comunistas, socialistas, capitalistas, etc.

Nossas vidas, se observam com determinação, estão divididas fragmentadas; e devemos compreender por que os seres humanos, que tem vivido nesta magnífica Terra durante milhões de anos, estão fragmentados, tão divididos. Como dissemos ontem, uma das principais causas da divisão se deve a que o cérebro é escravo do pensamento, o qual é limitado. Onde há limitação tem que haver fragmentação. Se estou interessado em mim mesmo, em meu progresso, em realizar-me, em minha felicidade e em meus problemas, divido toda a estrutura da humanidade em forma de “eu”. D modo que o pensamento é um dos fatores da fragmentação dos seres humanos. E o tempo é outro fator.

Alguma vez já consideraram, o que é o tempo? Segundo os cientistas interessados no tema, o tempo é uma sequência de movimentos; movimento é tempo. O tempo não é só do relógio, do cronológico, senão que também é o nascer e o pôr do sol, a escuridão da noite e a luminosidade da manhã. E também há o tempo psicológico, o tempo interno: “Sou isto e serei aquilo”; “Não sei matemática, mas algum dia a aprenderei”. Para tudo isso se requer tempo; para aprender um idioma se necessita de muito tempo. Há o tempo para aprender, para memorizar, para desenvolver uma habilidade, e também há o tempo como a entidade egoísta que diz: “Chegarei a ser algo mais”. Esse “chegar a ser” psicológico também implica tempo. E nós estamos estudando não só o tempo para aprender uma habilidade, senão também o que temos desenvolvido como um processe de conquista. Não sabe como meditar, mas cruza as pernas e aprende como controlar seus pensamentos para conquistar algum dia essa suposta meditação. De modo que pratica, pratica, pratica, e é assim que se converte em mecânico. Quer dizer, qualquer tipo de prática faz com que seja mecânico.

De modo que o tempo é o passado, o presente e o futuro. O passado consta de todas as recordações, as experiências, o conhecimento, e o que os seres humanos têm conquistado. Tudo o que permanece no cérebro como memória é o passado. É tão simples. O passado (as recordações, o conhecimento, as experiências, as tendências) está atuando agora; por isso você é o passado. E o futuro é o que você é agora, talvez, algo modificado. O futuro é o passado modificado. Por favor, observe, compreenda isso. O passado, que se modifica no presente, é o futuro. Sem uma transformação radical no presente, amanhã você será o mesmo que é hoje. Assim que o futuro é o agora; não me refiro ao futuro necessário para adquirir conhecimentos, senão ao futuro psicológico. Assim, a psique, o “eu”, o ego são o passado, são a memória. E essa memória se modifica a si mesma no agora, e assim segue. Portanto, o futuro e o passado estão no presente. Todo tempo (o passado, o presente e o futuro) é uma continuidade do agora. Isto não é complicado, mas sim, lógico. Se agora vocês não se transformam, quer dizer, neste instante, o futuro será o que são agora, o que têm sido. Pois bem: é possível nos transformar radical, fundamentalmente agora? Não no futuro.

Somos o passado. Não há duvida disso. E o passado se modifica de diferentes modos através de reações e desafios, e essa modificação se converte no futuro. Este país tem tido uma civilização durante três ou quatro mil anos; isso é o passado. Mas as circunstâncias modernas requerem que rompemos com esse passado e que deixemos essa cultura. Podem falar da cultura passada e desfrutar de sua fama, mas esse passado se esfumaçou, tem sido anulado pelas necessidades e os desafios do presente. E estes modificam para uma entidade econômica.

O passado e o futuro estão no agora. Qualquer tempo está no agora. E estamos dizendo que o pensamento e o tempo são as maiores causas de fragmentação nos seres humanos. De forma similar, queremos ter raízes e nos identificar com um grupo, com um guru, com uma família, com uma nação, etc. E a ameaça da guerra é o maior fator em nossas vidas. A guerra pode destruir nossas raízes psicológicas, e por isso estamos dispostos a matar aos demais. Estes são os maiores fatores de nossas vidas fragmentadas.

Agora, vocês escutam essa verdade ou meramente desacreditam do que se está dizendo e, portanto, se contentam com a descrição e não com a verdade, com a ideia e não com o fato? Por exemplo, quem lhes fala diz: “Qualquer tempo está no agora”. Se o compreendem, é a verdade mais maravilhosa. O escutam como uma série de palavras, como uma ideia, como uma abstração da verdade, ou o captam como a verdade que é? O que fazem? O veem, vivem com este fato? Ou fazem desse fato uma abstração, uma ideia, e se interessam por ela e não pelo fato em si? Assim atuam os intelectuais. O intelecto é, de todas as maneiras, necessário, e seguramente temos pouquíssimo intelecto porque dependemos dos outros. Quando escutam uma afirmação como: “Qualquer tempo está no agora”, ou “Você é a humanidade inteira, porque sua consciência é uma com todas as demais”, como escutam isso? Fazem disso uma abstração, uma ideia? Ou escutam essa verdade, esse fato, essa profundidade e sensação de imensidade que a envolve? As ideias não são uma imensidade; sem dúvida, o fato tem enormes possibilidades.

Assim, onde há tempo, pensamento, desejo de identificação e de ter raízes, não pode haver uma vida holística. Tudo isso impede a totalidade do viver, sua completude. Ao escutar esta afirmação, seguidamente sua pergunta deve ser: “Como deter o pensamento?”. Essa é uma pergunta natural, não é verdade? Sabemos que o tempo é necessário para aprender uma habilidade, um idioma ou um tema técnico. Mas, por sua vez, estão começando a perceber de que o fato de “chegar a ser”, o movimento de “o que é” ao “o que deveria ser” implica tempo, e que isso pode ser totalmente errado, que ser que não seja uma verdade. Desse modo, começam a questionar as coisas. Ou simplesmente dizem: “Não entendo o que você diz, prefiro seguir por minha conta”? Isso é o que, de fato, ocorre. A honestidade, igualmente que a humildade, é uma das coisas mais importantes. Quando um homem fútil cultiva a humildade, está é uma parte de sua futilidade. Porque a humildade não tem nada que ver com futilidade, com o orgulho. É um estado da mente que diz: “Não sei o que sou, vou averiguar”; nunca diz: “Eu sei”.

Bem, vocês têm escutado o fato de que todo o tempo está no agora. Podem estar de acordo ou não. E concordar ou descordar é algo terrível. Por que deveríamos concordar ou descordar? Por exemplo, não importa se estão de acordo ou desacordo com a afirmação de que o Sol nasce pelo leste. Em consequência, podemos deixar de lado nosso condicionamento de estar de acordo ou em desacordo, de modo que ambos possamos observar os fatos, que não há divisão entre os que estão de acordo e aqueles que não o estão, para que somente então possamos ver as coisas tais como são? Posso dizer: “Não vejo isso”, mas isso é algo muito diferente. Nesse caso, podemos investigar por que não vê isso. Mas se entramos nessa área de estar de acordo ou não, nos confundiremos mais e mais.

Quem lhes fala diz que vivemos vidas fragmentadas, que nossa forma de pensar está fragmentada. Alguém, um homem de negócios, ganha muito dinheiro e, a partir daí, constrói um templo ou faz obras de caridade; observem que contradição. Nunca somos realmente sinceros com nós mesmos, não sinceros no sentido de ser algo mais ou de compreender algo mais, senão melhor, ser claros e ter essa sensação de absoluta sinceridade significa não assegurar ilusões. Se diz uma mentira, sabe que a disse e o aceita: “Disse uma mentira”; não necessita encobri-la. Se se irrita, está irritado e diz que o está; não precisa lhe buscar as causas, nem dar explicações ou tratar de se livrar disso. Tudo isso é absolutamente necessário se querem investigar as coisas com mais profundidade, tal como estamos fazendo agora. Não convertam um fato em uma ideia, senão, melhor, permaneçam com o fato, o qual requer percepção com muita clareza.

Depois de escutar tudo isto, diz: “Sim, entendo isso lógica e intelectualmente”. E pergunta: “Como relaciono o que entendi lógica e intelectualmente com o que escutei? Qual é a verdade?” Assim, já se criou uma divisão entre o entendimento intelectual e a ação. Você percebe isso? Escute, tão só, escute. Não faça nada a respeito. Não pergunte: “Como posso conseguir algo? Como posso terminar com o pensamento e o tempo?”. Não posso fazê-lo. Seria absurdo, porque você é o resultado do tempo, do pensamento, e o único que faria seria dar voltas no mesmo círculo. Escute, não reaja, não pergunte como, tão só limite-se a escutar (como escutaria uma bela música ou o canto de um pássaro) essa afirmação de que qualquer tempo está contido no agora, e que o pensamento é um movimento. O pensamento e o tempo andam juntos; não são dois movimentos independentes, mas sim um único e constante movimento. Isso é um fato. Escute isso.

É evidente que vocês querem se identificar, e essa é uma das causas da fragmentação em nossas vidas, igual ao tempo e o pensamento. Assim mesmo, querem estar seguros e por isso se apegam. Estes são os fatores da fragmentação. Escutem isso; não façam nada. Agora, se escutam com muita determinação, esse mesmo escutar cria sua própria energia. Se escutam o fato do que está se dizendo e não reagem (porque tão somente escutam), isso significa que reúnem toda sua energia para escutar; significa prestar enorme atenção ao escutar. E isso mesmo elimina os fatores ou as causas da fragmentação. Se fazem algo a respeito, então atuaram sobre isso. Sem dúvida, se observam se distorção, sem preconceitos, então essa mesma observação, essa percepção, que é enorme atenção, elimina a sensação de tempo, de pensamento, etc.

Outro dos fatores que faz com que vivamos nossas vidas de forma fragmentária é o medo. Esse é um fato comum a todos os seres humanos. E os seres humanos, desde os primórdios, têm tido medo, e nunca solucionaram esse problema. Se realmente não tivessem medo, não existiriam os deuses, os rituais e as orações. Esse medo criou todos os deuses, todas as deidades e os gurus com seus absurdos. Assim, podemos analisar a questão de por que os seres humanos vivem com medo, e se é possível libertar-se totalmente do medo, e não tão só ocasional e esporadicamente? É possível ter a percepção dos objetos do medo e também das causas internas do mesmo? Você pode dizer: “Não tenho medo”, mas seu interior tem como base o medo.

O que é o medo? Você não tem medo? Se é sincero de verdade, para variar, por que não dizer: “Tenho medo”. Tenho medo da morte, de perder meu emprego, de minha esposa ou marido, de que meu guru não me reconheça como um grande discípulo, da escuridão, ou de muitas outras coisas. Não estamos falando dos objetos do medo, do medo de algo. Estamos investigando o medo per se, em si mesmo. Assim, perguntamos: qual é a causa do medo e o que é o medo sem uma causa? Existe tal coisa como o medo se não existe uma causa? Ou a palavra medo, o som do medo faz sentir medo? Por exemplo, se são capitalistas ou socialistas, quando escutam a palavra comunismo, reagem de determinado modo. E quando escutam o termo medo também reagem, ao é verdade? Claro que o fazem. Agora, é a palavra que cria o medo ou a palavra é diferente do medo? É a palavra medo diferente do fato, ou o termo cria o fato? Você deve ter isso bem claro. Se não existisse uma palavra como medo, teríamos medo? A palavra amor não é essa chama intensa. Igualmente, pode ser que a palavra medo não seja o medo, essa sensação de paralisia, de viver em um estado de nervos. Vocês já sabem o que causa o medo nas pessoas; vivem na escuridão, sempre temerosas, assustadas, e suas vidas são terríveis. Sem dúvida, a palavra não é o fato, não é a coisa. Isto deve ficar muito clara. Bem, qual é a causa do medo?

Quem lhes fala lhes perguntou qual era a causa do medo. Mas, como vocês escutaram essa pergunta? Ela tem sua própria vitalidade, sua própria energia. É uma pergunta muito importante, e não meramente intelectual. Se ficam com a pergunta e não tratam de encontrar a resposta, começa a desdobrar-se a própria questão. Suponhamos que com toda seriedade lhes digo: “Amo-lhes”. É de coração que digo. Como escutam isso? Escutam ou surgem reações? Talvez nunca tenham amado de verdade. Pode se que estejam casados, tenham sexo e filhos, e não saibam o que é o amor. Seguramente não o sabem, o que pode ser um fato, porque se amassem não criariam imagens nem divisões. Muito bem, qual é a causa do medo? Escutem, porque tentarei sugeri-lo de uma maneira respeitosa. Façam-se essa pergunta e não procurem respondê-la, porque se procuram encontrar uma resposta (de averiguar a causa para logo eliminá-la), significará que “vocês” são diferentes do medo. Mas, vocês são diferentes ou são o medo? Sim, são cobiçosos; a cobiça é diferente de vocês? Se estão irritados, a irritação é diferente de vocês? Vocês são a irritação, são a cobiça, são o medo. Claro que o são. Vocês podem ver o fato de que são a irritação, a cobiça e o medo? Ao separarem-se do medo, vocês dizem: “Devo fazer algo com o medo”. Mas já se vêm fazendo algo com o medo a cinquenta mil anos; já se tem inventado deuses, rituais, etc.

Escutem a pergunta e não a reação, não perguntem como. A palavra como deve desaparecer por completo de suas mentes. Do contrário, sempre pedirão ajuda, e sempre dependerão dos outros. Perderão toda sua vitalidade, sua independência e seu sentido de estabilidade. Se farão essa pergunta sem esperar uma resposta? Façam-na. Se você planta uma semente na terra e está viva, crescerá e através do concreto. Já viram como as lâminas das ervas se abrem através do pesado cimento! Da mesma maneira, se fazem a pergunta e a retém, descobrirão a causa. É muito simples. Posso explicá-la, mas no momento esse não é o tema principal. O importante é fazer-se a pergunta, porque são pessoas sérias e querem descobri-lo. Permitam que a mesma pergunta responda, igual a semente na terra. Nesse caso verão que a semente floresce e se murcha. Não a desenterrem continuamente para ver se cresce. Igualmente como plantam uma semente na terra, nós fazemos o mesmo com a sensação do medo em nossos corações e em nossas mentes. Se deixamos a pergunta a sós e vivemos com ela, então veremos a causa do medo, não a palavra, não a explicação, senão a verdade disso. A causa do medo é o pensamento e o tempo: “Tenho um emprego e amanhã posso perdê-lo”. “Tenho tido uma dor e agora não a tenho, mas pode ser que volte amanhã”. Não o conhecem?

Como já foi dito, o tempo é o passado e o futuro. O pensamento e o tempo são dois fatores do medo. Não podem fazer nada a respeito. Não perguntem como se pode deter o pensamento, já que é uma pergunta absurda. Precisam pensar para regressar à sua casa, para dirigir um automóvel, para falar um idioma, mas ser que o tempo não seja realmente necessário no psicológico, no interno. Diz-se que o medo existe devido a dois grandes fatores, que são o tempo e o pensamento, o que implica recompensa e castigo.

Bem, tenho escutado sua afirmação. E a tenho escutado muito bem, porque esse é um enorme problema que o ser humano não o resolveu e, portanto, está criando estragos no mundo. Você também tem me dito: “Não faça nada a respeito; formule-se a pergunta e viva com ela”, igual a uma mulher que leva a semente em suas entranhas. Formule-se essa pergunta e permita que floresça. Quando o fizer, a mesma pergunta se murchará. Não se trata de que primeiro floresça e logo se murche, senão que no próprio florescer está o murchar-se. Entendem do que falamos?

Senhores, aprendam a arte de escutar. Saibam escutar a sua esposa ou a seu esposo. Escutem ao homem de rua: sua fome, sua pobreza, seu desespero e sua falta de amor. Escutem-no. Quando o fazem, não existem problemas, não há confusão. Unicamente estão escutando e, por conseguinte, no ato de escutar, o tempo desaparece.

Krishnamurti, Bombaim, 3 de fevereiro de 1985
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quinta-feira, 29 de março de 2018

Na percepção direta, o findar do tempo


Na percepção direta, o findar do tempo

K: Você vê que sua própria vida diária é mecânica, repetitiva, com falsos desejos, atividades e hábitos. É possível que um ser humano rompa com isso e fique novo a cada momento,  a cada minuto do dia? Essa é a verdadeira questão, não? Como se pode mudar isso?

I: Temos que ver que na realidade vivemos, efetivamente, de modo mecânico.

K: Se vemos que nossa vida é mecânica, que nossos prazeres, penas e ansiedades são uma repetição, como tudo isso pode terminar?

I: Às vezes termina, mas volta a começar.

K: Não creio que às vezes termine e volte a começar.

I: Se seguimos vendo todos os dias, você não acredita que começamos a nos distanciar da mente condicionada?

K: Isso significa que você considera o tempo como um meio de destruir o processo mecânico.

I: Sim.

K: Se você chega a isso eventualmente, por lentos degraus, através de perceber-se, e libertar-se do condicionamento, isso implica tempo. Você considera o tempo como meio de terminar com esta maneira mecânica de viver.

I: Exceto que, ao meu juízo, isso nos coloca em outra dimensão do tempo, não a da mente condicionada. Mas reconheço que segue sendo tempo.

K: Não sei o que é esta outra dimensão de tempo. Posso inventá-la, posso especular sobre ela, posso esperá-la; mas o fato real é que não a conheço. Não estou com ela; não faz parte de mim. Tenho que descobri-la, tenho que chegar a ela. Não devo utilizar o tempo, porque este implica esforço e continuidade. O processo mecânico segue adiante. Mas, é possível viver de tal modo que não exista o amanhã? Internamente, no psicológico, o que na realidade queremos é a continuidade do prazer, prazer que tem um amanhã.

I: A convicção subconsciente de que você o que sofrerá ou desfrutará do prazer dentro de um momento é tão forte que não sei se é possível realizar o que você disse.

K: Não é “Faça o que eu digo”, senão “Veja o que ocorre”, senhor.

I: Senhor, é possível livrar-se psicologicamente do amanhã quando se vive sob a lei natural? Quer dizer, é de dia e depois é de noite; há luz e ligo escuridão. Isto penetra muito fundo em si, certamente, ainda mais fundo que a mente condicionada.

K: Não compreendo bem, senhor.

I: Como é possível livrar-se do querer, da esperança do amanhã e a continuidade do tempo, quando se vive sob as leis naturais do dia e da noite, da escuridão e da luz? Tudo isso o faz ter a percepção do tempo.

K: É que a sucessão da noite e o dia lhe faz ter a percepção do tempo?

I: Isso só lhe faz ter a percepção da MUDANÇA, não do tempo.

I: Vejo que não é esforço que nos faz ter a percepção do tempo.

K: Espero do amanhã, porque amanhã desfrutarei. O pensar sobre a manhã me dá prazer. Vou me encontrar com alguém..., todo tipo de prazer.

I: Mas pode ser que amanhã eu não desfrute. Poderia pensar em algo que me desse medo.

K: Se me dá medo do amanhã, é a mesma coisa.

I: Como é possível temer o amanhã, se não sei o que é o amanhã?

K: Seguro de que você tem algum medo do amanhã, medo da morte, de não ser, de perder um emprego, ou de perder sua esposa. Conhecemos assim mesmo muito bem o prazer criado pelos pensamentos sobre o amanhã.

I: Seguindo o que disse esse senhor sobre a lei natural, penso que somos como o peixe dourado num aquário. Estamos tão rodeados de coisas que continuamente nos recordam o tempo, que temos que considerá-lo sem cessar. Ainda que nossa postura e a forma em que guardamos o equilíbrio são hábitos. Parece bastante difícil separar o tempo psicológico o tempo real, o do relógio, do processo vivente natural de nosso próprio corpo.

K: Muito bem, senhor; vamos olhar outra vez, de modo diferente. O que é o ato, o momento de aprender? O que é o ato de ver e de escutar? Quando você está escutando, escuta com o tempo? Está escutando com conceitos, com fórmulas, com ideias, ou simplesmente escuta? Existe esse ruído do tráfico que passa fora da sala. Como você o escuta? Escuta com irritação, com recordações, com desgosto, ou tão só se limita a escutar? Quando você vê, com o tempo, ou fora do tempo? Vê só com os olhos quando vê sua esposa ou a seu marido, ou quando se vê num espelho? Ou também vê no tempo, com desgosto, desespero, depressão, ou alguma outra reação baseada na memória?

I: Você perguntava sobre o ato de aprender, mas eu não creio que NA REALIDADE aprendemos. Tratamos de introduzir o tempo nisso. Olhamo-nos no espelho e vemos mais cabelos brancos. Os comparamos com a quantidade que havia ontem, e achamos que envelhecemos. Assim é como aprendemos, mas não creio que isso seja aprender de verdade.

K: Então, o que é aprender?

I: Creio que é ver sem o tempo.

K: Não especule sobre isso! O que é aprender? Quando você aprende?

I: Quando tem a percepção de seu condicionamento.

K: Quando você aprende? Não responda em seguida, por favor. Simplesmente veja-o. O que é o ato de aprender? Qual é o estado da mente quando ela está aprendendo?

I: Você se refere a aprender a partir do ver?

K: Para mim, ver e aprender são o mesmo.

I: É experimentar.

I: Estar aberto.

I: Mediante a concentração. Ter o anseio de descobrir.

K: Quando você aprende? Aprender é diferente de conhecer, não? Acumular conhecimento é diferente de aprender. No momento em que aprendi, isso se converte em conhecimento. Depois de haver aprendido, acrescento mais a isso. A este processo de adicionar o chamamos aprender, mas isso não é mais que a acumulação de conhecimento. Não sou contra a acumulação de conhecimento, mas nós estamos tratando de descobrir o que é o ato de aprender. Na realidade, a mente só aprende quando se acha em um estado de não conhecer. Quando não sei, estou aprendendo. Desde o momento em que tenha aprendido, o aprendido se situa no tempo; se converte em condicionamento, e com esse condicionamento atuo. Posso atuar também aprendendo?

I: Creio que às vezes você se limita a dizer em palavras que não sabe, mas isso não é o real. Eu posso dizer que não sei, mas é outra coisa perceber que isso na realidade é um fato.

K: Só se pode aprender quando há um término real.

I: Por que não há de ser a coisa real?

K: Senhor, o que tratamos de descobrir? Não estamos tratando de descobrir, não verbal ou teoricamente, senão na realidade e de modo efetivo, se é possível viver neste mundo em uma dimensão diferente que não implique esforço algum? Isto significa viver em um nível em que não haja problema; ou melhor, se surge um problema, se o enfrenta de modo tão completo que haverá terminado no minuto seguinte. Podemos seguir criando muita teorias, mas isso é demasiado pervertido e infantil. Para descobrir qualquer coisa, tem que terminar o que é conhecido, ou não deve permitir-se a interferência do que é conhecido. Tenho que aprender o que é terminar, e o terminar deve ser em completa energia.

I: Você se refere a algo mais que esquecer?

K: Certamente que sim. Esquecer é muito simples.

I: Quer deixar um pouco mais claro o que entende por terminar?

K: Olhe, senhor, é muito simples. Já experimentou alguma vez com o findar de um prazer?

I: Sim.

K: Sem esforço?

I: Sim.

K: Sem nenhuma forma de restrição, sem saber o que ocorreria depois?

I: Sim. Já cheguei a me entediar.

K: Oh, não, não, não entediar-se! Tome por exemplo seu próprio hábito prazeroso, seja o sexo, o fumar, o beber, a ambição ou alguma outra coisa. Termine com ele sem luta, sem saber o que vai se passar depois. Tome como exemplo o hábito do tabaco. Termine com ele imediatamente, sem racionalizar, sem temer o dano de fumar, sem temer o tipo de câncer que teria se seguisse fumando. Termine com o hábito.

I: Enquanto desfruta ainda dele?

K: Claro que sim, enquanto ainda desfruta dele. (Risos) Como chega-se ao ponto em que, no pleno desfrute de algo, termina-se com isso?

I: Se você segue inativo quando normalmente empreenderia alguma ação para satisfazer o desejo, e em vez de empreender essa ação, se limita a observar o desejo.

K: Como observa? Olhe, não teorize. A partir do momento em que teorizar, não poderá seguir adiante. Considere um prazer determinado que esteja desfrutando. Você se sente feliz com ele. Por que há de interrompê-lo?

Com o tempo, este prazer repetitivo se torna mecânico. Causa-lhe desgosto, e você adota outro prazer, o qual desfruta até que esse também o entedie.

I: Não o abandonaria se não visse que o prende.

K: Não quero abandonar nada. Vejo que a vida é tão terrivelmente mecânica; o prazer e a dor, o tédio com a dor e o prazer. Ao estar entediado, trato de utilizar o templo como fuga, a igreja, a meditação, os Mestres, ou a busca de conhecimento. Tudo isso é uma tentativa de escapar deste processo mecânico do viver.

Não quero teorizar. Desejo descobrir se é possível viver na realidade de um modo diferente, que não seja mecânico. Como você vai fazê-lo? O único modo, tal como posso ver agora — posso mudar a medida que penetro mais nisso — é que tem que cessar todo desperdício de energia; porque, para terminar com qualquer coisa, necessita-se de enorme energia; é necessária para escutar. O ver sem a interferência do pensamento, sem a interferência de meu condicionamento, sem preconceito, o ver mesmo, é energia total. Para escutar esse carro que passa, necessita-se de uma atenção em que não haja interferência alguma; e para atender por completo, faz falta grande energia. A atenção total requer energia não só neurologicamente, senão também no mental.

Agora estou dissipando energia. Como vou deter esta dissipação sem esforço? No momento em que faço um esforço para detê-la, isso gerará outras formas de contradição, outro desperdício. A mente compreende que tem que deter o derrame de energia. Como pode fazê-lo?

I: Vejo que a mente por si mesma não pode. Se eu, como uma totalidade, não estou convencido, não sei, não vejo e não compreendo o que deve fazer-se, não terminarei com esse derrame.

K: A própria mente, que é resultado do tempo, não pode acabar com ele, porque está formada por preconceitos, idiossincrasias, temperamentos e experiências. A própria mente, utilizando o tempo, está se desperdiçando; assim que não pode funcionar, não pode terminar com o desperdício de energia. Quando você está escutando ou quando vê, ou aprende, está utilizando só a mente, ou melhor, a totalidade de seu ser: a mente, o intelecto e as emoções?

I: Percepção total.

K: Está em funcionamento uma total percepção, atenção, intensidade, quando você escuta? Você nunca escuta a si mesmo todo tempo, evidentemente. Há momentos em que se está completamente atento, consciente, e há alguns, largos períodos de tempo nos quais não se está atento, nos quais não se dá conta tão completamente. O que você vai fazer? Em geral, diz: “Como vou me aperceber de maneira continua?” Creio que essa é uma pergunta, uma demanda errônea. O que tem que se fazer é estar atento da desatenção. Porque é a desatenção o que está gerando problemas e conflitos, não a atenção.

I: Quando não há atenção, quem há que estar atento?

K: Quando não há atenção, quem é que está atento nessa desatenção? Esse é o assunto. Quando você está atento, quando escuta, quando aprende, quando vê, existe uma entidade que esteja observando? Enquanto escuta ao que fala, descubra-o. Quando você presta sua atenção completa, com seu corpo, mente, nervos, olhos, existe um observador, um censor?

I: Não.

K: Só quando você está desatento é que isso interfere. Essa interferência cria problemas, e ainda assim se busca, em meio da desatenção, a solução dos problemas. Se você tem um problema e o escuta completamente, de modo total, sem tratar de achar resposta, sem racionalizar, sem tratar de escapar dele, senão vivendo totalmente com ele, então você verá que não existe problema em absoluto. O problema só surge quando não há atenção.

I: Creio que é muito provável que este tipo de atenção necessite de enorme energia.

K: Sim.

I: É certo. Não posso estar nesse tipo de atenção mais que por um momento. Perco-a. Não posso renová-la.

K: A atenção não pode renovar-se.

I: Durante esses momentos de atenção, você vê que existe ali algo todo o tempo.

I: O problema, como você disse, consiste em que devemos prestar intensa atenção para conservar nossas forças, mas parece que há algo em torno de minha mente de maneira continua. A razão de eu não prestar atenção total não é que não o possa, senão que NÃO QUERO. ESSE é meu problema.

K: Então, mantenha-o como seu problema. (Risos). Na forma em que vivemos, a vida está cheia de problemas, não é assim? E, se a você gosta disso, viva com isso, continue com isso. Sofra a pena e o desespero, todo o medo que é nossa vida.

I: Não, não é isso exatamente. O que eu queria dizer é que temo ao que faria essa atenção total. Há essa explosão de energia...

K: Mas, senhor, você não pode ter medo de algo que não conhece.

I: Muito bem, é um fato que não se pode, mas é possível escolher.
K: Você disse, pois: “Não posso estar atento de maneira total porque tenho medo”.

I: Exatamente.

K: Temos, pois, que examinar o medo, não o modo de nos livrarmos dele, não todos os conceitos e fugas intelectuais. O que é o medo? Provem isto comigo: escutem-no completamente, dando a ele sua plena atenção. Não podem prestar plena atenção se não têm o corpo completamente relaxado; a mente em completa calma. No físico, no emotivo e mental, têm que haver completo descanso. Psicologicamente tem que haver também quietude, calma para escutar. Escutem nesse estado. O que estão escutando: uma explicação, uma série de palavras ou a coisa que temem? Há temor se assim escutam? Vocês podem escutar as insinuações inconscientes do temor, não é assim? E, então, existe o temor?

Tomemos por exemplo, o medo da solidão, a essa sensação de isolamento. Existe uma sensação de completa solidão ainda que se esteja relacionado com muitas pessoas e tenha muitíssimos amigos. Você o sabe, e essa é provavelmente a principal causa do temor. Para escutar o sentimento de solidão, para vê-lo, senti-lo e aprender sobre ele, deve-se ter enorme energia, uma energia que não esteja disciplinada. Não há racionalização, não há explicação. Nesse estado de escutar, a mente está completamente calada com relação a essa solidão. Se você está dessa maneira atento e aprendendo sobre isso, não há entidade que esteja acumulando conhecimento a respeito. Não existe o observador nem o observado. Esta é a coisa mais difícil. A contradição, a divisão entre o observador e a coisa observada, cria o problema do conflito. É possível olhar algo de modo tão completo em que o observador não exista?

O que é comunicação? Como você se comunica? Palavras ou gestos são necessários para que possamos ser entendidos. Mas se há de haver comunicação, tanto o que fala como a pessoa com quem se comunica, tem de estar a certo nível de intensidade. Nesse estado de intensidade não há um que escuta e o outro que fala; há só o ato de escutar. Nesse estado, a mente se acha em comunhão. A comunhão implica espaço.

Uma mente que tenha problemas se embota; e uma mente embotada não pode de maneira alguma estar atenta. Quando surge qualquer problema, só uma mente que esteja atenta, intensa, aprendendo e escutando pode fazer frente, dissolver o problema e seguir adiante. Como vai encarar-se com novos problemas uma mente que já tem tantos? Há o problema da morte, do tempo, do espaço, da relação, o problema do viver, de ganhar a vida, os problemas da enfermidade, a saúde e a velhice. Como a mente vai encarar todos estes problemas de uma vez, não um por um, senão na totalidade deles de uma vez, sem esforço?

Nossos problemas são todos fragmentários, na forma em que agora os enfrentamos. Existe o problema do medo, do tédio, do desfrute: uma multidão de problemas, uma atrás do outro. Há um meio de se fazer frente a todos, não separadamente, senão, totalmente? Se trato cada problema separadamente, cada um deles demandará tempo; tenho, pois, que compreender o tempo.

I: Se você pode tratar todos os problemas de uma vez, então isso implica que eles têm uma raiz comum.

K: Isso, em parte, é verdade.

I: Se você está vivendo no presente, só tem um problema de cada vez; na realidade, todos os problemas se fundem em um só.

K: Os existencialistas dizem: “Viva no presente”. O que significa viver no presente, o presente ativo?

I: Significa que o passado não o afasta dele.

K: Por favor, penetre nisso um pouco mais, senhor. Como posso viver no presente quando sou resultado do passado e quando estou utilizando o presente como meio de chegar ao futuro? Isso significa que tenho que trazer todo o tempo: o passado, o presente e o futuro, ao imediato presente. Para viver no presente, o tempo tem que desaparecer.

I: Eu diria, senhor, que é através da percepção direta, sem tratar de fazer nada sobre isso.

K: Sim, senhora, mas olhe, por favor, na imensa dificuldade. Como o tempo vai desaparecer? Como o espaço vai desaparecer? Ou a distância entre aqui e a lua? Não diga: “Bem, se estou atenta, desaparecerá”; essa não é a resposta. Quando dizemos “Viva no presente”, isso tem que ser algo extraordinário. Porque eu sou o resultado de milhões de anos, minha mente, meu cérebro e meus hábitos são todos do tempo. Você me diz que vive no presente. Pergunto-lhe o que é que você quer dizer com isso. Como posso viver no presente quando tenho atrás de mim uma imensa história que me empurra através do presente para o futuro? Como vou viver no presente com o passado? Não posso. Por isso, tem que haver uma desaparição do tempo. O tempo tem que terminar; tem que deter-se.

I: Creio que vivo no presente quando não tenho recordações, quando simplesmente estou aqui; nesses momentos em que tenho experiência.

K: Sim, mas esses momentos vêm e vão. Isso não é suficiente. Todos temos tido esses momentos em que o tempo não significa absolutamente nada.

I: Vê-se a inter-relação entre todos os problemas, e então daí, surge uma ação.

K: O que você entende por ação? É fazer, ser, mover-se, pensar, atuar? E o que significa ação, levantar-se, ir ao trabalho e tudo o mais? Essa ação se baseia no passado, na ideia, na memória. Para nós, a ação se relaciona com o tempo. Agora estamos tratando de que tudo se ajuste ao tempo. Descobrir, viver e atuar no presente: todas essas coisas requerem a compreensão e o findar do tempo.

I: Para que o tempo termine, isso tem que significar o findar da entidade.

K: Sim, senhor, o fim da entidade.

I: Você quer explicar por que ocorre que sempre parece que o passado e o futuro são muito mais interessantes que o presente?

K: A dama quer saber por que o passado e o futuro são muito mais interessantes que o presente. Isso é bastante claro. (Risos)

I: Bem, posso fazer esta pergunta? Por que é tão difícil encarar-se com o presente?

K: Se realmente compreendemos algo, se de verdade vemos algum fato, então esse fato mesmo, essa mesma observação, traz sua própria ação. Não tenho que descobrir como tenho que atuar. O que tratamos de achar, o que tentamos descobrir por nós mesmos, é se é possível, de algum modo, viver no presente.

I: Não é impossível o não viver no presente? É o único lugar em que podemos viver.

K: Isso é uma ideia, senhor. Todos os meus atos se baseiam em ideias, em uma fórmula, em uma experiência, no conhecimento, tudo o qual pertence ao passado. Não conheço ação que não esteja relacionada com o tempo. Então chega alguém e me diz que eu viva no presente. E eu digo: “O que você quer dizer com isso? Como posso viver no presente?” Se é uma teoria, carece de valor; não tem sentido algum. Para descobrir o que significa, tenho que descobrir, compreender e perceber plenamente o tempo: tempo como espaço, como distância, como conquista gradual; e usar o meio de libertar-me de algo ou de ganhar algo. Para viver no presente, tem que findar essa maneira de pensar, olhar, de viver. Mas a totalidade de meu ser, consciente ou mesmo inconsciente, é do tempo. Como a mente pode dele sair?

I: Tem que findar todas as imagens de si mesmo.

K: Isso é uma ideia, senhor. Não é um fato.

I: O fato é que não sei muito.

K: Você não tem tempo para saber muito.

I: Mas eu me vejo criando tempo, sempre que penso. A cada momento em que estou com plena atenção, que é praticamente todo o tempo, o relógio segue avançando.

K: Sim, senhor.

I: De modo que, durante toda minha vida, estou criando tempo.

K: Como você vai terminar com ele?

I: Eu poderia simplesmente e de modo arbitrário, deixar de pensar.

K: Certamente que não. A questão é esta: pode findar o tempo? Viver no presente significa que não existe o amanhã, e isso representa que termina o prazer, o penar, a dor; não amanhã, senão agora. Não se pode viver no presente com a dor, com o desespero, com a esperança, com a ambição. Tem-se que chegar a este findar do tempo, a esta detenção ou derrubada do tempo, não de modo direto, senão de uma maneira distinta. Tem-se que chegar a isso de forma negativa. Não se sabe o que significa findar com o tempo; de modo que se tem que chegar a isso tendo a percepção de como a mente pensa, e de como ela utiliza o tempo, em forma negativa ou positiva, como meio de conseguir algo.

Existe a questão da paz. Como se vai ser pacífico, não em teoria, não como um ideal que se vai conquistar, senão na realidade? Como se vai ser pacífico quando há guerras, disputas, discussões? Tudo neste mundo está baseado na violência. Para que a paz exista, não pode haver um amanhã.

Os cientistas estão investigando esta questão do findar do espaço, que também é tempo, porque os foguetes levarão tantos meses, ou anos, para chegar em Marte. Pode haver um meio de chegar em Marte com maior rapidez. Nisto estão implicadas enormes coisas. Pode uma mente como a nossa, quem tem estado acostumada ao tempo, que tem vivido assim durante milhões de anos, findar de repente? Podemos eliminar incessantes disputas, realizações, temores e esperanças?

Da próxima vez eu gostaria de discutir sobre se é possível o findar do tempo. Talvez isso seja a criação.

Londres, 26 de abril de 1965
Diálogos com Krishnamurti
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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Existe ou não um "processo" para a verdade?


Como o Eu Superior de uma pessoa que tenta buscar a Auto-realização na verdade É ELA MESMA, como inexiste algo superior, ou além dela que deva ser alcançado, e como a Auto-realização é a compreensão da própria natureza, aquele que busca a Libertação percebe, sem qualquer dúvida ou má interpretação, sua verdadeira natureza distinguindo o eterno do transitório, jamais desviando-se de seu estado natural. A isto se chama a prática do conhecimento. É a investigação que leva á Autocompreensão.

Esse caminho da investigação serve apenas para as almas que estão prontas. As outras devem seguir métodos diferentes, segundo o estágio de suas mentes.

Ramana Maharshi

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O pensamento não pode resolver o problema do sofrimento

Por favor, não aceitem nem rejeitem o que está dizendo. Temos de ver o fato, e, quando o vemos muito claramente, não há aceitação e nem rejeição. Ele é o que é. A questão não é de “como colocar fim ao sofrimento”, ou “em que casos o pensamento deve funcionar e em que caso não deve funcionar”. Quando se compreende com muita clareza todo o movimento do pensamento, como ele opera, todos os fatores implicados, numa palavra, o mecanismo do pensamento, a origem do pensar e do pensamento — começa-se a perceber que o problema do tempo é realmente este: se o tempo, como pensamento, pode terminar. De outro modo, o sofrimento nunca terá fim: continuaremos, por mais dois milhões de anos, ou além, a aceitar, a fugir, a viver uma vida agitada, insegura, incerta.

Pode-se deter o tempo (psicológico)? Devemos primeiro perceber que a mente, o cérebro, o movimento do pensar — tudo está funcionando no tempo, e é tempo. Devemos perceber que o tempo é um movimento, uma corrente, que dividimos em ontem, hoje, amanhã. Temos de perceber esse movimento como um todo e dispensar-lhe toda a nossa atenção. A atenção implica completa cessação do esforço, aplicação do espírito à questão, ao que se está dizendo — nada aceitando, porém aplicando completamente a atenção, sem esforço algum. Não se pode prestar atenção mediante determinação. Se dizemos: “Quero prestar atenção”, toda nossa energia se dissipa no esforço para estarmos atentos. Prestar atenção não requer concentração, porque concentração significa exclusão. No esforço para concentrar-nos, estamos excluindo, erguendo barreiras, resistências; estamos nos forçando, ao passo que na atenção não há divisão, pois o intelecto, os nervos e tudo o mais está funcionando no mais alto nível. Nessa atenção não há observador.

Se aplicam a atenção de vocês a alguma coisa — uma flor, uma árvore — observando-a atentamente, completamente, não há separação entre observador e o objeto observado. Se se olha uma flor completa e atentamente, sem lhe dar nome, sem “gostar” ou “não gostar” — se se observa completamente, com todo o ser, não há observador e, por conseguinte, não há tempo. O observador é resultado do tempo. É o observador que diz “gosto” e “não gosto”; “isto me apraz” e “isso não me apraz”; “isto é vantajoso”, “isto não é vantajoso”; “tenho de conservar os meus prazeres, embora acarretem mais dores, mais ansiedades, mais sofrimento”. O prazer gera invariavelmente sofrimento e dor. A própria natureza do observador é o censor, que está sempre a escolher o prazer. Tudo ele olha desse ponto de vista e, por conseguinte, nunca está atento.

E necessário estar atento ao fluir do tempo, e nunca dizer: “Conservarei esta parte do tempo que me tem dado prazer, satisfação, a lembrança de algo que outrora me deleitou”. Necessita-se de uma atenção total, completamente isenta de sentimento e emoção. Na maioria dos casos, o sofrimento é autopiedade, e a autopiedade é um absoluto desperdício de tempo em excessos emocionais. Não tem nenhum valor. O que tem valor é o fato, e não a autocomiseração que experimentamos porque não podemos alterá-lo. A autopiedade gera ansiedade emocional, sentimentalismo, etc. Quando ocorre a morte de alguém que amamos, esse fato contém sempre o veneno da autopiedade. A autopiedade assume muitas formas  — o pesar pela ausência daquele que morreu, etc. etc. Mas, onde há sofrimento, não há amor. Onde há ciúme, não há amor. Intelectualmente, todos sabemos disso, entretanto continuamos pelo mesmo caminho que gera sofrimento.

Estar atento significa compreender a divisão do tempo em passado, presente e futuro — “Eu fui”, “Eu não devo”, “Eu farei”. Se percebermos claramente esse “processo” do tempo, veremos que o tempo terminará de todo. Experimentem-no! Para o fazermos, prática e não teoricamente, para percebermos o fato, devemos conhecer o passado.

(...) Para compreender tudo isso, temos de prestar-lhe atenção. Quando escutamos atentamente, completamente, o que está dizendo, não há “entidade que escuta”. Quando olhamos uma coisa de maneira completa, não há nenhuma entidade entendida como “aquele que está olhando”. O censor, o observador só se torna existente quando se põe em movimento o processo de pensar.

Ao apresentar-se o sofrer, deem-lhe toda a atenção, sem cuidar de fugir, nem de justificar, nem de encontrar alguma razão para ele. Todos sabemos porque sofremos. Sofremos porque não podemos achar emprego, ou porque nosso filho perdeu a razão ou se tornou “moderno”, ou porque não temos capacidade, e os outros têm. Todos conhecemos as razões do sofrimento, mas só é possível colocar-lhe fim se consideramos em sua inteireza o processo do tempo, que é pensamento. Se dermos essa atenção completa, veremos que, absolutamente, não há mais pensamento e, por conseguinte, não há tempo.

Quando alguém de quem gostamos ou que amamos nos abandona ou morre, passado o choque, “respondemos” a esse fato com reações de nossa solidão, de nossa autopiedade, do tempo que nos faltou para fazer isto ou aquilo, do que poderia ter sido e não foi. Isso é dissipação de energia. Se, passado o choque, prestarmos inteira atenção a esse sofrimento, sem nos arredarmos em nenhuma direção, veremos que ele terá fim, não num futuro distante, porém, imediatamente. Só a mente que não se acha anuviada pelo sofrimento conhecerá o amor. A meditação não é algo que se consegue com esforço, algo que se tem de praticar, de aprender, porém, sim, é aquela atenção — atenção para tudo, da coisa mais insignificante à mais profunda. Se assim fizerem, verão, por si mesmos, que se apresentará um silêncio que não é do tempo, que não é do pensamento. Ao alcançarem algo que não é construído pelo pensamento, verão que esse algo não é, em absoluto, tempo.


Jiddu Krishnamurti – Encontro com o eterno  

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Reflexões sobre o tempo

O tempo não é mais do que um adiamento, não é a plenitude viva do presente.

Para mim , o presente é o conjunto do tempo. É agora que vocês projetam suas sombras; é agora que sofrem; é portanto agora, que vocês podem se libertar da tristeza. Por consequência, devem se tornam conscientes do presente, o que corresponde a se tornarem normais e não incidirem em indulgências no que diz respeito a certas esperanças no futuro, a sonhos fagueiros, filhos da imaginação. Isto, porém, exige grande determinação e o desejo de ser completo no presente.

Assim, o primeiro requisito, a primeira pedra alicerce dessa permanência é o de se tornarem cônscios daquilo que são no presente, o que é a realização da plenitude.

Para viver intensa e plenamente no presente, o que para mim é conhecer a eternidade, o infinito, a mente necessita de estar liberta do passado e do futuro.

O tempo existe, enquanto vocês não o compreendem. Eu estou falando da verdade na qual o tempo não existe e para compreenderem esta verdade, vocês tem de viver com imenso apercebimento no presente, libertos de todos os incentivos e crenças.

Somente a verdade libertará cada um da tristeza e da confusão da ignorância.

A verdade não é o resultado final da experiência, é a vida mesma. Não é um resultado, um intuito, mas o cessar do medo, do desejo.

É pelo viver plenamente no presente, que vocês chegam à realização da beatitude da verdade.

No concentrado percebimento de viver plenamente, sem motivo, vocês libertam a mente de todos os embaraços criados pelo desejo.

Se a mente puder compreender, completamente o significado do presente, a ação torna-se preenchimento, sem criar maior conflito e sofrimento, os quais são apenas o resultado da ação limitada, dos empecilho impostos ao pensamento do medo.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Por que sofremos?

O homem, que já viveu tanto tempo, não conseguiu ainda, com exceção de um ou outro, livrar-se totalmente dessa coisa que chama "sofrimento".

(...) Não importa saber se o sofrimento se acabará ou continuará existente; mas muito importa saber que, a menos que o resolvamos, a menos que fiquemos completa, profunda e definitivamente livres dele, então, todo movimento, todo pensamento, toda ação continuará envolta em suas sombras, em sua escuridão; por conseguinte, nunca haverá um momento de liberdade, de completo bem-estar, equilibrado e racional, uma taça cheia, transbordante, sem o mais leve sopro de sofrimento.

(...) Todos conhecemos o sofrimento. Há o sofrimento da mente que nunca se preencheu; que é pobre, vazia, insensível; que se tornou mecânica, cansada; que vê uma nuvem e não conhece a beleza dessa nuvem; que nunca foi capaz de ser sensível, de sentir, compreender, viver. Há o sofrimento da "não realização", do "não vir-a-ser", do "não ser". O sofrimento da desilusão da vida. O sofrimento causado pela incapacidade de percebimento, por parte da mente acanhada, inepta, ineficiente, limitada, superficial. O sofrimento da mente que se reconhece estúpida, embotada, indolente e que, por maiores esforços que faça, nunca se torna penetrante, lúcida, viva; isso também gera sofrimento.

Há sofrimento em todas as formas que o home pode conceber ou pelas quais já passou. O sofrimento existe, persistente, constante, vigilante — ou oculto nos profundos recessos de nosso coração, jamais explorados, jamais abertos e devassados. Há o sofrimento do inconsciente do homem que viveu séculos e séculos, sem encontrar a solução para essa coisa, para sua agonia, seus desespero, sua ambição. O sofrimento existe. E nunca entramos realmente em contato com ele; sempre o evitamos; sempre tratamos de fugir, de várias maneiras, pelas vias de nossas esperanças, de teorias e ideias verbais, intelectuais, as mais variadas. Nunca entramos diretamente em crise com o sofrimento, enfrentando-o face-a-face, assim como também nunca entramos em crise com o tempo. Temos de levar o tempo a uma "crise", mas nunca nos confrontamos com o problema do tempo em seu aspecto total.

Nunca exploramos essa coisa extraordinária e dolorosa, chamada "sofrimento"; e não podemos explorá-la, se a evitamos. É o que se precisa perceber em primeiro lugar; que não devemos evitá-la. Evitamos o sofrimento por meio de explicações, de palavras, de conclusões e fórmulas, ou da bebida, dos divertimentos, dos deuses, do culto. A mente que deseja de verdade compreender e colocar fim ao sofrimento, deve deter completamente toda espécie de fuga. Esta é uma das nossas maiores dificuldades, porquanto temos todo um sistema de fugas, um complicado sistema de fugas. A própria palavra "sofrimento" é uma fuga do fato real... Para poderdes enfrentar o tempo, compreender essa coisa chamada "sofrimento" — todas as vossas fugas, os deuses, as bebidas, as diversões, o rádio, tudo deve acabar.

Visto que o sofrimento é pensamento, e o pensamento é tempo, deveis compreender o tempo. Há o tempo do relógio — ontem, hoje e amanhã. O sol se põe e o sol nasce — o fenômeno físico. O ônibus sai a uma certa hora, e o trem parte na hora marcada; é esse o tempo do relógio, o tempo cronológico. Mas, existe outro "tempo"? Fazei a vós mesmos esta pergunta: "Há outro tempo, além do tempo cronológico?" Há: o tempo compreendido como duração, separado do tempo cronológico, do tempo do relógio. Há duração, a continuidade da existência — eu fui, eu sou, eu serei. As memórias, as experiências, as diferentes ansiedades, temores, esperanças — tudo isso está na esfera do tempo entendido como "passado". E esse passado, que é psicológico, que é memória, essa carga de ontem, com todas as suas experiências, eu a estou transportando hoje; a memória está transportando hoje, memória essa que está identificada, pelo pensamento, como "Eu". Se não houvesse memória, se não houvesse identificação com aquela memória de que nasce o pensamento, não haveria nenhum "centro", ou seja "Eu", a transportar aquela carga de dia para dia.

Temos, pois, o tempo marcado pelo relógio. E há o tempo psicológico; mas, este tempo é válido? É o tempo verdadeiro? O tempo não é o intervalo existente entre as ações? Quando há ação espontânea, real, não há, com efeito, tempo. Estais esquecido do passado, do presente, do futuro, quando estais vivendo naquele estado de ação. Mas, quando a ação procede do passado, introduzistes o tempo na ação.

(...) O que o orador está fazendo é levar o tempo a uma "crise". Pois estamos habituados a servir-nos do tempo como meio de fuga. Ou, também, nos temos servido do tempo como "o presente único", "o agora", tratando de tirar da vida o melhor proveito, agora — com todos os seus desesperos, agonias, ansiedades, temores, esperanças, alegrias. Dizemos: "Só temos poucos dias de vida, e vivamos com tudo o que a vida oferece, tirando dela o melhor partido". É o que fazemos, e o mesmo têm feito todos os filósofos. E todos os que têm inventado teorias têm, também, um medo intenso da morte.

(...) A mente que está em ação pode existir sem o tempo... A mente que está em ação com uma ideia, um motivo, uma finalidade, uma fórmula, está enredada no tempo; sua ação, por conseguinte, não se completa e, portanto, dá continuidade ao tempo. Como sabeis, o tempo, para nós, é não só a duração psicológica, mas também a continuidade da existência. Serei isto futuramente — amanhã ou no próximo ano. Esse "ser futuramente" está condicionado não só ao ambiente, à sociedade, mas também à reação a tal condicionamento, tal sociedade — reação que consiste em dizer: "Serei isto e o alcançarei futuramente". Quando uma pessoa diz: "Se hoje não sou feliz, se não sou rico interiormente, profunda, ampla, inexaurivelmente rico eu o serei" — essa pessoa está na armadilha do tempo. O homem que pensa que será alguma coisa e está se esforçando para alcançar o que será, para esse homem a maior aflição é o tempo.

É possível a mente achar-se sempre em ação, diretamente, espontânea e livremente, de modo que nunca tenha um momento de tempo? Porque o tempo é pensamento periférico. Todo pensar é periférico, marginal — todo. Pensamento é reação da memória, da experiência, do conhecimento, acumulados; daí procede o pensamento, a reação ao passado. O pensamento jamais pode ser original... O original não pertence ao tempo. Por conseguinte, para descobrir o original deve a mente estar inteiramente livre do tempo — do tempo psicológico; da duração; da ideia de "serei", "alcançarei", "tornar-me-ei".

(...) Assim como o bancário deseja tornar-se gerente do banco, e o gerente aspira a ser diretor, assim como o vigário aspira a ser arcebispo, assim como o sanyasi deseja "vir a ser", alcançar, no final de tudo, isto ou aquilo — assim também nós adotamos perante a vida a mesma atitude. Abeiramo-nos do viver de cada dia com a ideia de realização e, assim, psicologicamente, abeiramo-nos da vida, dizendo "devo ser bom", "devo fazer isto", "devo vir a ser..." É a mesma mentalidade, a mesma ambição; portanto, introduzimos o tempo em nosso viver. Nunca questionamos o tempo. Nunca dizemos: "É mesmo assim? Daqui a dez anos, serei feliz, inteligente, vigilante, imensamente rico interiormente, e então só uma coisa existirá?" Nunca questionamos o tempo; aceitamo-lo, como temos aceito tudo o mais: cegamente, estupidamente, sem pensar, sem raciocinar.

Por isso eu digo que o tempo é veneno, que o tempo é um perigo contra o qual deveis estar sumamente precavidos, perigo tão vivo como um tigre. Deveis estar consciente, a cada minuto, de que o tempo é um veneno mortal, uma coisa fictícia. Estais vivendo hoje; e não podeis viver hoje, de modo completo, com riqueza, plenitude, com extraordinária sensibilidade à beleza, à graça, se vindes com toda a carga de ontem.

(...) Como já sabemos, a maioria de nós traz o passado para o presente, e o presente se torna mecânico. Se observardes a vossa própria vida, vereis quanto é mecânica! Funcionais qual uma máquina, como uma imitação imperfeita do cérebro eletrônico. Porque aceitastes o tempo e com ele vos acostumastes. Ora, há uma vida fora do tempo, quando se compreende o passado, que é só memória e nada mais.

A memória, na forma de conhecimento, de acumulação de experiências, de coisas que o homem vem juntando a milhões de anos — a memória é o passado, consciente ou inconsciente; nela estão depositadas todas as tradições. E com tudo isso vindes para o presente, para o agora e, por conseguinte, não estais, absolutamente, vivendo. Estais "vivendo" com as lembranças, as cinzas frias do ontem. Observai a vós mesmo. Com essas cinzas frias da memória, inventais o amanhã: um dia, serei não-violento; hoje sou violento, mas irei limando essa minha "grata" violência e, um dia, hei de ser livre, não-violento. Que infantilidade! — É uma ideia que aceitastes e, portanto, não podeis despreza-la. E há homens que dizem tais absurdos! E os tratais como grandes homens; porque estais aprisionados no tempo, tal como eles. Esses homens não vos estão libertando, fazendo-vos enfrentar o fato — o tempo — isto é, trazer para o presente o passado inteiro e levá-lo a uma "crise".

Sabeis o que acontece quando vos vedes numa crise — numa crise real, não uma crise inventada, uma crise verbal, de ideias e teorias? Quando vos vedes, de fato, em presença de uma crise, que vos exige atenção integral e "atenção integral" significa: atenção com vossa mente, vossos olhos, vossos ouvidos, vosso coração, vossos nervos, todo o vosso ser — sabeis o que acontece? Não existe, então o passado; não há então ninguém para dizer-vos o que deveis fazer; e, então, dessa extraordinária atenção, vem a espontaneidade; e, nesse estado não existe o tempo. Mas, no momento em que começais a pensar a respeito da crise, no momento em que começais a pensar, todo o passado entra em ação. O pensamento é reação do passado — associação, etc. E verifica-se, nesse momento, o começo do tempo e do sofrimento.

(...) Assim, pois, cumpre compreender a natureza do tempo e o significado do tempo. Com a palavra "compreender" quero dizer "ter vivido" com a coisa, tê-la percebido; não ter aceito nenhuma teoria nem explicação verbal; não ter fugido por meio do passado, porém, ter investigado, de fato, o fenômeno do tempo psicológico. Fazendo-o, levais o tempo a uma "crise"; essa crise vos torna então sobremaneira atento e, por conseguinte, a mente fica num estado de ação. Fica atuando sempre, porque já se livrou daquele estado de "passado e futuro" — do tempo. E nesse estado, em que a mente não está interessada no passado nem no futuro, tem o presente uma significação diferente. Isso não é teoria, e não se trata de um estado de desespero. Por conseguinte, a cessação do sofrimento é a cessação do pensamento, e a cessação do pensamento é o começo da sabedoria. A cessação do sofrimento é sabedoria.

Krishnamurti — Bombaim, 23 de fevereiro de 1964

Talks By Krishnamurti in India 1964

 

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill