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sábado, 1 de abril de 2017

Será que a mente racional, de fato, comanda o nosso ser?


Ao refletir sobre as complexidades da mente, pode ser útil pensarmos em nossa consciência comum como um navio, tendo como capitão a mente racional e valorativa, que mapeia o curso que nossa vida irá seguir. Nossos sentidos e sistema nervoso, bem como os centros cognitivos da mente, possuem todos suas próprias redes que distribuem força para todo o navio. No entanto, eles também trabalham em conjunto, coordenados pela mente. 

O intrincado sistema de alimentação de força do nosso navio-mente inclui incontáveis interações que estimulam a energia da consciência, evocando correntes de força que entram em nossa cognição com grande ímpeto, à medida que pensamentos explodem em imagens. Estas imagens multiplicam-se, refletem-se, fundem-se e dividem-se em mais imagens, que dão continuidade aos mesmos processos. Interagindo umas com as outras e criando de volta inúmeras réplicas, estas imagens cambiantes estruturam-se em padrões definidos. Os padrões de imagens encontram-se também em movimento, dividindo-se em reformando-se em um sem-número de combinações, Toda esta atividade transcorre dentro do pensamento, como se o pensamento em si fosse uma esfera de prismas facetados, cada qual tendo a oportunidade e o brilho de um diamante. 

Pensamentos isolados giram para fora desta esfera, para se disporem em progressão linear, dentro de uma cadeia de pensamentos correlatos. Estes, por sua vez, interagem entre si e se proliferam numa complexa dinâmica interna, que inclui surtos de impressões sensoriais, percepções, lembranças, associações e interpretações, que jorram juntas e respondem umas às outras sem cessar.

Mesmo antes que consigamos vislumbrar um pensamento que vem surgindo, o processo está quase que concluído, despertando sentimentos e emoções que canalizam mais energia para ciclos padronizados. O sistema inteiro está pré-programado para disparar automaticamente, com o início do processo de percepção. 

Nosso navio-mente navega num oceano de emoções, algumas vezes encontrando bom tempo, outras atravessando tempestades. O oceano, em movimento com as correntes alternadas dos desejos, raramente é calmo; guiando o navio através de águas incertas, o capitão toma decisões que determinam o nosso curso. 

Mas será que podemos confiar em nosso capitão para nos guiar com sabedoria? Em um nível, pensamos que conhecemos a nossa mente. Treinamos suas capacidades racionais e as utilizamos e as utilizamos para conferir uma ordem coerente à nossa vida. Podemos testar a sensibilidade dos nossos sentidos e localizar, em nosso cérebro, os centros que a eles correspondem; podemos acompanhar a trajetória do processo da percepção, definir nossas faculdades integrativas e analíticas, e mensurá-las de acordo com uma escala de definições. Mas será que estes métodos conseguem revelar toda a extensão da capacidade humana? 

Quanto mais de perto olhamos para a natureza da mente, menos confiantes ficamos. Consideramos a mente o árbitro do nosso conhecimento. Tudo aquilo que constitui a nossa realidade é percebido pela mente. A mente nos diz o que é conhecível e o que é inconhecível; nossas perguntas surgem dentro da mente e são respondidas pela mente. A mente mede, a mente interpreta, a mente desenvolve diálogos com a mente, a mente avalia e julga, a mente decide. 

Quando investigamos a natureza do nosso mundo interior de sentimentos, emoções, pensamentos, lembranças, associações e conceitos, vemos que a mente é, igualmente, o árbitro da nossa experiência. Porém, se tentamos investigar o campo que está por trás das nossas percepções e pensamentos, a mente se mostra curiosamente silenciosa. Parece que a mente consegue apenas fazer mensurações dentro de padrões de pensamentos e de conceitos; a mente não tem medidas para ela mesma. 

Será que a mente racional comanda verdadeiramente o nosso ser? Como é ela influenciada por emoções, por sentimentos e pelas flutuações na receptibilidade dos nossos sentidos? Qual é a verdadeira natureza do pensamento? Existiriam outros aspectos da nossa consciência que não entendemos por inteiro? Se existissem, como é que ficaríamos sabendo? O que acontece com a nossa consciência quando dormimos, quando passamos horas sem consciência de que estávamos pensando? Será que realmente sabemos quem somos, e, em caso negativo, será que podemos saber para onde estamos indo? 

Podemos nós confiar na capacidade da nossa mente discernir entre o verdadeiro e o aparente, ou distinguir entre valores reais e superficiais? Mesmo quando pensamos que estamos sendo racionais ou razoáveis, será que este é sempre o caso? Nossa posição pode parecer razoável na superfície e, no entanto, estar fundamentada em suposições falsas. Se somos hábeis, conseguimos justificar quase que qualquer posição que tenhamos interesse em assumir. Mesmo inconsequentemente, podemos mudar de uma posição para outra, em diferentes ocasiões, automaticamente ajustando os "fatos" de modo a se encaixarem nos nossos propósitos. Da mesma forma que tendemos a ser enganados por aparências externas, tendemos a aceitar argumentos lógicos como convincentes, sem examinar muito de perto as suposições que estão apoiados. É possível que vejamos a palavra escrita de maneira ainda menos crítica do que a falada. Como os pensamentos que as precederam, as palavras tendem a ser "verossímeis" quando apresentadas "racionalmente" — esquecendo-nos de que tanto as palavras quanto a lógica são produtos da mente humana. 

As percepções são instantaneamente nomeadas e rotuladas pela mente, dando origem ao pensamento e ideias que criam uma determinada versão da realidade. Nosso senso de "realidade" é especialmente acentuado quando estamos envolvidos por uma forte emoção, como por exemplo, a raiva. Aí, afirmamos, negamos, rejeitamos, tudo com a base no que "sabemos" ser o correto. No entanto, daí a instantes, podemos estar nos sentindo ternos e carinhosos. Então, pode ser que a nossa realidade seja diferente; os motivos da nossa raiva talvez não sejam mais contundentes; mais tarde, podemos até negar a nossa raiva passada. Será que uma "realidade" era menos real do que a outra? Que tipo de fio une estas duas "realidades"? Nós poderíamos, provavelmente, estabelecer uma ligação que soasse muito plausível. Será que estas ligações são válidas, ou será que são suposições? Será que são verdadeiras em si mesmas, ou será que são aquilo que gostaríamos de acreditar que fosse verdade? Como é que podemos saber?

A "construção" da nossa realidade pode ser vista mais claramente em circunstâncias em que sentimos necessidade de nos "acobertar". Raramente precisamos mentir — geralmente existem muitas "meias verdades" que servem para nos proteger. Em um certo sentido, nenhuma das nossas respostas precisa estar errada, embora todas possam ser enganosas. Facilmente perdemos de vista as formas sutis pelas quais escondemos a verdade pura de nós mesmos e dos outros. Uma vez que tenhamos explicado nosso comportamento e a outra pessoa tenha aceito nossas razões, nossa mente pode tomá-las como sendo toda a verdade. As palavras conferem solidez às nossas razões; depois que as palavras são pronunciadas, podemos facilmente nos convencer de que são verdadeiras. Não temos proteção alguma contra tais enganos, que nascem da qualidade oscilante de nossa própria mente. É possível que a nossa "realidade" seja mais "flexível" e instável dos que nos damos conta.

Esta qualidade oscilante parece permear todas as nossas experiências. Por exemplo, valorizamos nosso direito de "mudar de ideia", mas será que esta "mudança" toma por base conhecimentos novos que investigamos a fundo? Ou será que ela reflete apenas uma alteração de interesse ou de motivação? Até que ponto é estável a nossa ligação com as coisas que possuem valor e valem a pena buscar? Como é que podemos confiar em nossas ideias, quando elas podem "mudar", ser mudadas ou influenciadas tão facilmente?

Não dispondo de um maior conhecimento sobre o funcionamento da mente, alimentamos nossa consciência com uma dieta mista de coisas verdadeiras e falsas, reais e artificiais, a começar dos pensamentos que surgem em nossa mente. Quando acreditamos na realidade dos pensamentos e imagens criados pelo impulso arrebatador da cognição, fundimos nossa consciência a ilusões, e plantamos as sementes do auto-engano. A cada vez que surgem percepções mais pensamentos são criados, repetindo-se o processo de fusão da nossa consciência a ilusões. 

Nossa consciência fica sintonizada neste processo contínuo; as sementes anteriormente plantadas deitam raízes e se desenvolvem. A qualidade de pureza original da percepção diminui; uma qualidade de inquietação permeia todas as nossas experiências, condicionando nossa visão de nós mesmos e do nosso meio. Ao buscar contato com o real, encontramos o superficial, o provisório e o artificial.

Dado que a nossa consciência tem uma fixação tão forte no polo objetivo das nossas experiências, fica muito difícil olharmos para dentro e nos estudarmos de perto. Apesar de todos os nossos conhecimentos a respeito do mundo observável, e da nossa engenhosidade em manipular o nosso meio ambiente, pouco sabemos sobre a nossa própria natureza.

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade        

sexta-feira, 31 de março de 2017

Os conceitos e a "linha de enredo" do pensamento

Se refletirmos sobre a natureza dos conceitos e sobre a maneira não-crítica como aceitamos a realidade que eles criam, poderemos ter a impressão de estar presos no meio de um elaborado programa de computador que funciona sem a nossa decisão consciente. E, no entanto, tendemos a achar que comandamos o nosso pensamento. Somos nós que estamos operando o programa, ou será que é ele que está nos operando? Seríamos capazes de nos separar do programa e permitir que os nossos pensamentos e ações fossem informados por um conhecimento mais abrangente e confiável, intrínseco ao nosso próprio ser?

À luz de uma compreensão mais ampla, será que poderíamos retreinar a nossa mente para uma forma mais satisfatória de visão? Seria possível uma visão que conseguisse penetrar as nossas estruturas e padrões conceituais? Haveria um meio de abrirmos os nossos conceitos e revitalizá-los com significados que nos permitissem comunicar nossas ideias de forma mais completa? Poderíamos encontrar conceitos que fossem mais próximos da qualidade imediata de nossa experiência, e mais sintonizados com os nossos insights e sentimentos?

Talvez haja meios de vislumbrarmos um lado mais sutil da nossa consciência que poderia nos permitir examinar, com maior clareza, os padrões fixos da mente. Quando relaxamos o corpo, podemos diminuir o ritmo dos pensamentos e das imagens, e observar mais diretamente o processo dos pensamentos em si. 

Este relaxamento não precisa de qualquer técnica especial. É simplesmente uma questão de observarmos os pensamentos que vêm, sem comentários nem interpretações. Quando experimentamos esta maneira de observar o funcionamento da mente, o que vemos talvez não seja bem o que esperávamos: pode parecer não muito importante. Porém, com o tempo, é possível que comecemos a observar com uma qualidade de concentração relaxada e não-forçada, a qual, em si mesma, pode constituir uma experiência nova. Esta forma de olhar para dentro pode levar a importantes insights acerca da natureza dos pensamentos, bem como uma nova consciência das ligações que existem entre os pensamentos e os sentimentos.

Os pensamentos, quando deixados por si só, tendem a caminhar até um ponto em que pausam, quase como se tivessem convergido para uma parede vazia. Pode ser que já tenhamos vivenciado esta pausa, num momento em que seguíamos rigorosamente um determinado encadeamento de pensamentos, ou que nos percebemos "entalados" num problema. A qualquer momento, a mente pode ficar silenciosa por um instante. Se notamos esta pausa, geralmente consideramos que chegamos ao fim de uma cadeia de pensamentos. Se nenhum pensamento novo surge para continuá-la, voltamos nossa atenção para um outro assunto. 

No entanto, este aparente "beco sem saída", onde os pensamentos caminham para um único ponto e se desfazem, pode também representar a porta para um novo conhecimento. Focalizando-nos neste ponto com uma concentração equilibrada, podemos ver possibilidades de um modo de conhecer que se encontra além de nossos padrão habitual de pensamento.

Se permanecermos relaxados e atentos, poderemos perceber uma sensação de luminosidade, como se através do silêncio brilhasse uma luz. O fluxo normal dos pensamentos e o hábito de fixarmos a atenção no conteúdo dos pensamentos, dão-nos poucas oportunidades de perceber a presença de luz em nossas imagens mentais. Se afrouxarmos nosso apego ao conteúdo dos pensamentos e ficarmos atentos aos pensamentos em si, poderemos percebê-los surgindo de dentro desta luminosidade, logo antes de tomarem a forma de palavras.

O processo acontece tão rápido que imediatamente identificamos os pensamentos com palavras, ou talvez com blocos inteiros de palavras que dão início a um diálogo interno. À proporção que mais interpretações vão se seguindo, e que conceitos vão se combinando e evocando fortes cores emocionais, podemos nos dar conta de que os nossos sentimentos estão onerados por uma sensação de peso que parece escura e séria. Que pensamentos contribuem para esta sensação pesada? O que aconteceu com as qualidades de abertura e luz com as quais o processo havia se iniciado?

Ao fazermos estas perguntas, talvez o fluxo dos pensamentos faça novamente uma pausa, por um breve momento. Porém, quase que imediatamente, um novo fluxo de pensamentos se põe em movimento, durando um período longo ou talvez apenas poucos instantes, antes que uma nova sequência se inicie. De onde vêm estas fileiras de pensamentos? O que acontece quando tomamos posse dos nossos pensamentos e conscientemente os guiamos em uma direção específica?

Talvez pareça não haver pausas no fluxo dos pensamentos: somos envolvidos por uma sequência que tem um tema ou uma "linha de enredo", quando, de repente, o conteúdo muda e nos vemos no meio de uma outra história. Como fomos parar de uma história na outra? Será que cada uma delas tem um começo e um fim, ou será que são contínuas? Elas se sobrepõem, influenciado-se umas às outras?

Ao questionarmos os pensamentos desta maneira, conseguimos afrouxar nosso apego e fixação ao conteúdo dos pensamentos, e ganhar novos insights acerca dos nossos processos mentais. Cada pensamento constitui uma oportunidade para observarmos a nossa mente e aprendermos com ela. Com maior experiência, podemos começar a ver como os pensamentos podem, na verdade, criar confusão e prolongar estados mentais indesejáveis. Com o tempo, ficará mais óbvio o modo como um pensamento gera outro, e como a dinâmica dos pensamentos tende a se auto-propelir, alimentando e realimentando ciclos de impulsos que correm pela mente.

Da mesma forma que um tecelão cria uma tapeçaria, definindo a trama básica do tecido, e depois ornamentando-a com um desenho após outro, nossa mente parece ter pensamentos e imagens em réplicas intermináveis. Quando pegamos o começo de um pensamento, podemos observar como ele se inicia com um padrão simples, aberto e espaçoso, que vai se tornando mais denso, à medida que imagens se entrecruzam para formar padrões cada vez mais complexos.

Ao estimular lembranças e associações que evocam um universo de sentimentos e emoções, os pensamentos perdem sua abertura, enquanto vão se proliferando e se entrelaçando. Concomitantemente, podemos perceber nossas faculdades críticas em ação, rotulando nossa experiência como felicidade, depressão, êxtase, tédio, raiva, como algo nobre ou condenável. 

À medida que cada experiência é carimbada e testemunhada pela mente, nossos pensamentos a seu respeito tornam-se mais conscientes e "reais"; então, identificamo-nos com a experiência e reagimos a ela de acordo com o nosso condicionamento. Dentre todas as possibilidades de enxergarmos uma determinada experiência, vamos, quem sabe, optar por chamá-la de "prazer". A seguir, projetamos a experiência fora de nós, e decidimos que queremos ter aquela experiência. Ao buscarmos as coisas que associamos com o prazer, encontramos a nossa própria imagem do que o,prazer "deve ser". Ao tentar agarrar um objeto, esperando sentir prazer e desejando prolongá-lo, experimentamos prazer por apenas um curto tempo. Quase que imediatamente, sentimos que ele escorrega em nossa mão.

Observar os movimento de ir e vir dos pensamentos nos permite ver como a mente apõe rótulos às percepções, sentimentos e emoções, e como ela então produz comentários e mais comentários sobre o que estamos vivendo. Ao ver estes padrões de pensamento sendo tecidos diante de nossos olhos, podemos nos perguntar se eles, na realidade, formam uma trama sólida. Talvez seja possível nos vermos — não só a nossa personalidade, aparência e atividades, mas a própria raiz do nosso ser —  de modo diferente. Uma visão assim nova e aberta poderia aliviar a mente das tendências que congelam a experiência e nos deixam vulneráveis a confusões. Assim que descobrimos que é possível soltar a garra dos conceitos que nos enredam em dores emocionais, teremos dado os primeiros passos em direção a uma compreensão nova, capaz de transformar a qualidade de todas as nossas experiências.

Com um maior discernimento acerca de quem somos e do que somos, por que percebemos, sentimos, compreendemos e interpretamos da maneira como fazemos, seria possível considerar tudo o que sabemos de uma perspectiva inteiramente nova. Poderíamos, então, analisar nossas pressuposições mais a fundo, decidindo por nós mesmos o que é possível e  que não é possível mudar, que forma de pensar são saudáveis e úteis, e quais delas nos envolvem em sofrimentos desnecessários. À medida que continuássemos a questionar, nossos pensamentos poderiam se tornar mais vitais e mais claros, abrindo novas possibilidades de autocompreensão e de maior controle sobre a direção da nossa vida.

Tarthang Tulku em, Conhecimento da Liberdade

É possível ver tudo como que pela primeira vez?

Será que conseguimos sequer pensar em alguma coisa para a qual não temos um conceito? Se não tivéssemos um conceito de amor, será que poderíamos ter expectativas sobre como é o amor, ficar decepcionados quando nossas experiências não correspondessem a estas expectativas, ou então fantasiar sobre as pessoas que amamos? Se não tivéssemos noção alguma de amor, poderíamos ter ódio? E como seria se não tivéssemos nenhum conceito de "eu", ou da nossa pessoa como, de alguma forma, separada dos outros? Então, o que iríamos amar ou odiar? Será que poderíamos ficar apegados a pessoas ou coisas, sentir insegurança ou temer rejeição? Se a sociedade não fosse capaz de nos apresentar ideais que não se casassem com a realidade da nossa situação, será que iríamos nos sentir culpados por não nos pormos à altura desses ideais? Que diferença poderia haver na qualidade da nossa vida se não tivéssemos nenhum "deveria" ou "gostaria" em nosso idioma? 

Se olharmos com cuidado para a nossa experiência, poderemos ver que muitas coisas que parecem substanciais e reais são, na verdade, noções formadas por nossa mente. Ao operá-las em nosso pensamento e empregá-las em nosso cotidiano, tendemos a esquecer que são formulações mentais, e nos relacionamos com elas como se fossem reais. Assim, por exemplo, a felicidade não é inerente aos objetos que desejamos, mas nasce da maneira como interpretamos uma certa qualidade de entusiasmo. Por mais que valorizemos a felicidade, ela é também um conceito, um nome que aprendemos a aplicar a certos tipos de situações ou sentimentos.

Sem a nossa ideia de felicidade, e sem as muitas noções ligadas a ela sobre o que nos deixa felizes, será que iríamos saber se éramos felizes? Será que poderíamos ser infelizes? Será que teríamos os mesmos sentimentos se nos faltasse uma palavra para expressá-los? Como é que poderíamos ficar pensando ser éramos felizes, ou então nos sentir carentes se não o fôssemos?

É quase impossível imaginar como seria a vida sem estes conceitos familiares. Passamos a confiar em nossas atuais estruturas e padrões conceituais, tomando por um reflexo razoavelmente seguro da verdade, e não vemos nenhuma razão para questioná-los. Mas será que as nossas estruturas conceituais aumentam as nossas opções de estar e atuar no mundo, ou seriam elas limitadas demais para atender às nossas necessidades? Será que os nossos conceitos atuais são capazes de acomodar todo o conhecimento que nos é possível adquirir, ou será que eles se tornaram demasiadamente rígidos para sustentar uma perspectiva mais abrangente com relação ao conhecimento?

Quando dependemos de conceitos de uma maneira automática — seja ao pensar, falar ou escrever — podemos, na realidade, estar diminuindo nossa capacidade de comunicação. Todos nós vivemos em um mundo mental próprio; nossas experiências pessoais condicionaram as conotações específicas dos conceitos que utilizamos. Embora nosso mundo mental coincida em parte com os das outras pessoas, eles nunca são completamente idênticos. Ao dependermos de um conhecimento que seja filtrado através de conceitos, não conseguimos comunicar plenamente os significados que tencionamos transmitir; ficamos sutilmente isolados uns dos outros. Embora todos nós empreguemos as mesmas palavras diariamente, há um hiato em nossa comunicação que não pode ser fechado por completo. 

Quando traduzimos os conceitos de uma cultura para os de outra, o hiato na comunicação se amplia. O significado de cada conceito pode parecer o mesmo, mas as conotações associadas a eles podem variar enormemente. Hoje em dia, à medida que o inglês e outros idiomas ocidentais estão cada vez mais usados nas comunicações internacionais, os povos do mundo parecem estar caminhando em direção a um corpo comum de conceitos. No entanto, o que é compartilhado talvez seja apenas algo superficial; as mesmas palavras podem ter significados diferentes dentro de culturas diferentes. Mesmo a estrutura de diferentes idiomas pode influenciar muito a capacidade de expressarmos importantes nuances de significado. Assim, há um grande potencial para confusões e mal-entendidos. Podemos, sem saber, perder conhecimentos valiosos no processo de tradução. É também possível que os povos do mundo venham a se comportar como parceiros dentro de um mau relacionamento, que trocam palavras e procuram se reassegurar, mas que não dispõem de uma base para uma comunicação real. 

Seriam os nossos padrões conceituais necessariamente a melhor base para expandirmos a nossa compreensão de nós mesmos e do nosso mundo? Já exploramos as pressuposições que estão por baixo dos nossos conceitos? Se as condições do nosso passado tivessem sido diferentes, é possível que outros padrões mentais tivessem se desenvolvido com igual facilidade; aí, estaríamos vivendo em outro panorama mental, tão confiantes em nosso senso de realidade quanto estamos hoje. O que agora consideramos como nossas verdades inquestionáveis e auto-evidentes poderia nem sequer existir; não teríamos como pensar nelas, ansiar por elas, sofrer com elas, lutar por elas.     

No endurecimento dos conceitos, a morte do criativo


Os conceitos, a princípio, são fluídos e flexíveis, mas vão-se tornando mais fixos, à medida que amadurecemos. Quando aprendemos pela primeira vez um conceito — como, por exemplo, "espaço" ou "consciência" — somos muito receptivos às nuances que o cercam; podemos brincar com ele por um período, questioná-lo e explorar suas possibilidades. Assim que sentimos que o "conhecemos", tendemos a perder o interesse. Nossa disposição para reexaminar, descartar ou expandir a abrangência do conceito diminui; a palavra já não está mais viva, sujeita a modificações à luz de novos conhecimentos, mas sim, congelada como um dado ou informação que possuímos. Lançamos mão dela automaticamente em nosso processo mental, que passa a ser mais uma questão de rememorar do que uma atividade criativa

Ao recorrer exclusivamente às nossas estruturas e padrões conceituais, vamos lentamente contraindo a abertura natural da mente. Fica difícil percebermos as nuances sutis do momento, que se refaz constantemente. No ato da percepção, nossa mente apreende e interpreta as informações sensoriais, e nos devolve conceitos pré-fabricados que possuem associações e cores emocionais específicas, baseadas em nossa experiência passada. Estas associações emergem simultaneamente com o conceito, projetando uma situação passada sobre o presente, e condicionando a forma como enxergamos uma dada experiência. Não respondemos necessariamente à experiência imediata mas, sim, à experiência tal como filtrada através dos nossos conceitos, lembranças, imagens e associações.

Ao identificar uma situação no presente como semelhante a uma outra no passado, tendemos a reagir automaticamente, reduzindo nossa capacidade de avaliar a situação presente de forma espontânea. Vinculados deste modo ao passado, não conseguimos perceber a ampla gama de alternativas que estão disponíveis no presente, diminuindo assim nossas opções de ação. Esta tendência obscurece nossa visão; ao perdermos contato com a dinâmica aberta do momento vivo, passamos a viver dentro de um mundo amortecido. 

Quando os conceitos se tornam assim fixos em nossa consciência, não somos capazes de perceber nada de novo. Impossibilitados de notar as sutilezas de cada situação, à medida que ela vai se modificando, chegamos a repetir os mesmos gestos e os mesmos comentários em situações que parecem iguais. Quando nossa mente se acostuma a estas reações automáticas, ela se torna preguiçosa e desatenta, especialmente em ambientes que lhe são familiares. Nossos pontos de vista fixos nos dão uma sensação de segurança. Sentimos que "conhecemos" os objetos do nosso mundo; sentimos que "conhecemos" as pessoas e os demais seres vivos. Esperamos que as coisas permaneçam as mesmas e que preencham as nossas expectativas do que achamos que elas devam ser e fazer. 

Quanto mais reforçamos essa passividade e recorremos a conceitos amortecidos, mais a nossa mente resiste a qualquer tentativa de reexaminar aquilo que sabemos. À medida que tentamos, à força, encaixar nossa experiência em moldes rígidos, nosso mundo interior vai-se tornando cada vez menor e mais limitado, em vez de enriquecer-se com as nossas experiências do dia a dia. Confinados a conceitos que limitam os sentimentos e as compreensões que podemos expressar conseguimos apenas reeditar os padrões que prendemos, tal como os nossos pais, nossos avós, os pais dos nossos avós, etc. É possível que todo o conhecimento que adquirimos com a nossa educação formal e com as nossas experiências, represente apenas associações cada vez mais complexas de conceitos que pouco significado têm para uma vida humana. Tais conceitos são muito congelados, muito particularizados, muito distantes do mundo das coisas vivas para expressar nossos níveis mais profundos de experiência. 

Até que questionemos, analisemos e reavaliemos os conceitos que utilizamos para nos expressar, ficamos restritos a apenas um conjunto de interpretações sobre as nossas experiências. Quer elas se ajustem à realidade do que está acontecendo, quer nos tragam sofrimento desnecessário, não nos permitimos outra escolha a não ser viver neste mundo limitado. Mesmo que o nosso mundo mental seja solitário e que tenhamos pouco prazer com as nossas experiências, os nossos pensamentos nos são familiares e nos proporcionam uma ilusão de segurança e controle, que nos conserva presos a eles. É possível que não vejamos nenhuma alternativa para este modo de entender a nós mesmos e ao nosso mundo. Porém, quando até mesmo pensamentos como este dependem de conceitos que nunca examinamos em profundidade, como podemos saber que não existem outra possibilidades? 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Como surge nossa coleção de preconceitos?

Foto: rede internet
Parece-me que uma das coisas mais difíceis é separar o pensar e a ação individual do pensamento e da atividade coletiva; entretanto, é de essencial importância libertar a mente, o inteiro processo de pensar, do "coletivo", sobretudo agora, quando o coletivo está tendo um papel tão compulsório em nossa diária existência. No mundo inteiro, todos os meios estão sendo empregados para dominar a mente do indivíduo. Não só os comunistas, mas também todas as classes de pessoas religiosas se mostram ansiosas por moldar a mente humana; e à medida que cresce a eficiência governamental, à medida que se universaliza a chamada educação e em todos os sentidos se expandem os progressos técnicos, o pensamento vai sendo moldado cada vez mais em conformidade com o padrão de uma dada cultura. 

Quase todos nós somos o resultado do "coletivo". Não há pensar individual. Não estou empregando a palavra "individual" em oposição ao "coletivo". Penso que a individualidade é completamente diferente da coletividade e tampouco é uma reação ao "coletivo"; mas, pela maneira como estamos atualmente constituídos, a individualidade como coisa inteiramente separada do "coletivo" não existe. O que chamamos "individualidade" é apenas uma reação, e reação não é ação total. Toda reação produz mais limitação, condiciona mais ainda a mente

Não emprego, pois, a palavra "individualidade" no sentido de "oposição ao coletivo"; estou-me referindo a um processo coletivo de pensar. O pensar, como hoje conhecemos, é quase uma reação ao "coletivo"; e quer-me parecer que, em face da crise atual, desse imenso desafio, com seus inumeráveis problemas de fome, miséria, guerra, horrível brutalidade, nenhum valor tem a reação de caráter coletivo. O "coletivo" só pode reagir consoante o velho condicionamento, o velho padrão de pensamento; o importante, decerto, é que se verifique o despontar da individualidade, a qual é exterior à atual estrutura social e não faz parte do padrão coletivo de pensamento, com seus dogmas e crenças, quer comunistas, quer da chamada religião. 

[...]Pode-se ver que a velha reação coletiva não se tem mostrado adequada e que essa maneira inadequada de reagir cria novos problemas — e é isso o que realmente se sucede no mundo nos tempos presentes. Nosso problema, portanto, é descobrir se a mente, resultado do coletivo, pode libertar-se e tornar-se individual — mas não no sentido de reação, de revolta contra o coletivo, porquanto tal revolta é evidentemente um "processo" adicional de condicionamento segundo um diverso padrão. Pode a mente, pela compreensão do "coletivo", pelo investigar, pesquisar o seu inteiro processo, dissociar-se do coletivo e, com essa profundeza de compreensão, promover, não intelectual porém realmente, ação imediata? Pode a mente libertar-se e atuar como individualidade total? Não estou empregando a palavra "individualidade" na acepção comum, ou seja, significando um indivíduo que se opõe ao coletivo, um individuo egocêntrico, interessado unicamente em sua própria atividade, em seu próprio gozo, seu próprio sucesso.

[...] Se estais razoavelmente cônscios dos acontecimentos mundiais, cônscios das compulsões e pressões sociais a que estais sujeitos, essa questão tem de surgir inevitavelmente. Pode a mente libertar-se do "coletivo", ou seja, de seu próprio condicionamento? Libertar-se do coletivo não é simplesmente questão de jogar fora vosso passaporte ou de renunciar verbalmente a determinado estado mental; significa libertar-se de todo o conteúdo emocional de palavras tais como "hinduísta", "budista", "cristão", "comunista", "hindu", "russo", "americano", etc. Podeis despojar a mente da etiqueta verbal, mas lá fica um certo "conteúdo íntimo", um íntimo sentimento de ser algo, numa determinada cultura ou sociedade. Sabeis o que quero dizer. Um homem reage como cristão, comunista, hinduísta, porque foi educado num certo ambiente, com uma perspectiva superficial, limitada; e essa reação "coletiva" é o que chamamos "nosso pensar". 

[...] Assim, peço-vos não escuteis simplesmente a minha descrição, mas, se o puderdes, observeis, por meio dela, o funcionamento de vossa própria mente. Vereis então quanto é difícil pensar de maneira totalmente nova, isto é, não pensar em termos de hinduísmo, budismo, cristianismo ou o que quer que seja. E se vos rebelais contra o padrão do hinduísmo apenas para cairdes em outra gaiola a que chamais "budismo", isto ou aquilo, neste caso a mente está ainda condicionada. 

Vemos, pois, que vossa mente é resultado do "coletivo". Ela reage, não como "indivíduo", no sentido em que estou empregando a palavra, porém como expressão do "coletivo", o que significa que está agrilhoada pela tradição, pelo inteiro processo de condicionamento. Vossa mente está sob o peso de certos dogmas, crenças, rituais, a que chamais religião, e com esse fundo (background) tenta reagir a algo essencialmente novo e vital. Mas só a mente que está livre de seu fundo pode corresponder de todo ao desafio, e só essa mente é capaz de criar um novo mundo, uma nova civilização, uma maneira de viver inteiramente nova.

Ora, pode-se libertar a mente de seu fundo, que é o "coletivo", não em reação, oposição, mas por se perceber a imperiosa necessidade de uma mente que não seja um mero mecanismo de repetição?[...] Atualmente, somos o resultado do que nos foi ensinado, não é verdade? Eis um fato óbvio. Desde a infância ensinaram-nos a crer ou não crer em algo, e nós repetimos tal ensino; e se não se trata da repetição das coisas velhas a que estamos presos, trata-se então da repetição das mesmas coisas em forma nova. Quer viva no mundo comunista, no mundo socialista, quer no mundo hinduísta, esse centro que chamamos "eu", "ego", é o "processo" de repetição e acumulação próprio do "coletivo".

O problema, pois, é saber se esse centro pode ser "dinamitado", de modo que nenhum outro centro possa formar-se e surja uma ação que seja total e não simples atividade do "eu". Afinal de contas, a mente é agora um processo de atividade egocêntrica, de tradição, não achais?[...]

Krishnamurti em Madastra, 19 de dezembro de 1956
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Nina Simone - Ain't Got No

É possível ver e ouvir ao outro sem preconceito?

Existe o ver sem preconceito? Só a mente que não tem conclusão, essa é a mente que pode ver. A outra não pode. Se eu tiver um conhecimento prévio desse armário, a mente identifica-o como um armário. Olhar para esse armário sem a acumulação prévia de preconceitos ou mágoas, é olhar. Se eu tiver mágoas, memórias, dor, prazer, desagrado anterior, não olhei. (...) (Krishnamurti em, Tradition and Revolution)

Desejo agora dizer uma coisa que considero importante: é de suma relevância a maneira como escutais. Em geral, ou ouvis só as palavras, concordando ou discordando, intelectualmente, ou ouvis com a mente ocupada em interpretar, traduzindo desse modo o que ouvis em conformidade com vossos preconceitos pessoais. Escutais (…) comparando o que ouvis com o que já sabeis. Essa maneira de ouvir impede-vos o escutar (…) Mas se, ao contrário, escutardes sem condenar nem aceitar, (…) com certo grau de atenção, assim como escutais o murmúrio do vento entre as folhas, se escutardes com todo o vosso ser, (…) vosso coração e vossa mente, então talvez possamos estabelecer entre nós um estado de comunicação. Teremos então a possibilidade de entender-nos mutuamente, de maneira muito simples e direta. (…) (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 13)

Em geral nós escutamos de maneira casual, ouvindo apenas o que desejamos ouvir, não damos atenção ao que é penetrante ou perturbador e prestamos ouvido unicamente às coisas que nos são agradáveis, que nos satisfazem. (…) É uma verdadeira arte o escutar sem preconceito, sem (…) defesas, (…) pôr de parte todos os nossos conhecimentos adquiridos, nossas idiossincrasias e pontos de vista, com o intuito de descobrir a verdade contida em cada questão. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 5)

Em regra, escutamos porque desejamos que nos digam o que devemos fazer, ou a fim de nos ajustarmos a dado padrão, ou, ainda, escutamos com o simples intuito de colher mais conhecimentos. Se aqui estamos com tal atitude, nesse caso o “processo” de escutar terá pouco valor (…) (O Homem Livre, pág. 153)

Não sabemos escutar para descobrir o que é; queremos impingir a outro as nossas idéias e opiniões, forçar o outro no molde do nosso pensamento. Nossos pensamentos e juízos são muito mais importantes, para nós, do que o descobrimento do que é. (…) Para escutar, devemos estar livres. (…) Devemos estar livres para ficarmos silenciosos, porque só então há possibilidade de escutar. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 243-244)

Pode-se dizer que, em geral, não escutamos; ouvimos uma grande quantidade de palavras, interpretando o que ouvimos com nossas opiniões, rejeitando-o ou aceitando-o. Mas, por “escutar” eu entendo: escutar realmente, sem tradução, sem interpretação, sem opinião; escutar (…) sem espírito de condenação - o que não significa necessariamente “aceitação”. Ao contrário, (…) fazemo-lo, com efeito, com um sentimento de afeição e amor; por que, sem atenção e interesse não é possível escutar coisa alguma. (…) (A Essência da Maturidade, pág. 61)

Ora, pode-se ouvir de diferentes maneiras. Podemos ouvir, procurando interpretar o que o outro está dizendo, ou comparando o que se está dizendo com o que já sabemos. Podeis ouvir com todas as reações de vossa memória ativa. Mas só há uma única maneira de escutar realmente, que é escutar sem a “tagarelice” de nosso próprio pensamento. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 13)

Não sei se já experimentastes escutar simplesmente uma coisa agradável ou desagradável, sem “projetardes” o vosso próprio processo de pensar. (…) Assim, talvez possais (…) escutar simplesmente, sem concordar nem discordar do que se diz, sem “projetar” vossas próprias idéias ou interpretações - mas sem que com isso estejais sendo hipnotizados. Pelo contrário, o escutar exige atenção completa.

Mas atenção não é concentração. Concentrar-se é enfocar, excluir, e nessa exclusão cria uma barreira ao escutar. (…) Quando escutais com naturalidade e calma, sem exclusão, estais escutando tudo, não apenas as palavras, e estais também cônscios de vossas próprias e interiores reações. As palavras são então o meio de abrir a porta através da qual podeis olhar a vós mesmos. (Idem, pág. 13-14)

Não sei se alguma vez já observastes - quando estais a ouvir alguém que conheceis há muitos anos, com quem tendes certa familiaridade - o pouco que escutais. Já sabeis o que a pessoa vai dizer. Já tendes opinião formada, (…) certas conclusões, imagens, que impedem o verdadeiro escutar.

Penso que, se soubésseis escutar (…) também tudo o que vos cerca na vida diária; (…) todos os barulhos, o incessante tagarelar de vosso amigo, (…) esposa ou marido, as murmurações de vossa mente, o monólogo que ela entretém continuamente, sem condenar nem justificar, (…) esse escutar traria uma ação bem diferente da ação do pensamento calculista e disciplinado. (A Importância da Transformação, pág. 46)

Vede, por favor, que vós e eu estamos aprendendo juntos; e, para aprender, é necessário escutar. Escutar é aprender. (…) Escutar é ação. Se vós e eu soubéssemos escutar os sucessos humanos, tudo o que está ocorrendo no mundo, as filosofias, os dogmatismos, (…) a televisão - se tudo soubermos escutar, então o próprio ato de escutar se tornará ação; e nisso consiste, a meu ver, a arte de escutar.

Se sabeis escutar o trem que passa, (…) vosso vizinho, o rádio, a vós mesmos; (…) o sofrimento, a confusão, o enorme conflito entre os homens (…) então, talvez, esse próprio escutar será ação. E é disso que necessitamos: ação. Mas, para agir, necessitamos de simplicidade (…) A simplicidade nasce da alta sensibilidade e da compreensão do sofrimento. (O Descobrimento do Amor, pág. 153-154)

Não é importante descobrir a maneira de escutar? Parece que, em geral, não escutamos coisa alguma. Escutamos por detrás de várias cortinas de preconceitos, examinando o que se diz como hinduísta, (…) muçulmano, (…) cristão, com uma opinião já formada. Não ouvimos livremente, calmamente e em silêncio. Ouvimos com a intenção de concordar ou discordar, ou (…) predispostos à argumentação; não ouvimos com o propósito de descobrir. A mim me parece importantíssimo saber ouvir, (…) ler, ver, observar. (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 115)

Temos tantos preconceitos, conclusões e opiniões, temos conhecimentos acerca de tantos assuntos, os quais obviamente impedem a percepção. Quero saber o que você está falando a respeito. Devo escutar, e escutar implica que não deve haver interpretação, mas que devo realmente escutar. Isso implica que, enquanto eu estiver escutando, não deve haver comparação com aquilo que anteriormente aprendi, porque você pode estar dizendo alguma coisa inteiramente diferente. (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 85)

Então, eu devo ter a capacidade e a arte de escutar, senão eu não posso entender o que você está falando sobre o assunto. Da mesma forma, deve-se observar claramente o que está ocorrendo externa e internamente, sem nenhuma imagem; é isso possível? Significa observar realmente, sem condicionamento, não como um cristão, um comunista, um hippie, um quadrado e tudo o mais; escutar tão completamente que se possa ver sem distorção alguma. É isso possível? (Idem, pág. 85)

Se escutastes tudo isso realmente, vereis que vem um despertar e, observareis então que vossa mente é purificada pelo extraordinário milagre que se opera quando escutamos uma coisa que é um fato. Escutando o fato, sem resistência, tereis uma mente nova, (…) não mais enredada nas conclusões do passado, (…) sem temor. Estando só, essa mente é o eterno, o real, porque a verdade está só, a cada momento. (…) Só a mente que está só, purificada, sozinha, pode ver a verdade (…) (Visão da Realidade, pág. 169)

Posso garantir-vos que temos possibilidade de livrar-nos da velha “fita”, da velha maneira de pensar, de sentir, de reagir, dos inúmeros hábitos que adquirimos. Isso é possível quando se presta realmente atenção. Se a coisa que estamos escutando é, para nós, verdadeiramente séria, (…) então haveremos de escutar de tal maneira que o próprio ato de escutar apagará tudo o que é velho. Experimentai isso (…) (A Questão do Impossível, pág. 14)

Senhores, quando falo de influência, refiro-me a todas as qualidades de influência, e não a uma determinada influência. Ao escutarmos, temos de estar intensamente cônscios, para não nos deixarmos influenciar, nem conduzir. (…) Mas, (…) se puderdes escutar um fato sem resistência, seja uma coisa dita por vossa mulher, (…) filho, por um carregador, seja (…) deste orador, descobrireis então por vós mesmos que podeis ultrapassar toda influência, que podeis livrar-vos completamente dessa destrutiva influência da sociedade. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 136-137)

Nessas condições, poderia uma pessoa escutar sem nenhum preconceito, nenhuma conclusão, sem interpretação? Porque, é bastante evidente, nosso pensar é condicionado (…) Estamos condicionados como hinduístas, comunistas ou cristãos, e tudo o que escutamos, seja novo, seja velho, é sempre apreendido através da cortina desse condicionamento; por conseguinte, nunca, nunca conseguimos chegar-nos a um problema com a mente nova. Por essa razão, torna-se importantíssimo saber escutar. É bem clara a necessidade de uma revolução total no indivíduo; (…) (Visão da Realidade, pág. 138-139)

(…) Vós escutais de dentro da vossa experiência: tendes conclusões, passastes por experiências inumeráveis, provações, sofrimento, aflições, e é com esse fundo que estais escutando; estais escutando com uma conclusão. Isso é escutar? Se escuto o que dizeis, que talvez seja novo, diferente, com a mente já entrincheirada em certa ideologia, (…) experiência, num conhecimento específico, pode a minha mente escutar? (…) Há, pois, uma arte de escutar, e eu acho essa arte muito importante (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 115)

(…) A mente condicionada não pode escutar, não é livre para escutar. Mas se fordes capazes de escutar de maneira total, creio que se verificará então uma revolução fundamental, não produzida por nenhuma ação do “eu”, a qual, por conseguinte, será uma verdadeira transformação. (…) (Viver sem Temor, pág. 18)

Ora, quando escutamos - e isso é uma verdadeira arte - é necessária certa tranqüilidade do intelecto. Como acontece com a maioria de nós, o intelecto está incessantemente ativo, sempre a reagir ao desafio de uma palavra, idéia ou imagem; e esse constante processo de reação e desafio não produz compreensão. (…) (O Passo Decisivo, pág. 200)

Escutar, se posso dizê-lo, não é processo de concordar, condenar, interpretar, mas, sim, de olhar cada fato totalmente, globalmente. Para isso, o intelecto deve estar quieto, porém muito vivo, capaz de seguir (o que se diz) correta e racionalmente, não sentimental ou emocionalmente. Só então é possível considerar os problemas da existência humana como um processo total, e não fragmentariamente. (Idem, pág. 200)

Há o ouvir e o escutar. Quando você ouve, concorda ou discorda, e diz: “eu concordo com ele, (…) gosto ou não gosto, ele é convincente ou não é convincente”. Mas, quando você está realmente escutando - isto é, dando sua completa atenção - o que acontece? O que ocorre (…), sendo a atenção sua mente, coração, nervos, corpo, tudo (…) escutando? Sua mente está completamente quieta? (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 123)

Não argüindo concordando, discordando, opondo ou formando nenhuma opinião. É um ato de completo escutar. Nesse ato de escutar há comunhão real, não há? Comunhão no sentido de completo relacionamento. Não há desentendimento. (…) Nunca damos nossa total atenção a coisa alguma. Mas apenas aprendemos o que é se concentrar. Concentração significa exclusão. Por conseguinte, concentração não é atenção. Na atenção não há fronteiras. (Idem, pág. 123)

Não sei se alguma vez examinastes a maneira como escutais (…) Quando tentamos escutar, (…) estamos sempre a projetar nossas opiniões e idéias, (…) preconceitos, nosso fundo, (…) inclinações, (…) impulsos; (…) Só se pode escutar quando nos achamos num estado de atenção, (…) silêncio, em que todo aquele fundo está em suspenso, quieto; então há possibilidade de comunicação. (Como Viver neste Mundo, pág. 8)

Há várias coisas a considerar. Se escutais com o fundo ou com a imagem que formastes do orador, se o escutais atribuindo-lhe certa autoridade (…) então é bem evidente que não estais escutando. Estais escutando a “projeção” que à vossa frente colocastes, e esta vos impede de escutar. Assim (…) é impossível a comunicação. (…) (Idem, pág. 8)

Nessas condições, se sabeis escutar, (…) quando compreendemos o condicionamento da nossa mente - então a compreensão mesma do nosso condicionamento liberta a mente. Percebei claramente que sois um hinduísta (…) Assim sendo, só é possível escutar e estudar o problema de maneira correta quando a mente é capaz de operar sem estar ancorada em algum fundo de conhecimento ou experiência (background) (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 11)

A mente, pois, tem de estar livre, fantasticamente livre, dos interesses de “eu” e das âncoras do conhecimento, para que possa observar o problema e, desse modo, produzir uma revolução total. (Idem, pág. 11)

(…) Nessas condições, pois, se pudermos discutir serenamente, sem nos bombardearmos mutuamente com idéias, examinando cada problema meticulosamente, com sensatez, inteligência, vereis que, sem necessidade de esforço (…) ocorrerá a revolução. (O Problema da Revolução Total, pág. 12)

Talvez tenhais escutado (…) Se souberdes escutar tranqüilamente, sem esforço, sem interpretação, o que se está dizendo, e, bem assim, tudo o que vos circunda, verificareis que estais escutando não só o que está muito perto de vós, mas também coisas que estão (…) muito longe - aquilo que não tem medida, nem espaço, que não está aprisionado em palavras nem no tempo. (…) Quando a mente se acha de fato tranqüila, por estar toda enlevada pela canção do seu próprio escutar, só então desponta na existência o imensurável, o eterno. (Visão da Realidade, pág. 260)

(…)Tendes de escutar com a totalidade do vosso ser, sem esforço algum, sem luta, e com a intenção de compreender, de explorar, de descobrir, de achar realmente a Verdade ou a falsidade (…) A meu ver, tal ato de escutar é meditação. (…) (As Ilusões da Mente, pág. 37)

(…) Só podeis escutar quando vossa mente está quieta, quando não “reage” imediatamente, quando há um intervalo entre a reação e o que se ouve dizer. Então, nesse intervalo, há quietude, silêncio. Só nesse silêncio há a compreensão que não é compreensão intelectual. (…) Esse intervalo é o cérebro novo. A reação imediata é o cérebro velho (…) (O Magistério da Compreensão, pág. 10)

Fonte: Instituição Cultural Krishnamurti
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill