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sexta-feira, 20 de julho de 2018

O repentino e depurador insight libertário


sábado, 21 de abril de 2018

A silenciosa mente iluminada

Nesta manhã desejo falar sobre um assunto talvez estranho para os ouvintes. Afigura-se-me uma das coisas mais importantes da vida o clarificar a mente, o esvaziá-la de toda experiência e pensamento, de modo que ela se torne fresca, nova, sã; porque só a mente sã pode, com sua liberdade, descobrir o verdadeiro. Esta sanidade não é um estado permanente. Não significa que a mente alcançou um resultado e aí se deixa ficar. É o estado da mente que, achando-se desimpedida, é capaz de renovar-se a todo instante, sem esforço. E essa renovação, essa liberdade para descobrir, é de imenso significado, já que a maioria das pessoas vive superficialmente; vive com os seus conhecimentos e informações e os julga suficientes. Mas, sem a meditação, nossa vida é bem superficial. Por “meditação” não entendo contemplação ou oração. Para a pessoa achar-se no “estado de meditação”, ou, melhor, para nele entrar naturalmente, sem esforço, deve primeiro compreender a mente superficial, a mente vulgar, aquela que em regra se satisfaz com informações. Tendo acumulado conhecimentos ou adquirido uma certa capacidade técnica, que nos habilita a exercer determinada especialidade, para vivermos neste mundo com leviandade, contentamo-nos em viver nesse nível, sem nenhuma compreensão de qualquer problema psicológico que acaso se apresente. Parece-me, pois, sobremodo relevante observar a superficialidade da mente, e investigar se ela pode transcender a si própria.

Quanto mais conhecimento e preparo uma pessoa tem, tanto maior a sua capacidade na vida diária; e é óbvio que necessitamos desses conhecimento, desse preparo, dessa capacidade, pois não podemos “jogar fora” as máquinas e a ciência e volver ao estado primitivo. Isso seria proceder como algumas pessoas ditas “religiosas” que querem retornar a uma tradição ou ressuscitar antigos conceitos e fórmulas filosóficas, destruindo, dessa maneira, a si próprias e ao mundo em que vivem. A Ciência, a Matemática, as técnicas atualmente à disposição do homem, são coisas absolutamente necessárias. Mas o viver neste mundo tecnológico, de conhecimentos e ilustração que rapidamente se avolumam, tende a tornar-nos superficiais; e, em geral, contentamo-nos em permanecer nesta superficialidade, visto que o conhecimento e a tecnologia nos fazem ganhar mais dinheiro, mais confortos, mais da chamada “liberdade” — coisas essas bem respeitadas numa sociedade degradada e em desintegração. Assim, para poder ultrapassar a si própria, deve a mente compreender as limitações da tecnologia, do conhecimento e da ilustração, e ficar livre dessas limitações.

Como se pode observar, as nossas atividades, as nossas emoções, as nossas reações neurológicas são pouco profundas, superficiais. Vivendo, como vive a maioria, na superfície, procuramos alcançar as profundezas, penetrando cada vez mais, porquanto depressa nos cansamos dessa maneira leviana de viver. Quanto mais inteligentes, mais intelectuais, e apaixonados formos, tanto mais perceberemos a superficialidade de nossa existência; ela se torna cansativa, aborrecida, e sem significação. Assim, trata a mente superficial de descobrir a finalidade da vida ou de procurar uma fórmula que lhe dê sentido. Luta essa mente para viver consoante uma ideia por ela própria concebida, ou uma crença que aceitou; eis porque age sempre de maneira superficial. É necessário perceber com toda a clareza esse fato.

O que nesta manhã vamos fazer é tirar, uma por uma, as camadas superficiais, para penetrarmos até à origem, até à última profundeza das coisas. A superficialidade se perpetua pela experiência, e por esta razão releva compreender o inteiro significado da experiência.

Em primeiro lugar, vemos quanto a especialização tecnológica de toda espécie tende a tornar a mente estreita, vulgar, limitadaqualidades que constituem a verdadeira essência do burguês. Então, superficial que é, ela busca o que chama “significado da vida”, projetando, ao mesmo tempo, um padrão que lhe é grato, lucrativo, aprazível, e a esse padrão se ajusta. Esse mecanismo lhe confere uma certa determinação, certo ímpeto, um senso de realização.

Cumpre também compreender profundamente essa coisa chamada experiência. Vivendo uma vida superficial, estamos sempre em busca de experiências mais amplas e profundas. Por esta razão é que tantos frequentam as igrejas, tomam Mescalina, experimentam LSD, ácido lisérgico e várias outras drogas, em busca de novas excitações, estímulos e sensações. Buscamos também experiência através da arte, da música, de novas, mais modernas formas de expressão.

Pois bem; a mente que deseja achar-se numa grande profundidade — achar-se, e não produzir esse estado — deve compreender todas essas coisas. “Compreender” não é entender apenas intelectualmente uma comunicação verbal, porém, antes, perceber incontinenti a verdade relativa à questão. Essa percepção imediata é compreensão. Pode-se argumentar e discutir interminavelmente a propósito de opiniões, mas isso não fará nascer a compreensão. Requer-se, isto sim, sensibilidade, percebimento, uma certa hesitação, uma atitude experimental, que nos dão a capacidade de aprender com rapidez.

Assim, qual é a natureza da experiência? Todos desejamos novas experiências, não é verdade? Estamos cansados do “velho”, das coisas que nos têm causado dor ou sofrimento. A rotina do escritório, dos rituais religiosos, dos rituais do culto do Estado — de tudo isso estamos fartos, cansados, exaustos, daí desejarmos novas experiências, novas diretrizes e em diferentes planos. Mas, por certo, só a pessoa que não busca nem acumula experiência poderá viver em profundidade.

Resulta a experiência de um desafio e uma “resposta”. A reação pessoal a um desafio pode ser adequada ou inadequada, conforme nossa maneira de ser, nosso condicionamento. Isto é, “respondemos” a cada desafio conforme o nosso fundo, nossa própria limitação. Essa “resposta” a desafio é experiência; e toda experiência deixa um resíduo, que chamamos conhecimento.

Por outras palavras, no passar por várias experiências, a mente atua como uma peneira, na qual cada experiência deixa um certo sedimento. Esse sedimento é memória, e com essa memória vamos ao encontro da próxima experiência. Assim, cada experiência — por mais ampla e profunda e vital que seja — deixa novo depósito de sedimento, ou memória, tornando, assim, mais forte o nosso condicionamento.

Por certo, isto não é uma opinião, não é questão de crerdes no que dizemos. Se vos observardes, vereis ser isso o que realmente sucede. Este orador descreve como é peculiar à mente o acumular experiência, e observais esse “mecanismo” em vós mesmos. Portanto, não há nada para crer, nem estais sendo hipnotizados por palavras.

Assim, pois, cada experiência, de qualquer natureza que seja, deixa um sedimento que se torna o passado, convertido em memó­ria, e nesse sedimento vivemos. Esse sedimento é o “eu”, a verdadeira estrutura da atividade egocêntrica. Percebendo a natureza limitada dessa atividade egocêntrica, buscamos novas e mais amplas experiências, ou perguntamos como se pode romper essa limitação, a fim de encontrar algo superior. Mas, toda busca dessa natureza é ainda atividade de acumulação, e só vai aumentar os restos, o sedimento da experiência, seja a experiência de um minuto, de um dia, seja a de dois milhões de anos.

Ora, vós tendes de ver esse fato com toda a clareza. Deveis ter consciência dele, assim como tendes consciência de estar com fome. Quando sentis fome, ninguém precisa dizer-vos nada — trata-se de uma experiência pessoal, vossa. Analogamente, deveis perceber claramente, por vós mesmos, que toda experiência — de afeto, de compaixão, de orgulho, de ciúme, de inspiração, de medo, qualquer uma — deixa na mente um resíduo; e que a constante repetição e a sobreposição de novas camadas a esse resíduo ou sedimento constituem a totalidade do mecanismo de nosso pensar, de nosso existir. Toda atividade nascida desse mecanismo, em qualquer nível que seja, há de ser inevitavelmente superficial; e a mente que deseja investigar a possibilidade de descobrir um estado de originalidade, ou um mundo não contaminado pelo passado, deve compreender esse processo de experiência.

Surge, assim, a questão: é possível ficar-se livre de toda atividade egocêntrica, sem nenhum esforço, sem se tentar dissolvê-la e, dessa maneira, convertê-la num problema?

Espero estar esclarecendo bem a questão; se não, o que direi mais adiante ficará completamente obscuro.

Agora, a palavra “meditação” significa, em geral, pensar a respeito de uma coisa, investigá-la, refletir profundamente nela; ou pode significar um estado mental contemplativo, independente do mecanismo de pensamento. É uma palavra de pouca significação nesta parte do mundo, porém sobremodo significativa no Oriente. Muito se tem escrito sobre o assunto, e há escolas que advogam diferentes métodos ou sistemas de meditação.

A meditação, para mim, não é nenhuma dessas coisas. Meditação é o total “esvaziamento” da mente — e não se pode esvaziar a mente à força, de acordo com um certo método, escola ou sistema. Mais uma vez é necessário perceber a extrema falácia de todos os sistemas. A prática de um sistema de meditação é busca de experiência; é esforço para alcançar uma experiência mais elevada, ou a experiência final; e quem compreende a natureza da experiência rejeita tudo isso, que se acaba para sempre, porque sua mente já não está seguindo ninguém; ela não busca experiência, e nenhum desejo tem de visões. A busca de visões, o intento de aumentar a sensibilidade por meios artificiais, — drogas, disciplinas, rituais, adoração, oração — constitui atividade egocêntrica.

Nossa questão, pois, é a seguinte: Como pode a mente que se tornou superficial por influência da tradição, pela ação do tempo, da memória, da experiência — como pode essa mente libertar-se, sem esforço, de sua superficialidade? Como pode tornar-se tão desperta que a busca de experiência nada mais signifique? Compreendeis? A mente iluminada não pede mais luz — ela própria é luz; e toda influência, toda experiência que penetra nessa luz, nela se consome de instante a instante, de modo que a mente está sempre clara, imaculada, indene. Só a mente iluminada, a mente sã, pode ver o que está fora dos limites do tempo. E como pode nascer esse estado de espírito?

Tornei clara a questão? Esta não é uma questão minha; é, ou deve ser, uma questão de interesse geral, e, portanto, eu não a estou impondo. Se eu vos impusesse esta questão, vós a tornaríeis um problema, dizendo: “Como fazer isso?” É uma questão que deve nascer de vosso percebimento, porque tendes vivido, tendes observado, e também visto o que é este mundo, e bem conheceis a vossa maneira de agir. Tendes lido, acumulado conhecimentos, progredido em vosso saber. Tendes visto pessoas, com mente semelhante a computadores, professores capazes de “desenrolar” uma espantosa quantidade de conhecimentos, e haveis conhecido teólogos de ideias fixas, em torno das quais desenvolveram maravilhosas teorias. Conscientizando-vos de tudo isso, inevitavelmente deveis ter feito a vós mesmos a pergunta: como pode a mente, prisioneira do tempo, produto do passado, “jogar fora” o passado, completamente, com facilidade, sem nenhum esforço? Como pode ficar livre do tempo, sem ter nenhuma diretiva ou motivo, de modo que possa achar-se na fonte da vida?

Ora, quando esta pergunta vos é feita, por vós mesmo ou por outro, qual a vossa reação? Não me respondais, por favor; escutai, apenas. Trata-se de uma pergunta de grande significado. Não é uma simples pergunta retórica, a que se pode responder prontamente ou pô-la de lado. É uma pergunta de extraordinária importância para a pessoa que penetrou as futilidades da religião organizadas e “varreu” todos os sacerdotes e gurus, templos, igrejas, rituais, incensos — atirou tudo isso aos ventos. E se já atingistes este ponto, a vós mesmos deveis ter interrogado: Como pode a mente ultrapassar a si própria?

Que fazeis quando vos vedes diretamente em presença de um imenso problema, quando algo de tremendo e imediato vos sucede? É tão vital e exigente a experiência, que completamente vos absorve, não é verdade? Vossa mente é tomada por esse singular acontecimento, de modo que se aquieta. Esta é uma qualidade de silêncio A mente “reage” como uma criança a quem se deu um brinquedo interessante. O brinquedo absorve a criança, fazendo-a concentrar-se e, assim, momentaneamente, ela se esquece de suas travessuras o correrias. E o mesmo acontece com os adultos ao verem-se diante de um “caso” incomum, especial. Não compreendendo o verdadeiro significado dessa experiência, a mente fica sob o seu domínio e se torna entorpecida, chocada, paralisada, de modo que transitoriamente silencia. Isso é uma coisa que já deveis ter experimentado.

E há, também, uma espécie de silêncio mental que se apresenta ao considerar-se um problema com inteira concentração. Nesse estado não há distração, porque, momentaneamente, não temos outro pensamento, outro interesse. Não olhamos para nenhum outro lado, porque só estamos interessados nessa coisa; intensifica-se a concentração, que tudo o mais exclui, e nesse esforço há uma vitalidade, uma exigência, uma premência que também produz certa qualidade de silêncio.

Quando a mente se absorve num brinquedo ou imerge de todo num problema, está apenas fugindo. Quando imagens, símbolos palavras como “Deus”, “Salvador”, etc. — dela se apoderam, isso também é uma fuga profunda, uma fuga à realidade, e nessa fuga há um determinado silêncio. Se a mente se sacrifica, ou de si mesma se esquece, pela identificação completa com uma coisa, poderá ficar tranquila — mas acha-se num estado neurótico. O desejo de identificação com um objetivo, uma ideia, um símbolo, uma nação, uma raça — denuncia um estado neurótico, tal como o da maioria das pessoas pretensamente religiosas. Estas estão identificadas com o Salvador, com o Mestre, com isto ou aquilo, identificação que lhe dá invulgar impetuosidade e lhes traz determinada visão beatifica da vida — e isso é uma atitude totalmente neurótica.

E há também aquela que aprendeu a concentrar-se, que a si própria ensinou a nunca desviar a atenção da ideia, da imagem, do símbolo que ela própria “projetou” à sua frente. E que acontece nesse estado de concentração? Toda concentração é esforço, e todo esforço é resistência. É como um homem edificar em torno de si uma muralha defensiva, com uma pequena abertura pela qual olha uma única ideia ou pensamento, de modo que nunca possa ser abalado, posto num estado de incerteza. Nunca estais “aberto”, porém vivendo sempre dentro de vossa concha de concentração, atrás das muralhas de vossa inspirada busca de alguma coisa, e disso vos vem um sentimento de grande vitalidade, uma impetuosidade que vos habilita a fazer coisas extraordinárias — socorrer os “favelados”, viver no deserto, praticar toda a sorte de “boas obras”; mas, trata-se ainda da atividade egocêntrica da mente, que se concentrou numa só coisa, com exclusão de tudo o mais. E também isso lhe confere uma certa serenidade tornando-a silenciosa.

Ora, há uma espécie de silêncio que nenhuma relação tem com esses estados neuróticos, e é aí que se nos apresenta a dificuldade; porque, infelizmente — e digo-o sem ofensa — em regra somos neuróticos. Assim, para podermos compreender o que é esse silêncio, devemos antes de tudo libertar-nos completamente de todo e qualquer estado neurótico. Nesse silêncio não existe autopiedade, nem desejo de resultado, nem “projeção” de imagens; não há visões, nem luta para nos concentrarmos. Vem esse silêncio, sem ser solicitado, uma vez compreendida a absorção da mente numa ideia, e as várias formas de concentração que a pessoa pratica; e, também, quando se compreende todo o mecanismo do pensar. Dessa observação, dessa vigilância da atividade mental egocêntrica, vem um senso de disciplina bem flexível; e essa disciplina é necessária. Não é uma disciplina defensiva, reacionária; nada tem que ver com o ficar sentado a um canto, de pernas cruzadas, e outras infantilidades. Nela, não há imitação, nem ajustamento, nem esforço para alcançar resultado. O observar todos os movimentos do pensamento e do desejo, a fome de novas experiências, o mecanismo de identificação com uma certa coisa — apenas observar e compreender tudo isso produz, naturalmente, uma facilidade de disciplina em inteira liberdade. Disciplinada a compreensão, surge um percebimento próprio e imediato, um estado de atenção completa. Nessa atenção, há virtude — e esta é a única virtude. A moralidade social, o caráter desenvolvido pela resistência e segundo a respeitabilidade e a ética social — isso não é virtude nenhuma. Virtude é a compreensão de toda a estrutura social que o homem levantou em torno de si; e é, também, a compreensão do chamado “auto-sacrifício” mediante identificação e controle. Dessa compreensão nasce a atenção, e só na atenção se encontra a virtude.

Deveis ter uma mente virtuosa; mas aquela que apenas procura ajustar-se aos padrões sociais e religiosos de determinada sociedade, quer comunista, quer capitalista, não é virtuosa. É necessária a virtude porque sem virtude não há liberdade; mas, como a humildade, ela não é cultivável. Não podemos cultivá-la, assim como não podemos cultivar o amor. Mas, havendo plena atenção, há também virtude e amor. Dessa atenção vem o silêncio total, não só no nível da mente consciente, mas também no nível do inconsciente. Tanto o consciente como o inconsciente são em verdade triviais, e a percepção dessa trivialidade liberta-nos do passado e do presente. Dando-se total atenção ao presente, surge-nos interiormente uma certa tranquilidade, indicativa de que já não buscamos experiência. Todo experimentar terminou, porque nada mais há para experimentar. Estando sempre desperta, a mente é a luz de si própria. Nessa quietude, nesse silêncio, encontra-se a paz. Não a paz dos políticos, não a paz entre duas guerras. Paz não nascida de reação. E quando a mente está, assim, sobremodo tranquila, pode então prosseguir. A atuação da tranquilidade difere inteiramente do movimento da atividade egocêntrica. O atuar da tranquilidade é criação. Quando a mente é capaz de mover-se com essa placidez, ela conhece a morte e o amor; e pode, então, viver neste mundo e ao mesmo tempo estar livre do mundo.

PERGUNTA: Desejo ardentemente o silêncio, mas vejo que minhas tentativas para alcançá-lo se tornam cada vez mais lamentáveis.

KRISHNAMURTI: Em primeiro lugar, não podeis desejar ardentemente o silêncio; não sabeis nada, absolutamente nada, a seu respeito. Ainda que algo soubésseis, isso não seria o silêncio, porque, então, não se trataria da realidade. Por isso, é preciso ter muito cuidado ao dizer-se: “Sei”.

Vede, senhor! O que conheceis, reconheceis. Eu vos reconheço porque ontem vos encontrei. Após ouvir o que então dissestes, e tendo visto vosso modo de ser, digo que vos conheço. O que sei já é coisa do passado, e daquele passado eu vos reconheço. Mas o silêncio não pode ser reconhecido; nele não há nenhum mecanismo de reconhecimento. Eis o que, antes de tudo, importa compreender. Para reconhecermos uma coisa, já devemos tê-la experimentado, conhecido antes, ou lido a seu respeito, ou ter-lhe ouvido a descrição, mas o que se pode reconhecer, descrever, não é aquele silêncio.

Por ele ansiamos porque nossa vida é superficial, vazia, monótona, estúpida, e por isso desejamos fugir de suas detestáveis lides. Mas, não podemos fugir da vida; temos de compreendê-la. E para compreendermos uma coisa, não devemos dar-lhe pontapés, nem evitá-la. Cumpre ter grande amor, verdadeira afeição por aquilo que queremos compreender. Se desejamos compreender uma criança, não podemos coagi-la, forçá-la, ou compará-la com seu irmão mais velho. Devemos olhar a criança, observá-la com carinho, ternura, afeição, com tudo o que de bom possuímos. Analogamente, devemos compreender essa coisa vulgar que chamamos “nossa vida”, com seus ciúmes, conflitos, aflições, canseiras, pesares. Dessa compreensão provém uma diferente tranquilidade, que não pode ser procurada às apalpadelas.

Há uma interessante história de um discípulo que foi ter com o Mestre. Encontrava-se este num belo e bem irrigado jardim, e o discípulo sentou-se perto dele — não bem à sua frente, porque sentar-se diretamente à frente do Mestre não seria respeitoso. Assim, sentando-se ao lado, o discípulo cruza as pernas e fecha os olhos. Então, pergunta o Mestre: “Meu amigo, que estais fazendo?” Abrindo os olhos, o discípulo responde: “Mestre, estou tentando alcançar a consciência do Buda” — e torna a fechar os olhos. Daí a momentos, o Mestre apanha duas pedras e começa a esfregar uma na outra, com muito barulho; então o discípulo desce das alturas em que andava e pergunta: “Mestre, que estais fazendo?” Ao que o Mestre responde: “Estou esfregando estas duas pedras, para fazer que uma delas se torne um espelho.” Diz então o discípulo: “Mas, Mestre, isso jamais conseguireis, ainda que fiqueis um milhão de anos a esfregá-las.” Sorri, então, o Mestre e responde: “De modo idêntico, meu amigo, podeis ficar aí sentado um milhão de anos, que nunca alcançareis o que estais tentando alcançar.” — E é isso o que todos nós estamos fazendo. Estamos tomando posições; estamos desejando alguma coisa, buscando algo, às apalpadelas — o que exige esforço, luta, disciplina. Mas sinto dizer-vos que nenhuma dessas coisas vos abrirá a porta. O que o fará é a compreensão sem esforço; apenas olhar, observar, com afeição, com amor. Mas não podeis ter amor se não sois humilde; e só é possível a humildade quando nada desejais, nem dos deuses nem de nenhum ente humano.

Krishnamurti, Saanen, 30 de julho de 1964,
A mente sem medo

quinta-feira, 19 de abril de 2018

A “explosiva” realização da atenção total

[...] Há o cérebro e há a mente. Notai, por favor, que estou empregando estas duas palavras muito cautelosamente. Há séculos que o cérebro se ocupa com sua própria conservação; ele é produto do tempo, resultado de todos os esforços “animalísticos” do homem. O cérebro humano é ainda como o animal que luta para a própria conservação, e ele é o justo centro do “eu”: minhas posses, minha casa, minha mulher, minha religião. Todos nós o conhecemos. Todos temos esse cérebro que busca a própria conservação; herdamo-lo do passado.

Agora, consoante os biologistas, a parte posterior do cérebro constitui o cérebro animal, e é muito ativa, enquanto que a parte anterior ainda está por desenvolver. Isso não significa que eu leio biologia, mas tenho amigos que o fazem e me disseram que a parte anterior do cérebro não está ainda totalmente desenvolvida, e que o cérebro humano deverá converter-se de “animalístico” em algo novo, maravilhoso. E meu desejo é salientar-vos que para se alcançar a totalidade da mente, que inclui o limitado cérebro, o tempo não é necessário. A mente integral é uma coisa que tem de ser compreendida; não se pode especular a seu respeito, porquanto não se trata de uma simples ideia religiosa, como a ideia de Deus, ou a ideia da alma, ou a ideia do céu. E podemos saltar daquele limitado estado da mente que é produto do passado e se desenvolveu através do tempo, diretamente para o atemporal, o completo, o total? É possível saltar do limitado para o ilimitado? Eis a questão. Eu digo que é possível — mas cumpre romper “explosivamente” com o passado. Precisa-se daquela extraordinária energia sobre a qual estive falando e que não é resultado de ajustamento, de resistência, de conflito. Deve a pessoa estar inteirada de seus próprios instintos animais, ciente do medo, da ambição, das buscas inspiradas pelo desejo; cumpre dar plena atenção a tudo isso. Descobre-se, assim, que o tempo como fator de evolução deixa de existir. Não estou dizendo que não há evolução — pois, de fato, há; mas vós tereis ultrapassado as fronteiras do tempo. O tempo já não será um meio de chegar a alguma parte, um meio de se alcançar gradualmente o Sublime, a mais elevada forma da criação. A o verificar-se essa “explosiva” realização da atenção total, o cérebro, sempre muito ativo no afã de adquirir, torna-se quieto; essa quietude lhe é necessária para superar o mecanismo do tempo.

Notai que a tranquilidade do cérebro faz parte da meditação. Não desejo discorrer agora sobre a meditação; fá-lo-emos dentro em pouco. Mas é preciso percebermos a importância de termos o cérebro tranquilo, pois isso significa ficar livre da estrutura psicológica da sociedade. A estrutura psicológica da sociedade é ainda animalística; ela torna o cérebro ambicioso, ávido, invejoso, ciumento, apegado, e, em tais condições, o cérebro não conhece o amor. Podeis estreitar nos braços um homem ou uma mulher, podeis casar-vos, segurar a mão de um amigo, fazer o que quer que seja, mas não haverá amor enquanto o cérebro ainda constituir uma parte do passado “animalístico”, que constitui a estrutura psicológica da sociedade. A compreensão dessa estrutura, em nós mesmos, faz também parte da meditação; e, se chegardes até aí, descobrireis que, com aquela compreensão, se apresenta uma imensidade, um impulso criador que nada tem em comum com o escrever livros, poesias, ou pintar quadros, nem com nenhum dos absurdos e exigências infantis de uma sociedade em que tanto valor se atribui à fama. É uma criação que se verifica no imensurável — a culminância da existência. Mas, tal só será realizável quando a estrutura “animalística”, a estrutura psicológica da sociedade tiver sido de todo rejeitada — significando isso que a mente, o cérebro, já não é ambiciosa, apegada, dependente, já não deseja preencher-se, já não deseja ser alguém, já não busca o poder, a posição, o prestígio.

Respondi à vossa pergunta, senhor?

OUVINTE: Destes-me algo sobre que pensar.

KRISHNAMURTI: Não penseis nisso, senhor. Pensar sobre uma coisa implica tempo. Dizeis “Não percebo isso agora, mas vou refletir a seu respeito e posteriormente o perceberei”. O pensamento não vos fará perceber nada; o tempo não vos dará compreensão. No momento em que dizeis que ides pensar acerca de uma coisa, criastes a estrutura do “por enquanto vou tentar” — e estais, então, completamente perdido. O importante é cada um escutar com todo o seu ser; e esta é realmente a nossa dificuldade. “Escutar com todo o ser” não é apenas ouvir as palavras do orador, mas também ver, imediatamente, por si mesmo, a verdade ou a falsidade do que se está dizendo; e esse escutar exige extraordinária energia. Não se trata, pois, de “tentar, por enquanto”. Ou a pessoa escuta com todo o seu ser, ou nada escuta. Se escutardes com todo o vosso ser, vereis que ocorrerá uma “explosão” interior, não amanhã ou no fim do dia, porém instantaneamente. Foi sobre isto que estive falando: esta “explosiva” transformação que deverá verificar-se no presente imediato.

Notai que, se apenas ficais pensando sobre isso, todas as vossas reações defensivas entram em cena e, assim, continuais a ajustar-vos ao padrão de vossa existência diária, a submeter-vos a esse padrão sempre que seja inconveniente rejeitá-lo. E isso é tudo o que o pensamento pode fazer: dar voltas e mais voltas, infinitamente. O pensamento, pois, não é o instrumento da percepção, não é a dinamite que destruirá o passado. Tendes de dar vosso coração ao escutar — é isso mesmo que quero dizer: tendes de dar vosso coração ao escutar, e não, simplesmente, ouvir palavras com o intelecto. Pode uma pessoa ser extraordinariamente sutil, capaz de falar com eloquência, de citar muitos livros, mas nada disso operará o milagre. O milagre está no “escutar totalmente”.

Krishnamurti, Saanen, 31 de julho de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Posso encontrar Deus numa trincheira?

[...] Interlocutor: Posso encontrar Deus numa trincheira?

Krishnamurti: Um homem que procura Deus não estará numa trincheira. Quão falsos são os modos do nosso pensamento. Criamos uma falsa situação e nela esperamos encontrar a verdade; no falso tentamos encontrar o real. Feliz daquele que vê o falso como falso e aquilo que é verdadeiro como verdadeiro.

Tornamo-nos pervertidos nos nossos modos de pensar-sentir. Na infelicidade desejamos encontrar a felicidade; só abandonando a causa da infelicidade é que há alegria, Você e o soldado criaram uma cultura que os força a matar e a serem mortos, e no meio desta crueldade desejam encontrar o amor. Se está à procura de Deus não estará numa trincheira, mas se lá estiver e o procurar, saberá como atuar. Justificamos o homicídio e no próprio ato de matar tentamos encontrar o amor. Criamos uma sociedade essencialmente baseada no valor sensorial, na mundaneidade, que necessita de trincheiras. Justificamos e consentimos a trincheira e depois, na trincheira ou no bombardeiro, esperamos encontrar Deus, o amor. Sem alterarmos fundamentalmente a estrutura do nosso pensamento-sentimento, o Real não é encontrado. Sendo invejosos, gananciosos e ignorantes, queremos ser pacíficos, tolerantes e sensatos; com uma mão assassinamos e com a outra pacificamos. É esta contradição que tem que ser compreendida; não pode ter ambas, ganância e paz, a trincheira e Deus; não pode justificar a ignorância e contudo esperar por iluminação.

A própria natureza do ego é estar em contradição; e só quando o pensamento-sentimento se liberta dos seus próprios desejos contraditórios pode haver tranquilidade e alegria. Esta liberdade com o seu júbilo chega com a consciência profunda do conflito da ânsia. Quando se tornar consciente do processo dual do desejo e estiver passivamente alerta, haverá a alegria do Real, alegria essa que não é o produto da vontade ou do tempo.

Não pode fugir da ignorância em qualquer altura, ela tem que ser dissipada através do seu próprio despertar; ninguém o pode despertar, salvo você mesmo. Através da sua própria auto-consciência é que o problema da sua criação cessa de ser.[...]

Jiddu Krishnamurti em Ojai - 5ª Palestra - 24/06/1945

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Breve definição de iluminação

Iluminação é uma simples realização de que tudo é como deve ser. Essa é a definição de iluminação: tudo é como deve ser, tudo está inteiramente perfeito assim como é. Esse sentimento… e você está subitamente em casa. Nada está faltando. Você é parte, uma parte orgânica desse tremendo e belo todo. Você está relaxado nele, rendido nele. Você não existe separadamente – toda separação desapareceu. Um grande regozijo acontece, pois com o desaparecimento do ego não resta nenhuma preocupação, com o desaparecimento do ego não sobra nenhuma angústia, com o desaparecimento do ego não há mais qualquer possibilidade de morte. Isso é o que iluminação é.

É o entendimento de que tudo é bom, que tudo é belo – e isso é lindo assim como é. Tudo está em tremenda harmonia, de acordo.

(Osho)

quarta-feira, 1 de abril de 2015

A agonia dos irredentos homens de experiência mais profunda

Vai pela humanidade dos nossos dias um anseio universal de libertação. 

Essa ânsia redentora é provocada por uma consciência profunda de irredenção. Parece que a função peculiar da inteligência é fazer sentir ao homem que nenhum conforto material, por mais refinado e potencializado, pode libertar o homem desse doloroso senso de inquietude e insatisfação que caracteriza, sobretudo, o cidadão da Era Atômica. Quanto mais o homem se afasta, pelo poder da inteligência, do seu centro humano, invadindo os espaços externos, tanto mais ele sente, consciente ou inconscientemente, a necessidade de voltar a si mesmo, pela conquista do espaço interno, pelo descobrimento do seu verdadeiro Eu. O progressivo centrifuguismo produzido pelo ego intelectual exige um correspondente centripetismo, que só o Eu espiritual pode realizar. Quanto mais liberto o homem se julga pelo conforto material, que a ciência lhe proporciona, tanto mais escravizado se sente pela falta de consciência do seu verdadeiro destino. E essa consciência de irredenção desperta na alma humana um crescente anseio de redenção. 

A fim de diminuir essa consciência de vácuo e insatisfação, procura o homem profano toda espécie de satisfações — mas... satisfações não dão satisfação. Bens de fortuna, prazeres sensuais, poder político, ciência, arte, diversões sociais — pode tudo isto atuar como lenitivo temporário, narcótico e anestésico artificial, mas a raiz do mal continua, por mais que os sintomas da doença sejam camuflados, de tempos em tempos. 

Por isto, os mais sensatos dentre nós procuram ir além desse charlatanismo barato de cura de sintomas mórbidos e tentam sanar o mal pela raiz. O globo está coberto de sociedades iniciáticas, místicas, esotéricas, espiritualistas, que prometem a seus adeptos definitiva quietação metafísica e plena integração do indivíduo nos mistérios do Cosmos. As classes mais simples e os crentes unilaterais, por outro lado, se contentam com a prática de cerimônias rituais e sacramentais, sob a direção de seus respectivos chefes. 

O homem da Era Atômica que passou por duas guerras de extermínio não pode mais crer na força da nossa cultura e civilização, como muitos otimistas do século 19 ainda acreditavam. O homem de hoje perdeu a fé na ciência e técnica como fator de libertação. 

Ciência, técnica, política, progresso, civilização, humanismo, ritualismo, nacionalismo, e outras pretensas panaceias de antanho, sofreram tamanho colapso; está provado que nada disto pode nos libertar, porque tudo isto falhou e afagou a humanidade num mar de sangue e de ódio. 

Nunca se sentiu o homem tão frustrado e céptico de si mesmo como em nossos dias. Não pode o lúcifer do nosso ego redimir-nos dos resultados do nosso egoísmo. E a perspectiva de uma nova guerra mundial, com armas nucleares, apaga na alma do homem moderno a derradeira dentelha de otimismo e de confiança em si mesmo. 

A humanidade anseia pela redenção. 

Donde virá o redentor?

De fora? Através de dogmas, ritos, teologias? Mas esses provocaram as guerras!

De dentro? Através da inteligência humana? Mas foi precisamente esta que nos desgraçou, criando engenhos bélicos de destruição universal. 

Não nos resta senão ultrapassarmos ritualismos e cienticismos e descobrirmos em nós mesmos o "ponto de Arquimedes" em que apoiar  a alavanca redentora. Esse fulcro não pode ser o nosso ego, mas tem de ser algo mais profundo e sólido. 

O homem pensante e sinceramente espiritual se contenta cada vez menos com magia mental e técnicas rituais. Crê tão pouco em alo-redenção ritual como em ego-redenção mental, mas sabe que há uma auto-redenção espiritual, como aparece na Carta Magma do Sermão da Montanha.

(...) Acontece, porém,  que a humanidade-elite do século vinte não quer crer de olhos fechados, mas saber de olhos abertos. Os melhores dentre nós são praticamente "inconvertíveis"; não voltarão atrás, esperando libertação por ritos externos, nem confiam na magia mental de certas técnicas científicas. 

E continua a agonia dos irredentos...

Nem mesmo a perspectiva de uma futura encarnação, em melhores condições, tranquiliza o homem de experiência mais profunda. Ele quer saber como possa ser liberto aqui e agora. Não crê que a morte lhe possa dar o que a vida não lhe deu. Uma voz íntima lhe diz que nem o nascer nem o morrer nem o simples viver ou sobreviver o podem redimir, mas que é necessário uma vivência mais profunda e uma experiência mais alta do que esses fatores lhe possam garantir. Numa intensa vivência experiencial estaria a sua redenção — mas como conseguir essa vivência?... Onde está a chave do mistério, fora dele ou dentro dele?... Pode o homem ser liberto ab extra — ou deve ele redimir-se a intra?... Existe no homem algum elemento redentor?(...)

(...) A redenção vem de dentro do próprio homem, mas não desse homem-ego, que é precisamente o autor da escravidão, e sim do homem Eu, do "Espírito de Deus que habita o homem", no dizer do apóstolo Paulo. O homem-Cristo redime o homem-Satan, se este lhe abrir as portas. Se o "grão de trigo" do homem-ego morrer, então a vida do homem-Eu latente, nessa semente "produzirá muito fruto". Do contrário, "ficará estéril".(...)

(...) O ego é um objeto que o homem tem — o Eu é o próprio sujeito que o homem é. O que eu sou isto me redime daquilo que eu tenho. O meu ser é luz — "vós sois a luz do mundo" — o meu ter é treva — "a luz brilha nas trevas, e as trevas não a prenderam"; as trevas do meu ego humano não conseguem extinguir a luz do meu Eu divino — e é este Eu Divino em mim que me redime de todas as irredenções do ego humano.(...)

Huberto Rohden em, A Grande Libertação, editora Alvorada 


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Características do "Estado Místico"

O estado místico, quer espontâneo quer induzido mediante a meditação e outras práticas, produz a liberação de ENERGIA do inconsciente que permite a realização das POTENCIALIDADES mais elevadas do ser humano. Parece conveniente, portanto, que o estado místico seja estudado pela ciência sem preconceitos, num esforço para descobrir se ele pode, de fato, fornecer a chave que leve o indivíduo e a sociedade à vida saudável.
RENÚNCIA VOLUNTÁRIA - Outra característica que Prince considera comum ao esquizofrênico e ao místico é a renúncia aos apegos mundanos. Contudo, o esquizofrênico abandona o trabalho e a família não por escolha, mas por estar muito doente para assumir responsabilidades ou enfrentar a vida. O místico, por outro lado, de modo VOLUNTÁRIO E COM PLENA CONSCIÊNCIA, renuncia aos prazeres e às recompensas da vida mundana para ir em busca daquilo que considera o bem supremo. Desse modo, Buda abandonou sua herança régia a fim de descobrir as causas do sofrimento humano e os modos de mitigá-lo.

Um exemplo recente de renúncia às coisas deste mundo pode ser encontrado na vida de Albert Schweitzer, que abandonou uma carreira auspiciosa na Europa para fundar um hospital no coração da selva africana. Ele declarou que a base de sua filosofia, a "reverência pela vida", foi-lhe revelada através de um súbito vislumbre místico. Um ato semelhante de RENÚNCIA VOLUNTÁRIA pode ser visto na decisão de Thoreau de abandonar a oportunidade de fazer riqueza com sua descoberta de um novo método para a fabricação de grafita a fim de procurar a autocompreensão nos bosques de Walden.

A relação daqueles que, conscientemente, rejeitam os valores e confortos materiais para perseguir um ideal, não se limita àqueles indivíduos de orientação religiosa. O momento transcendente que transforma as atitudes e os hábitos da vida não conhece limites espaciais ou temporais; ele pode atingir tanto o homem ativo no mundo quanto o filosófico. A história preservou-nos os nomes de incontáveis pessoas que abandonaram a segurança, o amor e a riqueza pessoais a fim de devotarem-se ao serviço de outras, o que não traz nenhum rendimento a não ser sua própria recompensa.

A vida de uma pessoa mentalmente doente, mergulhada há anos num estupor catatônico, fora do alcance de qualquer contato humano, constitui uma trágica perda. Como é possível comparar tal retraimento em relação ao mundo com vidas plenas e gratificantes que resultaram da RENÚNCIA CONSCIENTE das satisfações pessoais — vidas que amiúde tanto beneficiaram a humanidade? — (Claire Myres Owens)

ÊXTASE - Um resultado universalmente comprovado da experiência mística é o êxtase, a felicidade ou o júbilo. Na opinião de Prince, trata-se apenas de uma regressão à experiência bem-aventurada da amamentação ou de um estado semelhante à falsa elação dos estados psicóticos. Aqui, mais uma vez, sua limitada compreensão é transmitida aos seus leitores através de uma citação enganosa de Francisco de Sales, colocada fora de contexto: " Nesse estado [a oração da quietude], a alma assemelha-se a uma criancinha ainda no seio da mãe".

A simplificação demasiada de Prince é resultado da confiança atual depositada nas técnicas freudianas, nas quais as configurações simbólicas perdem uma parte de seu significado. O conhecimento profundo da literatura do misticismo, por outro lado, revela o grau em que aqueles que experimentaram o estado de consciência expandida são obrigados a confiar no símbolo, na parábola, na imagem e na analogia em seus esforços para comunicar na linguagem formal a qualidade essencial de uma realidade informe.

O tema da criança constitui uma dessas tentativas de exprimir a natureza da experiência mística em termos que possam ser compreendidos pela maioria dos homens; possui um efeito redentor. A imagem da inocência e da pureza, não contaminada pelo interesse mundano ou egoísta, que vai ao encontro da realidade com uma visão pura, espontânea e serena, tem sido repetidamente evocado para exprimir o estado mental e interior NECESSÁRIO àquele que aspira ao conhecimento espiritual. Assim disse Jesus: "A menos que vos torneis semelhantes a uma criança, não podereis entrar no reino do céu."

Levando em consideração essa prática, de Sales talvez estivesse querendo dizer que os místico, do mesmo modo que o lactente, tem a sensação de estar retornando à sua fonte — cósmica, não maternal; que ele também está se entregando, com segurança, a um poder infinitamente mais forte que ele próprio — um poder universal e não-pessoal; que ele está participando de uma nutrição primária, elementar, natural ao homem e superior a todas as outras — alimento para a mente e para o espírito, e não para o corpo; e que seu êxtase o purifica de modo a sentir-se, mais uma vez, puro e inocente como um bebê.

O êxtase do místico tem sido uma fonte de poder redentor, que o purga da dúvida a respeito de si mesmo e da vacilação. A experiência de Moisés diante da sarça ardente deu-lhe força e coragem para libertar os israelitas do cativeiro. A visão de Pascal de uma enorme fogueira e de uma cruz em chamas alterou sua filosofia e sua vida. Ainda que reconheçamos que essas visões simbólicas sejam projeções psicológicas, não podemos desprezar o testemunho histórico de seu poder transformador.

O psicótico pode ter sensações momentâneas de êxtase ou excitação e acreditar que descobriu os segredos do universo, mas suas fantasias não geram nenhuma compreensão da verdade ou da realidade. O esquizofrênico pode manifestar distorções e exageros dos padrões básicos do inconsciente coletivo que ele compartilha com todos os homens; mas essas distorções, por si só, não determinam o caráter essencial do inconsciente.


Mais interessante é a alegação de Prince de que não s de que não só a elação mas também a condição depressiva, que o místico chama de "a noite escura da alma", são comuns aos estados místicos e maníacos. É verdade que muitos místicos testemunharam essa condição de esterilidade espiritual. Prosseguindo a comparação de Prince, parece-me que o psicótico perde contato com a assim chamada realidade (talvez um termo melhor seja atualidade) do mundo. O místico, contudo, em sua "noite escura", perde contato com a realidade suprema que ele conheceu. Tudo o que lhe resta, nesse PERÍODO DE ARIDEZ, é o mundo dos fenômenos que, como contraste, é insípido, limitado e desinteressante. A porta de seu inconsciente mais profundo, que dá acesso ao princípio integrador universal, está fechada para ele; ele se sente excluído e o resultado pode ser uma profunda depressão. Afinal de contas, os místicos são seres humanos com fraquezas humanas. Depois de um despertar espontâneo de certa duração, eles podem ingressar num período natural de reação, resultado do fluxo e refluxo da vida psíquica, tão mal compreendido. É interessante notar que aqueles que escreveram com uma tristeza exaltada acerca da "noite escura" geralmente são aqueles que passaram por súbitas e espontâneas experiências, em relação às quais estavam DESPREPARADOS. As alusões a essa condição, na literatura hinduísta e budista, ocorrem num contexto tão sistematizado, devido a seus métodos de preparação à descoberta de si mesmo, que são aceitas como parte do processo de crescimento.

MORTIFICAÇÃO - Depois das experiências místicas desse nível mais profundo de consciência, ele descobre que seus padrões de vida anteriores NÃO MAIS SÃO SATISFATÓRIOS. Sente que devem ser DEPURADOS ou MORTIFICADOS, o que Underhill interpreta como "A Purificação do Eu". Na linguagem da dicotomia dos níveis de consciência de Willian James, a nova consciência subliminal, com a qual o indivíduo acabou de entrar em contato, é acentuadamente diferente da consciência diária no mundo social, já não são se aplicam a essa experiência mais pessoal e, portanto, DEVEM SER DESCARTADOS.

As práticas ascéticas extremas de muitos místicos, que ocorrem durante este estágio, destinam-se a DEPURAR o indivíduo de sua necessidade de antigas relações que ele mantinha com a realidade social. Assim que isto for concluído, o processo de depuração ou mortificação termina. Como assinala Underhill, a despeito de sua etimologia, o objetivo da mortificação, para o místico, é a vida, mas essa vida só pode surgir através da "morte" do antigo "eu".

ILUMINAÇÃO DO EU - Depois que o indivíduo DEPUROU-SE do seu interesse anterior e de seu envolvimento com o mundo social, ele entra no terceiro estágio ou no que Underhill chama de "A Iluminação do Eu". Aqui, ele experimenta de modo mais pleno aquilo que se encontra além dos limites de seus sentidos imediatos. A principal característica atribuída a este estágio consiste na apreensão jubilosa daquilo que o místico experimenta ser o Absoluto, o que inclui extravasamentos refulgentes de êxtase e arroubo nos quais o indivíduo exulta de seu relacionamento com o Absoluto. Aquilo que distingue este estágio dos estágios posteriores, contudo, é o fato de que o indivíduo ainda experimenta a si próprio como uma entidade separada, ainda não unificada com o que ele considera ser o Supremo. Ainda persiste uma SENSAÇÃO do estado-do-eu, do ego, de si mesmo.

NOTE ESCURA DA ALMA - talvez este seja o estágio mais notável do processo místico. Embora possa ser encontrado em todas as experiências místicas, sua expressão emocional só aparece na tradição ocidental, onde recebeu seu nome a partir da frase evocativa de São João da Cruz: "A Moite escura da Alma". Há, aqui, a total negação e rejeição do júbilo do estágio precedente. O indivíduo sente-se TOTALMENTE AFASTADO e DISTANTE de suas experiências anteriores, bem como EXTREMAMENTE SOZINHO e DEPRIMIDO. É como se tivesse sido atirado para o meio de uma região devastada ou de um IMENSO DESERTO, sem nenhuma esperança de sobrevivência.

Durante o período purificador, o indivíduo deve depurar-se de seus APEGOS ANTERIORES AO MUNDO SOCIAL. Agora, ele deve depurar-se de sua EXPERIÊNCIA DO EU. Sua própria vontade deve tornar-se totalmente SUBMERSA pela "força" desconhecida que ele experimenta ESTAR DENTRO DELE. Enquanto afirma sua própria vontade ou individualidade, ele mantém distância ou separação daquilo que sente ser o Supremo.

A VIDA UNITIVA - este estágio, embora não seja o estágio final, constitui o ponto culminante da busca do místico: a completa e total absorção no mundo pessoal, insocial, que tem sido chamado de "A Vida Unitiva". Ele consiste na obliteração dos sentidos e até mesmo da sensação do eu, resultado na experiência da unidade com o universo. Este estágio tem sido descrito como um estado de CONSCIÊNCIA PURA, no qual o indivíduo não experimenta nada — nenhuma coisa. O indivíduo APARENTEMENTE fez contato com as regiões mais profundas de sua consciência e experimenta o processo como tendo sido concluído. Emocionalmente, o indivíduo sente-se totalmente tranquilo e em paz.

RETORNO DO MÍSTICO - Embora não mencionado como um estágio independente pelos comentadores, o retorno do místico, da experiência de unicidade com o universo, para as exigências da vida social constitui a parte MAIS IMPORTANTE de seu caminho. Em muitos místicos, pode-se observar que eles renovam seu envolvimento prático nas situações sociais com uma vitalidade e forças novas. Como observou santa Tereza: "marta e Maria devem trabalhar em conjunto quando oferecem pousada ao Senhor", dando a entender que o envolvimento material e espiritual são igualmente importantes. As vidas de santa Tereza, de são Francisco de Assis e de santo Inácio, para citar apenas três, dão testemunho do importante PAPEL PRÁTICO que os místicos têm exercido no mundo. Na tradição clássica oriental, encontra-se a mesma ênfase dada ao retorno ao mundo. O exemplo principal é Buda, que retornou de seu êxtase sob a árvore BO ao mundo social do qual ele "fugira".

O místico agora não mais considera detestável seu envolvimento com o mundo mas, na verdade, parece ACOLHER COM ALEGRIA a oportunidade de entrar no mundo social que ele abandonara. Este paradoxo aparente torna-se compreensível quando se considera que não foi ao mundo que o místico esteve renunciando mas, meramente, A SEUS APEGOS e NECESSIDADES em relação a ele, que impossibilitavam o desenvolvimento de sua experiência pessoal, insocial. Depois que se tornou capaz de abandonar essas necessidades sociais, condicionadas, e sentiu-se livre da atração exercida pelo mundo social, ele experimentou a liberdade de viver no interior da sociedade conjuntamente com seus esforços interiores, deixando de ver os costumes e as instituições sociais como obstáculos à sua auto-realização.

Jonh White — O Mais Elevado Estado de Consciência

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Um novo modo de autoconhecimento

Esse modo de autoconhecimento pode ocorrer de maneira dramática, como se deu com São Paulo na estrada de Damasco, ou pode manifestar-se sem nenhum sinal exterior de drama interior. A experiência resultante, contudo, tem-se revelado semelhante por todo o mundo e através da História. Por intermédio de seus próprios testemunhos, os "iluminados" — indivíduos que vivenciaram o estado supremo de consciência — sentiram uma sensação profunda de paz em relação aos outros e de harmonia com o mundo. Eles compreendem que o universo, tal como Dante escreveu no final de A DIVINA COMÉDIA, está se movendo segundo a força do Amor. Eles percebem um plano cósmico, uma ordem moral, em relação ao caos e ao acaso aparentes do gás estelar e da poeira intergaláctica. Eles vêem, com Hamlet, "uma divindade que molda nossos propósitos". Tal é o "deus" (ou Buda, Tao, Brahma) de incontáveis religiões e filosofias. Em todos os casos, a percepção auto-envolvente de que "eu" e o "outro" estamos unidos cria homens novos ou renascidos. Ela transforma a noção desolada e desesperançada da vida em uma noção na qual todas as coisas ganham um sentido deleitável. Ela transforma a configuração absurda da existência em uma visão do mundo que dá lugar à exuberância inevitavelmente esperançosa, uma vez que o sujeito descobre o desígnio fundamental onde, anteriormente, havia apenas percepções e experiências desconexas e confusas. 

No mesmo grau de importância do autotestemunho encontram-se as observações de outros indivíduos acerca dos iluminados. Quase sem exceção, têm sido considerados santos, visionários e profetas: Jesus, Buda, Lao Tsé, Jacob Boehme, Ramakrishna, Walt Whitman, Aldous Huxley. Socialmente venerados, revelaram uma coragem, uma amabilidade, uma compaixão, uma integridade e uma santidade excepcionais. Embora tenham conservado as características do ser humano, foi-lhes reservado um lugar particularmente distinto e tornaram-se identificáveis através de uma aura — às vezes literalmente visível sob a forma de uma luz intensa — que exerce uma poderosa influência sobre os outros homens. Além disso, nunca deixam de recomendar aos demais seres humanos que se preparassem, através da oração, das boas ações, do estudo e da meditação, para receberem a benção que não pode ser imposta ou prevista; quando ocorre, ela é sempre uma surpresa. Apesar disso, sustentam que ela deve ser buscada, segundo as palavras do mandamento de Jesus: "Com todo o teu coração e com toda a tua alma e com toda a tua força e com toda a tua mente".

John White em, O mais elevado estado de consciência

sábado, 13 de dezembro de 2014

A meditação não é para a iluminação: é para pessoas confusas

Se você está confuso, então deverá continuar com as meditações. A confusão é a doença e a meditação é o remédio. Ambas palavras, meditação e medicina, vêm da mesma raiz. Se você está confuso deve continuar a meditar. Quando você perceber o principal sem nenhuma confusão, então não haverá necessidade. Mas a meditação o preparará, o forçará a perceber que não há necessidade de fazer coisa alguma, e somente a meditação pode fazer isso. 

Apenas me escute... Eu lhe disse que ser natural é ser iluminado. Agora você pensa: "Isso é fantástico! Posso me sentar em silêncio e não fazer nada."Mas você pode realmente se sentar em silêncio e não fazer nada? Se você realmente pudesse se sentar em silêncio e não fazer nada, então essa questão não surgiria. Você teria sentado e sabido e teria se curvado diante de mim e me agradecido. Não haveria questão alguma; você teria vindo a mim dançando, não com uma questão e com uma mente confusa. 

Se você puder se sentar em silêncio sem nada fazer, o que mais é necessário? É isso o que Buda estava fazendo sob a Árvore Bodhi — sentado em silêncio, sem nada fazer... e então aconteceu. É como aconteceu comigo! É assim que sempre acontece!

Entretanto não fazer não é tão fácil. Devido a você ter ficado tão acostumado a fazer uma coisa ou outra, mesmo sentar-se será um fazer para você. Você terá de se forçar numa postura de ioga e se sentará com tensão, quieto, sob controle, se segurando, tentando sentar em silêncio e não fazer nada... e fervendo por dentro para fazer mil e uma coisas, e milhares de pensamentos bradarão à volta e o distrairão. 

Você pode simplesmente se sentar e não fazer coisa alguma? Isso é o supremo; nirvana é isso, samadhi é isso. 

Pode acontecer; também pode acontecer apenas ao me escutar, mas então grande inteligência é necessária. Então você percebeu o principal, que ser natural é tudo. Onde está a confusão? Você percebeu ou não. Se você percebeu, toda a confusão desapareceu... e você se sentará, andará, comerá e falará silenciosamente. Você se tornará um não-agente, se tornará um ser natural. 

Contudo, se você não percebeu, então precisará de mais algumas coisas malucas; você precisará passar por elas. Essas meditações o forçarão a perceber o principal. Ou você percebe apenas ao escutar e se sentar ao meu lado, ou você terá de perceber o caminho difícil. 

(...) Assim, se você se sente confuso, então continue meditando. A meditação não é para a iluminação; ela é para pessoas confusas. A meditação não o leva à iluminação; ela simplesmente o deixa farto de sua confusão. Perceba o essencial: meditação não é um caminho para a iluminação, mas apenas um caminho para se livrar da confusão. E quando não houver confusão a iluminação vem espontaneamente. 

O trabalho da meditação é negativo. Ela tira coisas de você e não lhe dá coisa alguma; ela simplesmente fica tirando coisas de você. A raiva, a cobiça e o desejo desaparecem e você começa a perder tudo o que tinha. Você fica a cada dia mais pobre. 

É isso o que Jesus quer dizer quando fala: "Bem-aventurados são os pobres de espírito". 

A raiva, a cobiça e a ambição não estão presentes. Lentamente, pedaços de seu ser são cortados de você. E de repente, num dia, nada está presente — ou somente nada está presente. Nesse exato momento, a luz penetra. Todas aquelas coisas — cobiça, raiva, paixão, ânsia, ódio, ambição, ego — estavam atrapalhando o caminho, não permitindo que a luz penetrasse em você. Elas estavam funcionando como uma rocha entre você e Deus. Tudo isso foi removido... de repente, Deus entra em você e você entra em Deus.

Se você me compreende, não há necessidade de nenhuma meditação. Porém, se não me compreende... para me compreender a meditação será necessária. Então prossiga fazendo-a. 

(...) Meditações são catárticas. Elas jogam fora todo o lixo contido dentro de você. Elas simplesmente o limpam, abrem as portas, os olhos — o sol está presente. Uma vez que você esteja disponível, ele começa a penetrá-lo. 

Então você nunca dirá: "Tornei-me natural." Você dirá: "Eu era natural. O problema não era como me tornar natural, mas como não continuar a me tornar não-natural."

O S H O

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A morte do velho e o nascimento do novo homem

O instinto de dúvida sempre esteve comigo... A dúvida sempre esteve comigo. Por isso, nenhum fanatismo, nenhuma cegueira ou devoção a uma única religião em particular pode acontecer. O resultado final de tudo isso foi que não cheguei a nenhuma conclusão, e fiquei cheio de perguntas e dúvidas. Não havia nenhuma resposta para nada. Qualquer resposta que houvesse pertencia aos outros, e eu não podia confiar na resposta de ninguém. As respostas dos outros só provocavam uma coisa em mim: o surgimento de cada vez mais perguntas. A resposta de ninguém podia tornar-se a minha. 

Assim, desde o começo, essa condição era perigosa, porque viver sem nenhum objetivo era muito inseguro. Eu nem mesmo tinha certeza que estava um palmo adiante, porque isso eu só podia vir a saber pelos outros. A respeito do caminho já trilhado, a pessoa pode saber positivamente, mas sobre o que está à frente do caminho e a pessoa não trilhou, só se pode saber pelos outros. Por isso não havia nenhum caminho claro para mim. Era tudo escuridão. Cada passo era dado na escuridão — ambíguo e sem objetivo. 

Minha condição era cheia de tensões, insegurança e perigo. Todos os meus parentes e amigos consideravam-me rebelde e indisciplinado por causa dessa condição. Lentamente as pessoas começaram a achar que eu era louco, tal a situação. 

Por menor que fosse a questão, havia dúvidas e nada além de dúvidas. Ficavam apenas perguntas e mais perguntas sem nenhuma resposta. Na opinião dos outros, tanto eu era bom quanto louco. Eu mesmo sentia medo de enlouquecer. Não conseguia dormir a noite. 

Durante a noite e o dia inteiro, as perguntas pairavam sobre mim. Não havia resposta para nada. Eu estava em alto mar, sem nenhum barco ou praia onde quer que fosse. Se havia algum barco, eu mesmo o negava e o afundava. Havia muitos barcos e muitos marinheiros, mas eu me recusava a entrar no barco de quem quer que fosse. Sentia que era melhor afundar do que entrar no barco de outro. Se era para isso que a vida estava me levando, para afundar a mim mesmo, então sentia que esse naufrágio também deveria ser aceito. 

A minha condição era de total escuridão. Era como se eu tivesse caído no fundo de um poço escuro. Naquela época eu sonhava muitas vezes que estava caindo, caindo, e entrava cada vez mais num poço sem fundo. E muitas vezes acordei de um sonho transpirando muito, todo molhado, porque a queda era infinita, sem nenhum chão ou lugar que pudesse apoiar meus pés. 

Não havia mais nada além da escuridão e da queda, mas aos poucos fui aceitando até isso. Senti muitas vezes que precisava concordar com alguém, devia me segurar em alguma coisa ou aceitar alguma resposta. Mas isso não estava de acordo com minha natureza. Nunca fui capaz de aceitar o pensamento de ninguém. 

Inevitavelmente, aconteceu também de não haver mais lugar dentro de mim para nenhum pensamento. Agora eu percebo que todas as minhas respostas nada mais eram que pensamentos. Se existem apenas perguntas, a pessoa deixa de pensar. 

Uma conclusão é um pensamento. Se não há conclusões, automaticamente cria-se um vácuo. Eu não sabia disso nessa época, mas uma espécie de vazio, um oco, surgiu por conta própria. Muitas perguntas ficavam girando. Mas por não haver respostas, elas desapareciam por exaustão e morriam. Eu não conseguia as respostas, mas as questões eram destruídas. 

Um dia surgiu uma condição inquestionável. Não que eu tenha recebido as respostas — não! Em vez disso, todas as questões caíram por terra e criou-se um grande vazio. Essa foi a SITUAÇÃO EXPLOSIVA. Viver assim era tão bom quanto morrer. E ASSIM MORREU A PESSOA QUE FAZIA PERGUNTAS. Depois dessa experiência do vazio, não questionei mais nada. Todos os assuntos onde as perguntas pudessem ser levantadas deixavam de existir. Antes, eram só perguntas e mais perguntas. Daí em diante, não restou mais nada que se assemelhasse a uma pergunta. 

Agora não tenho perguntas e nem respostas. Se alguém levanta uma questão, a resposta é  a que vem do meu vazio interior. Não posso dizer que a resposta seja minha porque nunca tive nenhum pensamento sobre ela. Não li a resposta antes. Também estou ouvindo a resposta pela primeira vez, ao mesmo tempo que o ouvinte. Assim como ele ouve pela primeira vez, eu também ouço. Não que eu seja o orador e ele o ouvinte, não que eu esteja dando e ele recebendo. A resposta vem, e nós dois somos ouvintes, ambos a recebemos. 

Por isso, se minha resposta amanhã for diferente  da que estou dando hoje, não sou responsável por isso porque não dei resposta alguma. O mesmo vazio de onde ela veio é responsável pela mudança. Não posso fazer nada. Portanto, você pode achar que sou inconsistente. Eu só poderia ser inconsistente se "eu" estivesse respondendo. Se há alguma inconsistência, é por causa desse vazio dentro de mim. Desde aquela experiência, nem eu fiz qualquer pergunta, nem vislumbrei qualquer resposta. Nessa explosão, o velho de ontem morreu. Este homem é absolutamente novo.

(...) Aqui, muitas pessoas pedem que eu escreva minha autobiografia. É muito difícil porque aquele sobre quem eu escreveria não sou eu. Tudo o que sei agora não tem estória. Não existe estória após a explosão; não há nenhum evento. Todos os eventos são anteriores à explosão. Depois dela há apenas vazio. Tudo o que existiu não sou eu e não é meu. 

O S H O 

domingo, 30 de novembro de 2014

Autoconhecimento não é tranquilizante: é demolição


O medo existe. Tem de ser abandonado. Lembre-se: antes de alcançar a suprema graça você terá de passar por um longo sofrimento. Antes de alcançar o infinito, o eterno, você terá de passar pelo temporal, por toda a história do homem. É inerente, está em todas as células do seu corpo, em todas as células da sua mente e cérebro — e você não pode evita isso. Todo o passado está aí com você, está em você, tem de ser atravessado. É um pesadelo, e um pesadelo muito, muito longo, milhões de anos, mas é necessário passar por ele — essa é a dificuldade. 

O sofrimento tem de ser vivido; esse é o significado de Jesus na cruz. Através do sofrimento ele alcança a ressurreição; através do sofrimento você alcançará o autoconhecimento. Portanto, não tente evitá-lo — não é possível evitá-lo. Quanto mais o fizer, mais oportunidades estará perdendo. Enfrente! Não há nada a ser feito, a não ser enfrentá-lo. E quanto mais intensamente você o enfrentar, mais depressa ele desaparecerá. 

Chega um momento em que você está absolutamente pronto para enfrentá-lo, seja ele o que for — você abandona todas as imagens. Até mesmo num único momento de intenso estado de alerta, você pode chegar ao centro. Mas nesse único momento você terá de sofrer todo o passado da humanidade, toda a história; você terá de sofrer tudo o que aconteceu. 

Conta-se, você já deve ter ouvido, que se uma pessoa afunda nas águas do mar ou de um rio, numa única fração de segundos relembra todo o passado desde o nascimento, as dores do parto — num instante, num 'flash', a vida inteira passa. Isso é verdade. E o mesmo acontece quando você alcança o momento do samadhi, a morte suprema, quando o ego morre completamente. Isso acontece! Mas num único instante você sofre todo o passado da humanidade, não o seu próprio. Esta é a cruz. Você sofre todo o passado da humanidade, porque agora está transcendendo a humanidade. Tem de passar por tudo o que a humanidade já viveu. Tem de sofrer tudo isso. É imenso! A angústia é absoluta! E só então você chega ao centro e a graça torna-se possível. 

O autoconhecimento é difícil porque você não está pronto para passar por nenhum sofrimento. Você pensa no autoconhecimento em termos de tranquilizantes; pensa que o autoconhecimento é tranquilizante. As pessoas vêm a mim e pedem: "Dê-nos a paz, o silêncio." E se alguém promete o silêncio e a paz sem sofrimento, está enganando-o — e facilmente você cairá na armadilha, porque isso é o que você gostaria de ter. Esse é o apelo usado no ocidente por pessoas como Maharashi Mahesh Yogi. Eles não estão lhe dando meditação real, estão lhe dando tranquilizantes. Porque uma meditação tem de passar pelo sofrimento; não é uma brincadeira. 

Você tem de atravessar o fogo e só nesse fogo o seu ego desaparecerá. Olhando para toda a sua feiura, ela desaparece automaticamente. 

Mas Maharishi Mahesh Yogi e outros dizem que o sofrimento é desnecessário: "Eu lhe darei uma técnica — faça tal coisa durante dez minutos de manhã e à tarde e seu ser se tranquilizará. Você sentirá uma paz infinita e tudo ficará bom; em poucos dias você estará iluminado."

Não é tão fácil — é árduo. Truques não funcionarão. Não perca seu tempo com truques.Apenas repetindo um mantra durante dez minutos, como é possível tornar-se Iluminado? 

Você passou pela história e chegou a um ponto, aqui, você chegou a este momento; atravessou milhões de anos — quem vai querer voltar atrás? Porque meditar significa retornar à fonte. Você chegou a este ponto no tempo; precisa voltar, precisa regredir, precisa alcançar o ponto original onde a jornada foi iniciada. E apenas cantando um mantra durante dez minutos toda manhã você pensa que conseguirá isso?

Quem você pensa que está enganando? Você está enganando a si mesmo. Não foi cantando mantras que você chegou onde está. A humanidade viveu, e viveu de milhões de maneiras erradas — vagando, se perdendo, cometendo pecados e assassinatos; guerra, exploração, opressão, dominação. Você tem colaborado com isso, é responsável por isso. Só cantando um mantra durante dez minutos acredita que a responsabilidade desapareceu, que você transcendeu? Chama a essa cantilena de meditação transcendental? Quem você pensa que está enganando? 

A transcendência é possível, mas não através de truques tão fáceis. A transcendência só é possível através da cruz. Só é possível através do sofrimento. E se você estiver pronto, poderá sofrer todo o passado num só instante — mas será um intenso pesadelo. É por isso que um Mestre é necessário — porque você pode enlouquecer completamente. É mover-se em terreno perigoso. O autoconhecimento é a maior entre todas as coisas, mas é também a mais perigosa. Um passo em falso e você enlouquecerá. É por isso que os Budas não são ouvidos. Você também sabe que isso é perigoso. Mover-se em si mesmo é perigoso! Um Mestre é necessário para observar cada passo, senão você cairá num abismo; ficará tonto, a mente simplesmente se fragmentará e será difícil repará-la. 

São esses os problemas, e é por isso que o homem ouve Heráclito, Lao Tsé, Buda, Jesus, mas nunca tenta. Somente alguns poucos tentam. Se você está pronto para tentar, precisa ter consciência do que isto significa. Apenas o desejo de ser feliz não basta. O desejo de conhecer a verdade, sim, não o desejo de ser narcóticos. A meditação também será um narcótico para ele. Quer dormir bem, quer se desligar do que está acontecendo. Ele gostaria de ter um mundo privado de sonhos — é claro, belos sonhos e não pesadelos. Isto é só o que ele quer. Mas um homem que está em busca da verdade não pensa em termos de felicidade. Felicidade ou infelicidade não é esse o ponto. "Preciso conhecer a verdade. Mesmo que doa, mesmo que me conduza ao inferno, estou pronto para passar por ela. Onde quer que me conduza, estou pronto para ir."

O S H O

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

A ideia de que alguém pode lhe despertar, não tem validade alguma

Pergunta: Você não admite a necessidade da orientação dada por um guia? Se, como diz, não deve mais haver nem tradição nem autoridade, nesse caso todos terão de lançar novas bases para a sua existência. Assim como o corpo físico teve um começo, não deve haver também um começo para o nosso corpo espiritual e mental e não deve este ascender de cada degrau para o degrau superior, imediato? Assim como o nosso pensamento se inflama, quando lhe ouvimos, não é necessário despertá-lo, pelo contato com os grandes espíritos do passado?

Krishnamurti: Senhor, este é um problema velho como o mundo. Pensamos que necessitamos de um guru, um instrutor, para nos despertar a mente. Pois bem. No que implica isso? Implica, de um lado, o homem que sabe, de outro lado, o homem que não sabe. Continuemos devagar, sem nos deixarmos influir por preconceitos. "O homem que sabe" se torna a autoridade, e "o homem que não sabe" se torna seu discípulo. E o discípulo vai sempre seguindo o mestre, na esperança de alcançá-lo, de se colocar no mesmo nível que ele. Agora, preste atenção! Quando o guru diz que sabe, já não é guru. Porque o homem que diz que sabe, não sabe. E veja por que não sabe: porque a Verdade, a Realidade, ou o "outro estado", não se acha num ponto fixo, não se pode alcançar por um certo caminho, e temos de descobrí-la momento por momento. Se está num ponto fixo, nesse caso esse ponto se acha dentro dos limites do tempo. Para um ponto fixo pode haver caminho, como há um caminho para a sua casa; mas para uma coisa viva que não tem um pouso fixo, que não tem começo nem fim, não pode haver caminho algum. 

Ora, um guru que se oferece para ajudar-lhe a conhecer a Realidade só pode ajudar-lhe a reconhecer o que você já conhece; porque o que se pode reconhecer, experimentar, tem de ser reconhecível, não acha? Quando o reconhece, você diz: "Experimentei" — mas o que é reconhecível, não pode ser aquele outro estado. O outro estado não é reconhecível, pois nunca foi conhecido; não é uma coisa que você já experimentou e que é capaz de conhecer. O "outro estado" é uma coisa que tem de ser descoberta momento por momento; e para descobri-la, a mente tem de ser livre. Senhor, a mente tem de estar livre para descobrir qualquer coisa; e a mente agrilhoada pela tradição, antiga ou moderna, a mente que leva a carga da crença, dos dogmas, dos ritos, evidentemente, não é livre. Para mim, a ideia de que um outro pode despertar-lhe , não tem validade alguma. isto não é uma opinião: é um fato. Se um outro lhe desperta, você fica sobre sua influência, depende dele; por conseguinte, você não é livre; e só a mente livre pode descobrir. 

É este, portanto, o problema, não acha? 

Aspiramos àquele "outro estado", e uma vez que não sabemos como alcançá-lo, passamos inevitavelmente a depender de alguém, a quem chamamos instrutor, guru, ou a depender de um livro, ou de nossa experiência. E está criada, assim, a dependência, e onde há dependência há também autoridade. A mente se torna, por conseguinte, escrava da autoridade, escrava da tradição, e essa mente, evidentemente, não é livre. Só a mente que é livre, pode descobrir; e contar com ajuda de outro para o despertar da mente, é o mesmo que recorrer a uma droga que lhe fará ver as coisas com muita nitidez, muita clareza. Há drogas que podem fazer a vida parecer, momentaneamente, muito mais "vital", de modo que todas as coisas assumem um relevo, um brilho extraordinário — as cores que você vê todos os dias, sem lhes dar atenção, se tornam extraordinariamente belas, etc. Tal poderá ser o seu "despertar" da mente, mas estará então na dependência da droga, como você depende agora do seu guru ou de um certo livro sagrado. E quando se torna dependente, a mente se embota. Da dependência provém o temor — o temor de não se realizar o que se quer, o temor de não ganhar. Quando dependemos de outro, seja o Salvador, seja outro qualquer, isso significa que a mente está em busca de um resultado feliz, um fim satisfatório. Você pode chamá-lo Deus, a Verdade, ou como quiser — mas é sempre uma coisa que se quer ganhar. E, assim, a mente fica prisioneira, se torna escrava e, não importa o que faça — sacrificar-se, disciplinar-se, torturar-se — essa mente nunca descobrirá "o outro estado". 

O problema, pois, não é quem seja o instrutor correto, mas sim descobrir se a mente pode manter-se desperta. E só se pode descobrir isso quando todas as relações se tornam um espelho, em que ela se vê exatamente como é. Mas a mente não pode ver-se como é, quando há condenação ou justificação daquilo que vê, ou se há qualquer forma de identificação. Todas essas coisas tornam a mente embotada e, embotados que estamos, desejamos ser despertados. Por essa razão amparamo-nos em outro, para que nos desperte. Mas, em virtude do próprio desejo de ser despertada, a mente embotada se torna mais embotada ainda, porquanto não percebe a causa de seu embotamento. É só quando a mente percebe e compreende todo esse processo, e não depende de explicações de ninguém, é só então que ela é capaz de libertar-se. 

Mas, como é fácil nos satisfazermos com palavras, com explicações! São muitos poucos os que rompem a barreira das explicações, ultrapassando as palavras e descobrindo por si mesmos o que é verdadeiro. A capacidade é produto de aplicação, não é? Mas nós nos satisfazemos com palavras, com especulações, com as tradicionais respostas e explicações com que fomos criados.

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

Por que nossas vidas são em geral superficiais e vazias?

Penso que a maioria de nós acha a vida muito sem graça. Para ganharmos o sustento, precisamos exercer uma certa profissão, e esta se torna muito monótona; começa-se uma rotina, que temos de seguir, ano por ano, até morrer. Ricos ou pobres, e ainda que sejamos muito eruditos ou dotados de espírito filosófico, nossas vidas são em geral superficiais e vazias. Há evidentemente uma insuficiência em nós mesmos, e aos nos tornarmos cônscios desse vazio procuramos preenchê-lo com conhecimentos, com alguma espécie de atividade social, ou nos refugiamos em divertimentos de todo tipo, ou nos apegamos a alguma crença religiosa. Ainda que tenhamos uma certa capacidade e sejamos muito eficientes, nossas vidas são, ainda assim, sem graça e, para nos livrarmos dessa falta de graça, dessa cansativa monotonia da vida, buscamos uma certa forma de enriquecimento religioso, tentamos conquistar aquele "estado de ser" extra-mundano que não é uma rotina e que, por enquanto, pode ser chamado "o outro estado". Em nossa busca desse outro estado, encontramos muitos sistemas diferentes, diferentes caminhos que se supõem conduzirem a ele; e, assim, pelo disciplinamento de nós mesmos, pela prática de determinado sistema de meditação, pela observância de certo ritual ou a repetição de certas frases, esperamos alcançar aquele estado. Sendo a nossa vida um círculo interminável de dores e prazeres, de variadas experiências sem muita significação ou mera repetição, sem sentido algum, de uma mesma experiência — o viver constitui para a maioria de nós uma monótona rotina. Por esta razão, o problema de nosso enriquecimento interior, da conquista do "outro estado" — chame-o Deus, a Verdade, bem-aventurança ou como o quiser — se torna muito urgente, não é verdade? Você pode estar bem de vida, bem casado, ter filhos, pode pensar de forma inteligente e equilibradamente, entretanto, sem aquele, sem aquele estado, a vida se torna horrivelmente vazia. 

O que se deve , pois, fazer? Como conquistar aquele estado? Ou é completamente impossível conquistá-lo? A nossa mente, como está hoje constituída, é sem dúvida muito insignificante, limitada, condicionada; e embora uma mente limitada possa especular a respeito do "outro estado", suas conjecturas serão sempre limitadas. Ela poderá formular um estado ideal, conceber e descrever aquele outro estado, mas suas concepções permanecem dentro de suas estreitas limitações, , e penso que aí é que se encontra o fio da meada: no perceber que a mente não pode, em circunstância alguma, experimentar, viver aquele outro estado, se se limita a formulá-lo ou a especular a seu respeito. Não há dúvida de que esta é uma descoberta extraordinária: o perceber que, sendo a mente limitada, pequena, estreita, superficial, todo movimento que faça para alcançar aquele estado extraordinário, constitui um empecilho. O descobrimento deste fato, não especulativamente porém realmente, é o começo de uma nova maneira de considerar o problema. 

Nossas mentes, em verdade, são produto do tempo, de muitos milhares de dias passados, resultado da experiência baseada no "conhecido"; e, em tais condições, a mente é uma continuação do "conhecido". A mente de cada um de nós é o resultado da cultura, educação, e por mais extenso que seja o seu saber ou preparo técnico, ela é sempre produto do tempo; por conseguinte, é limitada, condicionada. Com esta mente, queremos descobrir o incognoscível; e compreender que essa mente nunca poderá descobrir o incognoscível, constitui uma experiência extraordinária. Descobrir que a mente de um indivíduo, por mais sagaz, por mais sutil, , por mais ilustrada que seja, não pode de modo nenhum compreender aquele outro estado — esse descobrimento traz consigo uma certa compreensão "factual" e acho que este é o começo de uma perspectiva da vida que poderá abrir a porta que conduz àquele outro estado

Expressando o problema de maneira diferente: a mente está sempre e sempre ativa, "tagarelando", planejando, e é capaz de extraordinárias sutilezas e invenções. E de que maneira pode esta mente tornar-se quieta? Vê-se que toda a atividade da mente, todo movimento que faça, em qualquer direção, é reação do passado. Como aquietar a mente? Se a aquietamos por meio de disciplina, sua quietude é um estado em que não há investigação, busca, não é exato? Em tais condições, ela não está aberta para o "desconhecido", "o outro estado". 

Não sei se alguma vez você já pensou neste problema, ou se nele tem pensado unicamente pela maneira tradicional, ou seja, tendo um ideal e dirigindo-se para ele segundo uma certa fórmula ou a prática de determinada disciplina. Disciplina implica, invariavelmente, repressão e conflito da dualidade — e isso está na esfera da mente — e por esse caminho prosseguimos, esperando captar o outro estado. Mas nunca indagamos inteligente e com sanidade se nossa mente é capaz de captá-lo. Foi nos sugerido que a mente deve estar tranquila, mas a tranquilidade foi sempre cultivada por meio de disciplina. Isto é, temos o ideal de uma mente tranquila, e buscamos realizar este ideal por meio de controle, luta, esforço. 

Ora bem, se você considera atentamente esse processo, em sua inteireza, verá que está no terreno do conhecido. Cônscia da monotonia de sua existência, cansada de suas repetidas experiências, a mente se empenha em conquistar aquele "outro estado". mas quando se percebe que a mente é o "conhecido" e que todo o movimento que faz não leva ao outro estado, que é "o desconhecido", o nosso problema se resume então, não em como conquistar o desconhecido, mas em descobrir se a mente pode libertar-se do "conhecido". Penso que este problema deve ser considerado por todo aquele que deseje descobrir se existe alguma possibilidade de "realizar o outro estado", o desconhecido. Assim sendo, como pode a mente, que é resultado do passado, do conhecido, libertar-se do conhecimento?

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill