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quarta-feira, 11 de abril de 2018

Existe uma energia que é incorruptível?


Existe uma energia que é incorruptível?

[...]A mente recebe energia da resistência, do conflito, da contradição. Todos nós conhecemos essa forma de energia. Mas há uma energia que se manifesta quando não há conflito de espécie alguma e que, por conseguinte, é incorruptível. Vou explicar isso. Por “mente”, entendo a totalidade da consciência, e ainda mais. O cérebro é uma coisa, e a mente outra coisa. O cérebro, que é resultado do tempo, que é sensação, que tem conhecimento acumulado através de séculos de experiência — esse cérebro é condicionado, assim como também é condicionada a consciência total. Estas palavras, “consciência” e “condicionamento” são muito simples. É o que sois; a mente educada, a mente inconsciente, a mente acumulada, a consciência acumulada do tempo — tudo isso sois vós. O que pensais, o que sentis, quando vos denominais hinduísta, quando vos denominais muçulmano, cristão, isto ou aquilo — toda essa vossa “história pessoal” constitui a consciência total. Se pensais ser o Supremo-Ser, o Atman por excelência, ou o que mais seja — isso está ainda dentro da esfera da consciência, dentro da esfera do pensamento. E o pensamento é condicionado.

Agora, nesse estado de condicionamento, de resistência à vida, vós gerais energia. Quanto maior a resistência maior o conflito e maior a energia que tendes; e essa energia é de natureza a mais destrutiva. É isso o que está realmente sucedendo no mundo. Essa energia se dissipa. Ela é sempre corruptora. Requer estímulo constante, necessita sempre de uma certa forma de apego, de onde lhe venha poder, força, expansão. Prestai atenção a tudo isso, por favor. Ao reconhecerdes esse fato, ao verdes esse fato — isto é, que nossa energia nasce da resistência — e quando tiverdes compreendido toda a “história” de vossa contradição interior, então, desse percebimento do fato nasce uma energia de espécie diferente.

A energia a que me refiro não é a energia pregada pela religião; não é a energia do bramachari, do celibatário que rejeita o sexo porque aspira à “suprema experiência”. Porque todo esse processo de viver — a vida do sannyasi, a vida do monge — é uma forma de resistência; e isso, de fato, vos dá energia — uma energia bem limitada, estreita, destrutiva; é o que nos oferece a maioria das religiões. Mas nós nos estamos referindo a uma energia de qualidade totalmente diversa. Essa energia nasce da liberdade, e não da resistência, não da renúncia, não de atividades e discussões no nível das ideias.

Se compreendestes tudo o que estive dizendo, e enfrentardes esses fatos, daí virá, por certo, uma energia incorruptível — porque essa energia é paixão. Não a paixão do sexo, de vossa identificação com a pátria, com uma ideia, pois tal paixão é destrutiva; ela também vos dá uma certa espécie de energia. Já não notastes que as pessoas, que se identificaram com sua nação, seu país, seu emprego, têm uma peculiar energia? Assim também a maioria dos políticos, dos chamados “missionários”, de todos os que se identificaram com uma ideia, uma crença, um dogma, como os comunistas — são dotados de uma peculiar energia, que é altamente destrutiva? Mas a energia criadora no mais alto grau, essa não tem identificação; ela vem com a liberdade; essa energia é criação.

O homem, através das idades, tem buscado Deus, tem-no negado ou aceitado. Tem-no negado, como o fazem aqueles que são educados como ateístas ou comunistas; e tem-no aceito, como vós hinduístas o fazeis, por terdes sido educados na crença. Mas não sois mais religiosos do que o homem educado na descrença. Sois todos mais ou menos iguais. A vós convém crer em Deus, a eles não convém. É tudo questão de educação, de influência do ambiente ou cultural. Mas o homem tem estado empenhado nesta busca através de séculos. Há algo imenso, não mensurável pelo homem, não compreensível pela mente que está toda entregue à resistência, à ambição, à inveja, à avidez. Essa mente não pode compreender aquela energia criadora.

Existe essa energia que é incorruptível. Ela pode viver e atuar neste mundo. Pode operar diariamente em vossos escritórios, em vossas famílias — porque essa energia é amor; não o amor de vossa mulher e de vossos filhos, que, em absoluto, não é amor. Aquela criação, aquela energia é destrutiva. Vede o que fizestes para descobrir essa energia! Tudo destruístes em torno de vós, psicologicamente; interior mente, deitastes abaixo tudo o que a sociedade, a religião, os políticos edificaram.

Essa energia, pois, é morte. A morte é totalmente destrutiva. Essa energia é amor, e o amor, por consequência, é destrutivo, e não aquela coisa mansa de que é constituída a família, não aquela coisa mansa que as religiões têm nutrido. Assim, aquela energia é criação — não o poema que escreveis, não a estátua que esculpis no mármore; isso é apenas uma capacidade e um talento para expressar algo que se sente. Mas a coisa a que nos referimos transcende o sentimento, transcende o pensamento. A mente que, no sentido psicológico, não se liberta de todo da sociedade — sendo a sociedade: ambição, inveja, avidez, aquisição, poder — essa mente, o que quer que faça, nunca a achará. E nós temos de achá-la, porque ela é a única salvação do homem, porque só nela há ação real; e ela própria, quando atua, é ação.

Krishnamurti, Nova Déli, 14 de fevereiro de 1962, A mutação Interior

A totalidade do mecanismo do conflito


A totalidade do mecanismo do conflito

Se me permitis, continuarei com o assunto de que está­ vamos tratando em nossa reunião de sexta-feira passada. Dizíamos então que era sumamente importante adotarmos uma nova maneira de pensar e, também, que era de toda a necessidade uma nova maneira de viver, neste mundo que se tornou tão superficial, com crescentes problemas e a constante perspectiva de tremendos perigos. Não denotamos perceber — principalmente neste país — quão grave é o problema. Aqui, achamo-nos em relativa segurança; talvez estejamos muito corrompidos, mas temos segurança. Temos nossos problemas: o nacionalismo se intensifica, enquanto noutros países está sendo repudiado; temos ainda líderes, quando noutros países os estão rejeitando; temos também a autoridade da posição, enquanto noutros países a autoridade está sendo posta em dúvida. Aqui muito se fala de religião, mas, na realidade, não somos religiosos, absolutamente; vivemos, como qualquer outro, superficialmente, interessados apenas em ganhar dinheiro, ter êxito, progredir, divertir-nos, como todos os demais habitantes deste mundo, embora falemos em alto som a respeito de Deus, etc.

Nessas condições, parece-me de essencial necessidade o advento de uma nova mentalidade. Não deixareis de reconhecer quanto é urgente essa necessidade, se observardes as condições mundiais, a geral superficialidade, os êxitos mecânicos, o progresso técnico, as tremendas influências postas em ação. Se observamos ainda mais atentamente essas condições, penetrando-as com certa profundeza, não podemos deixar de ver que é indispensável uma nova mentalidade. E essa nova qualidade não pode ser criada por nenhuma espécie de progresso técnico. Cumpre perceber isso bem claramente. E, se me permitis desejo estender-me mais um pouco sobre o que estava dizendo na última sexta-feira.

Como sabeis, vós sois o resultado do passado, de muitos dias que ficaram para trás. Sois o resultado de vosso ambiente, da sociedade em que fostes educados, da propaganda chamada religião que há séculos vem sendo instilada em vós. Podeis falar muito eloquentemente sobre as ideias religiosas e a influência ocidental na mente oriental, na vossa mente; mas tudo isso continua a ser muito perfunctório. Percebendo bem isso, qualquer pessoa verdadeiramente séria não pode deixar de perguntar a si própria: Para onde nos está levando tudo isso, qual a finalidade disso? Ao fazerdes com toda a seriedade esta pergunta, podereis retornar ao vosso condicionamento e responder que tudo “dará certo”, que se trata apenas de uma temporária mutação pela qual o homem está passando, e que no fim desta confusão tudo sairá certo, porque há Deus, porque há Justiça, Beleza, Amor. Mas tudo isso são só palavras sem muita significação. O homem faminto não se satisfaz com palavras: ele quer comida. Se fizerdes seriamente aquela pergunta a vós mesmo, vereis que, como já salientamos, sois o resultado do passado — o autêntico resultado — e que não há nada novo.

Toda tentativa para alcançar o novo é realmente uma reação do “velho”, projeção de uma certa parte do velho, sendo “o velho” a religião em que fostes criado, o meio cultural, a influência da família, da tradição, etc. Assim, não há nada novo. E, entretanto, as circunstâncias da vida — a crise atual, a presente confusão, miséria, sofrimento, fome — exigem o aparecimento de uma nova mentalidade; não de uma nova ordem de ideias, pois não se necessita de novas ideias ou ideais, porém, antes, de “um novo acesso à vida”, de todo diferente. E esse “novo acesso” não é de modo nenhum questão de tempo. Isto é, precisamos de mutação, de imediata transformação, de uma nova qualidade mental, para produzir uma ação de qualidade diferente, novos valores.

E como irá efetuar-se essa mutação? Era sobre isso que estávamos tentando falar na última sexta-feira, e desejo prosseguir com este tópico. Estivemos dizendo que é importante compreender um fato: o fato de que estamos imitando, de que estamos em busca de êxito, de que somos ambiciosos — que releva vermos esse fato. Porque o próprio ato de ver o fato produz a mutação. O próprio ato de ver uma certa coisa como um fato, sem emitir opinião, nem julgamento, sem condenação, produz o necessário ímpeto, a energia que operará a mutação. Talvez a maioria de vós não compreenda o significado desse ver, desse escutar. E desejo apreciar esse ponto, porquanto, para mim, o ato de ver, o ato de escutar constitui o único meio, o único instrumento que operará uma revolução, a transformação da mente.

Em maioria desejamos o bom êxito. Vou falar a esse respeito, a fim de ajudar-vos a ver o fato — não para o rejeitardes, não para o aceitardes: ajudar-vos a vê-lo, simplesmente. Em regra se adora o sucesso, o sucesso neste mundo; ou, também, desejamos ser bem sucedidos psicologicamente. E para se ser bem sucedido tem de haver imitação, cópia, continuidade do que foi. E, se observardes a vós mesmo, vereis ser isto o que desejais: sucesso; não só neste mundo, mas também interiormente aspirais a um resultado. E esse desejo de resultado implica, por certo, a observância de certo padrão, não é verdade? E quando tendes de observar um padrão, não há possibilidade de transformação fundamental. Todo afastamento do padrão gera medo. E, a fim de evitar o medo, seguis as linhas traçadas pela autoridade, e obedeceis a essa autoridade — que poderá ser o Gita, ou o líder político, ou o guru, ou quem quer que seja — a fim de terdes êxito, para estardes livres de perturbações, evitardes todo e qualquer conflito, sempre tendo em mente um resultado satisfatório, que represente um “sucesso”.[...]

Por que razão todos nós admitimos o conflito como parte da existência? Por que aceitamos o conflito como coisa essencial à vida? Se observardes vossa própria vida, vereis que estais em conflito, não só com vosso próximo e o mundo, mas também psicologicamente; interiormente vos achais num conflito muito maior. Não sabeis o que fazer. Ou, se sabeis o que deveis fazer, vós o fazeis; e o resultado é um problema, é sofrimento, atrito, luta. Tudo isso, como sabemos, é conflito; e estamos sempre procurando evitar esse conflito, fugir dele. Isso é um fato. Não estou tentando dizer-vos como ser livre de conflito — mostrar-vos o caminho, a via de fuga. A fuga, a coisa para a qual fugimos, se torna muito mais importante do que o próprio conflito. Essa coisa — bebida, vossa igreja, vossos deuses, sexo, poder, ambição — se torna importante; tudo isso representa uma fuga do fato de que estais em conflito. Eis a realidade. Por favor, vede esse fato; vede-o no sentido que dou à palavra “ver”; não negueis, não digais: “Que devo fazer com esse fato?”, “Como poderei fugir dele?”; vede o fato de que estais em conflito e de que há esse impulso a fugir do conflito. E que, depois de fugirdes, a coisa para a qual fugistes se torna de suma importância. Vossa religião, vosso nacionalismo, vosso guru, os ideais, os santos — tudo isso são fugas do fato central de que vos achais em conflito, de que vos achais em sofrimento.

Ora, como surge o conflito — não apenas os pequenos conflitos da vida diária, mas também os profundos conflitos interiores, os conflitos inconscientes e conscientes, que ficaram sem solução? Como surge esse conflito? Notai mais uma vez que não deveis aceitar nem rejeitar isso, mas, sim, verificar se o orador está dizendo a verdade, verificar — não concordar — se estais em conflito. Se estais realmente apercebido de vossas próprias condições, deveis ficar apercebido de estardes em conflito. Estais em conflito; por quê? Há conflito, porque há contradição. Quereis fazer uma certa coisa e ao mesmo tempo desejais fazer o oposto dela; isso é uma contradição, como o é o amor e o ódio, o ser ambicioso e ao mesmo tempo fingir-se não ambicioso, o desejar ser rico e simultaneamente fazer o mesmo jogo do político simulando pobreza. Há o fato, “o que sois”, e a ideia de “o que deveríeis ser”; o fato do que realmente é e a ideia do que deveria ser — uma contradição. Sois educado na ideia do que “deveríeis ser”, e de que não deveis enfrentar o fato. Sois educados para serdes não violentos e nunca enfrentardes o fato de que sois violentos. É o que se vem ensinando neste país há anos e anos: que deveis ser não violentos que deveis ser idealistas. E os ideais se tornam mais importantes do que “o que é”. Assim, entre o que é e o que deveria ser abre-se um vão, e o esforço para lançar uma ponte sobre esse vão gera conflito. Observai a vós mesmo. Estou apenas pondo em palavras aquilo que constitui o fato real.

É assim que surge a contradição; da contradição surge o conflito e, depois, vem o esforço. Gostamos de fazer esforços. Para nós o esforço é muito importante. Tudo o que fazemos é resultado de esforço. Isso é um fato. É o que estamos acostumados a fazer. Por que devemos forcejar?

Não é possível viver-se neste mundo sem esforço algum? Só podeis responder a esta pergunta se compreenderdes a totalidade do mecanismo do conflito, tanto exterior como interiormente — conflito entre nações e entre as pessoas, exteriormente; e o conflito, a profunda ansiedade interior. E, quando há conflito, há esse esforço para dominá-lo. Por conseguinte, o conflito surge por causa da contradição. E havendo contradição, com os sofrimentos, as agitações e ansiedades que a acompanham, há o impulso para se fazer esforço a fim de dominar esse conflito; e neste círculo ficamos presos. E todo o nosso interesse se concentra em fugirmos desse fato, resultando, daí, consequentemente, mais conflito — mais esforço em nossas práticas religiosas, com o fim de disciplinar, de moldar, compelir, renunciar, obedecer. Dessa maneira, nossa mente nunca se acha quieta, nunca é capaz de olhar qualquer coisa, de escutar qualquer coisa plenamente, completamente. Ela está sempre agitada.

E como pode a mente agitada compreender o que quer que seja? A vida é uma coisa imensa que precisa ser compreendida. A vida não é simplesmente exercer emprego, gerar filhos, não é meramente sexo, meramente prosperidade; a vida não é uma série de êxitos, não é o preenchimento de ambições; ela é muito mais do que tudo isso. A vida é também investigação, para descobrir se há ou se não há Deus, algo que se encontra além das palavras; para descobrir se o amor existe; descobrir como enfrentar e compreender o desespero, o sentimento de culpa, o imenso sofrimento, a ansiedade jacente no coração do homem. Tudo isso é a vida. E, para compreendê-la, necessita-se de uma mente serena, não uma mente talada pelo conflito, pela agitação.

E que acontece quando nos vemos frente a frente com tudo isso? Volvemos ao passado, ou recorremos a um certo livro, uma certa autoridade; e pensamos ter compreendido toda essa enorme complexidade seguindo uma certa fórmula absurda, ou o Gita, ou um guru, este ou aquele livro. Mas, para compreenderdes essa imensidade é necessário uma revolução em vossa mente — não revolução econômica e social, porém, sim, mutação da qualidade da mente. Essa mutação não pode ser efetuada por volição, porque, quanto mais recorrerdes ao passado, tanto mais condicionamento haverá e, por conseguinte, nenhuma possibilidade de mutação. Vede pois o fato — que é tudo isso — vede quanto nos tornamos mecanizados.

A virtude perdeu seu significado, pois qualquer um pode tornar-se virtuoso com ingerir certas substâncias químicas. Não sei se tendes visto tudo o que se está passando no mundo. A pessoa pode tomar uma pílula e tornar-se tranquila. A tranquilidade, portanto, perdeu sua significação. Podeis tomar um comprimido, um preparado químico, para vos tornardes menos irritadiço, menos ciumento, menos rancoroso, etc. Se sois sexualmente apaixonado, podeis tomar uma pílula e acalmar o amor. Perderam, pois, as virtudes o seu significado. E os computadores, os cérebros mecânicos, essas extraordinárias máquinas eletrônicas estão-se encarregando de pensar por nós; e, de fato, se desempenham de suas tarefas bem melhor ido que o homem. E a ‘'automatização” — máquinas que farão funcionar outras máquinas — está também prestes a surgir. Estamo-nos tornando — não só aqui na Índia, mas também no resto do mundo — muito superficiais, porque nos estamos mecanizando. Considerando-se tudo isso, que são fatos e não invenções minhas, os deuses já nada significam, as religiões perderam toda a sua importância; e estamos na expectativa de iminentes perigos. O futuro é desconhecido; o que tendes é unicamente o passado, e nada mais — o passado, constituído pelo que conheceis, pelo que aprendestes, o passado relativo à bomba atômica, à vossa tradição, etc. etc. Eis o que tendes. Vossa mente é só isso, e nada mais.

Ora, como operar, dessa base, aquela extraordinária mutação, aquela revolução radical? Este é que é o verdadeiro problema. Espero tenhais compreendido a pergunta; não se trata de “o que se deve fazer”. Devemos primeiramente compreender a pergunta e seu verdadeiro significado. Vede, senhores, vós ledes o Gita, sois cristãos, budistas, maometanos ou o que mais seja. O que faz a diferença não é o que o Gita diz, mas o que realmente sois; não são vossos turbantes e casacos, vossa erudição e saber, mas o que sois. Se isso vos é retirado, resta-vos apenas o passado, algo que já existiu, algo que conhecestes, enfim, o mecanismo do passado. E tudo o que fizerdes com base no passado condicionará o futuro e, por conseguinte, será ainda o passado.

Vede, por favor, a importância do que se está dizendo. Se fizerdes qualquer esforço para operar a mutação — e essa mutação é absolutamente necessária no mundo atual — esse impulso provirá do passado e, por conseguinte, condicionará a mutação, que, portanto, já não será mutação, e, sim, meramente, um prolongamento do passado. O que verdadeiramente nos interessa é a mutação, uma mente nova, capaz de perceber a totalidade da existência, e não simplesmente uma parte dela. Houve tempo em que vos diziam, neste país, que não devíeis ser provincialistas, separando-vos do resto da nação; e é estranho constatar que agora vos estais tornando nacionalistas, mas continuais divididos. O que vos deve interessar é o todo da vida; não a Índia, os hindus ou os budistas, mas o homem, o futuro do homem, a mente do homem, de que também fazeis parte. Assim, ao perceberdes esse fato, esse percebimento deve obrigar-vos a indagar fundamentalmente. Mas, se procurardes resposta para aquela pergunta, a resposta procederá do passado; assim, deveis fazer a pergunta sem procurar resposta. E isso é dificílimo: limitar-se a fazer a pergunta, e investigar.

Nosso problema, portanto, é este: Há necessidade de uma radical revolução interior, na mente, na consciência. Ao verificar-se essa revolução, ela atuará na esfera social e econômica, e de forma singular. Ora, como promover essa revolução? Estou empregando a palavra “como”, não para sugerir um método, um sistema— pois, se tendes algum método ou sistema, isso faz parte ainda do passado; estou empregando-a apenas como meio de investigação e não como meio de oferecer um sistema. Como promover essa revolução?

Em primeiro lugar, para se viver plenamente, para se ver claramente qualquer coisa, é preciso que não haja conflito de espécie alguma; por conseguinte, deve haver compreensão de todo o problema da contradição — e isso significa investigar, observar as operações da própria mente e ver que qualquer forma de ambição, de ordem externa ou interna, produz contradição. Sempre que há preenchimento pessoal, sempre que há impulso para o preenchimento — impulso para ser isto ou não ser aquilo — nesse próprio desejo de preenchimento há contradição, ou seja, frustração. Deste modo, a ambição, o sucesso, o preenchimento implicam frustração, e da frustração resulta conflito. Tudo isso são fatos psicológicos, e não invenções minhas. Se vos observardes, verificareis serem esses os fatos que estão ocorrendo.

Assim, a mente que está procurando compreender o que a mutação implica já deixou de ser ambiciosa. Perguntareis, então: Como pode essa mente viver neste mundo — este mundo feito de conflito, de ambição, de crueldade, em que cada um só cuida de si — como pode a mente não ambiciosa viver neste mundo? Não pode. Por conseguinte, quando tiverdes compreendido e abandonado completamente a ambição, vereis que podereis viver sem os preceitos da velha sociedade, pois tereis criado um novo mundo. Compreendeis, senhores, o que estamos dizendo? Um novo mundo precisa vir à existência. E não podereis criar um novo mundo, se apenas dizeis: “Tenho de ajustar-me, para viver neste mundo”. Vós tendes de destruir esta sociedade, para criardes um mundo novo. Não estou falando da destruição de construções, porém da destruição dos valores sociais. E isso não desejais fazer, porque temeis; por conseguinte, novamente vos vedes envolvido em conflito.

Tendes, pois, de ver com clareza que, havendo ambição de qualquer espécie, há também conflito, sofrimento. Mas, como sabeis, somos criados na ambição, na competição. Todo escolar é ensinado a competir. Ensina-se-lhe a adorar o êxito. E como rejeitareis todo esse padrão, o padrão em que fostes educado? Vós o rejeitareis quando perceberdes a importância de rejeitá-lo, quando estiverdes enfrentando uma crise. E a crise atual reclama uma mente nova. É o que ela reclama, e não uma maneira de reformar o velho padrão. Assim, uma vez apercebido da crise, uma, vez apercebido de tudo o que a ambição implica, após terdes penetrado a fundo em vós mesmo para descobrirdes a fonte da ambição — porque sois ambicioso, porque há competição, luta, ânsia de posição, de prestígio pessoal — depois de terdes compreendido toda a anatomia da ambição, ou ficareis com a ambição e suas crueldades, ou saireis dela. E o homem que “saiu” dela cria uma mente nova, um pensar de nova qualidade.

Assim, o que deveras nos interessa é perceber a importância dessa profunda revolução interior e descobrir se ela é possível, ou não, a cada um de nós. A época a exige, as circunstâncias também, vossa própria vida a impõe; e o extraordinário nisso é que não há tempo. Não podeis dizer: “com o tempo eu mudarei, acumularei a energia necessária para efetuar a mutação”. O tempo não vos dá energia. O tempo vos rouba energia; envelheceis, definhais. O que vos dá energia para investigar profundamente é o enfrentar o fato, simplesmente enfrentar o fato, qualquer que seja ele. E vereis que, do enfrentar o fato, nasce a energia. Ela não nasce da negação do fato; esta nunca dá energia. E vós necessitais de tremenda energia, porque não só é necessário enfrentar e compreender as trivialidades da vida, mas é necessário também ultrapassá-las. Há ainda outra coisa mais significativa e que requer toda a vossa atenção: Precisais descobrir por vós mesmo, não por meio de palavras, porém realmente, se alguma coisa existe além dos limites da mente, algo chamado o Imensurável, que transcende a morte, as palavras, o pensamento. Se não descobrimos isso, a vida se torna bem superficial, mecânica; e ela é então toda de sofrimentos e agitações. E para o descobrirdes, necessitais de imensa energia.

Mas essa energia só pode vir quando compreendida a “qualidade de ver”, a “qualidade de escutar”, quando a pessoa é capaz de olhar os fatos, olhar o próprio ciúme, a própria ambição, olhar as próprias paixões e todos os absurdos de que se cercou e a que chama “religião”. E quando temos a capacidade de enfrentar esses fatos e de não reagir, desse enfrentar resulta energia. E é essa qualidade de energia que opera a mutação. E só então a mente se torna algo extraordinário; já não é produto do ambiente, já não é produto da experiência. Fica então apta a renovar-se constantemente; passa a ter aquela qualidade denominada juventude, inocência. E ela necessita dessa qualidade que é a inocência, a perfeita humildade, a fim de descobrir o que se acha além das palavras, além do pensamento, além do tempo.

Krishnamurti, Nova Déli, 28 de janeiro de 1962, A mutação Interior


quarta-feira, 28 de março de 2018

Energia, Entropia e Vida


ENERGIA, ENTROPIA E VIDA

Deshpande: Outro dia consideramos o tema “Deus”. Também discutimos a respeito da energia e você falou da energia humana e da energia cósmica. Vou expor a posição científica. Os cientistas têm medido a energia e levantaram assim uma equação: E=MC², um valor fantástico. Esta é a energia material e os biólogos também têm provado que a energia vital é anti-entrópica; isto quer dizer que enquanto a energia material se dissipa, a energia vital não. Portanto, este movimento de anti-entropia está contra o fluxo material da energia, a qual se dissipa e termina em uma inerte uniformidade. O ser humano geralmente se move com energia entrópica, e em consequência se deteriora, declina. Os cientistas têm medido inclusive a magnitude temporal desta energia. O problema é por conseguinte: Como pode o homem, sendo consciente disto, integrar-se ao movimento de energia anti-entrópica?

Krishnamurti: Pode-se ver de modo muito simples que aquilo que é mecânico se gasta passado certo tempo.

Deshpande: O que é mensurável pode ser manipulado pela mente, pelo homem; um exemplo disto é a bomba atômica. Esta energia, este movimento entrópico, hoje domina o mundo. Como escapar de suas garras?

Pupul Jayakar: Este é um ponto muito importante. Se existe um movimento de energia que não se dissipa a si mesmo, que não cessa, então — tanto do ponto de vista científico como do  humano — essa é provavelmente a resposta a todos os problemas do mundo.

Krishnamurti: O que é então que você pergunta? Pergunta como este movimento de deterioração mecânica — que pode levar um milhão ou dez milhões de anos —, como pode colocar-se fim a essa deterioração em que o homem está preso? Ou se existe um movimento contrário a esse?

Deshpande: E também, qual é a natureza desse movimento contrário.

Krishnamurti: Exponhamos outra vez essa questão, de modo simples. O homem está preso na energia material, na energia mecânica; preso pela tecnologia, pelo movimento do pensar. Compreende a chave disso?

Deshpande: Não.

Krishnamurti: Todo o campo do conhecimento tecnológico e o movimento estão dentro desse campo. Esse é o campo em que o homem vive, o qual tem uma enorme influência sobre ele; realmente se apodera dele, o absorve; os cientistas e os biólogos têm medido a energia desse movimento, e essa energia é uma energia de deterioração, de desgaste. Os cientistas também dizem que existe um movimento contrário de energia em direção oposta, que é a energia criativa; a verdadeira energia humana que é não-mecânica, não-tecnológica. Agora, qual é a pergunta?

Deshpande: Biólogos tais como Huxley, Chardin, sustentam que o homem tem evoluído desde a mais pequena das células até o momento em que aparece nele a consciência; o homem, como uma entidade, pode ser consciente de todo o processo evolutivo.

Pupul Jayakar: Disto surge outro fato muito interessante. Chardin disse que o próximo salto para adiante virá por “um processo de ver”, que é igual ao tradicional pashyanti. Penso que é importante explorar este verbo que está tão carregado de sentido tradicional na Índia.

Krishnamurti: Chegaremos a isso se podemos examinar os processos de deterioração, a energia mecânica, entrópica. Também tentamos descobrir essa energia de vida que não é energia mecânica. O que é esta energia?

Deshpande: Os biólogos dizem que está no desenvolvimento cultural, no destino do homem, não no surgimento de novas espécies.

Achyut: Esta questão enfrenta o homem em muitos níveis. Depois de que se lançaram os satélites, houve uma nova medida do cosmos. Chamamos a isso de o infinito mensurável. Mas o homem sabe também que existe o infinito imensurável. Essa percepção vem ao homem moderno quando se afasta do imediato e alcança uma compreensão, no mais alto sentido, do meio circundante.

Krishnamurti: Concordo. Eles têm medido o pensamento. Tem medido a memória.

Fritz Wilhelm: Em que sentido você entende que o pensamento é mensurável?

Krishnamurti: No sentido de que são medidos impulsos elétricos do pensamento.

Fritz Wilhelm: O pensamento é a medida da entropia.

Pupul Jayakar: Só pode medir-se o que tem um começo e um fim.

Krishnamurti: Há, pois um movimento que finalmente, em sua própria ação motriz, conduz à deterioração.

Fritz Wilhelm: Também conduz à radiação e nisso está o final da entropia. Há esses dois movimentos; o movimento mecânico, e o anti-mecânico.

Achyut: O enfoque do biológico é muito tentador quando chega à consciência. Toda vez que fala da energia da vida, não o faz com a mesma precisão de quando fala do outro. Há um reconhecimento de que o anti-entrópico é o desconhecido, o indefinível. Depois de ter dito que existe “o outro”, “o outro” segue sendo o desconhecido.

Deshpande: Um fato é certo. Que a energia da vida não se move na mesma direção que a energia entrópica.

Achyut: Tomemos o movimento da energia vital como algo desconhecido para nós. Não podemos manipulá-la. Na medida em que o homem se torna consciente de todo o processo evolutivo em si mesmo, se torna perceptivo com relação à consciência.

Pupul Jayakar: Eu penso que estamos girando em círculos. O observável é que o homem nasce, vive e morre. O fenômeno de um movimento cíclico de começo e fim da energia é visível e está profundamente arraigado em nossa consciência — a coisa que aparece e desaparece, as duas manifestações da energia. Há, por acaso, uma energia que não tenha que ver com a aparição e a desaparição?

Krishnamurti: É a mesma coisa. Aceitamos isto de que há um começo e um final da energia?

Fritz Wilhelm: Os indivíduos podem começar e terminar, mas não a vida. Ela cria.

Krishnamurti: Não introduza ainda ao indivíduo. Há um movimento da energia que é mecânico, que é mensurável, que pode terminar, e há a energia da vida que não se pode manipular, que prossegue infinitamente. Vemos que em um caso há desgaste de energia e que no outro não há.

Fritz Wilhelm: Eu não vejo o outro como um fato.

Krishnamurti: Muito bem. Vejamos o movimento da energia que pode alcançar uma altura e logo declina. Existe alguma outra forma de energia que nunca pode terminar, que não tem relação com a energia que começa, continua e se murcha?Como averiguaremos? Entenderam? Qual é a energia que decai?

Pupul Jayakar: É a energia material que decai. Por quê? Pela fricção?

Krishnamurti: Investiguemos isso. Qualquer energia que encontra resistência se desgasta. Tome um automóvel subindo a colina, sem poder suficiente para fazê-lo; a energia gerada pelo motor se esgotará. Existe uma energia que possa não se esgotar jamais, seja que você vá costa acima, costa abaixo, paralelo, vertical? Existe uma energia que em si mesma não tenha fricção, e que se encontra resistência não reconhece a resistência, não reconhece a fricção?

Há nisso outro fator. A energia também surge através da resistência, da manipulação.

Pupul Jayakar: No momento em que a energia cristaliza...

Krishnamurti: Não diga isso.

Pupul Jayakar: Por que, senhor? O organismo humano é uma cristalização.

Krishnamurti: O organismo humano é um campo de energia, mas não use a palavra cristalização.

Estou levando isto de modo muito simples. Existe a energia que encontra resistência e se desgasta. Nesse campo total há a energia produzida mediante a resistência, o conflito, a violência, mediante o crescimento e a decadência, através do processo de tempo... Agora, pergunto: há alguma outra energia que não seja do tempo, que não pertença a este campo?

Achyut: A tradição chama essa energia de “a flecha atemporal”.

Fritz Wilhelm: Você pergunta se existe uma energia que seja irresistível, não é isso?

Krishnamurti: Não. Eu só conheço a energia que se acha no campo do tempo. Pode ter uma extensão de dez milhões de anos, mas ainda segue estando no campo do tempo. Isso é tudo quanto nós, os seres humanos, conhecemos. E como seres humanos, estamos investigando se existe uma energia que não esteja no campo do tempo.

Fritz Wilhelm: Você quer dizer, uma energia que não experimenta nenhuma transformação?

Krishnamurti: Olhe, eu conheço a energia, a causa da energia, o cessar da energia. Conheço a energia como o resultado de vencer a resistência, conheço a energia da dor, a energia do conflito, da esperança, do desespero; todas estão no campo do tempo. E essa é a totalidade da minha consciência. Então, pergunto: existe uma energia que não esteja sujeita ao tempo, uma energia que não se encontre, absolutamente, dentro do campo do tempo? Existe uma energia que possa passar pelo campo do tempo sem que o tempo lhe afete? Isso é muito interessante; o homem deve ter se feito essa pergunta por séculos, e ao não pode achar uma resposta, criou um Deus e o situou fora do campo do tempo. (Pausa).

Mas colocar Deus fora do campo do tempo é invocar a um Deus dentro do campo do tempo. E, portanto, Tudo isto é parte da consciência. E isso se deteriora. Se deteriora — se é que posso utilizar essa palavra — porque pertence ao tempo, porque é divisível. E minha mente, que é divisível, desejando achar uma energia atemporal, procede a formular uma energia a qual chama de Deus e adora isso. Tudo isso está no campo do tempo.

Pergunto, então: existe alguma outra energia que não seja do tempo? Compreende?

Deshpande: Sim.

Krishnamurti: Como descubro isso? Descarto a Deus, porque Deus está dentro do campo do tempo. Descarto o Eu Superior, o Atman, o Brahman, a alma, o céu, porque tudo isso se acha no campo do tempo. Agora, pergunto: existe uma energia que seja atemporal? Sim, senhor, existe. Vamos investigar?

Deshpande: Sim, senhor.

Krishnamurti: Como descubro isso? A consciência deve esvaziar a si mesma de seu conteúdo, não é assim? O conteúdo que o tempo tem criado e que eu chamo de consciência.

Deshpande: A questão é que se o tempo é a consciência, então, tem que haver alguma outra coisa.

Krishnamurti: Espere. O conteúdo constitui a consciência; de outro modo não há consciência.

Pupul Jayakar: Posso perguntar algo? O vazio total da consciência, não é o mesmo que ver a totalidade da consciência?

Krishnamurti: Sim, o é. Estou de acordo. Não creio que tenha me expressado com clareza. Há o fato do total esvaziamento da consciência e existe o outro fato, que é o de ver com a totalidade, com todo o conteúdo. Ver o campo do tempo como um estado normal, ver todo o campo do tempo. Bem, agora, o que significa esse ver?

Esse ver é diferente do campo do tempo? Ou esse ver se separou do campo do tempo e então pensa que é livre e que olha no campo do tempo, e a isso é o que chamamos de percepção?

Deshpande: Correto, senhor. Essa percepção pressupõem um percebedor.

Krishnamurti: Voltamos a mesma coisa. Surge, então, a pergunta: o que é o ver total? Eu vejo logicamente, verbalmente; compreendo toda a consciência do homem, a totalidade dela. Essa totalidade é o conteúdo da consciência, que tem sido acumulado através do tempo — que é a cultura, a religião, o conhecimento. Seja que se contraia ou se expanda, esse conteúdo segue estando no campo do tempo. Quando se expande, inclui a Deus, não-Deus, ao nacionalismo, etc. Esse é todo o movimento da consciência dentro do campo do tempo. A própria consciência é tempo. O que você diz, Deshpande?

Deshpande: Eu não tenho outro instrumento que a consciência.

Krishnamurti: Dou-me conta disso. Vejo que a consciência é tempo porque a consciência é o conteúdo e este tem sido acumulado através de séculos e séculos.

Deshpande: A consciência é conflito, fricção.

Krishnamurti: Sabemos isso. Como minha mente pode olhar este campo total do tempo e não ser do campo? Essa é a questão. De outro modo, não posso olhar. A percepção total deve estar livre do tempo. Há uma percepção e um ver que não sejam do tempo? O que você diz?

Deshpande: Essa é a nossa pergunta.

Krishnamurti: E se não é do tempo, então, essa percepção é o movimento da vida. A própria percepção é o movimento da vida.

Deshpande: Logicamente deveria ser assim.

Achyut: Nós podemos dizer que a própria percepção é o movimento da vida? Eu não sei nada a respeito disso.

Krishnamurti: Pode minha mente, que é tempo, que é o conteúdo da consciência, pode minha mente, pertencendo completamente ao tempo, dissociar a si mesma da totalidade do campo? Ou há uma percepção que não é do tempo e, portanto, vê a totalidade?

Pupul Jayakar: Eu diria que simplesmente não posso afirmar “o outro”. Concordo com Achyut.

Achyut: No momento em que afirmo isso, isso se harmoniza com o Deus dos Upanishads. Quando posso dizer é que ao ver que toda a consciência está no campo do tempo, posso permanecer com isso. Sou “isso”.

Krishnamurti: Você é “isso”. Alguém lhe disse que esse movimento dentro do campo do tempo é mensurável e lhe pergunta se existe uma percepção — não afirma que existe ou que não existe —, pergunta-lhe se existe uma percepção que vê a totalidade da consciência, a qual é tempo. Há uma percepção assim? É uma pergunta legítima.

Pupul Jayakar: Posso dizer algo? Eu lhe vejo. Vejo esta residência. Vejo o funcionamento da minha consciência. Não há mais que isso. Posso vê-lo. É uma coisa concreta. O ver é concreto.

Krishnamurti: Compreendo, Pupul. Aqui estou sentado nesta residência. Vejo o conteúdo da residência e vejo a mim mesmo nela. O “mim mesmo” é o observador, quem é consciente da residência, das proporções, do espaço da residência, e isto o vê por meio da consciência que está constituída de tempo. O observador e o observador estão no campo do tempo. Isso é tudo. Quando o observador inventa algo, isso permanece no campo do tempo. É assim que qualquer movimento está dentro desse campo. Isso é um fato. Mas, sabendo isto, vem alguém e pergunta: existe um movimento que não seja do tempo?

Compreenderam a pergunta? Pode a mente ver a si mesma como o campo do tempo? — não como o observador que vê o campo do tempo. Pode a mente por si mesma dar-se conta totalmente de que vê a consciência como tempo? Isso é bastante simples.

Pupul Jayakar: Eu não vejo isso. O que implica ver a consciência como tempo? Quando observo ao pensamento, vejo-o como algo que flui, vejo-o como um movimento; desperto a um pensamento que tem sido, depois a outro, e assim sucessivamente. E refino tudo isto e digo que há um movimento. Quando Krishnaji diz: “Perceba esta residência”, eu percebo esta residência e o funcionamento interior da minha consciência. Não há uma percepção do tempo. Isso é o presente ativo.

Krishnamurti: O que é que você quer dizer, Pupul?

Pupul Jayakar: Eu não posso aceitar a percepção da consciência como um movimento de tempo. Se não admitimos o concreto do ver, nos movemos então no campo do conceitual.

Krishnamurti: O que você diz é que quando entra nesta residência percebe o espaço, a cor, as proporções, e percebe a consciência com a mesma palpável sensação, não é verdade?

Pupul Jayakar: Quando Achyut fala e eu percebo isso; depois, conecto ambas as percepções, e o pensamento entra no tempo. Não há tempo separado da conexão.

Krishnamurti: Se há percepção não há tempo. Quando olho não há tempo.

Pupul Jayakar: Você perguntou: “você vê a consciência como o conteúdo total do tempo?” Eu questiono essa proposição. Gostaria de examiná-la sob o microscópio.

Krishnamurti: Minha mente é o resultado do tempo — a memória, a experiência, o conhecimento. Minha consciência está dentro do campo do tempo. Como posso ver que todo o conteúdo está dentro do tempo?

Pupul Jayakar: Graças a memória, ao pensamento.

Krishnamurti: Como vejo que todo o conteúdo está dentro do campo do tempo? Essa é uma conclusão que acabamos de levantar, ou é uma verdadeira percepção? Vamos devagar. Temos sustentado verbalmente que o cérebro, a mente, a totalidade disso é o resultado do tempo. Essa é uma conclusão, ou o vejo como um fato e não como uma conclusão?

Pupul Jayakar: Como você distinguiria uma coisa da outra?

Krishnamurti: Uma é uma fórmula, uma conclusão, uma declaração; a outra é algo que estou descobrindo.

Pupul Jayakar: Eu o acho muito difícil. Sabe o que você pede, senhor? Pode-se perceber uma abstração? Quando não há pensamento, “o que é” é uma abstração.

Krishnamurti: Espere, você está adiantando suas conclusões. Não se chegou a nada disso. O que você disse é sim uma abstração, uma conclusão.

Pupul Jayakar: Eu me pergunto: quando digo que a consciência é produto do tempo, se trata de uma declaração, ou isso é algo que posso ver?

Krishnamurti: É uma declaração com um significado verbal que aceito e que, portanto, se torna uma conclusão, ou é um fato tão real como esta residência, o fato de que a totalidade do meu cérebro, da minha consciência, é este enorme campo do tempo? Isso e tão concreto como isto?

Pupul Jayakar: Como pode ser isso tão concreto como o outro?

Krishnamurti: Eu lhe mostrarei em um minuto. Eu vejo que uma conclusão não é um fato, porque o pensamento tem interferido nisso e tem escutado esta declaração e a aceita, convertendo-a em uma fórmula para ficar com essa fórmula. Isso é uma abstração. Uma fórmula é uma abstração criada pelo pensamento e, por conseguinte, ela é a causa do conflito. É a própria natureza do conflito. Vejo isso claramente. Bem, agora, há uma percepção que não seja do pensamento, da mente como o campo total do tempo? As fórmulas são coisas das mais letais. Fórmulas e conceitos são produtos do pensamento e, portanto, se acham totalmente no campo do tempo.

Estou investigando este campo. Dissemos que o tempo é a consciência. O tempo é o resultado de séculos e séculos de experiência. Essa é a minha consciência, e a consciência está constituída por todo o conteúdo. Eu ouço que você afirma isso e o pensamento o recolhe e faz disso uma fórmula. Vejo que a própria fórmula está dentro do campo do tempo, que essa mesma fórmula é o fator de atrito. Portanto, nem me aproximo disso. O nego. Agora me pergunto: o neguei, ou ainda estou pensando, sentindo que o tenha negado? Estou tratando ainda de encontrar um fato que não esteja no campo do tempo? (Pausa)

Quando entro nesta residência, eu vejo. Não há um movimento do pensar. Simplesmente, vejo. Mas no instante em que o pensamento diz que há proporção, cor, beleza, nesse instante o tempo interfere. Está seguindo? Do mesmo modo, este campo total do tempo só existe quando o pensamento opera.

Estou descobrindo algo: quando o pensamento opera, deve operar no campo do tempo, deve chegar a uma conclusão, e a conclusão é parte da consciência; isso é tudo.

Agora pergunto: não há nenhum movimento do pensar, ou estou pretendendo para mim mesmo que não há movimento do pensar e que só há percepção? A mente se engana a si mesma quando diz: “Eu não tenho fórmulas”, mas está entrincheirada em fórmulas — sendo as fórmulas pensamento, o que, por sua vez, é consciência? Ou existe uma percepção que nada tem que ver com o pensamento? Eu só sei que toda a consciência está no campo do tempo e que o pensamento é consciência.

Portanto, estou investigando; não quero enganar a mim mesmo, não quero fingir que tenho algo que na realidade não tenho. Eu ouço sua afirmação: “a totalidade da consciência é tempo”. Quero averiguar se a mente — que é o resultado do tempo — aceita esta afirmação como uma fórmula e, portanto, permanece no tempo, ou se vê a verdade, o fato — sendo o fato uma percepção do movimento total do pensar.

Se a mente, ao examinar, ao investigar, aceita a afirmação como uma fórmula e diz: “sim, é bem assim”, esse “assim” é a percepção de uma conclusão, o qual é a operação do pensamento. Portanto, vejo que o tempo está operando ainda nesse sentido.

Ou é este um fato compreensível, um fato de que posso dar-me conta? Ou o pensamento está completamente ausente e só há percepção e nenhuma outra coisa? O que é que ocorre então? Nada mais pode se dizer quando não surge o pensamento.

Pupul Jayakar: O que é que você percebe nesse instante?

Krishnamurti: Nada. É logicamente correto que assim seja.

Achyut: Qualquer coisa que nós ouvimos, no instante seguinte se torna uma recordação.

Krishnamurti: Eu não me importo, absolutamente, com você. Perdoe-me. Não me preocupo se você vê ou não vê. Disse-lhe que ia investigar. Estou investigando. Você não está investigando. Você fica apenas com a fórmula. Vejo este fato. Percebo a fórmula com uma fórmula, ou percebo sem movimento do pensar, sem uma fórmula? Então Pupul me pergunta: nesse estado, o que há que se perceber? Absolutamente nada, porque aquilo não é do tempo. Esse é o fator de energia da vida.

Fritz Wilhelm: Este estado que você descreve pode ser chamado entropia do pensamento, um estado onde já não é possível nenhum movimento.

Krishnamurti: Você não está investigando.

Pupul Jayakar: Eu desejo fazer uma pergunta. Você disse que não há nada. Há movimento?

Krishnamurti: O que você entende por movimento, antes que eu diga sim ou não?

Pupul Jayakar: Daqui até ali.

Krishnamurti: Algo mensurável, comparável. Mensurável significa movimento. O movimento, quando é medido, está no campo do tempo, correto? E você me pergunta se nesse nada, nesse vazio, há movimento. Para você, o movimento é mensurável e se eu digo que há movimento, então você me dirá que isso é mensurável e que, portanto, está no tempo.

Pupul Jayakar: Há movimento no vazio.

Krishnamurti: E o que isso significa? O movimento do tempo é uma coisa e o movimento do nada, do vazio, não é do tempo e, em consequência, não é mensurável. Mas aquilo tem seu próprio movimento que você não pode compreender, a menos que deixe de se mover no tempo. E aquilo é infinito, esse movimento é infinito.

Bombaim, 11 de fevereiro de 1971
Tradição e Revolução

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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A fragmentação da energia impede o florescimento da bondade

O florescimento da bondade é a liberação de toda nossa energia. Não é o controle ou a supressão da energia, mas, sim, a total liberação dessa vasta energia. Ela é limitada e restrita pelo pensamento, pela fragmentação de nossos sentidos. O próprio pensamento é essa energia colocando-se dentro de um sulco estreito, um centro do eu. O florescer da bondade só pode acontecer quando a energia está livre, mas o pensamento, por sua própria natureza,  limita essa energia e assim ocorre a fragmentação dos sentidos. Por consequência, existem os sentidos, as sensações, os desejos e as imagens que o pensamento cria através a partir do desejo. Tudo isso é uma fragmentação da energia. Esse movimento limitado pode perceber a si mesmo? Ou seja, os sentidos podem ter percepção de si mesmos? Pode o desejo ver que ele surge a partir dos sentidos, a partir da sensação, da imagem criada pelo pensamento, e pode o pensamento perceber a si mesmo e ao seu movimento? Tudo isso implica a questão: pode o corpo físico, em sua inteireza, ter percepção de si mesmo? 

(...) O prazer domina nossa vida — seja nas formas mais rudes ou nas formas mais educadas. E o prazer é essencialmente uma lembrança — aquilo que tem sido ou a antecipação daquilo que pode acontecer. O prazer não está nunca no momento. Quando o prazer é negado, suprimido ou bloqueado, dessa frustração, atos neuróticos, como a violência e o ódio, acontecem. Então o prazer busca outras formas e saídas; satisfação e insatisfação surgem. Estar cônscio dessas atividades, tanto físicas quanto psicológicas, requer uma observação do movimento total de nossa vida. 

Quando o corpo percebe a si mesmo, então poderemos fazer uma pergunta adicional e talvez mais difícil: será que o pensamento, que construiu toda essa consciência, pode perceber a si mesmo? Na maior parte do tempo, o pensamento domina o corpo e, assim, o corpo perde sua vitalidade, inteligência, sua energia intrínseca e, portanto, tem reações neuróticas. Será que a inteligência do corpo é diferente da inteligência total, que só pode surgir quando o pensamento, tendo consciência de sua própria limitação, encontra seu lugar adequado? 

Como dissemos no começo desta carta, o florescimento da bondade pode acontecer apenas quando há a libertação da energia total. Nessa libertação não há atrito. É somente nessa suprema energia não dividida que existe esse florescer. Essa inteligência não é filha da razão. A totalidade dessa inteligência é compaixão. 

A humanidade tem tentado liberar essa imensa energia através de várias formas de controle, através da disciplina exaustiva, através do jejum, através das renúncias e sacrifícios oferecidos a um Deus ou a algum princípio supremo, ou por meio da manipulação dessa energia através dos vários estados. Tudo isso implica a manipulação do pensamento em direção a um fim desejado. Porém o que estamos dizendo é bem o contrário de tudo isso. 

Krishnamurti em, Cartas às escolas

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Um extraordinário sentido de energia que não é do pensamento

Temos de considerar juntos se o cérebro, que opera parcialmente, tem a capacidade de funcionar inteiramente, completamente. Agora, estamos usando apenas uma parte dele, o que podemos observar por nós mesmos. Podemos perceber que a especialização, que pode ser necessária, produz o funcionamento de apenas uma parte do cérebro.(...) No mundo moderno temos que nos especializar e estamos perguntando se, mesmo assim, é possível permitir ao cérebro que opere inteiramente, completamente.

(...) Agora, pode o cérebro ser totalmente livre para funcionar inteiramente? Porque qualquer especialização, o seguir qualquer caminho, uma determinada rotina habitual ou modelo, inevitavelmente implica que o cérebro está funcionando parcialmente e, portanto, com energia limitada. Vivemos numa sociedade de especialização(...) certas especializações são necessárias (...) mas, apesar disso, pode o cérebro funcionar completamente, inteiramente e, portanto, possuir uma energia extraordinária?

(...) Se observarmos nossa própria atividade, descobrimos que o cérebro funciona de modo muito parcial, fragmentariamente, resultando que a nossa energia torna-se cada vez menor à medida que envelhecemos. Biologicamente, fisicamente, quando somos jovens somos cheios de vitalidade; mas aos sermos instruídos e, depois, seguirmos um modo de vida que necessita de especialização, a atividade do cérebro torna-se reduzida, limitada e a sua energia torna-se cada vez menor.

Embora o cérebro possa ser obrigado a ter uma determinada forma de especialização(...) será que ele também pode operar integralmente? Ele só pode operar integralmente, com a tremenda vitalidade de um milhão de anos, quando é completamente livre.

(...) Pode o cérebro humano ser totalmente livre, sem qualquer forma de ligação — ligação a determinadas crenças, experiências, assim por diante? Quando o cérebro está ocupado com problemas, com especialização, com um modo de vida, está numa atividade limitada.

(...) Pode a consciência de vocês, com seu conteúdo básico de medo, da busca do prazer, com todas as implicações do pesar, da dor e do sofrimento, sendo magoado interiormente, e assim por diante, tornar-se totalmente livre?

(...) O conteúdo da nossa consciência é formado por todas as atividades do pensamento. Pode o conteúdo ser sempre livre, de modo a haver uma dimensão totalmente diferente?

(...) O conteúdo do nosso consciente é o movimento do pensamento no tempo e no espaço. Seja esse tempo muito limitado, ou vasto e extenso, ainda assim é um movimento no tempo e no espaço.

O pensamento criou muitas formas diferentes de poder em nós, psicologicamente, mas todas elas são limitadas. Quando há a libertação da limitação há um surpreendente sentido de poder, não o poder mecânico, mas um extraordinário sentido de energia. Isso nada tem a ver com o pensamento e, portanto, esse poder, essa energia, não podem ser mal-empregados. Mas se o pensamento diz: “vou usá-la”, então esse poder, essa energia é dissipada.

Jiddu Krishnamurti — A rede do pensamento

sábado, 24 de novembro de 2012

A mente cheia de conhecimentos é uma mente inquieta

Interrogante: Fale-nos sobre Deus.

Krishnamurti: Em vez de eu lhes dizer o que é Deus, vamos ver se vocês podem conceber esse estado maravilhoso, não no amanhã ou num futuro distante, mas agora, neste momento em que estamos aqui tranquilamente reunidos. Claro que isso é mais importante. Mas, para descobrir Deus, todas as crenças devem ser abolidas. A mente que poderia descobrir, não pode acreditar na verdade, não pode formular teorias ou hipóteses a respeito de Deus. Por favor, prestem atenção. Vocês formulam hipóteses, vocês têm crenças, vocês têm dogmas, estão cheios de conjecturas. Pelo fato de terem lido este ou aquele livro a respeito do que é a verdade ou do que é Deus, suas mentes estão espantosamente inquietas. Uma mente cheia de conhecimentos é uma mente inquieta; é intranquila, está apenas sobrecarregada e carga pura e simples não é sinal de uma mente tranquila. Quando a mente está cheia de crenças, acreditando ou não que Deus existe, ela está sobrecarregada e uma mente sobrecarregada não pode jamais descobrir o que é a verdade. Para descobrir a verdade, a mente precisa estar livre, livre de rituais, de crenças, de dogmas, de conhecimentos e de experiência. Somente então ela poderá compreender o que é a verdade. Pelo fato de tal mente estar inquieta, ela não mais realiza o movimento de entrar ou o movimento de sair, que é o movimento do desejo. Ela não possui desejos reprimidos, o que é energia. Pelo contrário, para que a mente esteja quieta é preciso haver uma grande quantidade de energia; mas não pode haver pleno desenvolvimento ou abundância de energia se existir qualquer movimento para fora e, por conseguinte, de movimento para dentro. Quando tudo isso tiver serenado, a mente se quietará.

Eu não estou tentando hipnotizá-los para que vocês fiquem quietos, para que vocês se calem. Vocês mesmos precisam reconhecer a importância de abandonar, de afastar sem esforço, sem resistência, todo o acúmulo de séculos, de superstições, de conhecimentos, de crenças; precisam reconhecer que qualquer forma de carga torna a mente inquieta, dissipa energia. Para a mente estar quieta é preciso energia em abundância, e essa energia precisa estar tranquila. E se você chegarem realmente a esse estado no qual não existe esforço, então constatarão que a energia, estando imóvel, possui seu próprio movimento, o qual não resulta das pressões ou compulsões sociais. Pelo fato de a mente possuir uma energia abundante, imóvel e silenciosa, a própria mente se transforma naquilo que é sublime. Não existe experimentador do sublime: não existe alguém que diga  “eu experimentei a realidade”. Enquanto houver um experimentador, a realidade não pode existir, porque o experimentador equivale ao movimento de angariar experiência e de acabar com a experiência. De forma que é preciso que o experimentador deixe totalmente de existir.

Atente simplesmente a isto. Não façam nenhum esforço, apenas compreendam que o experimentador tem que chegar ao fim. É preciso que ocorra a cessação total  de todo movimento e isso demanda, não a supressão de energia, mas uma energia espantosa. Quando a mente estiver completamente quieta, calada, isto é, quando a energia não estiver sendo nem dissipada nem distorcida por obra da disciplina, essa energia se transformará em amor e o real não estará apartado da própria energia.

Krishnamurti — Sobre Deus — Ed. Cultrix

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Vontade e energia

Necessitamos de muita energia, vitalidade e empenho para realizar uma transformação radical em nós mesmos. Se, nesse processo de autotransformação, estivermos também interessados na existência exterior, teremos de considerar o que podemos fazer pelo resto do mundo. Além disso, precisamos ver ainda, não só como conservar energia, mas também como aumentá-la. O fato é que desperdiçamos muita energia tagarelando, cultivando incontáveis opiniões sobre as coisas, convivendo com fórmulas e conceitos, e num infindável conflito interior. Creio que tudo isso significa desperdício de energia. Há, contudo, uma causa muito maior de desperdício da energia vital necessária não apenas a produzir uma mutação em nós, mas também a penetrar profundamente e ultrapassar as fronteiras do pensamento.
Os antigos diziam: refreie o sexo, controle os sentidos, faça juramentos para não dissipar energia: deve concentrar sua energia em Deus ou em qualquer coisa. Mas todas essas disciplinas também significam desperdício de energia, pois fazer juramento implica resistência. A energia é necessária não somente para uma mudança exterior, superficial, mas também para produzir uma profunda transformação ou revolução interior. Precisamos ter uma grande energia sem causa nem motivo para que haja total tranqüilidade, pois só ela pode provocar uma explosão. Vamos examinar isso tudo.
O que vemos é que os seres humanos desperdiçam energia – em disputas, ciúme, ansiedade, na interminável busca de prazer. É claro que isso é perda de energia. E não será também perda de energia manter opiniões e crenças sobre as coisas – o comportamento dos outros, o que os outros devem fazer etc.? Não será perda de energia ter fórmulas e conceitos? Dentro desta cultura somos encorajados a ter conceitos e viver de acordo com eles. Não é fato que possuem fórmulas e conceitos, isto é, imagens do que devem ser, do que deve ser feito – o pensamento a rejeitar “o que é” e a formular “o que deve ser”? Todo esse esforço significa desperdício de energia e espero que possamos partir daí.
Qual é a causa fundamental do desperdício de energia? Independente dos padrões culturais que adquirimos em relação ao desperdício de energia, há algo mais profundo: podemos viver no dia-a-dia sem qualquer espécie de resistência? Resistência é vontade. Sei que todos foram educados para empregar a vontade, controlar – viver segundo o “devemos, não devemos, temos de, não temos de”. A vontade, contudo, independe do fato. Vontade é afirmação pessoal, do “eu”, sem levar em conta “o que é”. Vontade é desejo; é a manifestação do desejo. Nessa afirmação de resistência do desejo, como vontade, que nenhuma relação tem com o fato, mas depende do desejo pessoal, do eu, vivemos superficial ou profundamente. 
Sabendo o que é a vontade, pergunto: podemos viver neste mundo sema intervenção da vontade? A vontade é uma forma de resistência, divisão. É o “eu quero” contra alguma coisa que “eu não quero”, “eu devo” contra o “eu não devo”. A vontade, portanto, contra um muro de resistência, contra toda espécie de ação. Só entendemos a ação em conformidade com uma fórmula, um conceito, ou visando a um ideal e realizando-se de acordo com ele, com esse padrão. É a isso que chamamos ação e nela há conflito. No “deve ser” que estabelecemos como ideal e modelo de ação, há imitação; daí, o conflito entre o ato e o ideal uma vez que a ação não passa de uma aproximação, imitação, conformismo. Sinto que isso representa um total desperdício de energia e vou mostrar porque. 
Espero que estejamos observando nossas próprias atividades, nossas próprias mentes para ver como aplicamos a vontade na ação. Repetindo o que já dissemos, a vontade independe do fato, do que é; depende é do eu, daquilo que ele deseja – não, do que é, mas do que ele quer. E o que ele deseja depende das circunstâncias, do meio, da cultura e assim por diante; está divorciado do fato. Por conseguinte, ocorre uma contradição, uma resistência ao que é e isso é desperdício de energia.
A ação ocorre agora – não, amanhã nem no passado. A ação está no presente. Poderá haver ação sem que haja idéias, fórmulas, conceitos – uma ação em que não ocorra qualquer resistência da vontade? Quando há vontade, há contradição, resistência, esforço, o que implica desperdício de energia. Portanto, quero verificar se existe um tipo de ação sem a intervenção da vontade como afirmação do eu que exerce resistência. 
Como vêem, somos escravos da atual cultura, somos essa cultura e, para que exista uma nova espécie de ação, uma nova espécie de vida e, desse modo, uma nova cultura, (não, a contra-cultura, mas algo totalmente diferente), precisamos compreender todo esse problema da vontade. A vontade pertence à velha cultura que envolve ambição e desejo, auto-afirmação e agressividade do eu. Para que haja um modo de viver inteiramente diferente, precisamos compreender a questão básica: pode haver ação livre de fórmulas, conceitos, ideais ou crenças? A ação que se baseia no conhecimento, isto é, no passado e, portanto, condicionada, não é, de fato, ação. Sendo condicionada pelo passado e dependendo dele, só pode provocar discórdia e, desse modo, conflito. Por conseguinte, quero ver se é possível um tipo de ação livre de vontade e escolha.
Noutro dia, dissemos que onde há confusão há escolha. O homem que vê as coisas com clareza (não, neuroticamente nem com obstinação) não faz escolha. Significa isso que escolha, vontade e resistência, que é o eu em ação, implicam desperdício de energia. Pode haver ação livre de tudo isso de modo que a mente viva neste mundo, utilizando o conhecimento e, ao mesmo tempo, livre das limitações do conhecimento? O orador afirma que há um tipo de ação sem resistência, sem a interferência do passado e sem a presença do eu. Tal ação é instantânea porque não depende do tempo, isto é, do passado que, repleto de conhecimentos e experiências ainda hoje atuantes, gera o futuro. Há, portanto, uma ação instantânea e completa em que não entra a vontade. Para compreender isso, a mente deve aprender a observar, a ver. Se a mente vê as coisas em conformidade com uma fórmula que estabeleça o que se deve ser, ou o que devo ser, então a ação provêm do assado. 
Assim, pergunto: haverá um tipo de ação sem motivo, que nasça no presente e que não produza contradição, ansiedade nem conflito? Como já disse, a mente treinada dentro de uma cultura que aceita a vontade e funciona e age de acordo com ela – essa mente, é claro, não conhece a ação de que estamos falando, uma vez que está condicionada. Por conseguinte, poderá a mente (nossa mente) perceber tal condicionamento, libertar-se dele e agir de modo diferente? Se minha mente está treinada pela educação a funcionar de acordo com a vontade, nesse caso talvez não possa compreender o que significa agir sem a vontade. Desse modo, meu empenho não é descobrir como agir sem a intervenção da vontade, mas descobrir se minha mente pode libertar-se do seu condicionamento, o condicionamento da vontade. É nisso que estou interessado e por isso percebo, quando olho para mim mesmo, que tudo que faço encerra um motivo secreto, provém da ansiedade, do medo, do desejo de prazer etc. Dessa forma, será que essa mente, pode ficar livre de tudo isso instantaneamente e agir de modo diferente?
Assim, a mente precisa aprender a olhar. Para mim, esse é o problema básico. Mas pode essa mente, produto do tempo, de culturas diversas e diversas experiências e conhecimentos, pode essa mente olhar com olhos descondicionados? Pode ela funcionar livre de seu condicionamento? Por conseguinte, preciso aprender a olhar para o meu condicionamento sem qualquer intenção de mudá-lo, transformá-lo ou transcendê-lo. Preciso ser capaz de olhá-lo como ele é. Se quiser mudá-lo, volto a agir pela vontade. Se quiser fugir dele, ainda estou resistindo a ele. Se aceito uma parte e rejeito a outra, isso ainda significa escolha. E escolha, como já frisamos, é confusão. Posso, portanto, pode esta mente olhar sem qualquer resistência, sem qualquer escolha? Posso olhar as montanhas, as arvores, meu vizinho, minha família, os políticos, os sacerdotes sem qualquer imagem? A imagem representa o passado. Por conseguinte, a mente tem de ser capaz de olhar. Quando olho o que é em mim mesmo e no mundo, sem resistência, então, graças a esta observação, ocorre uma ação imediata que não resulta da vontade. Entendem?
Desejo descobrir como viver e agir neste mundo e, não, entrar para um mosteiro ou fugir para algum nirvana descrito por um guru que promete: “Se fizer isso, conseguirá aquilo”. Mera tolice. Descartando tal coisa, quero descobrir como viver neste mundo sem criar resistências, sem a intervenção da vontade. Quero também descobrir o que é amor. Desse modo, condicionada que é a desejar prazer, gratificação, satisfação e, por isso mesmo, a resistir, minha mente percebe tudo o que o amor não é. O que é amor? Para descobrir o que é, temos de negar, eliminar completamente o que não é. Pela negação, chegamos ao positivo; não procurem o positivo; só podem ir a ele compreendendo o que não é. Assim, se quero descobrir o que é a verdade, sem saber o que ela é, devo ser capaz de ver o falso. Se não tiver a capacidade de perceber o falso, não posso ver o que é a verdade. Portanto, preciso descobrir o falso.
O que é falso? É tudo que o pensamento engendra – psicologicamente; não, tecnologicamente. Foi assim que o pensamento criou o eu, o ego, com suas memórias, agressividade, separatividade, ambição, competitividade, imitação, medo e recordações – tudo isso foi o pensamento que engendrou. E foi o pensamento também que criou inúmeros engenhos maravilhosos. Portanto, o pensamento, na condição de eu, que essencialmente não é nada, é falso. Quando a mente vê o falso, então, surge a verdade. Assim também, quando a mente indaga, em profundidade, o que é amor, sem dizer que é “isto” ou “aquilo”, mas simplesmente indaga, nesse caso ela pode ver o que não é e descartar, completamente, o falso, pois, do contrário, não descobriremos o real. Seremos capazes de fazer isso – dizer, por exemplo, “o amor não é ambição”? Uma mente ambiciosa, que deseja atingir algo, que deseja tornar-se poderosa, uma mente agressiva, competitiva, imitativa, uma mente assim talvez não compreenda o que é amor – percebemos isso, não? 
Pois bem, pode a mente ver o falso disso? Pode ela perceber que a mente ambiciosa talvez não possa amar e, ao ver o falso, pô-lo de lado imediatamente? Só quando negamos o falso por completo é que surge uma coisa diferente. Podemos ver, com clareza, que a mente que deseja um ganho, conseguir alguma coisa, neste mundo ou na chamada busca espiritual da iluminação, não pode amar? O anseio de encontrar, atingir é ambição. Por conseguinte, pode a mente ver o falso disso e largá-lo imediatamente? Se não for assim, jamais descobrirão o que é, jamais descobrirão o que é o amor. Amor não é ciúme, é? Amor não é possessividade, dependência. Percebem? Não deixem o problema para amanhã; acabem com ele agora. Largar o falso instantaneamente não depende da vontade. Depende de ver, realmente, o que é falso. Quando descartamos o que é falso, o que não é, então surge outra coisa. 
A coisa, agora, fica um pouco mais difícil. Será que o amor é prazer? Ou preenchimento? Se realmente desejamos uma mente cheia de amor, teremos de aprofundar muito a questão. Por isso perguntamos: será que o amor é prazer, gratificação, preenchimento? Dissemos que o desejo de prazer significa que é o pensamento que ainda atua; é ele que, afastado do que é, funciona como desejo e vontade, persegue o prazer. Já associamos o amor ao sexo e, como neste há prazer, fizemos dele um enorme problema. O sexo se tornou a coisa mais importante da vida. Tentamos atribuir a ele um grande significado, considerá-lo uma realidade profunda que encerra união, harmonia e outras qualidades transcendentais. Porque tem o sexo tanta importância em nossa vida? Provavelmente porque nada mais temos além dele; talvez porque no resto vivamos mecanicamente. Não somos originais, nada criativos – “criativo”, não no sentido de pintar quadros, compor canções e poemas, pois isso é apenas um lado superficial da criatividade. Como somos, de certo modo, pessoas de segunda mão, o sexo e o prazer se transformaram em algo muitíssimo importante. É por isso que confundimos sexo com amor e, sob essa capa, cometemos toda espécie de iniqüidade. 
Por conseguinte, podemos acaso descobrir o que é amor? Essa é uma pergunta que o homem sempre fez. Como não consegue, ele diz: “Ame a Deus”, “Ame essa idéia”, “Ame o Estado”, “Ame seu vizinho”. Não, que não devamos amar o vizinho; mas isso se tornou apenas uma transação social; não é o amor que sempre se renova. Assim, o amor não é produto do pensamento, que é prazer. Como já dissemos, o pensamento é velho, não é livre, provém do passado, e, por isso, nenhuma relação tem o amor com o pensamento. A maior parte de nossa vida, sabemos disso, é uma luta – tensão, ansiedade, sentimento de culpa, desespero, uma profunda sensação de solidão e sofrimento; essa é nossa vida. Isso, de fato, é o que é e isso não queremos enfrentar. Mas, o que acontece quando enfrentamos, sem escolha nem resistência? Podemos enfrentar o medo, o ciúme, ou lá o que seja, sem procurar dominar – apenas olhar, sem o desejo de mudar, conquistar, controlar, observando apenas, dando total atenção ao que é? Que acontece quando olhamos nossa vida cheia de vicissitudes, nosso cotidiano vulgar ou não? Não somos então possuídos de uma enorme energia? Temos dissipado energia resistindo a essa condição, lutando para superá-la, transcendê-la, na tentativa de compreendê-la, de mudá-la. Por conseguinte, quando olhamos nossa vida como é, não ocorre, então, uma transformação do que é? Essa transformação, contudo, só se dá quando possuímos aquela espécie de energia em que a vontade não intervem. 
Como sabem, adoramos explicações e teorias, satisfazemo-nos com filosofia especulativa e somos levados por tudo que implica desperdício de tempo e energia. Precisamos enfrentar o que de fato é: a miséria, a pobreza, a poluição, a desastrada divisões entre povos e nações, as guerras que nós, os seres humanos, já promovemos – pois elas não surgiram por milagre; todos somos responsáveis por tudo isso: eis o que temos de enfrentar. E uma das coisas mais importantes da vida que também temos que encarar é a morte. Não obstante, o ser humano está sempre evitando esse problema. Tanto as civilizações antigas quanto as modernas têm procurando suplantá-lo, conquistá-lo, imaginando que há imortalidade, imaginando vida após a morte – tentam fazer qualquer coisa, menos enfrentar o problema. Mas pode minha mente enfrentar algo que não conhece? Infelizmente, se me permitem dizer, muitos já leram bastante sobre isso. Provavelmente já leram o que os filósofos e instrutores indianos têm afirmado, ou talvez já tenham lidos outros filósofos e possuam formação cristã. Estão impregnados do conhecimento e das afirmações e opiniões alheias. E estão fadados a isso embora talvez não admitam o fato; mas é o que está no sangue, uma vez que são produto dessa civilização e cultura. E isso é uma cosia que desconhecem totalmente. A única coisa que sabem é que sentem medo de chegar ao fim. E a morte é isso. 
O medo nos impede de olhar o fato assim como também nos impede de viver livres da ansiedade, do sofrimento, do sentimento de culpa – e todos conhecemos bem esse problema terrível. O medo tem impedido que vivamos e nos impede que olhemos o que é a morte. O medo nos leva a desejar consolo; daí, a idéia de reencarnação, a volta a uma nova vida etc. Não vamos entrar nisso porque o que nos interessa é verificar se a mente pode enfrentar o fato do findar. E é isso mesmo o que vai acontecer de qualquer maneira – quer estejamos relativamente bem de vida – vai acontecer com a velhice, doença ou acidente. Será que a mente pode encarar esse imenso problema que desconhecemos? Podemos investigá-lo como se o víssemos pela primeira vez – sem ninguém para nos dizer o que fazer, sabendo que procurar lenitivo significa fuga ao fato? Podemos, portanto, enfrentar o inevitável como se nunca antes o tivéssemos deparado? 
Qual é o estado da mente que é capaz de olhar alguma coisa que desconhece por completo – sabendo apenas que existe a morte orgânica? O organismo acaba por insuficiência cardíaca, em virtude de tensões, doenças, etc. Mas a questão psicológica é esta: pode a mente encarar uma coisa cônscia de que nada sabe a respeito dela, olha-la, viver com ela e compreendê-la completamente? Pode olhá-la sem qualquer temor? No momento em que sentimos medo, começamos a escolher e, então, intervem a vontade, há resistência e dissipamos energia. Mas, quando cessa a energia do eu, podemos encarar a morte.
Para enfrentar uma coisa inteiramente desconhecida, necessitamos de muita energia, não? E tal só é possível quando já não existe mais vontade, resistência, escolha nem dissipação de energia. Para enfrentar o que desconhecemos, temos de contar com a mais intensa energia e, quando ocorre essa energia total, haverá porventura medo da morte? Ou haverá medo de continuar? Só quando vivo uma vida de resistência, vontade e escolha é que tenho medo de não ser ou de não viver. Mas, quando a mente está diante do desconhecido e livre de tudo mais, há uma enorme energia. E nessa suprema energia, que é inteligência, há morte? Verifiquem.   
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Krishnamurti. Saanen, 29/07/71. THE AWAKENING OF INTELLIGENCE. London, V. Gollancz, 1973, p.361-5. Tradução do trecho: Vanfredo
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill