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quinta-feira, 19 de abril de 2018

A sociedade torna o cérebro insensível

A sociedade torna o cérebro insensível

[...]PERGUNTA: O cérebro é coisa morta; e como pode tornar-se vivo?

KRISHNAMURTI: O cérebro é coisa morta? Ora, ele só está morto quando paralisado, quando os nervos já nenhuma sensibilidade têm. Mas, com a maioria de nós acontece que o cérebro se torna embotado, por efeito do conflito, da dor, do sofrimento, das inúmeras defesas e sanções de que vivemos cercados. Ele se torna embotado por causa do medo, dos preceitos e tabus da sociedade. Se vos especializastes numa única direção, como médico, cientista, engenheiro, o que quer que seja, uma parte de vosso cérebro pode ser muito brilhante, mas o resto, obviamente, se embota. Sabendo tudo isso, observando tudo isso, e sondando o mecanismo total do pensar, vereis que o cérebro não é inerte; portanto, temos de quebrar-lhe a inércia, e não, simplesmente, aceitá-la.

INTERROGANTE: Formulei mal a pergunta. O que eu queria perguntar era isto: Como pode uma coisa mecânica como o cérebro se tornar parte dessa totalidade chamada "a mente"?

KRISHNAMURTI: Senhor, quando dizemos que o cérebro é mecânico, dizemo-lo a sério? Penso que não. Se um homem perde o emprego, ou se sua mulher se passa para outro homem, ele não diz "meu cérebro é mecânico". Torna-se presa da ansiedade, do ciúme. Estais vendo, pois, como são equívocas as palavras? Dizeis que o cérebro é mecânico, e não pensais mais nisso. Não investigais, para ver se ele é realmente mecânico. Se o cérebro fosse coisa mecânica, como um computador, não teria problemas. Uma máquina não tem problemas; mas o homem que maneja a máquina tem problemas. Estais vendo quanto é fácil cairmos na armadilha de uma palavra e nela ficarmos aprisionados?

Como vimos há dias, biológica e psicologicamente, o cérebro é um instrumento que se pode tornar altamente penetrante, extremamente sensível. Mas a sociedade — e com esta palavra me refiro às nossas relações no emprego, na família, à total estrutura psicológica da sociedade — não irá torná-lo sensível. Pelo contrário, só quando, pela observação e a compreensão do mecanismo do pensamento, se compreende por inteiro essa estrutura psicológica da sociedade, de que fazemos parte — é só então que o cérebro se torna penetrante, vivo, ágil, alertado

Krishnamurti, Saanen, 14 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho


sábado, 7 de abril de 2018

O homem religioso não quer reformar a sociedade

O homem religioso não 
quer reformar a sociedade

PERGUNTA: Admitindo-se que a religião é da mais alta importância na vida, a pessoa verdadeiramente religiosa não se sentirá interessada na situação desditosa de seu semelhante?

KRISHNAMURTI: Tudo depende de quem é que chamais "pessoa religiosa" e do que entendeis por "sentir-se interessado". Tende a bondade de prestar atenção, senhores. O homem religioso deveria ocupar-se com reformas sociais? Que está acontecendo, realmente, no mundo? A pessoa dita religiosa se preocupa com os sofrimentos, as tribulações e a pobreza de seu semelhante, que exigem uma reforma da sociedade. Isto sucede aqui na Índia e noutras partes.

Ora, como sabemos, a produção de utilidades está aumentando muito e é bem provável que daqui a cinquenta ou cem anos haja alimentação e roupa e morada para todos; porque os comunistas têm esse alvo em mira, pelos métodos brutais e tirânicos que lhe são próprios, e os capitalistas têm igual objetivo, para servir aos seus próprios fins. Estamos todos trabalhando para minorar a pobreza e fomentar a produção, pelo uso de métodos cada vez mais eficientes, de novas invenções mecânicas, etc. Tudo isso está sucedendo e continuará a suceder em escala maior ainda — como deve ser. Mas, não há dúvida, o que é de primacial importância é ver a pobreza, ver a degradação, ver como o homem está tratando o homem — o que é algo aterrador — e também senti-lo, em vez de perguntar o que se deve fazer. O que se deve fazer, virá a seu tempo. Mas quase todos nós perdemos o amor pelo homem, em nossa atividade para reformar o homem. Essa reforma vai ser realizada pelo comunismo, de acordo com seus princípios violentos, pelo socialismo, pelo capitalismo e pela constante pressão das nações pobres sobre as nações opulentas. Essa própria pressão provocará uma mudança, uma revolução.

Ora, o problema é este: — Quem é o homem religioso? E deve um homem religioso interessar-se por essa reforma social, em que se trata de acabar com a pobreza e possibilitar uma distribuição equitativa dos bens materiais? É evidentemente necessário extirpar a pobreza, ter boa saúde, alimentação suficiente, casas adequadas para morar, etc.; e isso haverá de realizar-se, por meio da legislação, da pressão, da produção em massa, etc.

Mas que entendemos nós por um homem religioso? Por certo, o homem religioso é o que trabalha para libertar o indivíduo e a si próprio de todas as crueldades e sofrimentos da vida — o que significa que ele é livre de crenças. Esse homem não obedece a nenhuma autoridade, não segue a ninguém, porque ele é a luz de si mesmo; e essa luz irradia do autoconhecimento, é a libertação que vem à existência quando o indivíduo compreende completamente a si mesmo. O homem religioso é aquele que é criador, não no sentido de pintar quadros ou escrever poesias, mas porque nele atua uma força de criação imorredoura, eterna.

Ora, esse homem religioso que descobre sempre coisas novas, de momento a momento, esse homem ir-se-á ocupar com reformas sociais? Ou permanecerá fora da sociedade, socorrendo o indivíduo que se debate nesta luta interminável? Certo, o homem religioso permanece fora da sociedade, porque para ele não existe autoridade. Ele não busca resultados e, por conseguinte, os resultados surgem sem que ele nada faça para consegui-los. Esse homem não se interessa por nenhuma reforma social.

Notai bem: A reforma social é necessária, mas há muita gente trabalhando pela reforma social. E qual a razão dessa atividade? É por amor que a ela se entregam? Ou essa atividade, a que chamam reforma social, é um meio de essas pessoas se preencherem a si mesmas? Notar o mendigo na rua, ver a aterradora pobreza e a degradação existente nas aldeias, e sentir isso, ter amor, compaixão, pelo mendigo, pelo aldeão, isso não é o mesmo quê nos preenchermos numa atividade de reforma social — mesmo quando exerçamos atividades desta natureza. Mas quando a vossa pessoa se torna importante, numa atividade social, isto não acontece porque vos estais preenchendo com tal atividade? E quando isso acontece, já não amais; e o amar, o ter compaixão, o ser sensível ao belo e ao feio, isso é muito mais importante do que nos preenchermos num certo trabalho ostensivo, a que chamamos reforma social.


Assim, o homem religioso é que é o verdadeiro revolucionário, e não o que quer realizar uma revolução no sentido econômico. O homem religioso não reconhece nenhuma autoridade, não é ávido nem ambicioso, não está visando a resultados, não é político; por conseguinte só ele é capaz de realizar a reforma correta. Eis porque é importante que todos nós, não como grupos, mas como indivíduos, nos libertemos imediatamente das crenças e dogmas, da avidez e da ambição. Se assim procederdes, vereis como a mente se tornará cheia de vitalidade. E o homem é então um reformador num sentido completamente diferente, porque irá ajudar-nos a libertar a mente, para descobrir e ser criadora. A mente que está ocupada, não pode ser criadora. A mente que se ocupa em preencher a si mesma, nunca descobrirá o desconhecido. Só a mente que se acha completamente desocupada, pode descobrir e compreender o eterno, e essa mente produzirá sua ação peculiar, na sociedade.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
4 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Rompendo os limites do mecanismo social


Rompendo os limites do mecanismo social

Pergunta: A delinquência juvenil tem crescido, neste pais, em proporções alarmantes. Como pode ser resolvido este problema, que se vai tornando cada vez mais grave?

KRISHNAMURTI: É óbvio que tem de haver revoltas dentro do padrão da sociedade. Certas revoltas são respeitáveis, outras não o são, mas todas elas estão circunscritas na esfera da sociedade, dentro, dos limites da “cerca” social. E, certamente, numa sociedade baseada na inveja, na ambição, na guerra, são de esperar revoltas dentro dela própria. No cinema, vê-se muita violência. Tivemos duas tremendas guerras totais, representando a violência total. Toda nação que mantém um exército tem de ser destrutiva dos seus próprios cidadãos. Por favor, prestai atenção a isto. Nenhuma nação é pacífica, enquanto tem um exército defensivo ou ofensivo. Todo exército é ao mesmo tempo defensivo e ofensivo, e nunca criará um Estado pacífico. No momento em que uma nação institui e mantém um exército, está destruindo a si própria. Isto é um fato, historicamente comprovado. E, de todos os lados, vemo-nos estimulados à competição, à ambição, ao sucesso. A competição, a ambição e o sucesso são os deuses de uma sociedade excepcionalmente próspera, como esta, e que se pode esperar daí? Desejais que os delinquentes juvenis se tornem cidadãos respeitáveis, e só isso. Não atacais as raízes do problema, o que significa deter completamente o “mecanismo” da guerra, da manutenção de exércitos, da ambição, do estímulo à competição. Estas coisas, que se acham arraigadas em nossos corações, são as “cercas” da sociedade, dentro das quais está sempre havendo revolta, tanto da parte dos jovens como da parte dos velhos. O problema não é só a delinquência juvenil; ele envolve toda a nossa estrutura social e não terá solução enquanto vós e eu não nos retirarmos para fora da sociedade — da sociedade, que representa ambição, crueldade, desejo de sucesso, de nos tornarmos pessoas importantes, de galgarmos os postos mais altos. Todo esse processo é, essencialmente, o egocêntrico esforço de preenchimento e a diferença é só que nós o tornamos “respeitável”. Como incensais o homem bem sucedido na vida! E como enalteceis e condecorais aquele que mata milhares de homens! E há também as divisões criadas pela crença, pelo dogma — o cristão e o hinduísta, o budista e o muçulmano. São estas as coisas que estão produzindo conflito; e quando procurais resolver o problema da delinquência juvenil, obrigando os jovens a ficarem em casa, ou disciplinando-os, ou alistando-os no exército, ou recorrendo às várias soluções oferecidas pelos psicólogos e reformadores sociais, estais, por certo, atendendo de maneira muito superficial a uma questão fundamental. Mas nós temos medo de atacar as questões fundamentais, porque nos arriscaríamos a tornar-nos impopulares, a ser chamados comunistas, ou sabe Deus o que mais — e os rótulos parecem ter para nós uma importância extraordinária. Seja na Rússia, seja na Índia, seja aqui mesmo, o problema é essencialmente o mesmo, e só quando a mente compreender toda esta estrutura social, poderemos encontrar um modo completamente diferente de atender ao problema, estabelecendo, assim, talvez, a verdadeira paz, e não a espúria paz dos políticos.

Krishnamurti, 7 de agosto de 1955
Realização sem esforço

A compreensão do mecanismo social


A compreensão do mecanismo social

TALVEZ convenha, em primeiro lugar, considerarmos o que se entende por “escutar”. Evidentemente, estais aqui para escutar e compreender o que se está dizendo; e acho de importância averiguar como escutamos, uma vez que a compreensão depende da nossa maneira de escutar. Quando escutamos, estabelecemos em nós mesmos uma discussão do que se está dizendo, interpretando-o de acordo com nossas opiniões pessoais, conhecimentos, idiossincrasias, ou ficamos simplesmente a escutar, com atenção, sem intuito de interpretação? E que significa “prestar atenção”? Parece-me realmente importante diferenciar entre “atenção” e “concentração”. Sabemos escutar com uma atenção completamente isenta de interpretação, oposição, ou aceitação, de modo que compreendamos integralmente o que se diz? É bastante óbvio, penso eu, que, se somos capazes de escutar com atenção completa, esta mesma atenção produz um efeito extraordinária.

Por certo, há duas maneiras de escutar. Pode-se seguir superficialmente as palavras, perceber sua significação, alcançando-se meramente o significado exterior da descrição; ou pode-se escutar a descrição, a exposição verbal, e continuá-la interiormente, isto é, podemos estar apercebidos do que se está dizendo, como uma coisa que estamos experimentando diretamente em nós mesmos. Se sabemos proceder desta última maneira, isto é, se através da descrição somos capazes de experimentar diretamente a coisa que se está dizendo, terá isso, a meu ver, grande importância. Espero tenteis experimentar o que estais escutando.

No mundo inteiro há pobreza, em proporções imensas, como na Ásia, e enormes riquezas, como neste país; há crueldade, sofrimento, injustiça, um modo de viver em que não existe nenhum sentimento de amor. Vendo-se isto, que se pode fazer? Qual a maneira correta de nos aplicarmos à solução desses inumeráveis problemas? As religiões, em toda parte, têm sempre encarecido o aperfeiçoamento pessoal, o cultivo da virtude, a aceitação da autoridade, a obediência a certos dogmas, crenças, a necessidade de fazermos um grande esforço de ajustamento aos padrões estabelecidos. Não só religiosamente, mas também politicamente, vemos esse constante impulso de aperfeiçoamento pessoal: “Devo tornar-me mais nobre, mais delicado, mais atencioso, menos violento.” A sociedade, com a ajuda da religião, criou uma civilização baseada no auto-aperfeiçoamento, no sentido mais amplo da palavra. É isto o que cada um de nós está tentando fazer, a todas as horas: estamos tentando melhorar a nós mesmos, o que implica esforço, disciplina, ajustamento, competição, aceitação da autoridade, senso de segurança, justificação da ambição. E o auto-aperfeiçoamento conduz, com efeito, a certos resultados óbvios: torna a pessoa mais sociável. Tem significação social, e nada mais, visto que o auto-aperfeiçoamento não pode revelar a Realidade fundamental. Acho muito importante compreender-se isto.

As religiões que temos não nos ajudam a compreender aquilo que é real, porquanto, essencialmente, estão elas baseadas, não no abandono do “eu”, mas no melhoramento, no aperfeiçoamento do “eu”, o que significa: continuidade do “eu”, sob diferentes formas. São pouquíssimos os que se libertam da sociedade, não das exterioridades sociais, mas de todas as influências de uma sociedade que está baseada na ambição, na inveja, na comparação, na competição. Esta sociedade condiciona a mente de acordo com certo padrão de pensamento, o padrão do auto-aperfeiçoamento, auto-ajustamento, auto-sacrifício, e só os que são capazes de libertar-se de todo condicionamento, só estes podem descobrir aquilo que não é mensurável pela mente.

Agora, que entendemos por esforço? Todos estamos a fazer um esforço, nosso padrão social está baseado no esforço de adquirir, de compreender mais, de ter mais conhecimentos para, com esse fundo de conhecimentos, agirmos. Há sempre um esforço de automelhoramento, auto-ajustamento, autocorreção, impulso para nos preenchermos, com todas as suas frustrações, temores e angústias. De acordo com esse padrão, que todos conhecemos e de que somos parte integrante, é uma coisa perfeitamente justificável ser ambicioso, competir, invejar, perseguir determinado resultado; e nossa sociedade, seja na América ou na Europa, seja na Índia, está essencialmente baseada em tal padrão.

Assim sendo, pode a sociedade, a civilização, em seu sentido mais amplo, ajudar o indivíduo a descobrir a verdade? Ou a sociedade é nociva ao homem, já que o impede de descobrir o que é a verdade? Indubitavelmente, a sociedade, tal como a conhecemos, esta civilização em que estamos vivendo e funcionando, leva o homem a ajustar-se a um padrão determinado, a ser respeitável, e ela é o produto de muitas vontades. Nós criamos esta sociedade; ela não nasceu espontaneamente. E esta sociedade ajuda o indivíduo a achar o que é a Verdade ou Deus — ou o nome que quiserdes, pois as palavras são sem importância — ou deve o indivíduo pôr de parte, totalmente, a cultura, os valores da sociedade, para descobrir a Verdade? O que não significa — e cumpre notá-lo claramente — que ele deve tornar-se anti-social, fazer o que bem entender. Pelo contrário.

A atual estrutura social baseia-se na inveja, no impulso aquisitivo, em que está implicada a conformidade aos padrões, a aceitação da autoridade, a perpétua realização da ambição — e tudo isso representa, essencialmente, o “eu”, o “ego”, a lutar para se tornar alguma coisa. É deste material que está feita a sociedade, e sua cultura — nos seus aspectos agradáveis e desagradáveis, belos e feios — todo o campo de empreendimentos sociais — sua cultura condiciona a mente. Vós sois o resultado da sociedade. Se tivésseis nascido na Rússia e sido educado pelos seus métodos especiais, negaríeis a Deus, aceitaríeis certos padrões, tal como aqui aceitais outros padrões. Aqui, credes em Deus, e acharíeis horrível, se não crêsseis, pois não seríeis pessoas respeitáveis.

A sociedade, pois, em toda parte, está condicionando o indivíduo, e esse condicionamento assume a forma de automelhoramento, que na realidade significa perpetuação do “eu”, do “ego”, sob diferentes formas. Esse melhoramento pode ser grosseiro, ou então muito requintado, quando se torna prática da virtude, da bondade, do chamado amor ao próximo; mas, essencialmente, ele representa a continuação do “eu”, que é produto das influências condicionadoras exercidas pela sociedade. Todos os vossos esforços têm sido aplicados no sentido de vos tornardes alguma coisa, neste mundo, se tiverdes sorte, ou no “outro mundo”; mas o que vos move é sempre a mesma ânsia, o mesmo impulso para manter a continuidade do “eu”.

Ao perceber-se tudo isso — e não é necessário que eu entre em todos os respectivos pormenores — é inevitável esta pergunta: a sociedade ou a cultura existe para ajudar o homem a descobrir isso que se pode chamar a Verdade, Deus? O que importa verdadeiramente é que descubramos, que experimentemos diretamente algo que se acha muito além da mente, e não, apenas, que tenhamos uma crença, pois isso não tem importância nenhuma. E, as chamadas religiões, o seguir vários instrutores e disciplinas, o pertencer a seitas, cultos, pode qualquer dessas coisas ajudar-vos a encontrar aquela bem-aventurança eterna, aquela realidade eterna? Se não vos limitardes a ouvir, apenas, o que se está dizendo, concordando ou discordando, mas perguntardes a vós mesmos se a sociedade vos está ajudando — não no sentido superficial de alimentar-vos, vestir-vos e dar-vos morada, mas fundamentalmente — se de fato fizerdes diretamente esta pergunta a vós mesmos, o que significa que estareis aplicando a vós mesmos o que se está dizendo, tornando-o assim uma experiência direta, e não meramente uma repetição de coisas ouvidas ou aprendidas, vereis então que o esforço só pode existir na esfera do automelhoramento. E o esforço é, bàsicamente, parte integrante da sociedade, a qual condiciona a mente de acordo com um padrão em que o esforço é considerado um fator essencial.

Por exemplo, se sou cientista, tenho de estudar, tenho de conhecer matemática, de saber tudo o que já se disse anteriormente, tenho de possuir um imenso cabedal de conhecimentos. Minha memória tem de ser exercitada no mais alto grau, tenho de torná-la mais forte, mais ampla. Mas a tal memória, tal saber, na, realidade impede descobrimentos mais profundos. Só quando sou capaz de esquecer tudo o que sei, todos os conhecimentos que adquiri — os quais podem ter utilidade noutras ocasiões — só então estou apto a descobrir algo novo. Não me será possível descobrir nada novo com o lastro do passado, com minha carga de conhecimentos — o que, mais uma vez, é um evidente fato psicológico. E estou dizendo isto porque queremos ir ao encontro da realidade, daquele extraordinário estado criador, com toda a carga que a sociedade nos impôs, todo o condicionamento de uma dada cultura, razão por que nunca descobrimos o novo. Por certo, aquela realidade, que constitui o sublime, o eterno, tem de ser sempre nova, estar fora do tempo, e para que o novo possa manifestar-se, nada se deve empreender no terreno em que o esforço só visa ao automelhoramento, ao autopreenchimento. Só quando tal esforço cessar totalmente, se tornará possível a “outra coisa”.

Notai, por favor, que isto é muito importante. Não é uma questão de ficardes contemplando o umbigo e vos deixardes enlevar por uma ilusão qualquer, mas, sim, de compreender-se o mecanismo total do esforço, na sociedade, esta sociedade de que somos produto, esta sociedade que nós mesmos construímos, onde o esforço é uma coisa essencial, porque, sem ele, estamos perdidos. Se não sois ambicioso, sereis destruído; se não sois ganancioso, sereis pisado; se não sois invejoso, nunca tereis, cargos elevados ou grandes êxitos na vida. Por isso, estais constantemente a fazer esforços para serdes ou para não serdes, para vos tornardes algo, terdes êxitos felizes, realizardes as vossas ambições; e com tal mentalidade, que é produto da sociedade, quereis tentar achar algo que não é produto da sociedade.

Ora, se desejamos descobrir o que é a verdade, devemos estar totalmente livres de todas as religiões, de todos os condicionamentos, dogmas, crenças, de toda autoridade que nos força a ajustar-nos a padrões; e isso significa, essencialmente, “estar completamente só” — coisa muito difícil, que não é um simples entretenimento para uma manhã de domingo, para um deleitável passeio de carro e um refrescante descanso debaixo das árvores, ouvindo coisas sem sentido. O descobrimento da Verdade requer uma dose imensa de paciência, de serenidade, de incerteza. O mero estudo dos livros não tem valor algum; mas se, enquanto estais escutando, puderdes manter-vos completamente atentos, vereis que essa atenção vos libertará de todo esforço, de modo que, sem nenhum movimento em qualquer direção, a mente será capaz de receber algo extraordinariamente belo e criador, algo que não pode ser medido pelo saber, pelo passado. Só uma pessoa assim é verdadeiramente religiosa e revolucionária, porque já não faz parte da sociedade. Enquanto o indivíduo for ambicioso, invejoso, ganancioso, competidor, ele é a sociedade. Com uma mentalidade dessas, de que é dificílimo nos libertarmos, esse indivíduo busca Deus, e essa busca não tem significação alguma, já que não passa de um novo esforço que ele faz, para se tornar algo, para ganhar algo. Eis porque é de grande importância compreendermos as nossas relações com a sociedade, estarmos apercebidos de todas as crenças, dogmas, doutrinas e superstições que adquirimos, e deitarmos fora tudo isso — não por meio de esforço, porque nesse caso ver-nos-emos de novo apanhados na mesma rede, mas percebendo essas coisas no seu exato significado e soltando-as de nós, tal como as folhas do outono, que murcham e são levadas pelo vento, deixando a árvore inteiramente nua. Só quando se acha neste estado, completamente nua, a mente pode receber algo portador de uma felicidade imensa para a nossa vida.

Krishnamurti, 7 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A mais importante obrigação de todo ente humano

[...] Cumpre encontrar ordem na sociedade e na liberdade. A sociedade são relações organizadas entre homens. Nessa organização, nessa sociedade, temos de encontrar liberdade, e nessa liberdade — ordem; do contrário, não é liberdade, porém mera reação contra a sociedade. Quer dizer, muitos de nós, vendo-nos cativos do ambiente, reagimos, revoltamo-nos; e essa revolta, segundo cremos, é liberdade. Mas, é bem evidente que nenhuma revolta originada de reação traz a liberdade; só traz desordem. A liberdade é um estado de espírito que não resulta de nenhuma reação — tal o comunismo, que é uma reação ao capitalismo. E essa reação, na vida diária ou numa sociedade organizada, só pode gerar mais desordem. 

Na sociedade existe ordem, tecnologicamente, como se vê, no mundo inteiro. A ordem é necessária para os indivíduos poderem viver e trabalhar juntos; toda cooperação exige ordem. Mas, essa ordem é produto da necessidade tecnológica, da necessidade criada pela conveniência, pelo medo, etc. Nessa ordem tecnológica há desordem, porque o homem não é livre. Só quando se compreendem as relações psicológicas entre os homens, e nessas relações se estabelece a ordem, só então há liberdade.

Ao falamos de liberdade, não estamos falando de reação; estamo-nos referindo à ordem que nasce da integral compreensão da psique humana, da essência total do homem, da inteira estrutura sociológica e psicológica do homem. Da compreensão dessa estrutura nasce a liberdade que traz a ordem. Só dentro dessa ordem poderão os homens conviver pacificamente. Tal é o alvo que temos em mira, isto é, promover uma transformação na mente humana, mediante a compreensão das relações sociológicas e psicológicas do homem; pois dessa compreensão nascerá a liberdade, e dessa liberdade a ordem. O que nos interessa, por conseguinte, é descobrir uma maneira de viver em que não sejamos escravos da sociedade e possamos, ao mesmo tempo, estabelecer, num mundo novo, um estado de ordem e não de desordem nas relações humanas. 

Na sociedade hoje existente, as relações entre os homens são organizadas; nela há desordem, porque vivemos em conflito, não só com nós mesmos, mas também uns com os outros. Exteriormente, estamos divididos em comunidades, separadas umas das outras por diferenças idiomáticas, nacionais e religiosas; divididos em famílias, em oposição à comunidade, e a comunidade em oposição à nação, etc. Interiormente, observa-se uma extraordinária ânsia de sucesso, um forte impulso à competição, ao ajustamento; a compulsão da ambição, do desespero, do tédio da existência de cada dia; o desespero do ente humano que se vê num estado de total e irremediável solidão. Tudo isso, consciente ou inconscientemente, constitui o campo de batalha das relações. A menos que se estabeleça a ordem nessas relações, qualquer que seja o resultado da revolução econômica, social ou científica, é inevitável a desintegração, porquanto não foi compreendida, resolvida e libertada a estrutura da mente humana. 

Nosso problema, pois, se refere à obrigação que temos de promover uma completa revolução psicológica; porque cada um de nós, cada ente humano, é parte integrante da sociedade, dela não está separado. Não existe isso que se chama "um indivíduo". Pode um ente humano ter um nome, uma família separada, etc.; mas, psicologicamente, não é um indivíduo, porque está condicionado pela sua sociedade; por suas crenças, seus temores, seus dogmas; por todas as influências exercidas pela sociedade; pelas circunstâncias em que vive. Isso é bem óbvio. O indivíduo é condicionado pela sociedade em que vive, e esta foi criada por ele. Por essa sociedade ele é responsável; e somente a ele, como ente humano, cabe promover-lhe a transformação. 

Eis a mais importante obrigação de todo ente humano. Não tem ele de aderir a certas reformas sociais, pois isso seria inteiramente inadequado e absurdo. Como entes humanos, cabe-nos a obrigação de promover uma revolução psicológica que estabeleça a ordem nas relações humanas. Essa ordem só poderá nascer da revolução psicológica, e esta só se realizará quando cada um de nós compenetrar-se de sua enorme responsabilidade. 

Em geral, cremos que alguém, um outro qualquer promoverá essa revolução; que, por obra das circunstâncias, de Deus, de crenças, de políticos, rezas, leituras de certos livros chamados "livros sagrados", etc., nossa mente será transformada. Quer dizer, passamos adiante a nossa obrigação, a algum líder ou guia, a um certo padrão social, uma certa influência. Tal maneira de pensar denota total irresponsabilidade e profunda indolência. 

[...] Deveis tornar-vos bem cônscios deste problema: que não há solução na revolução econômica, política ou científica; que nenhum líder político, por mais tirânico ou benfazejo que seja, nenhuma autoridade poderá promover a ordem psicológica; que ninguém, senão vós mesmo, como ente humano, pode promovê-la — não num mundo celestial, se tal mundo existe, porém neste mundo, e já!

Portanto, o problema é vosso. Podeis não desejá-lo, e dizer: "Preciso que alguém me mostre o caminho; estou disposto a seguir". Pois estamos muito acostumados a seguir pessoas: no passado, temos os instrutores religiosos; no presente, Marx ou um certo guru ou santo, com suas peculiaridades e idiossincrasias. Estamos sempre na sujeição da autoridade. A mente, escravizada há séculos pela autoridade, pela tradição, pelas convenções, pelo hábito, está sempre disposta a seguir e, em consequência, a transferir a outrem suas responsabilidades; nessas circunstâncias, não é possível estabelecer-se a ordem psicológica. Essa ordem psicológica é indispensável, porque nela é que temos de basear a nossa vida diária — a única coisa realmente importante. Daí, dessas bases sólidas, temos possibilidade de ir muito longe. Mas, se nos faltam essas bases ou se as assentamos na crença, no dogma, na autoridade, na confiança em outrem, estamos então totalmente extraviados.

Cabe-nos, pois, promover uma transformação psicológica em nossas relações com a sociedade em que vivemos. Por conseguinte, não há motivo de retirar-nos para o Himalaia, tornar-nos monges ou freiras ou prestar serviços sociais, e demais puerilidades. Nós temos de viver neste mundo, de realizar uma transformação radical em nossas mútuas relações, não num futuro distante, porém agora; é essa a nossa maior obrigação. Porque, se não modificar-se a psique, a estrutura interna da mente e do coração, nos veremos em eterna confusão, angústia e desespero. 

Krishnamurti em, A Suprema Realização

Sem novos indivíduos, não há nova sociedade

[...]Deveis saber que há enorme confusão, aflição e sofrimento no mundo, e que o homem — o homem de nossos dias — não soube dar a isso a devida solução. Assim sendo, apela-se para o passado. Considera-se necessário retroceder cinco ou sete mil anos, para ressuscitar aquele passado e restaurar o sentimento religioso. E por esse caminho, igualmente, nada se resolve. Não há solução mediante o tempo. O tempo poderá tornar a vida mais aprazível, mais confortável, mas conforto e prazer não são soluções positivas para a vida. Tampouco se encontra a solução por meio de reformas. Não há solução no frequentar o templo, no ler qualquer livro sagrado. É necessário que o indivíduo compreenda quanto é sério tudo isso; que sejam abandonadas todas aquelas futilidades e nos coloquemos frente a frente com os fatos — nossa vida cotidiana, nossa existência brutal, ansiosa, insegura, cruel, com seus prazeres e entretenimentos — para vermos se, como ente humanos que vivemos há dois milhões de anos, poderemos operar uma radical transformação em nós mesmos e, por conseguinte, na estrutura da sociedade. 

O tomar conhecimento dessa responsabilidade, dessa obrigação, é muito difícil. Temos de trabalhar não só em nosso interior, mas também em nossas relações com outrem. Com a palavra "trabalho" não me refiro a pôr em prática alguma fórmula estulta, alguma teoria absurda, as asserções fantásticas de algum filósofo, guru ou instrutor. Todas essas coisas são infantilidades, impróprias de um indivíduo amadurecido. Quando dizemos "trabalho", isso significa que o indivíduo, cônscio de sua responsabilidade como ente humano vivente neste mundo, deve trabalhar pela transformação de si próprio. Pois, se ele operar essa mutação em si próprio, poderá transformar a sociedade. A sociedade não pode ser transformada por nenhuma revolução, quer econômica, quer social. Disso já tivemos provas com a Revolução Francesa e a Revolução Russa. A eterna esperança do homem de que, mediante a alteração das coisas exteriores, o ente humano pode ser transformado, nunca se realizou e nunca se realizará. A reforma exterior, a reforma econômica que forçosamente terá de operar-se nests país tão pobre — não irá modificar a atitude do homem, suas maneiras de vida, sua aflição e confusão. 

Assim, para que se opere uma total transformação do ente humano, é necessário que o homem se torne cônscio de si próprio, aprenda de uma nova maneira a respeito de si próprio. O homem, segundo as recentes descobertas da antropologia, vive a dois milhões de anos; e até hoje não descobriu uma solução para suas aflições. Tem sabido fugir delas, por meio de fantasias e ilusões. Mas não encontrou a necessária solução, não edificou uma sociedade livre de ajustamentos. 

[...] Como se observa neste país, cada homem cuida apenas de sua família, de seu grupo, sua classe, sua região natal, suas diferenças idiomáticas. Vive inteiramente alheio ao que está acontecendo a seu próximo; isso pouco lhe importa; é total a sua indiferença aos acontecimentos. Entretanto, seus livros religiosos ensinam que ele terá uma vida futura e, portanto, deve comportar-se decentemente; que existe karma: tudo o que ele agora faz é levado em conta — como fala, como diz as coisas, não importa a quem seja; que deve proceder virtuosamente, pois, do contrário, pagará por seus atos na próxima vida. É isso, em linhas gerais, o que eles preceituam. Nesta base, há séculos, os indivíduos estão sendo educados. No entanto, tais crenças e ideias nada importam em vossa vida, porque não credes. Continuais a comportar-vos como se esta fosse a única vida realmente importante. Porque continuais a competir, a ser ambicioso, a destruir o vosso semelhante; socialmente, sois destituídos de espírito cívico

Há, pois, duas formas de sociedade. Numa delas, o indivíduo é obrigado a ajustar-se, forçado pela necessidade de cooperar. Aí, o ente humano adquire a mentalidade cívica: não jogo lixo na rua, porque se o fizer serei punido. Nessa sociedade há ordem. Mas, dentro dessa ordem, dessa organização cada um está contra todos. Na outra forma de sociedade, a existente neste país, não há nenhuma estrutura social. Não há a menor consciência cívica, porque ninguém crê no que lhe é dito ou ensinado. 

Há essas duas formas de sociedade; e cada uma delas traz em si o germe de sua própria destruição. Assim sendo, ao home religioso importa criar uma nova sociedade inteiramente diferente daquelas, ou seja, uma sociedade em que cada indivíduo proceda virtuosamente em cada minuto, por compreender suas responsabilidades como ente humano; por compreender que só ele responde por sua conduta e suas atividades; só ele será responsável, se for ambicioso, cruel, destruidor, rancoroso, ciumento, competidor, atormentado por temores. — Só tais indivíduos podem criar uma nova sociedade. 

Necessitamos de uma nova sociedade; e ninguém mais a pode criar senão vós mesmos. Mas, não parecemos sentir nossa imensa responsabilidade a esse respeito. E é isso o que mais importa, antes de tudo o mais. Porque essa é que é a base adequada, ou seja, o comportamento virtuoso, a conduta justa — que não é conduta ditada por um padrão, porém conduta que decorre do aprender. Se o indivíduo está aprendendo a todas as horas, esse próprio ato de aprender cria a ação virtuosa. Por isso, só a mente religiosa pode criar a nova sociedade. 

[...] Para irmos muito longe, temos de começar com o que está muito perto. Devemos começar aqui e não do outro lado da existência. Deveis começar com a Terra, conosco, com os entes humanos, com vós mesmo, e nunca tentar descobrir a "beleza transcendental" da vida. Para se achar a beleza transcendental da vida, é preciso primeiramente conhecer a própria vida. Só através de nossa existência diária e pela compreensão da beleza dessa vida, só por essa porta se pode descobrir o imensurável.

Jiddi Krishnamurti em, A Suprema Realização

É possível viver sem a esterilidade da moderna existência?

Para a maioria de nós, viver a existência diária, o escritório e sua insípida rotina, e as insignificantes disputas de cada dia, e as ambições, e as infindáveis tribulações da vida — é uma degradação; coisa fastidiosa e exaustiva.[...]

Para descobrir o pleno significado do viver, devemos compreender as diárias torturas de nossa complexa existência; delas não temos possibilidade de fugir. A sociedade em que vivemos precisa ser compreendida por cada um de nós  — não por um certo filósofo, instrutor ou guru; e nossa maneira de viver tem de ser transformada, mudada completamente.[...] No movimento da transformação, no movimento de operar, sem visar vantagens, uma transformação em nossa vida, há beleza; e, nessa transformação, descobriremos por nós mesmos, o inefável mistério que anda a buscada a mente de cada um de nós. Por conseguinte, o que nos deve interessar é[...] a compreensão de nossa nossa complexa e cotidiana existência, porque esta é que que constituí a base sobre a qual temos de edificar. Pois, se não a compreendermos e transformarmos radicalmente, nossa sociedade estará sempre num estado de corrupção e, por conseguinte, nos veremos num perene estado de deterioração.

Nós somos a sociedade; dela não somos independentes. Somos o resultado do ambiente — de nossa religião, nossa educação, do clima, dos alimentos que tomamos, das reações, das inumeráveis e sempre repetidas atividades a que nos entregamos todos os dias. Tal é a nossa vida. E a sociedade em que vivemos é parte integrante dessa vida. Sociedade são as relações entre os homens. Sociedade é cooperação. A sociedade, tal como ora existe, é o resultado da avidez, do ódio, da competição, da brutalidade e crueldade do homem; esse é o padrão conforme o qual vivemos. E, para compreendê-lo — não intelectualmente, de maneira puramente teórica, porém realmente — temos de pôr-nos diretamente com o fato, ou seja: todo ente humano — vós — é o resultado desse ambiente social, de sua pressão econômica, de seu sistema religioso, educativo, etc. Entrar em contato direto com uma coisa não é verbalizá-la, porém olhá-la. 

E essa parece ser uma das coisas mais difíceis — entrar diretamente em contato com o fato.[...] Para a maioria de nós o fato é inexistente. Vivemos com ideias; vivemos com nossas lembranças, nossas experiências; e à sombra dessas experiências e lembranças queremos observar o fato e transformá-lo — isto é, esperamos transformá-lo, mudá-lo. [...]

Nós nunca olhamos para as coisas.[...] Andamos ocupados demais com as nossas próprias aflições e tribulações; e tão fechados vivemos em nós mesmos, tão fechados em nossos próprios problemas, que nada mais vemos. Ora, observar significa aprender. Só com o aprender se pode operar uma transformação radical. O próprio ato de aprender é ato de transformar. Assim, olhar, observar, é a principal necessidade do homem religioso; nada importa o que um homem pensa, o que sente, ou quais sejam as suas reações.[...]

Observar exige quietude; exige da mente a capacidade de estar em silêncio, de não ficar incessantemente tagarelando entre si. Para observar, necessita-se de certo silêncio. E não se pode ter silêncio, se a mente, no ato de observar, está "projetando" suas próprias ideias, suas próprias exigências, esperanças, temores. Assim, para podermos observar a estrutura social em que vivemos, e promover uma radical transformação nessa sociedade, devemos primeiramente observar o que é, e não o que desejamos que a sociedade seja.

Porque a sociedade em que vivemos, nós mesmos a criamos e por ela somos responsáveis — cada um de nós. Ela não se tornou existente pela ação de forças fictícias, espirituais. Nasceu de nossa avidez, de nossa ambição, de nossos gostos, aversões, e inimizades pessoais, de nossas frustrações, de nossa busca de prazer e de satisfação. Nós criamos as religiões, as crenças, os dogmas, premidos pelo medo. É nessa sociedade que estamos vivendo. E o indivíduo, ou foge dessa sociedade (de qual ele faz parte) porque é incapaz de compreendê-la ou de transformá-la; ou se deixa absorver de tal maneira em suas próprias tribulações, que perde todo o interesse nessa exigência fundamental da mente humana de que ela (a sociedade) se transforme. 

A existência, pois, são as relações; a existência é um movimento de relações; e essa existência significa sociedade. E nenhuma possibilidade teremos de ultrapassar os limites de nossa mente, de nosso coração, se não compreendermos a estrutura de nosso próprio ser, ou seja, a sociedade. A sociedade não difere de vós; vós sois a sociedade. A estrutura da sociedade é vossa própria. Assim, ao começardes a compreender-vos, estareis começando a compreender a sociedade em que viveis. Não estais em oposição à sociedade. Dessa forma, ao homem religioso interessa o descobrimento de um novo caminho da vida, uma nova maneira de viver neste mundo, a fim de promover uma transformação na sociedade em que vive, porque, pela transformação de si próprio, transformará a sociedade. 

Em geral, temos muito interesse em descobrir uma maneira de viver harmonicamente, sem demasia de conflitos, sem a esterilidade da moderna existência. Mas, se não compreendermos a existência, nossa vida, não encontraremos nenhuma saída de nossa confusão, de nossas angústias, das tribulações que afligem o homem. É esta a primeira coisa que temos de considerar. Este é o fato.[...]

E, para olharmos, precisamos ter a mente vazia.[...] A "verbalização" do fato é uma distração, que nos afasta do fato. Mas, o observar exige uma mente capaz de estar quieta, de não verbalizar, de observar sem opinião nem julgamento. E esta é uma das coisas mais difíceis: observar "não verbalmente" uma coisa objetiva.[...]

E para a observação total de qualquer coisa, a mente deve estar de todo vazia. É difícil a observação exterior; porém, mais difícil ainda é observar a estrutura social, as influências ambientes, vossa própria mentalidade, como parte da sociedade. Observar requer uma enorme atenção. 

[...] Como indivíduo, tendes o dever de promover uma enorme transformação no mundo. Dever, porque sois parte integrante dessa sociedade, porque participais no imenso sofrer do homem, seus esforços, lutas, dores e ansiedades. Tendes essa obrigação. E se não a compreenderdes, se com ela não entrardes diretamente em contato, investigardes sua estrutura e mecanismo, tudo o que fizerdes — podeis percorrer todos os templos, recorrer a todos os gurus, todos os Mestres e todos os livros sagrados do mundo —  será sem significação, porque tudo isso são meras fugas à realidade. 

Temos, pois, de compreender esta existência, esta vida, nossas relações com a sociedade. Não só temos de compreender nossas mútuas relações, nossas relações sociais, mas ainda de transformá-las radicalmente. É nossa obrigação. Mas, não parecemos perceber quanto isso é urgente. Ficamos esperando que os políticos, ou alguma filosofia ou algo de misterioso venha operar uma transformação em nós mesmos. Não há outra solução senão essa, de que vos torneis conscientes dessa imensa responsabilidade que vos cabe, como ente humano, de modo que possais aprender tudo o que a ela se refere, sem recorrerdes a prévios conhecimentos. E o aprender requer liberdade, pois, do contrário, ficaremos repetindo a mesma coisa, indefinidamente.

Jiddu Krishnamurti em, A Suprema Realização

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Como escapar das poderosas garras da sociedade?

Conhecer a si mesmo é a coisa mais difícil. Não deveria ser assim. Deveria ser exatamente o oposto — a coisa mais simples. Mas não é — por muitas razões. Tornou-se tão complicado, pois você investiu tanto na auto-ignorância que parece quase impossível retornar, voltar à fonte, encontrar a si mesmo.

Toda a sua vida, tal como ela é, como é aprovada pela sociedade, pelo Estado, pela Igreja, está baseada na auto-ignorância. Você vive sem se conhecer, porque a sociedade não quer que você se conheça. É perigoso para a sociedade. Um homem que conhece a si mesmo está destinado a ser rebelde.

O conhecimento é a maior das rebeldias — quer dizer, o autoconhecimento, não o conhecimento acumulado através de escrituras, não o conhecimento encontrado nas universidades, mas o conhecimento que acontece quando você encontra o seu próprio ser, quando chega a si mesmo na sua nudez total; quando você se vê como Deus o vê, não como a sociedade gostaria de vê-lo; quando você vê o seu ser natural, no seu florescimento total e selvagem — não o fenômeno civilizado, condicionado, educado, polido.

A sociedade está interessada em fazer de você um robô, não um revolucionário, porque o robô é mais útil. É fácil dominar um robô; é quase impossível dominar um homem de autoconhecimento. Como se pode dominar um Jesus? Como se pode dominar um Buda ou um Heráclito?

Ele não cederá, não obedecerá ordens. Ele se moverá. através de seu próprio ser. Será como o vento, como as nuvens; ele se moverá como os rios. Será selvagem — naturalmente belo, natural, mas perigoso para a falsa sociedade. Ele não se ajustará. A menos que criemos no mundo uma sociedade natural, um Buda continuará sendo sempre um desajustado, um Jesus certamente será crucificado.

A sociedade quer dominar; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir, explorar. Gostaria que você permanecesse completamente inconsciente de si mesmo. Esta é a primeira dificuldade. E a pessoa tem de nascer numa sociedade. Os pais fazem parte da sociedade, os professores fazem parte da sociedade, os padres fazem parte da sociedade. A sociedade está em toda parte, à sua volta. Parece realmente impossível — como escapar? Como encontrar a porta que leva de volta à natureza? Você está cercado por todos os lados.

(Osho)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Como ir além da cultura e da sociedade?

A psicologia está a serviço da sociedade. O psiquiatra tenta de todo modo deixá-lo novamente ajustado à sociedade; ele está a serviço da sociedade. A política, é claro, está a serviço da sociedade. Ela lhe dá um pouco de liberdade, de modo que você possa ser um escravo. Essa liberdade é simplesmente um suborno — pode ser tomada de volta a qualquer momento. Se você pensa que você é realmente livre, logo, logo, você pode ser jogado numa prisão. A política, a psicologia, a cultura, a educação, todas estão a serviço da sociedade. Apenas a religião é basicamente rebelde. Mas a sociedade tem lhes enganado. Ela criou suas próprias religiões: Cristianismo, Hinduísmo, Budismo, Islamismo — esses são truques sociais.

(...) Têm existido escolas... que tentam criar uma sociedade que não é, absolutamente, uma sociedade. Elas criam caminhos e meios para torná-lo verdadeiramente e totalmente livre — nenhum cativeiro sobre você, nenhuma disciplina de qualquer espécie, nenhum limite. Você tem permissão de ser o infinito e o todo. 

Jesus é anti-social, mas o cristianismo não é anti-social, o budismo não é anti-social. A sociedade é muito esperta: ela imediatamente absorve — até mesmo fenômenos anti-sociais ela absorve no social. Ela cria uma fachada, ela lhe dá uma moeda falsa e, então, você fica feliz, exatamente como uma criança pequena que ganha um seio falso, de plástico. Elas ficam sugando aquele objeto e sentem que estão sendo nutridas. Aquilo as acalmará, é claro, e elas adormecerão. 

(...) A sociedade não pode lhes dar a liberdade. É impossível, porque a sociedade não pode prover um meio de tornar todos absolutamente livres. Então, o que fazer? Como ir além da sociedade? Eis a questão para um homem religioso. Mas parece impossível: aonde quer que você vá, a sociedade está ali. Você podem até ir para os Himalaias — então, vocês criarão uma sociedade lá. Você começará a falar com as árvores; porque é muito difícil ficar sozinho. Você começará a fazer dos pássaros e animais, amigos e, mais cedo ou mais tarde, haverá uma família. Você esperará todos os dias pelo pássaro que vem de manhã e canta. 

Nesse momento, você não compreende que se tornou dependente, que o outro já entrou. Se o pássaro não vem, você sentirá uma certa ansiedade(...) A tensão entra, e isso não é de modo algum diferente de quando você ficava preocupado com a esposa ou preocupado com os filhos. Isso não é de modo algum diferente, é o mesmo padrão: o outro. Mesmo que você vá para os Himalaias, você criará uma sociedade. 

Então, algo tem de ser compreendido: a sociedade não existe sem você, ela é algo dentro de você. E a menos que as raízes dentro de você desapareçam, onde quer que você vá a sociedade entrará na existência de novo e novamente.(...) Não é que a sociedade esteja lhe seguindo, ela está em você. Você sempre cria a sua sociedade ao seu redor — você é um criador. Existe algo em você como uma semente, que cria a sociedade. Isso mostra realmente que a menos que você seja transformado completamente, você jamais irá além da sociedade, você sempre criará a sua sociedade. E todas as sociedades são o mesmo; as formas podem diferir, mas o padrão básico é o mesmo. 

Por que você não pode viver sem a sociedade? Aí que está o problema.(...) As raízes têm de ser trazidas à luz, de modo que você possa compreender.

OSHO

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Não há absoluta liberdade na sociedade

O homem nasce como parte do mundo, como um membro da sociedade, de uma família, como parte de outros. Ele é educado não como um ser solitário, é educado como um ser social. Todo treinamento, toda a educação, toda cultura consistem em como fazer de uma criança uma parte integrante da sociedade, como fazê-la se ajustar aos outros. É isso o que os psicólogos chamam de ajustamento. E sempre que alguém é um solitário, parece mal-ajustado. 

A sociedade existe como uma rede, um padrão de muitas pessoas, uma multidão. 

No seio dela você pode ter um pouco de liberdade — a um preço muito alto. Se você segue a sociedade, se você se torna uma pessoa obediente, eles lhe arrendam um mundinho de liberdade . Se você se torna um escravo, a liberdade lhe é dada. Mas se trata de uma liberdade dada, ela pode ser tomada a qualquer momento. E isso é a um custo muito alto: é um ajustamento com os outros; assim, os limites estão fadados a estarem presentes.

Na sociedade, numa existência social, ninguém pode ser absolutamente livre. A própria existência do outro criará problemas. Sartre diz "o outro é o inferno", e ele está certo em larga medida, porque o outro cria tensões em você: você fica preocupado devido ao outro. Haverá sempre uma colisão, porque o outro está em busca de absoluta liberdade e você também está em busca de absoluta liberdade — todos estão em busca de absoluta liberdade — e a absoluta liberdade só pode existir para um. 

Mesmo seus supostos líderes não são absolutamente livres, não podem ser. Eles podem ter uma aparência de liberdade, mas isso é falso: eles têm de ser protegidos, eles dependem de outros — a liberdade deles é apenas uma fachada. Mas, ainda assim, devido a essa ânsia de ser absolutamente livre, a pessoa quer se tornar um rei, um imperador. O imperador dá a falsa sensação de que é livre. A pessoa quer se tornar muito rica, porque a riqueza também dá uma falsa sensação de que você é livre. Como pode um homem pobre ser livre? Suas necessidades serão o limite. E ele não pode satisfazer suas necessidades. Aonde quer que vá, encontra uma parede que não pode atravessar. 

Daí, o desejo por riquezas. Lá no fundo, é o desejo de ser absolutamente livre — e todos os desejos são criados por ele. Mas, se você seguir falsas direções, você poderá continuar indo em frente, mas você jamais alcançará a meta, porque desde o começo a direção estava errada — você perdeu o primeiro passo. 

No hebreu antigo, a palavra 'pecado' é muito bela. Ela quer dizer AQUELE QUE PERDEU A ROTA — não há senso de culpa nisso realmente. Pecado significa aquele que perdeu a rota, se extraviou; e a religião significa voltar ao caminho correto de modo que você não perca a meta. A meta é a absoluta liberdade — a religião é simplesmente um meio nessa direção. É por isso que você tem de compreender que a religião existe como uma força anti-social, porque, em sociedade, a liberdade absoluta não é possível.

OSHO

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Dos perigos da liberdade


(...) Estudante: O senhor disse que a liberdade é muito perigosa para o homem. Por quê?

K: Por que a liberdade é perigosa? Sabe o que é a sociedade?

E: É um grande grupo de pessoas que lhe dizem o que fazer e o que não fazer.

K: É um grande grupo de pessoas que lhe dizem o que fazer e o que não fazer. É também a cultura e são os costumes e hábitos de uma comunidade; é a estrutura social, moral, ética e religiosa na qual o homem vive — é a isso que geralmente se chama sociedade. Agora, se cada indivíduo nessa sociedade fizesse o que desejasse, ele seria um perigo para a sociedade. Se o senhor fizesse, aqui na escola, o que desejasse, o que aconteceria? Seria um perigo para o resto da escola; não seria? Por isso, as pessoas, de um modo geral, não querem que os outros sejam livres. Um homem realmente livre, não intelectualmente, mas interiormente livre da avidez, da ambição, da inveja e da crueldade, esse homem é tido como um perigo para as pessoas porque é completamente diferente do homem comum. Assim, ou a sociedade o venera, ou o mata ou é indiferente a ele.(...)

Krishnamurti em, Ensinar e Aprender, Capítulo 4

domingo, 30 de novembro de 2014

É fácil evitar a sociedade, mas como evitar o próprio ego?

Conhecer a si mesmo é a coisa mais difícil. Não deveria ser assim. Deveria ser exatamente o oposto — a coisa mais simples. Mas não é — por muitas razões. Tornou-se tão complicado, pois você investiu tanto na auto-ignorância que parece quase impossível retornar, voltar à fonte, encontrar a si mesmo.

Toda a sua vida, tal como ela é, como é aprovada pela sociedade, pelo Estado, pela Igreja, está baseada na auto-ignorância. Você vive sem se conhecer, porque a sociedade não quer que você se conheça. É perigoso para a sociedade. Um homem que conhece a si mesmo está destinado a ser rebelde. O conhecimento é a maior das rebeldias — quer dizer, o autoconhecimento, não o conhecimento acumulado através das escrituras, não o conhecimento encontrado nas universidades, mas o conhecimento que acontece quando você encontra o seu próprio ser, quando chega a si mesmo na sua nudez total; quando você se vê como Deus o vê, não como a sociedade gostaria de vê-lo; quando você vê o seu ser natural, no seu florescimento total e virgem — não o fenômeno civilizado, condicionado, educado, polido. 

A sociedade está interessada em fazer de você um robô, não um revolucionário, porque o robô é mais útil. É fácil dominar um robô; é quase impossível dominar um homem de autoconhecimento. Como se pode dominar um Jesus? Como se pode dominar um Buda ou um Heráclito? Ele não cederá, não obedecerá ordens. Ele se moverá através de seu próprio ser. Será como o vento, como as nuvens; ele se moverá como os rios. Será selvagem — naturalmente belo, natural, mas perigoso para a falsa sociedade. Ele não se ajustará. A menos que criemos no mundo uma sociedade natural, um Buda continuará sendo sempre um desajustado, um Jesus certamente será crucificado. 

A sociedade quer dominar; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir, explorar. A sociedade gostaria que você permanecesse completamente inconsciente de si mesmo. Esta é a primeira dificuldade. E a pessoa tem de nascer numa sociedade. A sociedade está em toda parte, à sua volta. Parece realmente impossível — como escapar? Como encontrar a porta que leva de volta à natureza? Você está cercado de todos os lados. 

A segunda dificuldade vem do seu próprio ser — porque você também gostaria de oprimir, de dominar; você também gostaria de possuir, de ser poderoso. Um homem de autoconhecimento não pode  ser escravizado, e também não pode escravizar ninguém. Não se pode oprimir um homem de conhecimento e um homem de conhecimento não pode oprimir ninguém. Ele não pode ser dominado e não domina. A dominação simplesmente desaparece nessa dimensão. Você não pode possuí-lo e ele não possui ninguém. Ele é livre e ajuda os outros a serem livres. 

Esta é uma dificuldade ainda maior do que a primeira. Você pode evitar a sociedade, mas como evitar o próprio ego? Você sente medo — porque um homem de conhecimento simplesmente não pensa em termos de posse, de domínio, de poder. É inocente como uma criança. Ele gostaria de viver totalmente livre, e gostaria que os outros também estivessem livres.

Esse homem será uma liberdade aqui neste mundo de escravidão. Você gostaria de não ser explorado? Sim, você responderá, você gostaria de não ser explorado. Gostaria de não ser um prisioneiro? Sim, você gostaria de não ser um prisioneiro. Mas gostaria também da outra coisa? — de não prender ninguém? Não dominar, não oprimir, não explorar? Não matar o espírito, não transformar o outro num objeto? Isso é difícil. E lembre-se: se você quiser dominar, você será dominado. Se você quiser explorar, você será explorado. Se você quiser que alguém seja seu escravo, você será escravizado. Os dois lados pertencem a mesma moeda. Esta é a dificuldade do autoconhecimento.

O S H O 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

É possível ser livre enquanto se é psicologicamente dependente?

Pergunta: O que é a sociedade?

Krishnamurti: O que é a sociedade? O que é a família? Examinemos, passo a passo, como a sociedade é criada, de que modo ela passa a existir. 

O que é a família? Quando você diz: "Esta é a minha família", o que quer dizer? Seu pai, sua mãe, seu irmão e sua irmã, a sensação de proximidade, o fato de que vocês estão vivendo juntos na mesma casa, a sensação de que seus pais irão protege-lo, a posse de certa propriedade, de jóias, de roupas — tudo isto é a base da família. Há outras famílias como a sua vivendo em outras casas, sentindo exatamente as mesmas coisas que você, tendo a sensação de "minha esposa", "meu marido", "meus filhos", "minha casa", "minhas roupas", "meu carro"; há muitas de tais famílias vivendo no mesmo pedaço de terra, e elas passam a ter a impressão de que não devem ser invadidas por outras famílias. Então, elas passam a fazer leis. As famílias poderosas guindam-se a posições elevadas, adquirem grandes propriedades, possuem mais dinheiro, mais roupas, mais carros; elas se unem e organizam leis, e dizem ao resto de nós o que fazer. Assim, gradativamente, passa a existir uma sociedade com leis, regulamentos, policiais, com um exército e uma marinha. Por fim, toda a Terra passa a ser povoada por sociedades de vários tipos. Então, as pessoas passam a ter ideias antagônicas e querem subverter os que estão estabelecidos em altas posições, os que detêm todos os meios de poder. Elas destroem essa sociedade específica e formam outra. 

A sociedade é o relacionamento entre as pessoas — o relacionamento entre uma pessoa e outra, entre uma família e outra, entre um grupo e outro, entre o indivíduo e o grupo. O relacionamento humano é a sociedade, o relacionamento entre eu e você. Se eu sou muito cobiçoso, muito astuto, se tenho grande poder e autoridade, vou empurrá-lo para fora; e você procurará fazer o mesmo comigo. Assim, fazemos leis. Mas vêm outros e anulam as nossas leis, estabelecendo outro conjunto de leis, e isto prossegue o tempo todo. Na sociedade, que é o relacionamento humano, há constante conflito. Esta é a base simples da sociedade, que se torna cada vez mais complexa à proporção que os próprios seres humanos se tornam mais e mais complexos em suas ideias, em seus desejos, em suas instituições e em suas indústrias. 

Pergunta: Podemos ser livres mesmo vivendo nesta sociedade?

Krishnamurti: Se dependo da sociedade para obter minha satisfação e meu conforto, por acaso posso ser livre? Se dependo de meu pai para ter afeto, dinheiro, para poder ter iniciativa de fazer coisas, ou se dependo, de alguma forma, de algum guru, não sou livre, não é? Então, será possível ser livre enquanto se é psicologicamente dependente? certamente, a liberdade só é possível quando tenho capacidade, iniciativa, quando me é dado pensar de forma independente, quando não tenho medo do que alguém diga, quando quero de fato encontrar a verdade e não sou ambicioso, invejoso, ciumento. Enquanto eu for invejoso, ambicioso, serei psicologicamente dependente da sociedade; e enquanto assim depender da sociedade não serei livre. Mas deixar se deixar de ser ambicioso, serei livre. (...)

Pergunta: Já que sempre estamos relacionados uns com os outros, não é certo que nunca poderemos ser absolutamente livres? 

Krishnamurti: Não compreendemos o que é relacionamento, relacionamento correto. Suponha que eu dependa de você para obter minha satisfação, para o meu conforto, para a minha sensação de segurança; como poderei ser livre? Mas se eu não dependo desse modo, ainda assim estou relacionado com você, não é mesmo? Dependo de você para obter algum tipo de conforto emocional, físico ou intelectual; portanto, não sou livre. Apego-me aos meus pais porque quero alguma espécie de segurança, o que quer dizer que meu relacionamento com eles é de dependência, e está baseado no medo. Como então posso ter algum relacionamento livre? Só há liberdade no relacionamento quando não há medo. Portanto, para ter um relacionamento correto, preciso começar libertando-me dessa dependência psicológica que gera medo. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

Não importa se você morrer de fome

Pergunta: É prático um homem libertar-se de toda sensação de medo e ao mesmo tempo permanecer na sociedade?

Krishnamurti: O que é a sociedade? Um conjunto de valores, uma série de normas, regras e tradições, não é mesmo? Você vê essas condições de fora e diz: "Posso ter um relacionamento prático com tudo isso?" Por que não? Afinal, se você simplesmente se enquadrar nesse esquema de valores, por acaso será livre? E o que entende por "prático"? Isso quer dizer ganhar o próprio sustento? Há muitas coisas que você pode fazer para ganhar o seu sustento; e se você for livre não poderá escolher o que quer fazer? Não será isso prático? Ou você consideraria prático esquecer a própria liberdade e apenas ajustar-se ao quadro, tornar-se advogado, banqueiro, comerciante ou varredor de ruas? Certamente, se você for livre e tiver cultivado a própria inteligência, descobrirá o que lhe será melhor fazer. Colocará de lado todas as tradições e fará algo que verdadeiramente goste de fazer, independente da aprovação ou reprovação de seus pais ou da sociedade. Porque você é livre, tem inteligência, e fará alguma coisa que é totalmente sua, você agirá como um ser humano integrado.

(...)

Pergunta: Como podemos ter nossas mentes livres quando vivemos numa sociedade cheia de tradições? 

Krishnamurti: Em primeiro lugar, você precisa ter a necessidade, a exigência de ser livre. É como o desejo que o pássaro tem de voar, ou o desejo de correr das águas. Você tem essa necessidade de ser livre? Se tiver, o que acontecerá? Seus pais e a sociedade procurarão forçá-lo a enquadrar-se num molde. Poderá resistir-lhes? Você encontrará aí alguma dificuldade, porque tem medo. Tem medo de não obter emprego, de não encontrar o marido certo ou a esposa adequada; tem medo de passar fome ou de que os outros falem de você. Embora queira ser livre, você tem medo, de modo que não vai resistir. Seu medo do que possam dizer ou do que seus pais possam fazer o bloqueia e, desse modo, vê-se forçado a ajustar-se ao molde. 

Ora, será que você pode dizer: "Eu quero saber, e não me importa se morrer de fome. Haja o que houver vou lutar contra as barreiras desta sociedade podre, porque quero ser livre para descobrir coisas? " Você pode fazer isto? Quando sente medo pode enfrentar todas as barreiras, todas essas imposições? 

Assim, é muito importante que a criança, desde a mais tenra idade, seja ajudada a ver as implicações do medo e a libertar-se dele. No momento em que você tem medo, cessa a liberdade. 

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Onde há acumulação de conhecimentos tem de haver imitação

Ora, evidentemente, não estamos livres quando estamos seguindo a outro. É preciso estar-se livre do instrutor religioso, e isso significa que cada um tem de ser uma luz para si mesmo e não depender da luz de nenhum outro. E pode-se realmente "experimentar" esse aliviar, esse libertar da mente do líder, do instrutor, do guru? Podemos experimentar realmente esse estado agora, que estamos falando sobre ele, de modo que a mente não dependa de nenhuma autoridade, não dependa de ninguém, para orientá-la e guiá-la? 

Todas as suas chamadas doutrinas religiosas criam um ideal, que você segue; e este ideal se torna uma nova espécie de instrutor. E, por certo, esta total libertação da ideia do guia, do instrutor, do seguir, sob qualquer forma que seja, esta libertação é essencial. Porque o seguir um instrutor implica acumulação de conhecimentos, e a libertação só é possível pela completa renúncia ao conhecimento. Afinal, são só conhecimentos o que estamos verdadeiramente buscando, na nossa vida de cada dia, não é verdade? Precisamos de conhecimentos para executar trabalhos, conhecimentos para agir, conhecimentos para nos guiarem ao alvo, ao sucesso, à realização de algo. E esse próprio conhecimento se torna o fator de nosso cativeiro. Mas pode a mente liberta-se do conhecimento?

(...) O seguir implica sempre acumulação de conhecimentos, não é verdade? E onde há acumulação de conhecimentos tem de haver imitação. Afinal, quando lhe é feita uma pergunta sobre uma questão que conhece bem, sua resposta é imediata. Se lhe perguntam onde mora, qual a sua profissão, seu nome, etc., a memória responde instantaneamente, porque são coisas com que você familiarizado. Mas se lhe é feita uma pergunta mais complexa, há então hesitação —  isso implica que a mente está dando uma busca nos arquivos da memória, para achar a resposta correta. E se lhe perguntam uma cosia sobre a qual praticamente nada sabe, você recorre a um livro ou busca mais profundamente naquela parte da consciência que é a memória. Deve Haver memória, porque do contrário, você não poderia voltar para sua casa, executar seu trabalho, construir uma ponte, etc. Aprendemos uma multidão de coisas necessárias e esses conhecimentos naturalmente não devem ser esquecidos. Mas eu me refiro a conhecimentos de ordem completamente diferente: os conhecimentos que a psique acumula, com o fim de proteger-se no futuro e realizar qualquer coisa que deseje realizar, psicologicamente, espiritualmente. É esse conhecimento que nos faz egocêntricos, porque a mente se serve dele como meio de dar continuidade a si mesma, como meio de expansão do "eu", É a esse conhecimento que cumpre renunciar totalmente. Esta é a verdadeira renúncia — e não o abandonar uns poucos bens, uma casa, um pedaço de terra, e cingir uma tanga. Temos, pois, esse conhecimento acumulado, sobre o qual a psique se forma e se mantém. E pode a mente, que é resultado do passado, renunciar a esse conhecimento? Decerto, enquanto a mente não se descartar desse conhecimento, nunca encontrará o que é novo, jamais conhecerá o instante atemporal, que é o "estado criador". Veja, o que necessitamos neste momento não é mais físicos, mais cientistas, engenheiros, políticos, burocratas, porém indivíduos que conheceram esse "estado criador", porque esses indivíduos é que são as pessoas verdadeiramente religiosas — o que significa que não pertencem a nenhuma sociedade, nenhum grupo, nenhuma classificação. Eis porque é muito importante compreender todo esse processo de acumulação de conhecimentos, que subentende identificação e senso de avaliação. Pode a mente estar livre, para observar sem avaliação nem julgamento? Não resta dúvida de que suas avaliações, suas comparações, suas condenações baseiam-se todas no conhecimento, e essa mente é incapaz de compreender o que é verdadeiro. 

Se você observar o processo de seu próprio pensar, verá que a mente só tem interesse em acumular mais e mais conhecimentos, e por essa razão nunca há um momento de liberdade, para explorar. E acho muito importante compreender, isto é, "experimentar", real e instantaneamente, esse estado de liberdade do passado, sem continuidade, — e não apenas asseverar que a mente pode ou que a mente não pode ser livre. 

(...) A mente, em verdade, é resultado do passado, de muitos dias pretéritos, o que é um fato bem óbvio. Ela é o resíduo do conhecido — sendo o conhecido a coisa experimentada, a palavra, o símbolo, o nome, o inteiro processo de reconhecimento. Essa mente, de certo é incapaz de descobrir ou "experimentar" o desconhecido. Ela poderá especular, mas sua especulação estará baseada no conhecido, nas coisas que leu. Só poderá a mente experimentar "aquele estado", quando o conhecimento — e por este termo entendo a memória de muitas experiências, — o inteiro processo de reconhecimento, que é "eu", "meu" — houver terminado. 

Pois bem. Se você puder, escutar não apenas o que está sendo dito, mas também afastar de si tudo o que conhece — as conclusões, as avaliações, as determinações, os ideais — verá então surgir um estado sem continuidade, como memória, mas que é, instantaneamente, a totalidade do Ser. Esse momento é que é o Sublime, o Supremo, e ele precisa ser experimentado. Mas só se pode experimenta-lo, quando a mente está completamente tranquila, compreendendo a totalidade de sua própria estrutura. É pelo autoconhecimento que vem a quietude da mente, e não por meio da disciplina, por meio da compulsão. E nessa tranquilidade total, você encontrará um momento em que não está relacionado com o passado, um instante em que se verifica a criação. E esse estado é essencial, porque liberta a mente do "coletivo" e dá existência à individualidade. 

O "coletivo" é a mente condicionada pela sociedade, por influências inúmeras, pelos valores e crenças a que se apega a multidão e de que uns poucos se livram, mas só para lhe acrescentarem mais uma crença. Em vista de tudo isso, é possível para a mente, sem esforço algum, renunciar ao passado? Enquanto não o fizer, continuará a haver a observância da tradição, de ontem ou de há milhares de anos. E a mente que segue a tradição é imitativa, dependente de um instrutor, com o que mantém a desigualdade, não apenas no nível físico, mas também no nível psicológico. Para essa mente, a "criação" é apenas uma palavra sem sentido. Para se reproduzir um estado diferente, uma cultura diferente, uma diferente maneira de vida, é de todo necessária a libertação do indivíduo, a libertação dessa força criadora interior que produzirá sua sociedade própria, seu valores próprios.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

sábado, 7 de setembro de 2013

É possível uma mente livre dos padrões sociais

Então, o homem que é justo, o que deve fazer? Deve buscar a verdade, Deus, ou outro nome que tenha, ou consagrar sua mente e seu coração ao aperfeiçoamento da sociedade, que é realmente o aperfeiçoamento de si próprio? Você compreende? Deve ele perseguir em profundidade a verdade ou melhorar as condições da sociedade, o que equivale a seu próprio melhoramento? Deve ele aprimorar-se em nome da sociedade ou buscar a verdade, na qual não existe absolutamente nenhum aprimoramento? Aprimoramento implica tempo, tempo para transformar-se, enquanto que a verdade não tem nada a ver com o  tempo, ela é percebida instantaneamente.

De forma que o problema é extraordinariamente significativo, não? Podemos falar sobre a reforma da sociedade, mas trata-se ainda da reforma de si mesmo. Mas para o homem que está buscando o real, a verdade, não existe reforma do self, pelo contrário, existe a total cessação do self, que é a sociedade. Ele, portanto, não está preocupado com a reforma da sociedade.

Toda a estrutura da sociedade baseia-se em um processo de reconhecimento e de respeitabilidade; e, sem dúvida, senhores, um homem justo não pode buscar a reforma da sociedade, que equivale ao aperfeiçoamento de si mesmo. Ao reformara  sociedade, ao identificar-se com algo bom, ele pode pensar que está se sacrificando, mas trata-se ainda de auto-aperfeiçoamento. Portanto, para o homem que está buscando o supremo, o mais elevado, não existe auto-aperfeiçoamento; nesse sentido não existe aperfeiçoamento do “eu”, não existe transformação, não existe a prática nem a ideia do “eu serei”. Isso significa realmente a cessação de toda pressão sobre o pensamento e onde não existe pressão sobre pensamento, há pensamento? A própria pressão sobre o pensamento constitui o processo do pensar, de pensar em termos de uma determinada sociedade ou em termos de reação a essa sociedade; e se inexiste pressão, existe pensamento? Apenas a mente não sujeita a essa ação do pensamento — que constitui a pressão da sociedade — apenas essa mente pode encontrar a realidade e buscando aquilo que é supremo, tal mente cria uma nova cultura. Isso é que é necessário: suscitar um tipo totalmente diferente de cultura, não reformar a sociedade atual. E tal cultura não pode emergir a menos que o homem justo persiga completamente, com total energia, com amor, aquilo que é real. O real não é encontrado em nenhum livro, nem através de nenhum líder; ele se concretiza quando o pensamento se aquieta e essa quietude não pode ser adquirida por meio de qualquer disciplina. A quietude chega quando existe amor.

(...) Interrogante: As grandes culturas sempre se basearam num padrão, mas o senhor fala de uma nova cultura livre de padrões. É possível existir uma cultura absolutamente isenta de padrões?

K: A mente não precisa estar livre de padrões para encontrar a realidade? E ao estar livre para encontrar o real não criará ela seu próprio padrão, o qual a sociedade atual poderá não reconhecer? Pode a mente que se encontra enredada em um padrão, que pensa de acordo com um padrão, que está condicionada pela sociedade, encontrar o incomensurável que não tem padrão? Esta língua que estamos falando, o inglês, constitui um padrão desenvolvido através de séculos. Se existe uma criatividade que esteja livre de padrões, essa criatividade, essa liberdade pode empregar a técnica da linguagem; mas através da técnica, do padrão da linguagem, a realidade não poderá jamais ser encontrada. Por meio da prática, de um tipo  determinado de meditação, de sabedoria, de qualquer forma de experiência, todas as quais se encontram dentro de um padrão, a mente nunca entenderá o que é a verdade. Para entender a verdade, a mente precisa livrar-se dos padrões. Uma mente assim é uma mente quieta e então esta mente que é criativa pode criar sua própria atividade. Mas vejam, a maioria de nós não está nunca livre de padrões. Nunca existe um momento que a mente esteja totalmente livre do medo, do conformismo, do seu hábito de vir-a-ser algo, ou neste mundo ou no mundo psicológico, espiritual. Quando o processo de vir-a-ser, em qualquer sentido, cessa completamente, então aquilo que é Deus, verdade, concretiza-se e cria um novo padrão, uma cultura toda sua.

I: O problema da mente e o problema social da pobreza e da desigualdade precisam ser abordados simultaneamente. Por que o senhor acentua apenas um?

K: Eu estou acentuando apenas um? E acaso existe uma coisa como o problema social da pobreza e da desigualdade, da deterioração e da miséria, apartado do problema da mente? Não existe apenas um problema que é a mente? Foi a mente que criou o problema social e, tendo criado o problema, ela tenta solucioná-lo sem alterar-se fundamentalmente. De forma que o nosso problema é a mente, a mente que deseja sentir-se e que, desse modo, cria a desigualdade social e procura comprar de várias maneiras porque sente segurança na propriedade, no relacionamento ou nas ideias, que são conhecimentos. É essa necessidade incessante de segurança que cria a desigualdade, que é um problema que não poderá jamais ser solucionado até que entendamos a mente que cria a diferença, a mente que não sente amor. As leis não vão resolver esse problema, nem ele pode ser solucionado por comunistas ou pelos socialistas. O problema da desigualdade só poderá ser solucionado quando houver o amor e amor não é uma palavra para ser desperdiçada. O homem que ama não está preocupado com quem lhe seja superior ou inferior; para ele não existe nem igualdade nem desigualdade; somente um estado de ser que é amor. Nós, porém, não conhecemos esse estado, jamais o sentimos. Portanto, como pode a mente que está inteiramente voltada para as suas próprias atividades e ocupações, que já criou tamanha miséria no mundo e que vai criar ainda mais danos e destruição — como pode essa mete suscitar dentro de si mesma uma total revolução? É esse, sem dúvida, o problema. E não podemos provocar tal revolução por intermédio de qualquer  reforma social senão quando a própria mente compreender a necessidade de sua total redenção, onde está a revolução.

Estamos sempre falando de pobreza, desigualdade e reforma, porque os nossos corações estão vazios. Quando houver amor não teremos problemas, porém o amor não se concretiza através e um método qualquer. Ele somente se concretiza quando você deixar de ser, isto é, quando você não mais estiver preocupado consigo mesmo, com sua posição, com seu prestígio, suas ambições e frustrações, quando você parar completamente de pensar em você, não no dia de amanhã, mas hoje. Essa ocupação consigo mesmo é idêntica à do homem que está no encalço do que ele chama de Deus ou à do homem que está empenhado em uma revolução social. E uma mente assim ocupada não pode jamais saber o que é amor.  

Jiddu Krishnamurti — Bombaim, 27 de fevereiro de 1955 - Collected Works of J. Krishnamurti

 
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill