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sábado, 7 de abril de 2018

Sobre a paz e a boa vontade

Sobre a paz e a boa vontade

PERGUNTA: Existe alguma maneira de criar boa-vontade? Podeis informar-nos como viver juntos, em paz com outros, em vez desse hostil antagonismo entre todos?

KRISHNAMURTI: A paz e a boa-vontade, sem dúvida, são muito difíceis de estabelecer. Podeis construir uma ponte juntos, ou trabalhar juntos num escritório, porque tendes um patrão que vos manda e vos diz o que deveis fazer. Mas a verdadeira cooperação não pode ser exercida sob compulsão, nem nasce do seguirmos juntos as plantas traçadas por um arquiteto. A paz e a boa-vontade só poderão ser estabelecidas, quando sentirmos que esta Terra é nossa — que não pertence aos comunistas, aos socialistas ou capitalistas, mas a vós e a mim. Ela é nossa Terra, e temos de enriquecê-la e participar juntos dessas riquezas, em vez de nos dividirmos nacionalisticamente, racialmente, ou de acordo com as crenças, os credos e os dogmas de várias religiões organizadas.

Tende a bondade de escutar bem isso, senhores, pois não se trata de simples palavreado. Se desejais realmente estabelecer a boa-vontade e viver juntos em paz, precisais eliminar todas as diferenças de classes e todas as barreiras religiosas — barreiras de dogma, tradição e crença. Não deveis esperar que os governos promovam a paz e a boa-vontade, pela legislação, porque a paz do político não é a paz do homem religioso; são duas coisas totalmente diferentes. O que é necessário é sentirmos, realmente, a paz e a boa-vontade, todos os dias, sermos verdadeiramente bons, sem nos envergonharmos desta palavra, e sem nos deixarmos pegar pelas organizações, que se supõe trarão a paz mas que, de fato, a estão destruindo, em defesa de seus próprios interesses. Quando existir, dentro em nós, esse sentimento de paz e boa-vontade, ele criará o seu mundo próprio. Mas, infelizmente, a maioria de nós não interessa criarmos juntos esse sentimento. O que em geral nos une, não é o amor, não é a simpatia, não é a compaixão, porém o ódio, em virtude de nossa identificação com um grupo que está oposto a outro grupo. Quando nosso grupo se vê ameaçado de destruição por outro grupo, nisso que se chama a guerra, esta ameaça nos faz unir-nos; mas tão logo desaparece a ameaça tornamos a separar-nos — e isso nos é provado todos os dias, pelos fatos.

O que se torna necessário, por conseguinte, não é o ideal da paz ou da boa-vontade, mas, sim, que nos ponhamos frente a frente com o fato de que somos violentos. Quando vos denominais Maharashtrianos, Gujarathis, ou sei lá o que mais, sois violentos, porque vos separastes por meio de uma palavra; e esta palavra estimula o antagonismo, ergue uma barreira entre vós e vosso semelhante. Mas todos somos entes humanos, tendo essencialmente as mesmas tribulações, as mesmas preocupações, misérias e sofrimentos; e o que importa, de certo, é que se perceba este fato óbvio, que se lance fora, sem esforço algum, alegremente, o nosso nacionalismo, as nossas insignificantes organizações e comunidades e sejamos, simplesmente, humanos. Mas, em geral, preferimos passar os dias a especular a respeito de Deus, a discutir o Gita e sobre as demais insignificâncias que vêm nos livros, o que não tem significação alguma. Por isso continua a existir, cada vez mais forte, o nosso antagonismo. O que tem significação são as relações; e se, juntos, queremos implantar a paz e a boa-vontade, temos de deixar de ser meros idealistas e, literalmente, jogar fora todos os absurdos e estultícias do nacionalismo, do provincialismo, despojar-nos de todas as crenças e vaidades, para começarmos de novo, livres e felizes.

Isto não é uma fala ou resposta destinada a estimular-vos a fazer essas coisas. O homem inteligente atua: pela força de sua própria compreensão. Só o estúpido busca estímulos; e se for estimulado, continuará a ser estúpido. Mas, se esse homem souber que é estúpido, nesse caso poderá fazer alguma coisa a tal respeito. Se está apercebido de sua própria vulgaridade, pequenez, seus ciúmes, sua violência, e percebe que cultivar ideais é outra forma de estupidez, então ele será capaz de produzir uma transformação em si mesmo. Se sei que sou arrogante, sei o que devo fazer ou o que não devo fazer, conforme o caso. Mas o homem que é arrogante e quer mostrar-se humilde, ou aquele que segue o ideal da humildade, é estúpido, porque está fugindo do fato para a irrealidade. A não-arrogância é um estado irreal, para o homem que é arrogante. Mas somos criados com esta divisão, dentro em nós mesmos, do fato e do ideal e, por isso, somos hipócritas. Mas se sabemos que somos arrogantes e sabemos enfrentar este fato, nisto está o começo do fim da arrogância.

Do mesmo modo, se desejamos realmente implantar, juntos, a paz e a boa-vontade, precisamos de amor — não o amor ideal, mas o simples amor, a bondade, a compaixão — e isso torna necessário, nos libertarmos de uma certa comunidade e lançarmos fora todos os nossos preconceitos nacionais, raciais e religiosos. Nós somos entes humanos, vivendo juntos sobre esta Terra, esta Terra que nos pertence. E para se sentir esta verdade, precisamos ser verdadeiramente humildes. Para se poder sentir uma coisa profundamente, é necessária a humildade. Mas a humildade deixa de existir, se perseguimos o ideal.

Krishnamurti, Segunda Conferência em Bombaim
7 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

O mecanismo do "ideal"

O mecanismo do "ideal"

PERGUNTA: Depois de vos termos ouvido com o maior interesse durante tantos anos, vendo-nos exatamente no mesmo lugar em que estávamos antes. Não há anais nada que esperar?

KRISHNAMURTI: A dificuldade deste problema é o querermos um resultado que nos convença de termos progredido, de termos sido transformados. Queremos saber que chegamos aonde queríamos chegar. Mas o homem que chegou, o homem que escutou e logrou um resultado disso, esse homem evidentemente não escutou. (risos) Senhores, esta não é uma reação inteligente. O interrogante diz que me está escutando há muitos anos. Ora, tem escutado com atenção completa, ou só com o fim de chegar a uma parte e convencer-se de ter chegado? Este é o mesmo caso do homem que pratica a humildade. A humildade pode ser praticada? Por certo, se estamos convencidos de que somos humildes, não somos humildes. Vós quereis convencer-vos de que chegastes. Isto indica, — não é verdade? — que tendes escutado com o fim de alcançar um certo estado, um certo lugar onde nunca sejais perturbados, onde possais encontrar a eterna felicidade, a bem-aventurança permanente. Mas, como antes disse, não há chegar; há só o movimento do aprender — e esta é a beleza da vida. Se chegarmos, não há mais nada para buscar, para aprender. Todos vós chegastes ou desejais chegar, não só em vossos negócios, mas em todas as coisas que fazeis. Por essa razão, vos vedes insatisfeitos, frustrados, dignos de lástima. Senhores, não há um lugar a que é preciso chegar; o que há é só o movimento do aprender, que só se torna penoso quando há acumulação. A mente que escuta com atenção completa, nunca está procurando um resultado, porque está constantemente a desdobrar-se; qual um rio, está sempre em movimento. Essa mente está de todo inconsciente de sua própria atividade, isto é, não há a perpetuação de um "eu", ávido de resultados.

PERGUNTA: Em toda parte, tanto interior como exteriormente, vê-se o incitamento à violência. O ódio, a má-vontade, a mesquinhez, a agressão, imperam não só na Índia, mas também nos quatro cantos do mundo e na própria psique do homem. Qual a vossa solução para esta crise?

KRISHNAMURTI: Este problema, como todo problema humano, é muito complexo. Para ele não há resposta "sim" ou "não". Porque somos violentos como indivíduos e, consequentemente, como grupo, como nação? Considerai o que aconteceu recentemente nesta cidade. Porque somos violentos, e até mais do que violentos? Que importa vos denominardes Gujarathi ou Maharashtrian? Que importância tem um nome? Mas, atrás do nome jazem, represados, todos os preconceitos, o estreito, estúpido, insulante provincialismo; e da noite para o dia vos vedes cheios de ódio acutilando o vosso próximo, com palavras e com o ferro. Porque procedemos assim? Porque estamos, como um grupo de hinduístas, opostos aos cristãos? E porque estão os alemães ou americanos, como grupos, opostos a outro grupo? Porque somos assim? Vós e eu podemos inventar desculpas e explicações às centenas, e quanto mais talentosos somos, tanto mais sutis se tornam as nossas explicações. Mas, deixando de parte as explicações, sabeis que sois assim? Estais apercebidos de que, subitamente, podeis voltar-vos contra o vosso vizinho, por causa de uma fronteira traçada no mapa, porque certos políticos ambicionam mais poder e estais mais do que prontos a apoiá-los, porque também ambicionais o poder? Porque sois assim? Os muçulmanos e os hinduístas estão uns contra os outros. Por quê? E estais apercebidos desse fato, em vós mesmos? Não achais importante saberdes que assim sois, em vez de, idealisticamente, quererdes parecer não violentos, e outros absurdos que tais? O fato real é que sois violentos; e o problema me parece ser que não percebeis que sois violentos, porque estais sempre simulando não ser violentos. Fostes criados, educados, nutridos com o ideal da não violência; mas o ideal é uma falsificação, uma coisa inexistente. O que existe é o que sois — violentos — e a distância existente entre o ideal e o fato, gera esta hipócrita existência dupla, que é um dos infortúnios de nosso país. Sois todos pessoas muito idealistas, sempre a falar de não-violência e a massacrar os vossos vizinhos. (risos) Não riais, senhores, isto não é engraçado. Estou mostrando fatos. Achais que poderíeis tolerar a pobreza, a degradação, os horrores que se veem em cada cidade e aldeia da Índia, se fôsseis realmente misericordiosos? Não sois realmente misericordiosos e compassivos e é por isso que levais vidas duplas.

O fato é muito mais importante do que o que deveria ser. O fato é que sois violentos; e vos recusais a olhar de frente este fato, porque, dizeis, não deveis ser assim. Clamais contra a violência, procurais repeli-la, porém ela continua a existir. Reconhecei o fato de que sois violentos, em vez de cultivardes o ideal de não violência, coisa inexistente, pois só assim se pode acabar a violência. Vossa atenção não está então distraída, está toda entregue à compreensão da violência e podeis, por conseguinte, fazer alguma coisa com relação à violência; podeis ocupar-vos atentamente, diligentemente com o fato da violência, da má-vontade, da degradação, da crueldade. E eis porque é tão importante acabar com o ideal, aboli-lo completamente.

Sabeis que a crueldade campeia por toda a parte, neste país, crueldade não apenas para com o próximo, mas também para com os animais. Se percebêsseis a falsidade do ideal, não achais que seria possível olhar de frente o fato e acabar com ele definitivamente? Seríeis então um povo de todo em todo diferente, faríeis nascer uma civilização diferente, uma sociedade diferente, não seríeis imitadores do Ocidente; seríeis uma realidade — e a realidade é original, não é imitadora. Mas não se pode ver o original, o real, quando a nossa atenção está distraída pelo ideal.

O ideal nenhuma significação tem; o que tem significação é o fato. Por meio do ideal, esperais livrar-vos do fato, mas isso não é possível; e, mais uma vez, acho muito importante compreender isto: a mente que segue um ideal é uma mente irreal, uma mente que está fugindo, evitando o fato. Mas olhar de frente o fato é muito difícil para a mente que há séculos está sendo educada para aceitar o ideal como coisa digna de nossos esforços. Praticais a não-violência, Ahimsa e tudo o mais e isto para mim é puro absurdo, já que não se trata de um fato. O fato é que sois violentos, como o tendes comprovado vezes e mais vezes, e ele significa que sois sem compaixão; e não se pode ter compaixão na forma de ideal. Ou somos compassivos ou não somos. Existe violência no mundo, porque existe em vosso coração; e a expulsão da violência deve ser vosso único cuidado, e não o cultivo do ideal da não violência. Para expulsardes a violência, tendes de aplicar-lhe a vossa atenção, na vida de cada dia, tornando-vos cônscios das vossas palavras, dos vossos gestos, do modo como falais com vossos criados, vossos vizinhos, vossa mulher e filhos. Vossa violência indica que não há amor em vós — e isso é um fato. Se puderdes considerar o fato, então, com essa própria ação, transformareis o fato, atuareis de alguma maneira sobre ele.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
4 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Ideologias são ficções, não têm nada a ver com a verdade

O homem vive sobre uma grande hipnose, sob profundos condicionamentos: a sociedade condiciona você; o Estado, o padre, o político, a cultura, a religião, a Igreja, todos eles investem em seu sono profundo. Eles não querem que você acorde, pois, uma vez que a humanidade esteja acordada, não será mais possível haver políticos, padres, templos, Igrejas, religiões; tudo isso desaparecerá da face da terra. Toda essa exploração só é possível porque o homem vive no sono, porque ele é infeliz, e só uma humanidade infeliz pode ser explorada. 

É um círculo vicioso; só um homem infeliz pode ser explorado e, quando você o explora, ele se torna mais infeliz. Sendo mais infeliz, pode-se explorá-lo ainda mais, e assim por diante. 

Um homem feliz é um rebelde. A felicidade é uma tremenda rebelião. Nenhuma sociedade até hoje permitiu que alguém fosse feliz; é muito perigoso. Como mandar pessoas para a guerra, se elas forem felizes? Como se poderá ensinar-lhes coisas estúpidas, como nazismo, comunismo, fascismo, nacionalismo? Se as pessoas forem felizes elas rirão dessas tolices, de todas essas ideologias; não levarão nada disso a sério. Rirão só com a ideia de que alguém possa ser cristão, hindu ou muçulmano, e que possam lutar durante séculos e matarem-se uns aos outros.

(...) Você tem sido hipnotizado para permanecer na infelicidade, tem sido ensinado e condicionado para permanecer na infelicidade. E o truque é muito sutil. Por exemplo: primeiro, todos aprendem que a felicidade existe no futuro. Isso é um absurdo. A felicidade existe aqui-agora. Você não precisa alcançá-la; você já a traz com você, ela é parte do seu ser. Mas toda criança aprende, através de sugestões e mais sugestões, que, a menos que tenha uma casa grande, dois carros, muito dinheiro, fama, sucesso, e outras coisas mais, não será feliz. Como se a felicidade dependesse de alguns objetos ou de qualquer coisa! A felicidade não depende de nada e toda criança nasce feliz. 

As ambições criam a miséria e nunca o deixam feliz. Uma vez que você se torna ambicioso, as sementes da miséria são plantadas bem no fundo de você. Agora você nunca será feliz, pois o futuro, o amanhã nunca chega, e as suas esperanças estão todas no amanhã. 

Você pode ter uma casa grande, mas não será feliz, pois existirão sempre casa maiores que a sua, e isso criará infelicidade. Você pode ter uma bela mulher, mas existem milhares de mulheres mais bonitas no mundo, e isso não o deixará feliz. Você pode ter dinheiro, mas nem isso o fará feliz, pois sempre poderá ter mais. Esse é o truque: o "mais" foi implantado em você como um eletrodo. "Tenha mais, então será feliz." Como você pode ter mais? Qualquer coisa que você tenha sempre poderá imaginar mais. Se você tem dez mil reais, pode imaginar vinte; se tem vinte, pode imaginar quarenta. Como pode parar esse "mais"? Qualquer coisa que você tenha, sempre será menos que o "mais", e isso criará infelicidade. 

Você também foi sempre ensinado a comparar, e a comparação traz a infelicidade. Cada indivíduo é incomparável; ninguém mais é como você; como comparar? A comparação só é relvante quando há duas coisas semelhantes, como por exemplo, comparar um carro Ford com outro carro Ford; eles são iguais. Mas como comparar dois homens? Impossível. Cada um é tão individual que qualquer comparação trará infelicidade. 

No momento em que você compara, está criando um inferno à sua volta. Desde sua infância você foi ensinado: "Seja como fulano. Veja o filho do vizinho como é inteligente e você como é estúpido. Veja como a fulana é madura e você é tão imatura", e assim por diante. Essas comparações fazem você sentir-se infeliz. Você é você mesmo: não há ninguém como você, nunca houve e nunca haverá. Deus nunca se repete. 

Você é único. E quando digo "único", não é num sentido comparativo; você não é mais único que os outros e, sim, cada um é único. A unicidade é muito comum; todo mundo é único. Quando você começa a comparar, acaba ficando neurótico e, mais cedo ou mais tarde, irá parar num divã de psiquiatra. 

(...) A comparação cria tensão, ansiedade. Você foi ensinado a ser cristão, hindu, muçulmano; como pode a consciência ficar confinada a ideologias? As ideologias são produtos da mente; a consciência está muito além. Ideologias são ficções, não têm nada a ver com a verdade. A verdade é a sua consciência, mas você dá mais atenção á ideologias e se esquece da verdade. Você luta, discute, prova e desaprova. Ensinaram-lhe que alguém é indiano, que o outro é chinês, o outro japonês. Ou que você é comunista, ou fascista, isso ou aquilo; milhares de doenças foram implantadas em você... você quer ser feliz. Para isso, terá que abandonar todas essas ideias... Abandone tudo num só golpe de espada: esse golpe eu chamo de compreensão.

O S H O em, A Divina Melodia

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Onde há dependência, há medo e não amor

Já observaram como nascem as ideias e como a mente se apega a elas? Você tem uma ideia de alguma coisa bela que viu quando saiu para dar um passeio, e sua mente volta àquela ideia, àquela lembrança. Você lê um livro e encontra uma ideia em que se apegar. Então precisa ver como surgem as ideias e como elas se tornam um meio de obter conforto e segurança interior, algo a que a mente se apegue. 

Já refletiu sobre essa questão das ideias? Se você tem uma ideia e eu tenho uma ideia, e cada um de nós acha que sua própria ideia é melhor que a do outro, nós discutimos, não é? Tento convencê-lo, e você tenta me convencer. O mundo todo está edificado sobre ideias e sobre o conflito que existe entre elas; e se analisar o problema, você verá que o simples fato de apegar-se a uma ideia não tem sentido. Mas já observou como seu pai, sua mãe, seus professores, seus tios e tias, todos se apegam ferrenhamente ao que pensam?

Ora, como surge uma ideia? Como passa alguém a ter uma ideia? Quando você tem a ideia de sair para um passeio, por exemplo, como essa ideia aparece? É muito interessante descobrir isto. Se observar, verá como uma ideia desse tipo toma o corpo e como a sua mente se apega a ela, pondo de lado tudo o mais. A ideia de sair para dar um passeio é uma reação a uma sensação, não é? Você já saiu para passear antes e isso deixou uma sensação agradável; você quer fazer  o mesmo de novo; assim a ideia é criada e posta em ação. Quando você vê um belo carro, há uma sensação, não há? A sensação provem precisamente de olhar o carro. A sua simples vista cria a sensação. Da sensação nasce a ideia: "eu quero aquele carro, é meu carro" — e a ideia então se torna muito dominante. 

Buscamos segurança nas posses e nas relações exteriores, bem como, interiormente, nas ideias e nas crenças. Eu acredito em Deus, em rituais; eu creio que deva me casar de certo modo; creio em reencarnação, em vida após a morte; e assim por diante. Todas essas crenças são criadas por meus desejos, por meus preconceitos, e eu me apego a elas. Tenho seguranças externas, fora da minha pele, por assim dizer; e também tenho seguranças internas; removas-as ou conteste-as, e ficarei com medo; eu o empurrarei para o lado, e lutarei com você se você ameaçar minha segurança. 

Ora, existirá isso de segurança? Compreende? Nós temos ideias acerca de segurança. Podemos nos sentir seguros com nossos pais ou num dado emprego. Nosso modo de pensar, nosso modo de viver, nosso modo de encarar as coisas — com tudo isto podemos estar satisfeitos. A maioria de nós fica muito feliz de poder cercar-se de ideias seguras. Mas poderemos jamais estar seguros, por mais salvaguardas exteriores e interiores que tenhamos? Externamente, nosso banco pode falir amanhã, nosso pai ou mãe pode morrer, pode acontecer uma revolução. Mas haverá alguma segurança nas ideias? Gostamos de pensar que estamos seguros em nossas ideias, em nossas crenças, em nossos preconceitos; mas estaremos? Tudo isto são paredes irreais; são meras concepções nossas, meras sensações. Gostamos de crer que existe um Deus que está velando por nós, ou que renasceremos mais ricos, mais nobres do que agora. Pode ser que isso aconteça, ou pode ser que não aconteça. Então podemos ver por nós mesmos, se examinarmos as seguranças exteriores e interiores, que na vida não há absolutamente segurança alguma.

Se vocês perguntarem aos refugiados do Paquistão ou do leste da Europa, eles certamente lhes dirão que não existe segurança exterior. Mas eles acham que existe segurança interior e apegam-se nessa ideia. Vocês podem perder a sua segurança externa, mas ficarão, então, muito mais ansiosos por construir a segurança internamente, e não querem deixá-la desaparecer, o que implica maior medo. 

Se amanhã, ou no prazo de alguns anos, seus pais lhe disserem com quem querem que vocês se casem, vocês ficarão com medo? Claro que não, porque vocês são criados para fazer exatamente o que lhes é determinado; vocês são educados por seus pais, pelo guru, pelo sacerdote, a pensar de acordo com certos princípios, a agir de certa maneira, a sustentar suas crenças. Mas se lhe pedissem para decidir por si mesmos, não ficariam completamente atrapalhados? Se seus pais lhes dissessem que se casassem com quem bem entendessem, vocês teriam um calafrio, não teriam? Tendo sido sempre condicionados pela tradição, pelo medo, vocês não querem que lhes seja permitido decidir por si mesmos. Ficar só é perigoso, e vocês não querem nunca ser deixados sós. Não querem nunca tomar uma decisão por conta própria. Nunca desejam ir passear sozinhos. Todos querem estar fazendo alguma coisa como formigas ativas. Têm medo de resolver qualquer problema, de enfrentar qualquer exigência da vida; e, estando amedrontados, fazem coisas caóticas e absurdas. Como um homem com uma tigela de mendigo, vocês aceitam sem refletir o que quer que se lhes ofereça. 

Vendo todas essas coisas, uma pessoa realmente reflexiva passa a libertar-se de todo tipo de segurança, interior e exterior. Isso é extremamente difícil, porquanto significa que você está só — só, no sentido de que não é dependente. No momento em que você depende, há medo; e quando há medo, não há amor. Quando você ama, você não está só. A sensação de solidão só aparece quando você tem medo de ficar só e de não saber o que fazer. Quando se é controlado por ideias, isolado por crenças, o medo é inevitável; e quando você tem medo, está completamente cego. 

Assim, os professores e pais, conjuntamente, têm de resolver este problema do medo. Mas, infelizmente, seus pais temem o que vocês poderão fazer se não se casarem, ou se não conseguirem um emprego. Eles temem que vocês se desencaminhem na vida ou o que os outros digam, e, por causa desse medo, eles querem levá-los a fazer determinadas coisas. O medo deles está revestido do que chamam amor. Eles querem cuidar de vocês, portanto vocês precisam fazer fazer isto ou aquilo. Mas se vocês forem além da parede da chamada afeição ou consideração deles, verificarão que há medo gerado pela segurança de vocês, por sua respeitabilidade; e vocês também têm medo, porque têm dependido dos outros por muito tempo. 

Eis porque é muito importante que vocês, desde cedo, comecem a contestar e a derrubar essas sensações de medo, de modo a não serem isolados por elas e a não se fecharem em ideias, tradições e hábitos, para que sejam seres humanos livres, dotados de vitalidade criativa.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre o entrave da Imaginação

A imaginação perverte o percebimento de O QUE É; no entanto, como nos orgulhamos de nossa imaginação e de nosso especular. A mente especulativa, com seus pensamentos complicados, não é capaz da transformação fundamental; não é uma mente revolucionária. Vestiu-se com o que DEVERIA SER e está seguindo o padrão de suas próprias projeções limitadas, confinantes. O que é bom não está no que DEVERIA SER, mas na compreensão do que É. A imaginação, tal como a comparação, impede o percebimento do que É. A mente tem de colocar de lado toda imaginação e especulação para que o Real tenha existência.

Jiddu Krishnamurti – Reflexões sobre a Vida



domingo, 11 de agosto de 2013

Não é importante ter ideais na vida?

Pergunta: Não é importante ter ideais na vida?

Krishnamurti: Eis uma boa pergunta, porque todos vocês têm ideais. Têm o ideal da não-violência, o ideal da paz, ou o ideal de uma pessoa como Rama, Sita ou Gandhiji, não têm? E o que quer dizer isso? Vocês não são importantes, mas o ideal é muito importante. Rama é tremendamente importante, mas não o pobre e velho "eu" de vocês; então, querem imitá-lo. Vocês só estão preocupados em copiar, seja um pessoa, seja uma idéia. Como eu disse, o idealista é um hipócrita, porque está sempre tentando tornar-se o que não é, em lugar de ser e compreender aquilo que ele é.

Vejam, o problema do idealismo é realmente complexo, e vocês não o entendem porque nunca foram encorajados a refletir nele; nunca alguém lhes falou sobre isso. Tudo o que seus livros, professores, jornais e revistas dizem é que precisam ter ideais, precisam ser como este ou aquele herói, o que só faz a mente ser como um macaco que imita, ou como uma gravação gramofônica que repete uma porção de palavras. Portanto, vocês não devem aceitar, mas precisam começar a questionar tudo, e a descobrir as verdades por si mesmos; e não podem questionar se estiverem internamente com medo. Questionar tudo significa estar em revolta, o que é criar um novo mundo. Mas, vejam só, seus professores e seus pais não querem que vocês se revoltem, porque querem controlá-los, querem moldá-los e conformá-los a seus próprios padrões; e, assim, a vida continua sendo uma coisa horrorosa.

Jiddu Krishnamurti - O verdadeiro objetivo da vida

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill