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quinta-feira, 19 de abril de 2018

O estado de inocência e de inteligência desperta


O estado de inocência e de inteligência desperta

[...] PERGUNTA: A inocência que tendes descrito difere da meditação?

KRISHNAMURTI: Em algumas de nossas reuniões, aqui, tive ocasião de falar a respeito do estado de “inocência”. Disse que a mente inocente é aquela que não está aprisionada na estrutura psicológica da sociedade e, por conseguinte, se acha livre de conflito; sobre ela não pesam as lembranças de coisas passadas — o que, entretanto, não significa um estado de amnésia. Já não a prende nenhuma técnica, embora a técnica seja necessária. E o interrogante deseja saber se há diferença entre esse “estado de inocência” e a meditação, sobre que estive falando esta manhã.

Uma de nossas dificuldades, assim me parece, é que nos apoderamos de uma palavra, tal como “inocência”, ou “imensidade”, ou “criação”, e depois procuramos relacionar todas as coisas com essa palavra. Como já disse, a palavra não é a realidade. A palavra “meditação” não é a própria meditação; a palavra “inocência” não é o estado de inocência. Mas, quando existe esse estado de inocência, ele é também estado de meditação. Não podeis alcançar essa inocência enquanto fordes ambicioso, enquanto vossa mente for medíocre, enquanto estiverdes aprisionado na estrutura psicológica da sociedade e nada fordes senão uma técnica “corporificada”, como o somos na generalidade. Exercemos certa atividade, pois temos de ganhar o sustento, e pouco melhores somos do que máquinas, por mais talentosos, sagazes e sutis que sejamos. Uma mente “maquinal” não é uma mente “inocente”. Os computadores, os cérebros eletrônicos provavelmente são “inocentes”, mas são feitos de metais e não são entes vivos como nós. Com o tempo poderá ser inventada uma máquina com uma determinada espécie de vida própria — e talvez não estejamos muito longe disso. Mas, quando nos reduzimos ao ponto de funcionar como máquinas em nosso esforço tecnológico, nossa aquisição de saber, nosso acumular de experiência — assim não haverá inocência. A inocência é aquele estado no qual a mente é sempre jovem e fresca. A mente inocente nenhum medo tem da morte, nem de coisa alguma e está, portanto, livre do tempo.

PERGUNTA: Talvez possamos ficar nesse estado de inocência, ou meditação, enquanto despertos; mas que acontece quando dormimos?

KRISHNAMURTI: Estamos despertos durante o dia? Presumimos que sim. Achamo-nos despertos se deixamo-nos aprisionar em hábitos de pensamento, em atividades e condutas rotineiras? Se constantemente condenais, comparais, julgais, avaliais, ou vos considerais como pertencente a uma certa raça, nacionalidade, “cultura” ou religião — estais desperto? Se o hábito vos domina e, por conseguinte, não vos achais desperto durante o dia, o sono, nesse caso, é apenas uma continuação desse mesmo estado mental. Faz, então, muito pouca diferença se, fisicamente, estais dormindo ou acordado. Podeis frequentar assiduamente a igreja, recitar orações, ou cantar um mantra, como acontece na Índia, ou entregar-vos a qualquer das outras práticas como habitualmente fazem as chamadas pessoas religiosas; ou podeis repetir chavões (slogans), como os políticos, ou contemplar a vida do ponto de vista artístico; mas constitui qualquer dessas coisas um estado de inteligência desperta? Encontrar-se nesse estado de “inteligência desperta” é ser a luz de si mesmo. Não se tem então nacionalidade, nem igreja, nem Deus; não se depende da música, da pintura, da beleza das montanhas; não se depende da família, do marido, da mulher, dos filhos. E quando, interiormente, uma pessoa se acha desperta, que é então o sono? Que significação tem o sono quando tanto o consciente como o inconsciente se mantêm totalmente despertos?

É a pessoa embotada, envolvida em conflito, que sonha. Os sonhos são apenas sugestões do inconsciente. Conservando-nos atentos durante o dia, tudo observando, dentro e em redor de nós — mas não de um centro de julgamento ou condenação, se assim nos achamos, ao dormir, não sonhamos. Se quando estais desperto — tomando um ônibus, ouvindo um concerto, passeando a sós, conversando com amigos — percebeis, de imediato e sem reação, as sugestões ou mensagens do inconsciente; se todas as coisas que se passam interior e exteriormente são de pronto observadas, reconhecidas, compreendidas, então, ao dormirdes vossa mente estará quieta; e, porque está quieta, pode alcançar grandes profundidades. E vereis que esse estado de profundo silêncio durante o sono traz frescor, purificação, e, assim, o dia seguinte é um dia diferente, traz consigo algo novo. Mas tudo isso requer uma extraordinária percepção interior.

Krishnamurti, Saanen, 9 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito


Inocência é não ter medo


Inocência é não ter medo

[...] é possível a mente libertar-se do medo? O medo, de qualquer natureza que seja, gera ilusão, torna a mente embotada, superficial. Onde há temor, não há, evidentemente, nenhuma liberdade, e sem liberdade não há amor. Quase todos nós temos alguma espécie de medo: medo do escuro, medo da opinião pública, medo de serpentes, medo da dor física, medo da velhice, medo à morte. Mas é possível estar-se completamente livre do medo?

Pode-se ver o que o temor nos faz a cada um. Ele nos leva a mentir, corrompe-nos de várias maneiras, torna a mente vazia, superficial. Há cantos escuros na mente que nunca podem ser investigados e trazidos à luz, enquanto tivermos medo. A autoproteção física — o impulso instintivo a guardarmos distância do reptil venenoso, a recuarmos ante o precipício, a evitarmos ser colhidos por um ônibus, etc. — é sã, normal, saudável. Mas eu estou falando da autoproteção psicológica que nos faz temer a doença, a morte, um inimigo. Quando buscamos preenchimento, na pintura, na música, nas relações, ou no que quer que seja, há sempre medo. Assim, o importante é estarmos conscientes de todo esse “mecanismo de nós mesmos”, que o observemos, aprendamos a seu respeito, e nunca perguntemos como se pode ficar livre do temor. Quando apenas desejais livrar-vos dele, encontrareis meios e modos de fugir-lhe, e dessa maneira nunca haverá liberdade, nunca estareis livre do temor.

Se refletirdes sobre o medo e a maneira como devemos considerá-lo, vereis que para a maioria de nós a palavra é muito mais importante do que o fato. Considere-se a palavra “solidão”. Com essa palavra, quero referir-me ao sentimento de isolamento que subitamente nos assalta, sem razão aparente. Não sei se isso já vos aconteceu alguma vez. Embora vos acheis rodeado de vossa família, de vossos semelhantes, embora estejais passeando em companhia de amigos ou viajando num ônibus repleto de passageiros, subitamente vos sentis completamente isolado. Dada a lembrança dessa experiência, há o medo ao isolamento, ao estar só. Ou tendes apego a alguém que morre, e vos vedes só, isolado. Em virtude desse sentimento de isolamento, buscais refúgio no rádio, no cinema, ou apelais para o sexo, a bebida, ou começais a frequentar a igreja, a adorar a Deus. Se ides à igreja ou se tomais uma pílula, trata-se de qualquer maneira de uma fuga, e todas as fugas são essencialmente a mesma coisa.

Ora, a palavra “solidão” impede-nos de adquirir perfeita compreensão desse estado. A palavra, associada à experiência do passado, evoca o sentimento de perigo e gera o medo; por essa razão procuramos fugir. Por favor, observai a vós mesmo como a um espelho, não vos limiteis a escutar-me, e vereis que a palavra tem extraordinária significação para a maioria de nós. Palavras como “Deus”, “Comunismo”, “Inferno”, “Céu”, “Solidão”, “Esposa”, “Família” — que espantosa influência elas exercem em nós! Somos escravos de tais palavras, e a mente que é escrava de palavras nunca está livre do medo.

Estarmos apercebidos do medo em nós existente, aprendermos a seu respeito, não significa interpretar esse sentimento por meio de palavras, porque as palavras estão associadas com o passado, com o conhecimento; e no próprio momento em que aprendemos a respeito do medo, sem verbalização — e isso não é adquirir conhecimento sobre ele — vereis como a mente se torna completamente vazia de todo temor. Isso significa que temos de penetrar em nós mui profundamente, pondo de parte todas as palavras; e quando a mente compreende todo o conteúdo do temor, tanto consciente como inconsciente e, por conseguinte, dele se liberta, apresenta-se então um “estado de inocência”. Para a maioria dos cristãos, a palavra “inocência” é meramente um símbolo; mas eu falo sobre o real estado de inocência, que significa “não ter medo”; nesse estado a mente se torna num instante amadurecida, sem passar pelo processo do tempo. E isso só é possível quando há atenção total, percebimento de cada pensamento, de cada palavra, de cada gesto. A mente está atenta, sem a barreira das palavras, sem interpretação, justificação ou condenação. Torna-se a luz de si própria; e a mente que é a luz de si própria não conhece temor.

PERGUNTA: Não existe nenhum “motivo” quando aprendemos sobre nós mesmos?

KRISHNAMURTI: Há motivo, no sentido de que desejo conhecer-me, porque, sem esse conhecimento, não tenho base para nenhuma coisa que faço, não tenho base para nenhuma coisa que penso ou sinto. O “eu” é tão complexo, tão célere, tão sutil, tão astuto, que preciso conhecer a mim mesmo completamente, tanto o consciente como o inconsciente, se desejo descobrir se existe, ou não, algo real, além de minha imaginação, além de meus anseios, além de meus desejos, além da propaganda da igreja e da sociedade. Para descobrir o que é verdadeiro, minha mente deve estar clara, não devo achar-me num estado de conflito, não devo ter nenhuma espécie de medo e nenhuma autoridade. Isso é bem óbvio, não achais? Não deve haver dependência, nem ansiar, nem frustração — devo estar totalmente vazio de tudo isso.

Ora, como posso aprender a meu respeito? Eu não posso afirmar que sou o resultado de determinada sociedade ou cultura (civilização), ou que sou a alma, entidade espiritual eterna, porquanto tudo isso são apenas coisas que outras pessoas me disseram. Para aprender sobre mim, tenho de desfazer-me de todos os absurdos religiosos que a sociedade me ensinou. Isso significa que não devo temer a opinião pública, e devo saber o que é “estar completamente só”. Se cuido meramente de adicionar ou de subtrair daquilo que penso saber, dizendo que há Deus ou que não há Deus, que há isto e não há aquilo — nesse caso não estou aprendendo.

Percebei este fato tão simples. Nada podeis aprender acerca de vossa pessoa, se estais tentando fugir ou se desejais tornar-vos um admirável santo, porque isso é absurdo em extremo. Podeis tornar-vos isso a que chamam “um santo”, mediante ajustamento a um padrão, mediante disciplina, renúncia, extrema frugalidade, etc. etc.; mas por esse caminho jamais descobrireis o que é verdadeiro. Para o descobrirdes, deveis livrar-vos do desejo de santificar-vos.

Se amais vosso filho, vós o observais, procurais compreendê-lo, não é assim? Nada pressupondes sobre a criança. Não lhe dizeis que deverá ser como seu irmão mais velho, que é tão inteligente. Quando comparais uma criança com outra, estais destruindo essa criança.

Do mesmo modo, para poderdes compreender-vos não deve haver comparação. Não deveis sentir-vos nem deprimido nem exultante a respeito de vós mesmo. Não deveis pressupor coisa alguma; porque todo pressuposto se baseia na autoridade; e a rejeição da autoridade é o começo do aprender.

O importante é que a pessoa se sinta curiosa acerca de si própria. Não me refiro à mera curiosidade intelectual, nem vos estou estimulando verbalmente a vos examinardes, com a promessa de que, no fim, obtereis determinado resultado. Estar realmente “curioso acerca de si mesmo” é perceber todos os meandros, todas as pressões e tensões, todos os movimentos sutis e ocultos de nossa mente; e a mente que está amarrada ao conhecimento não pode acompanhar com presteza os seus próprios e sempre variados movimentos.

“Aprender sobre si mesmo” é não ter motivo algum, e essa é a beleza do autoconhecimento. Não desejais, então, tornar-vos importante personalidade ou famoso santo; o que desejais é simplesmente realizar esse aprendizado, assim como estudaríeis uma flor de singular beleza que achásseis no deserto. Nós estamos num deserto, e somos flores verdadeiramente maravilhosas. Para olharmos a flor, aspirar-lhe o perfume, compreendê-la, precisamos amá-la.

PERGUNTA: A mente imatura não é aquela que está enredada nos hábitos?

KRISHNAMURTI: Eu gostaria de saber se realmente exerceis a vossa atenção, ou se esperais que eu vos desperte a inteligência, o percebimento. Estais trabalhando intensamente, apesar do calor, ou mantende-vos num estado de relativa inércia?

Vossa pergunta foi: A mente imatura não é aquela que está enredada nos hábitos? Ora, por que será que fizestes esta pergunta? Percebeis que sois imaturo, que vos achais envolvido nos hábitos, ou estais meramente mencionando algo já explicado? Notai, por favor, que não estou fazendo pouco caso do interrogante. Se observais que sois imaturo, que o hábito vos domina, — como acontece com a maioria das pessoas — então a questão seguinte é de como vos tornardes “amadurecido”, isto é, de como vos libertardes do hábito completamente, não numa certa data futura, porém . É essa a questão?

Vejo que estou emaranhado nos hábitos. Política ou religiosamente, como escritor, como pintor, como homem ou mulher, estou preso a uma determinada maneira de pensar. Como inglês, tenho uma certa tradição e uma atitude fixa perante a vida; ou fui educado no catolicismo, nisto ou naquilo, e isso se tornou hábito. Esse hábito pode ser quebrado de imediato, ou deverá ser gradualmente eliminado através dos anos? Se digo que isso “levará tempo”, que o hábito tem de ser eliminado gradualmente, através dos anos, qual é, nesse caso, o estado de minha mente? Evidentemente, ela está num estado de letargia, embotamento, irreflexão, não percebimento.

O nacionalismo, por exemplo, é um hábito, e esse hábito pode ser quebrado instantaneamente. Mas dá-nos prazer, dá-nos um sentimento de importância, estarmos identificados com determinado país, principalmente se esse país é poderoso. Em geral, gostamos de estar identificados com um dado governo, uma bandeira, e outros absurdos que tais, e, por conseguinte, não desejamos quebrar o hábito do nacionalismo e, assim, não há problema nenhum. Mas, se pretendemos extinguir esse hábito — e ele só pode ser extinto imediatamente, e não através dos anos — como fazê-lo?

Existe um “método de quebrar o hábito”? Ora, método implica tempo, movimento de um ponto de partida para um ponto de chegada. Se virdes por vós mesmo que o tempo não vos liberta do hábito e que, por conseguinte, os métodos e sistemas para nada servem, ficareis então frente a frente com a realidade: o fato de que vossa mente está enredada no hábito. Vedes o fato, não através de palavras ou de ideias; vedes diretamente o fato de que vossa mente está tolhida pelo hábito. Assim é, inapelavelmente. E, então, que acontece? Não estais procurando modificar o hábito, não estais tentando quebrá-lo. Estais simplesmente em presença do fato de que vossa mente funciona na rotina habitual. E que acontece quando vos achais diante de um fato? Que acontece quando verificais que sois mentiroso, ciumento? Se não tentardes alterá-lo, o próprio fato vos dará uma extraordinária energia, com a qual podeis quebrá-lo completamente. Compreendeis? Quando vos achais frente a frente com o fato, diretamente, vossa mente já não se entrega a fugas, renúncias, esforços para modificá-lo através do tempo, etc. etc.; por conseguinte, vossa atenção é completa, toda a vossa energia se concentrou, e essa energia destrói totalmente o fato.

PERGUNTA: Pode-se eliminar o medo com o descobrir-lhe a causa?

KRISHNAMURTI: Ora, estivestes prestando atenção completa durante esta hora inteira, empregada numa palestra desta natureza; por conseguinte, vossa mente deve estar cansada e vosso corpo também. “Escutar com atenção total” é algo que a maioria de nós nunca fez antes, algo penoso.

Pergunta essa senhora: O medo se dissolve com o conhecimento da causa do medo? Em geral, nós conhecemos a causa do medo: a morte, a opinião pública, coisas que praticamos e não desejamos sejam descobertas, etc. A maioria das pessoas conhece a causa de seus temores, mas esse conhecimento, evidentemente, não os extingue. Mediante análise é possível descobrir-se uma certa causa oculta do medo, mas isso também não liberta a mente do temor. O que traz a libertação do medo — e garanto-vos que é uma libertação completa — é estar ciente do medo sem a palavra, sem procurar negar ou fugir ao medo, sem se desejar ingressar num outro estado. Se, com plena, atenção, estais inteirado do fato — a existência do temor — vereis então que o observador e a coisa observada são um todo único, que não há separação entre os dois. Não há observador que diz “tenho medo”; só há medo, sem a palavra indicativa desse estado. A mente já não foge, não tenta livrar-se do medo, não lhe procura a causa e, por conseguinte, não está escravizada às palavras. Só há, então, um “movimento de aprender”, proveniente da sanidade — e a mente sã, ilesa, não teme.

Krishnamurti, Saanen, 2 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito


sexta-feira, 6 de abril de 2018

É possível um estado mental de inocência?


É possível um estado mental de inocência?

Observando-se os fatos de cada dia, torna-se bem evidente que, com o próprio esforço para resolvermos os numerosos problemas que nos assediam, só produzimos mais problemas; e parece-me, também, que enquanto não compreendermos os mecanismos do pensamento e, por conseguinte, estivermos impossibilitados de purificar a mente, nossos problemas irão inevitavelmente crescendo e se multiplicando. Embora cada um possa dizê-lo de modo diferente, toda pessoa inteligente está bem apercebida de que a mente tem, de ser purificada; e, para o expressarmos com toda a simplicidade, o que daí decorre é que, enquanto o instrumento com que o homem opera — a mente — não estiver esclarecido, desapaixonado, livre do "eu" com seus inumeráveis preconceitos e temores, tanto conscientes como inconscientes — enquanto a mente não for expurgada de tudo isso, nossos problemas aumentarão sempre. Todos sabemos disso, e toda religião de certa importância o afirma, de diferentes maneiras. Entretanto, por que razão nunca parecemos capazes de purificar a nossa mente? É porque não existem sistemas suficientes, ou porque o verdadeiro sistema ainda não foi inventado ou posto em prática? Ou é porque nem método nem sistema algum pode produzir essa purificação? Certo, todos os sistemas e métodos geram tradições, produtivas de mediocridade mental; e uma mente medíocre, em face de um problema importante, inevitavelmente o traduzirá em conformidade com seu condicionamento.

Isto é, para lidar com qualquer problema importante, humano, percebemos a necessidade de uma mente que esteja esclarecida, purificada de todos os seus preconceitos e dizemos que, para purificarmos a mente, necessitamos de um sistema, um método, uma prática; mas se estamos realmente atentos, percebemos que no próprio praticar de um sistema a mente se deixa por ele prender e, por conseguinte, não pode libertar-se, expurgar-se, purificar-se. Dependente do sistema, a mente traduz o desafio ou a ele corresponde em conformidade com esse condicionamento. Isto também é bastante óbvio, se o examinais.

Temos muitos problemas, em todos os níveis de nossa existência e, para corresponder a esses problemas, a mente tem de ser nova, ardorosa, vigilante. Para produzir essa mente esclarecida, nova, purificada, dizemos ser necessária a prática de um sistema; mas sabemos que no próprio praticar de um sistema, a mente se torna tortuosa, limitada, pervertida. É óbvio, portanto, que os sistemas não libertam a mente, e, penso que esse fato deve ser compreendido perfeitamente, antes de podermos entrar mais fundo na questão que desejo apreciar nesta tarde.

Em geral, pensamos que um método, um sistema, uma prática, libertará a mente ou a ajudará a pensar com clareza. Mas pode qualquer espécie de sistema ajudar a mente a pensar com toda a clareza, sem tendências, livre do centro do "eu", do "ego"? A prática de um sistema não robustece o "eu"? Embora se suponha que o sistema vos ajudará a libertar-vos do "eu", do "ego", ou qualquer termo que preferirdes, para designar essa atividade egocêntrica da mente, a própria prática de um sistema não acentua o egocentrismo, embora num plano diferente?

Está visto, pois, que a mente nunca pode ser libertada por um sistema. Entretanto a nossa mente em geral, está enredada em algum sistema, que é a rotina tradicional, e isso invariavelmente gera mediocridade. É o que aconteceu a quase todos nós, não? A mente que funciona pela rotina dos hábitos, da tradição, antiga ou moderna, — e a isso chamamos conhecimento — defronta-se com um problema imenso, um problema em constante mutação. Pessoal ou impessoal, coletivo ou individual, não há problema estático. Mas a mente é estática, porque presa numa rotina de tradição e de hábitos, apegada a uma certa maneira de pensar; assim sendo, observa-se sempre uma contradição entre a condição estática da mente e o problema em constante mutação, em movimento constante. Essa mente é incapaz de fazer frente ao problema e resolvê-lo.

Afinal de contas, estais atendendo aos problemas como hinduístas, isto é, com a tradição da cultura hindu, exatamente como o católico ou o comunista atende a qualquer problema em conformidade com seu especial condicionamento. Entretanto, os mais de nós concordamos que a mente tem de ser purgada, purificada, para que possa enfrentar a vida, achar Deus, a Verdade, ou como quiserdes chamá-lo.

Ora, desejando enfrentar esse desafio, descobrir aquela coisa nova, dizemos que a mente precisa ser purificada pela prática de um sistema. Mas, se prestamos muita atenção, verificamos que qualquer sistema mutila a mente, não a liberta. Que se deve então fazer? Este é um problema com que todos nos defrontamos, não é verdade? O desafio, que é o mundo, tal como o é hoje, é totalmente, novo, com novas exigências, e não podemos de modo nenhum atender ao novo com as tradições, as ideias, as lembranças e o conhecimento do velho — verdadeiros fatores de deterioração. Pode-se ver que, pela prática de um método, a mente se mutila, que no próprio processo de cultivar a virtude, o "eu" se torna mais forte. Há necessidade de virtude, porque a virtude produz ordem: entretanto, a virtude que é cultivada, praticada, dia a dia, deixa de ser virtude. Percebendo isso, que deve a mente fazer?

Pode-se ver muito bem que a mente, a fim de poder enfrentar o desafio, enfrentar este mundo estranho, com suas aflições cada vez mais numerosas, suas enormes contradições e frustrações, tem de ser tornada nova, fresca, pura, "inocente". E como produzir esse estado mental? Pode o tempo produzi-lo? Isto é, a mente que está embotada, que é estúpida, medíocre, pode, pelo cultivo do ideal da pureza, da inocência, da claridade, alcançar aquele outro estado, através do tempo? O que é pode ser transformado em o que deveria ser, pelo cultivo do ideal? Quando a mente diz: "Estou aqui e preciso de tempo para alcançar o estado ideal, que se acha lá, que fez ela? Inventou o ideal, separado do fato, e então é necessário o tempo, para transpor essa distância, — pelo menos é isso que dizemos. Temos, pois, como se vê, cômodas teorias para justificar a inevitabilidade do tempo — evolução, progresso pelo desenvolvimento, etc.. Mas, se se examinar muito atentamente a noção do tempo como meio de se alcançar um ideal, ver-se-á que esta noção nasceu de uma atitude extremamente indolente e sutil tendente ao adiamento.

Desde a infância, somos educados na base deste conceito do ideal, do exemplo, da perfeição final, para cuja consecução dizemos ser necessário o tempo. Mas o tempo pode dissolver a atividade egocêntrica do "eu", do "ego", causadora de tantos malefícios? O tempo implica prática, progresso em direção a algo que deveria ser; mas esse algo é "projeção" de uma mente que se acha enredada em sua própria desdita, seu próprio condicionamento. O ideal, pois, o que deveria ser, é produto de uma mente condicionada, projeção de uma mente aflita, uma mente ignorante, cheia de atividades egocêntricas. Por conseguinte, o ideal contém o germe do presente; e se o examinardes muito atentamente, se o considerardes profundamente, vereis que o tempo não pode produzir o expurgo do "eu". Que cabe então à mente fazer?

Compreendeis, senhores? Sistema algum pode resolver este problema. Ainda que pudésseis praticar um sistema durante mil anos, o "eu" continuaria vivo, porque a própria prática de um sistema torna mais forte o "eu". Tampouco pode o ideal, em tempo algum, resolver este problema, porque o ideal requer tempo, para se progredir desde o que é — o fato — até o que deveria ser: e esta perseguição de, o que deveria ser impede a compreensão de o que é. O que é só pode ser compreendido quando a mente está, de todo, livre do ideal, da ideia de progresso através do tempo. Entretanto, são esses os dois únicos recursos com que contais. Servis-vos do ideal como uma alavanca para vos libertardes de o que é, ou praticais um sistema, o que, invariavelmente, gera mediocridade. E a mente medíocre não pode, em circunstância alguma, corresponder a um desafio sobremodo dinâmico e que exige atenção completa. Que deve então a mente fazer?

Não sei se já pensastes, pelo menos um pouquinho, neste assunto. Temos problemas em todos os níveis de nossa existência — problemas econômicos, sociais, emocionais, intelectuais — e sempre nos abeiramos deles com um ponto de vista tradicional ou idealístico. Vamos ao encontro dos fatos com teorias, e pode-se ver muito bem que uma mente dominada pelas fórmulas, pelas conclusões e que engendra uma certa teoria a respeito de um fato, não pode de modo nenhum compreender o fato. Há sempre conflito entre o fato e a teoria; e nossa meditação, nosso sacrifício, nossa prática, que é cultivo da virtude, nunca poderá resolver o problema, porque, cultivar a virtude é robustecer o "eu". O "eu" se torna respeitável, e nada mais. Percebendo isso, que deve a mente fazer?

Vejamos se é possível experimentarmos alguma coisa, nesta tarde. Até aqui, tendes acompanhado o que venho dizendo, que é suficientemente claro e não me parece possais discordar de minhas palavras. Não há nada com que concordar nem de que discordar, porque só estou apresentando fatos. Se discordais, estais apenas negando um fato; e por mais que negueis um fato, ele continua existente. A dificuldade é que a maioria de nós se acha enredada na tradição — tradição como conhecimento, experiência, herdados ou adquiridos — e com essa mentalidade queremos abeirar-nos de um fato, negando-o ou traduzindo-o em conformidade com nosso condicionamento. É isso que realmente está acontecendo dentro de cada um de nós, em diferentes níveis e diferentes graus de intensidade.

Como disse, podemos nesta tarde experimentar alguma coisa — o que significa escutar, não com a memória, a tradição, não com a intenção de ganhar alguma coisa com o escutar, mas com atenção completa? Se formos capazes de escutar dessa maneira, a transformação será imediata — não importa se duradoura ou efêmera. A duração é sem importância, mas o que tem importância é a capacidade de escutar com atenção completa. Se a mente puder afastar de si todas as tradições, opiniões, avaliações, comparações, e pôr-se simplesmente a escutar o que se diz, vereis como, em virtude desta atenção completa, vos tornareis capazes de enfrentar qualquer problema; porque nessa atenção não existe problema algum. O problema é criado pela falta de atenção. A atenção é "o bom", mas "o bom" não pode ser cultivado pela mente — a mente condicionada pela tradição, pelo ambiente, por influências de toda ordem. O importante é possuir a capacidade de atenção, sem nada interpretar ou avaliar; mas não há possibilidade de se praticar essa atenção. Se o fizerdes, reduzi-la-eis ao nível da mediocridade e ela se tornará mera tradição. Mas se a mente puder enfrentar o problema com atenção completa, o problema desaparecerá, porque ela será então uma entidade totalmente diferente, não mais um produto do tempo. E esta é a mente capaz de receber o Eterno.

A dificuldade da maioria de nós é que nunca damos atenção completa a coisa alguma, mesmo quando nos interessa. Quando uma coisa nos interessa, ela nos absorve, assim como um brinquedo absorve a criança; e absorção não é atenção. Mas se sois capazes de escutar completamente, sem interpretação, sem avaliação - e isso significa dar toda a atenção — nesse caso, é possível transcender tudo quanto é tradição e a mente tornar-se sobremodo clara, "inocente", pura. Essa mente é capaz de resolver os problemas da vida.

Krishnamurti, Segunda Conferência em Madrasta, 15 de janeiro de 1956
Da Solidão à Plenitude Humana


sábado, 28 de setembro de 2013

É preciso um profundo estado de não-saber


Jesus costumava dizer repetidas vezes a seus discípulos: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Quem tem olhos para ver, veja”. Dizia isso tantas vezes, como se pensasse que as pessoas não ti­nham ouvidos e olhos. E esta é a minha experiência também: to­das as pessoas têm olhos, mas muito poucas são capazes de ver; todas as pessoas têm ouvidos, mas é raro, raríssimo até, encon­trar alguém que seja capaz de ouvir - pois apenas ouvir as pala­vras não é ouvir, e apenas ver figuras não é ver. Se não se chegar ao significado, ao conteúdo; se não se ouvir o silêncio que é a alma das palavras, então não se está ouvindo.

É preciso escutar em profundo silêncio, em profunda agnosia. Lembre-se de Dionísio, de sua palavra agnosia: um estado de não-saber. Se você sabe, o seu próprio conhecimento já é um distúr­bio; você não pode ouvir. E por isso que os eruditos, os estudio­sos, são incapazes de ouvir: eles estão cheios demais de baboseiras. A mente deles vive tagarelando por dentro; talvez estejam reci­tando shastras, escrituras, mas isso não faz diferença; o que está acontecendo por dentro não tem valor algum.

A menos que você esteja em silêncio absoluto, sem nem mes­mo um único pensamento perturbando seu íntimo, nem uma minúscula onda no lago da consciência, você não será capaz de ouvir. E, se não puder ouvir, então tudo o que você achar que ou­viu estará errado.

Por esses motivos, Jesus foi mal compreendido, Sócrates foi mal compreendido, Buda foi mal compreendido. Eles falavam com bastante clareza. É impossível melhorar as afirmações de Só­crates — elas são muito claras, quase perfeitas, tão perfeitas quanto a linguagem permite. As afirmações de Buda são muito simples, nelas não há complexidade, mas mesmo assim surgem os mal-entendidos.

De onde surge todo esse mal-entendido? Por que todos os grandes profetas, teerthankaras, todos os grandes Mestres ilumi­nados, são mal compreendidos? Pelo simples motivo de que as pessoas não sabem ouvir. Elas têm ouvidos, por isso acreditam que são capazes de ouvir. Não são surdas, não precisam de apa­relho de audição, mas por trás de seus ouvidos há excesso de ba­rulho, e elas têm a mente ocupada tentando interpretar o que está sendo dito, para comparar, analisar, argumentar, duvidar - elas se perdem em todos esses processos.


Osho, em "Filhos do Universo: Reflexões Sobre Desiderata"

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sobre a dificuldade de conservar a inocência

Pergunta: Quando amo alguém e essa pessoa se irrita, por que é tão intensa sua cólera?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, você ama alguém? Sabe o que é amar? É dar, completamente, sua mente, seu coração, todo o seu ser, sem pedir retribuição, sem estender a mão para pedir amor. Compreende? Quando existe essa espécie de amor, pode haver cólera? E por que nos encolerizamos ao amarmos alguém com isso que ordinariamente chamamos “amor”? É porque não estamos obtendo o que esperamos da pessoa, não é verdade? Amo minha esposa ou marido, meu filho ou filha, mas, no momento em que fazem algo “errado”, me encolerizo. Por que?

Por que se zanga o pai com o filho ou a filha? Por que quer que o filho seja ou faça alguma coisa, que se ajuste a um certo padrão, e o filho se rebela. Os pais procuram se preencher, se imortalizar em seus bens materiais, em seus filhos, e, quando o filho faz algo que desaprovam, se irritam violentamente. Têm um ideal do que o filho deve ser, e com esse ideal estão preenchendo a si próprios; por isso, se zangam quando o filho não se adapta ao padrão que representa o próprio preenchimento deles. Você já notou quando se zanga, às vezes, com um dos seus amigos? É o mesmo processo que se está verificando. Você está esperando alguma coisa dele e, quando essa expectativa não se preenche, você se sente desapontado; e isso, com efeito, significa que, interiormente, psicologicamente, está dependendo dessa pessoa. Assim, sempre que há dependência psicológica, tem de haver frustração; e a frustração, inevitavelmente, gera cólera, azedume, ciúme, e várias outras formas de conflito. Por isso é muito importante, enquanto ainda é jovem, amar com todo o seu ser — uma árvore, um animal, seu mestre, seu pai — por que então você pode descobrir por si mesmo o que é viver sem conflito, sem medo.

Mas, veja, o educador, em geral, está interessado em si mesmo, em seus problemas pessoais — domésticos, econômicos, profissionais. Não tem amor no coração, e esse é um dos problemas da educação. Você talvez tenha amor no coração, porque amar é coisa natural dos jovens; mas esse amor é depressa destruído pelos pais, pelo educador, pelo ambiente social. Conservar essa inocência, esse amor que é o perfume da vida, é dificílimo, requer muita inteligência, claro discernimento.

Krishnamurti — A Cultura e o problema humano

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Só na revolução total está o fim do sofrimento

Conforme tenho salientado, idéias, conceitos, conclusões não podem alterar na essência a mente humana. Embora política, econômica, social e comercialmente as coisas estejam mudando rapidamente, a rapidez dessas mudanças é mais significativa do que as próprias mudanças. O que nós necessitamos é de uma tremenda revolução psicológica; entretanto, aparentemente, não podemos acompanhar, psicologicamente, as aceleradas modificações exteriores. Individualmente, continuamos envolvidos em conflito, como já o estamos há séculos. 
Para se descobrir o que é verdadeiro, devem ser postas de parte todas as conclusões, todas as formas de comparações e condenação; e isso é dificílimo para a maioria de nós, porque somos educados, condicionados para condenar, justificar. Quando temos um problema, tentamos achar uma solução em vez de tratarmos de compreender o próprio problema; pois a solução está contida no problema, e não fora dele. Para a maioria de nós, mudança consiste apenas em troca de padrão; e se vocês considerarem isso, verão que troca de padrão não é uma verdadeira transformação. Toda mudança operada na esfera do tempo é o mesmo movimento, modificado, continuado. 
Ora, eu não estou falando a respeito de mudança de padrão, porém a respeito de uma profunda revolução psicológica — e isso significa libertar-se completamente da estrutura psicológica da sociedade. Mudança que se opera dentro do padrão da sociedade é um movimento do "conhecido" para o "conhecido", vocês não acham? Sou isto e quero tornar-me aquilo, que é meu ideal, e, assim, luto para mudar. Mas o ideal é uma "projeção" do conhecido, e o cultivo do ideal continua a não ser mudança nenhuma. 
A revolução implica, por certo, um  percebimento total de toda estrutura psicológica do "eu", consciente e inconsciente, e que se esteja totalmente livre dessa estrutura sem pensar em "tornar-se outra coisa". Quer estejamos conscientes dela, quer não, a maioria de nós estabeleceu um padrão de pensamento e atividade, um modo de vida padronizado. No esforço para operarmos uma mudança em nossa vida, aceitamos consciente ou inconscientemente um certo padrão, e pensamos ter mudado; mas, na realidade, não houve mudança nenhuma.
Como estive dizendo outro dia, se não há compreensão do inconsciente, toda "mudança" psicológica é simples ajustamento a um padrão estabelecido pelo inconsciente. E a crise atual — não apenas a crise externa, mas também a crise existente na consciência — exige uma revolução. Não me refiro à revolução social ou econômica, porém a revolução no inconsciente — à completa libertação da estrutura psicológica da sociedade, total abandono da ambição, da inveja, da avidez, do desejo de poder, posição, prestígio, etc. Esta é a única revolução, porquanto, sem ela, nada de novo pode existir; sem ela, ficamos apenas acalentando idéias, conceitos e, por conseguinte, há sempre sofrimento. Só tem fim o sofrimento quando há revolução total.
A questão, pois, é: Como operar essa mudança interior, essa revolução total? Se fazemos um esforço deliberado, consciente, para modificar-nos, geramos conflito, luta; e a mudança nascida do conflito, luta, só pode produzir mais sofrimento. 
Ora, é possível promover uma revolução na psique, sem esforço consciente? Tenho explicado cuidadosamente que o inconsciente é o depósito do passado. No inconsciente estão armazenadas não só as experiências do indivíduo, mas também as da raça. Ele é o repositório de toda a luta do homem através das idades: sua busca de Deus, sua rejeição de Deus, sua adoração do estado, sua identificação com a nação, com uma idéia, etc. A totalidade de tudo isso é o passado, é o fundo inconsciente de cada um de nós, em conformidade com o qual reagimos. Podemos tentar compreender o inconsciente por meio de exame e análise, mas isso obviamente não produzirá revolução.Vocês podem modificar, reformar; mas a reforma de vocês tornará necessária nova reforma; não é revolução, não é completa libertação do passado. Necessita-se de uma mente jovem, nova, "inocente", e essa mente só pode existir quando nos libertamos psicologicamente do passado. 
Mas como poderá operar-se essa revolução, sem esforço, sem se procurar fazer algo a esse respeito? Todo esforço ou luta que visa transformação envolve contradição, e a contradição acentua o conflito já existente; portanto, não há transformação. Só se pode perceber o que é novo num estado de "inocência", isto é, quando o passado deixou de ter qualquer significação psicológica. 
A inocência, como vocês devem saber, é uma das exigências da sociedade moderna, mas essa exigência é ainda muito superficial. Para as pessoas que tem passado por muitos sofrimentos, que se vêem oprimidas pelo sentimento de culpa, pela ansiedade, pelo medo — para essas pessoas a "inocência" é uma coisa muito importante. Mas a "inocência" de que falam é o oposto da complexidade, o oposto do sofrimento, da angústia, da luta, da confusão. A verdadeira "inocência", como o amor, não é um oposto. O amor não é o oposto do ódio. Só nasce o amor quando o ódio, em todas as suas formas, desapareceu. Do mesmo modo, a mente deve ser "inocente", embora tenha passado por todas as formas de experiência. Para que a mente realize esse estado de "inocência" devem terminar as acumulações de experiência — as quais são ainda o passado, ainda fazem parte do fundo inconsciente. 
Ora, como será isso possível? Dizem as pessoas religiosas que devemos recorrer a Deus, pormo-nos num estado de receptividade para a Graça de Deus. E há práticas religiosas (quase ia dizendo "truques") de toda espécie, que servem para persuadir, influenciar ou controlar a mente humana, a fim de torná-la capaz de alcançar, de uma ou de outra maneira, aquela "inocência". Há também os que, com o uso de drogas diversas, procuram "experimentar" um estado exaltado de sensibilidade perceptiva, um maravilhoso estado de bem-aventurança. Mas a inocência não pode ser "produzida" com o uso de nenhuma droga, nem de nenhum método de ioga, nenhuma crença ou rejeição de crença, ou pelo aguardar a Graça de Deus. Tudo isso implica esforço, busca, ânsia de fugir ao fato — ao que é. E a inocência só pode vir à existência com a total libertação do "conhecido" — isto é, com o morrer para o "conhecido", morrer para o passado, as lembranças agradáveis, para todas as coisas que temos acalentado, formado "ajuntado" e que constituem nosso caráter. 
Infelizmente, a maioria de nós não deseja morrer para nada, principalmente para aquilo que nos dá prazer, as lembranças de coisas que temos experimentado e a que ficamos apegados. Preferimos encontrar um refúgio, viver numa ilusão. Mas, precisamos morrer para o "conhecido", a fim de que se torne existente a "inocência". Isto não é uma mera declaração verbal ou conclusão. É necessário morrermos realmente para o "conhecido", para o passado. Mas não podemos morrer para o conhecido, se temos um motivo para morrer; pois todo motivo está enraizado no tempo, no pensamento; e o pensamento é a reação do fundo (background) da consciência, o qual é o "conhecido". 
Todos estamos condicionados — como ingleses, russos, hinduístas, cristãos, budistas, o que quer que seja. Somos moldados pela sociedade, pelo ambiente; nós somos o ambiente. A maioria de vocês, sem dúvida, crê em Deus, em Jesus, porque nesta crença vocês foram educados; ao passo que na Rússia as pessoas foram condicionadas para não aceitarem nada disso. A totalidade do condicionamento da mente é o "conhecido", e esse condicionamento pode ser quebrado, mas não por meio da análise. Só pode ser quebrado quando considerado de maneira negativa, e essa maneira negativa não é o oposto da positiva. Assim como o amor não é o oposto do ódio, assim também esse "negativo" não é o oposto do "positivo", que é exame, análise, esforço para alterar o padrão existente ou para ajustar-se à um padrão diferente. Tudo isso consideramos "positivo"; e o "negativo" de que falamos não é o oposto disso. Não é, tampouco, uma síntese. Síntese implica reunião dos opostos, mas isso produz novo conjunto de opostos. O "negativo" de que falamos é a total rejeição dos opostos. Quando rejeitamos totalmente o método (que faz parte do condicionamento) pelo qual se procura modificar a psique por meio do esforço, de análise, então o nosso método é negativo; e só nesse estado de negação a mente pode ser "inocente". Essa é a mente verdadeiramente religiosa. A mente religiosa não é aquela que crê, que vai à igreja todos os dias ou uma vez por semana; não é a mente que têm um credo, que está escravizada a dogmas e superstições. A mente religiosa é, deveras, uma mente científica; científica, no sentido de que é capaz de observar os fatos sem desfigurá-los, de ver a si própria tal como é. O libertar-se do condicionamento requer, não uma mente crédula, uma mente disposta a aceitar, porém uma mente capaz de observar racionalmente, com sanidade, e de perceber que, a menos que seja despedaçada a estrutura psicológica da sociedade, ou seja o "eu", não pode haver "inocência"; e que, sem "inocência" a mente nunca poderá ser religiosa. 
A mente religiosa não é fragmentária, não divide a vida em compartimentos. Ela abarca a totalidade da vida — a vida de prazeres e dores, a vida de alegrias e satisfações passageiras. Uma vez que está totalmente livre da estrutura psicológica da ambição, da avidez, da inveja, da competição, de toda exigência de mais, acha-se a mente religiosa num estado de "inocência"; e só assim a mente pode transcender a si própria, e não quando crê, meramente, num além ou nutre uma certa hipótese relativa a Deus. 
A palavra "deus" não é Deus; o conceito que vocês têm de Deus não é Deus. Para se descobrir se existe isso que se pode chamar "Deus", devem desaparecer totalmente todos os conceitos verbais e formulações, todas as idéias, todo pensamento que seja reação da memória. Só então existe aquele estado de "inocência" em que não há automistificação, nem o querer ou desejar resultado; e então vocês poderão descobrir por vocês mesmos o que é verdadeiro. 
Assim, a mente já não está em busca de experiência. A mente que busca por experiência é imatura. A mente "inocente" já não se interessa pela experiência. está livre da palavra, ou seja, da capacidade de reconhecer, com seu fundo de conhecimento (background). O reconhecimento implica associação, que pode ser verbal ou empírica, e sem essa associação nada se pode reconhecer. A mente religiosa, ou "inocente", está livre da palavra, livre de conceitos, padrões, formulações, e só assim pode uma mente descobrir por si própria se há, ou não, o Imensurável.
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill