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quinta-feira, 5 de abril de 2018

O estado mental onde o “eu” está ausente de todo


O estado mental onde o “eu” está ausente de todo

PERGUNTA: O que dizeis parece muito exótico e oriental. Um ensino como o vosso é aplicável à nossa civilização ocidental, que se baseia na eficiência e no progresso, e que está melhorando as condições de vida no mundo inteiro?

KRISHNAMURTI: Achais que o pensamento é oriental ou ocidental? Os costumes podem variar. Eu como com as mãos, na Índia, na China comem com dois pauzinhos, e aqui comeis de modo diferente. Em que difere o pensamento oriental do pensamento ocidental? Existe alguma diferença? Se eu tivesse nascido na América e dissesse as mesmas coisas que estou dizendo agora, di-lo-íeis oriental? Poderíeis, talvez, chamá-lo místico, impraticável, ou excêntrico. Mas os problemas são os mesmos, seja na Índia, seja no Japão, seja aqui. Nós somos entes humanos, e não asiáticos e americanos, russos e alemães, comunistas e capitalistas. Todos temos os mesmos problemas humanos.

Pois bem. O que estou dizendo é, sem dúvida, tão aplicável aqui, como na Índia. A violência é um problema tanto vosso como da Índia. O problema das relações, do amor, da beleza, o problema de criar um estado mental em que haja paz, de criar uma sociedade que não seja destrutiva de si própria, bem como de outras — tudo isso, evidentemente, interessa a cada um de nós, quer vivamos no Oriente, quer no Ocidente. Tendes aqui o problema da organização de um exército, que é um índice da deterioração de uma sociedade, porquanto as próprias bases de um exército são a autoridade, o nacionalismo, o desejo de segurança; e há exatamente o mesmo problema na Índia, no Japão, na Ásia toda. Assim sendo, esta arbitrária divisão do pensamento em “oriental” e “ocidental” não existe para o homem que está investigando realmente. O homem que está condicionado por uma maneira de ver ou filosofia oriental, e vos diz como viver de acordo com esse condicionamento, esse homem, sem dúvida, está dividindo o pensamento em oriental e ocidental. Mas, nós estamos falando de coisa inteiramente diversa, ou seja, do libertar a mente de todo e qualquer condicionamento, e não, do moldá-la de acordo com uma filosofia oriental, o que é muito infantil.

O que estamos tentando fazer é investigar juntos a extraordinária complexidade das nossas vidas, para descobrir se podemos considerar esses complexos problemas com toda a simplicidade; mas não se pode considerar esses problemas, com simplicidade, a menos que compreendamos a nós mesmos. O “eu” é uma entidade extraordinariamente complexa, com uma infinidade de desejos contraditórios. Vivemos numa guerra perene dentro em nós mesmos, e esse conflito interior se precipita em atividades exteriores. Compreender o “eu”, tanto consciente como inconsciente, é uma tarefa enorme, e ele só pode ser compreendido dia por dia, momento por momento. Ele é um livro sem fim e, por conseguinte, não é uma coisa que se pode concluir um dia.

Nessas condições, se se puder escutar o que se está dizendo, não na qualidade de americano, europeu ou oriental, mas como um ente humano diretamente interessado nestes problemas, então, todos juntos, haveremos de criar um mundo diferente; seremos então verdadeiros entes religiosos. Religião é a busca da Verdade, e para o homem religioso não há nacionalidade, nem pátria, nem filosofia particular; esse homem não segue ninguém, e por conseguinte é um verdadeiro revolucionário, no sentido mais profundo da palavra.

PERGUNTA: A placidez que experimentamos, em várias formas de expressão própria, é uma ilusão, ou esse sentimento de preenchimento está relacionado com o estado criador de que falais?

KRISHNAMURTI: Existe tal coisa — preenchimento pessoal? Aceitamos a suposição de que ela existe, não é verdade? Se sou artista, acho que devo preencher-me; se sois escritor, quereis preencher-vos. Todos estamos lutando para nos preenchermos, de diferentes maneiras — por meio da família, dos filhos, do marido, da mulher, das posses, das ideias. Se sois ambicioso, quereis preencher a vossa ambição, porque, do contrário, vos sentireis frustrado, e na frustração há sempre sofrimento. Todos nós estamos esforçando por preencher-nos, mas nunca perguntamos se realmente existe preenchimento. Sem dú­vida, o homem que está a buscar o preenchimento vive atormentado pela frustração. Isso é bem compreensível, não achais? Se estou sempre a tentar preencher-me, por meio de meu filho, minha mulher, de uma ideia, de atividades, está sempre a perseguir-me a sombra da frustração e do medo. Assim, se desejo compreender o medo, a frustração, a agonia das complicações psicossomáticas, e tudo o mais, preciso examinar de maneira completa essa ideia da possibilidade de preencher-me, porque nela está presente do “eu”, com seu desejo de “vir a ser” alguma coisa. Não é bem provável que o “eu” seja uma ilusão, ainda que seja uma realidade como entidade operante? Para o homem ambicioso, competidor, ganancioso, invejoso, o “eu” não é ilusório, mas uma coisa muito real. Mas para o homem que se põe a investigar a fundo este problema, que deseja realmente compreender o que é a Paz — não a paz pelo terror, a paz dos políticos, não a placidez da vaidade satisfeita, resultante da realização de nossas ambições, mas aquela paz em que não existem rivalidades, em que não existe luta para se ser alguma coisa — a esse homem vem a experiência do “ser absolutamente nada”, que é um estado criador atemporal. O que chamamos ação criadora é um processo que consiste em aprender uma técnica e expressá-la; mas eu falo de coisa muito diversa — da mente de onde o “eu” está ausente de todo.

Krishnamurti, 27 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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sábado, 5 de dezembro de 2015

Nossa protegida trave de tropeço da servidão egóica

"O âmago do enfoque científico é a sua recusa em contemplar os próprios desejos, gostos e interesses como a chave para a compreensão do mundo." — Bertrand Russell
[...]Todo homem que adotou a disciplina filosófica está inclinado a atribuir aos seus julgamentos um valor muito maior que o devido. Via de regra, ele procura tirar conclusões que venham de encontro aos seus mais caros preconceitos e convenham às suas tendências herdadas. É para ele um hábito não aceitar numa discussão senão os fatos que se encaixam perfeitamente nos seus pontos de vista já existentes. Por essa forma, e não raro, vem ele a recusar aquilo que mais urgentemente necessita, da mesma maneira pela qual um inválido poderá recusar-se a tomar um medicamento de gosto amargo do qual necessita inadiavelmente, por preferir alguma guloseima de sabor adocicado. 

Toda vez que um homem insere o seu ego num raciocínio, este resulta desequilibrado e distorcido no que respeita o seu sentido da verdade. Se ele se limitar a julgar todo e qualquer fato pelos padrões da sua experiência prévia, impedirá com isso o surgimento de novos conhecimentos. Ao examinarmos as manifestações da sua mentalidade em palavras e atos, sua atitude habitual (conquanto inconsciente) será esta: "Isto se encaixa dentro daquilo que eu acredito; deve, portanto, ser verdade; este fato não contradiz aqueles fatos dos quais eu tenho conhecimento; por isso, aceitá-lo-ei; esta crença é totalmente contrária às minhas; deve, portanto, ser errônea; este fato não me interessa; portanto não tem valor numa discussão; aquela explicação é de difícil compreensão para mim, por isso ignoro-a em favor de uma outra a qual compreendo e a qual deve, consequentemente, ser verdadeira!"

Todos os que desejarem iniciar-se na verdadeira filosofia devem começar por deixar de lado esses pontos de vista meramente egoístas. O que neles se evidencia é apenas orgulho e vaidade; cuida-se tão somente de corroborar os próprios preconceitos e não de promover a busca da verdade; ali o estudo das obras impressas visa exclusivamente a confirmar conclusões prévias; o recurso ao mestre se faz não para obter novos conhecimentos mas para ratificar antigas crenças. Mantendo o eu em primeiro plano no seu pensamento, o indivíduo será inconscientemente atraído para numerosos e perigosos enganos. As simpatias e antipatias geradas por esses pontos de vista pessoais constituem empecilhos à descoberta daquilo que uma ideia ou objeto realmente é. Amiúde fazem com que um homem veja coisas que absolutamente não existem, mas que, através de associações de ideias, ele imagina existir. Fato patológico é que as várias formas de insanidade e perturbações mentais estão enraizadas no ego e que todas as obsessões e complexos estão igualmente vinculados ao eu

Aquele que jamais adotou a disciplina filosófica amiúde se enamora de si mesmo e a sua disposição mental fica presa por todos os lados ao pronome eu. Esse eu priva-o da verdade, bloqueando o seu acesso à percepção correta. Esse eu prejulga de forma inconsciente os argumentos e decide por antecipação as crenças, de modo que desaparece a garantia de se chegar às conclusões certas, restando apenas voltar, através das justificativas e racionalizações, ao ponto de vista mental inicial. Esse eu é como uma aranha apanhada na sua própria teia. Quando tal egoísmo dita o padrão de raciocínio, a razão tem de permanecer à parte por impotente. Esse eu tranca a mente dentro de um armário, perdendo assim as vantagens das novas ideias que de bom grado entrariam. Quando o ego se converte no centro dos estados obsessivos, nós nos deparamos com inteligências amesquinhadas pela intolerância religiosa ou toldadas pelas sinuosidades metafísicas ou embrutecidas pelo materialismo irreflexivo ou desequilibradas pelas crenças tradicionais e sobrecarregadas pelas crenças adquiridas — todas recusando-se cegamente a examinar aquilo que não é conhecido, que não é agradável,  que não é sabido, repudiando tudo a priori. Tais inteligências aceitam de boa vontade aquilo que lhes agrada e repudiam aquilo que lhes desagrada, inventando depois racionalizações para justificar suas preferências, mas em nenhum dos casos a pergunta: — "Isto é verdade?" — é investigada independentemente das suas predileções, nem é o resultado de tal investigação aceito, quer venha de encontro àquelas predileções quer não. 

Significa tudo isto que aqueles que professa as opiniões pessoais mais fortes são os mais difíceis de levar á verdade Tais pessoas precisariam absorver a lição de Jesus: "Se não vos tornardes como as criancinhas, jamais entrareis no reino do Céu".

A humildade implicada neste dito tem sido objeto de muita incompreensão. Trata-se de uma mentalidade inocente mas não pueril. Não se trata de uma dócil submissão a pessoas malévolas ou de uma ridícula sujeição à pessoas tolas. Trata-se de deixar a parte todos os preconceitos oriundos da experiência e todas as preconcepções decorrentes do pensamento inicial até que, ao enfrentar o problema da verdade, não nos sintamos peados nem perturbados por eles. Trata-se de chegar a uma alienação total das inclinações pessoais e de fugir por completo à influência dos pensamentos do eu e do meu. Trata-se de deixar de usar como argumento as expressões: "Eu penso assim" — ou — "Ficarei com a minha opinião" — e de deixar de crer que aquilo que nós sabemos tem, necessariamente, de ser verdadeiro. Tal argumento leva simplesmente a uma opinião, e não à verdade. As crenças pessoais podem ser falsas, o conhecimento aceito pode ser fictício. É preciso caminharmos com humildade nestes redutos filosóficos. Os mestres certos são reconhecidamente raros, mas os discípulos certos também o são! 

A filosofia é um estudo puramente desinteressado e deve ser abordada sem quaisquer restrições mentais prévias. Mas as predisposições estão amiúde tão arraigadas, e por conseguinte tão escondidas, que os estudantes nem sempre suspeitam, e menos ainda constatam, a sua presença. Até mesmo alguns dos assim chamados filósofos são portadores de uma determinação subconsciente de não aceitar senão aquilo que contam ouvir e sob influência dessa auto-sugestão permitem que as suas inclinações sobreponham-se aos seus julgamentos e que a prepotência escravize a razão. Por isso o estudante compenetrado deve extirpar de forma consciente esses confortáveis subterfúgios atrás dos quais ocultam as insinceridades e as hipocrisias do raciocínio, suas fraquezas pessoais e seu egoísmo. No decurso de seus estudos, e sempre que a sua mente estiver empenhada em algum problema, ele deverá pelejar por livrar-se da pressão de todas as predileções de ordem pessoal. Tal desprendimento mental é raro e só poderá ser conseguido através de um desenvolvimento intencional. Deve o estudante lembrar-se sempre que lhe cabe primeiro enunciar simplesmente e depois analisar com isenção um caso sob todos os ângulos, antes de preferir um julgamento. A verdade nada teme da investigação plena, pelo contrário, é por ela fortalecida. Se descobrir então que está errado, o estudante deverá acolher de boa sombra a revelação e não esquivar-se a ela, por condoer-se das machucaduras da vaidade ferida e da inesperada humilhação. Ele precisa de uma completa elasticidade mental a fim de livrar-se da escravidão aos preconceitos e conseguir uma integridade interior absoluta e uma saúde mental genuína.  

[...] O estudante não deve nunca esquivar-se a um problema. Não se deve furtar a enfrentar seus próprios complexos. Não lhe resta senão encará-los resolutamente. Ele tem de, ao menos, ser sincero consigo próprio, tentando colocar-se acima das preconcepções pessoais, pois somente assim poderá ver as coisas na sua exata perspectiva. Sua afeição à verdade tem de ser sincera e incorruptível como era a de Sócrates. Uma firme objetividade intelectual ao invés de uma débil esperança emancipará a sua mente da servidão do ego e a capacitá-la-á a absorver a verdade sem oferecer resistência. A mente será assim alçada a uma atmosfera de imparcialidade e impessoalidade e habituada a um raciocínio ininterrupto de autonegação, que é o único a propiciar um discernimento correto. E mesmo aqueles que consideram essa tarefa demasiado difícil na vida cotidiana podem ao menos tentar objetivar temporariamente o seu ideal durante aqueles minutos ou horas dedicados a tais estudos. 

Onde quer que a verdade conduza, para lá deverá ir o estudante. Se ele trair sua percepção racionalista e se demonstrar um traidor de seu mais alto ideal ante as pressões violentas de preconcepções que exijam um rasteiro conformismo, ele se condenará à pena de permanecer perpetuamente cativo de uma ignorância banal. 

Em resumo: a busca da verdade encetada pelo estudante principia pela dependência à autoridade, prossegue com o uso da lógica e depois da razão, tem continuidade com o cultivo da intuição e da experiência mística, e culmina com o desenvolvimento da percepção ultramística. A filosofia mais elevada é tão sabiamente balanceada e tão lindamente integrada que não desdenha qualquer das formas de conhecimento, mas usa-as cada uma no seu devido lugar. Daí, embora o nome filosofia tenha por vezes sido usado na sua acepção acadêmica referindo-se a um sistema metafísico, o mais das vezes foi ele usado na sua acepção mais antiga e verdadeira referindo-se à visão unificada que completa a metafísica com o misticismo e incorpora a religião à ação. 

[...] O estudante de filosofia deveria compreender que, uma vez que ele também pratica a meditação, é preciso que preencha os mesmo requisitos purificadores que são preconizados ao estudante místico. Se os seus exercícios de meditação devem ser protegidos dos perigos ali envolvidos, ele deverá abster-se sempre de prejudicar os outros, enobrecendo assim o seu caráter, dominando suas paixões e cultivando suas virtudes, essas virtudes recomendadas pelos profetas de todas as grandes religiões.

Paul Brunton em, A sabedoria oculta além da ioga

sábado, 22 de agosto de 2015

Aos adictos de atenção

O desejo de se exibir é o desejo de uma mente ignorante. Por que você quer se exibir? Por que você quer que as outras pessoas conheçam você? Qual é a razão disso? E por que você faz disso algo tão importante na sua vida, a exposição? Que as pessoas saibam que você é alguém muito importante, significativo, extraordinário? Por que? Porque você não tem um eu. Você só tem um ego — um substituto para o eu. 

O ego não é substancial. O eu é substancial, mas isso é algo que você não sabe — e uma pessoa não pode viver sem o sentimento de "eu". É difícil viver sem o sentimento de "eu". Afinal, a partir de que centro você vai trabalhar e funcionar? Você precisa de um "eu". Mesmo que seja falso, ele vai servir. Sem um "eu", você vai simplesmente se desintegrar! Quem será o integrador, o agente dentro de você? Quem vai integrar você? A partir de que centro você vai funcionar? 

A menos que conheça o eu, você vai ter que viver com um ego. Ego significa um substituto, um falso eu; você não conhece a si mesmo, então você mesmo cria um eu. É uma criação mental. E para tudo o que é falso, você tem que encontrar apoios. A exposição lhe dá apoio. 

Se alguém diz: "Você é uma pessoa linda", você começa a sentir que é lindo. Se ninguém diz isso, vai ser difícil para você sentir que você é uma pessoa bonita, você vai começar a suspeitar, duvidar. Se você diz continuamente até mesmo a uma pessoa feia "Você é linda", a feiura vai desaparecer da mente dela, e ela vai começar a sentir que é bonita — porque a mente depende da opinião dos outros, ela acumula opiniões, depende delas. 

O ego depende do que as pessoas dizem sobre você: o ego se sente bem se as pessoas se sentem bem com relação a você;  se elas se sentem mal, o ego se sente mal. Se elas não dão a você toda a atenção, os apoios são retirados; se muitas pessoas lhe dão atenção, elas alimentam o seu ego — é por isso que a atenção é solicitada continuamente. 

Até mesmo uma criança pequena pede atenção. Ela pode continuar brincando em silêncio, mas quando chega uma visita... e a mãe disse ao filho que, quando a visita chegasse, ela teria que ficar em silêncio: "Não faça barulho, e não faça bagunça", mas, quando a visita chega, a criança tem que fazer alguma cosia, porque ela também quer atenção. E ela quer mais, porque está acumulando um ego — ela só está crescendo. Ela precisa de mais alimento e disseram para ela fazer silêncio — isso é impossível! Ela vai ter que fazer alguma coisa. Mesmo se ela tiver que machucar a si mesma, ela vai cair. O machucado pode ser tolerado, mas ela precisa receber atenção. Todo mundo precisa prestar atenção, ela precisa se tornar o centro das atenções!

[...] Desde a infância até o final, no dia da sua morte , você vai pedir atenção. Quando uma pessoa está morrendo, a única ideia que está em sua mente, quase sempre é: "O que as pessoas vão dizer quando eu estiver morto? Quantas pessoas virão me dar o último adeus? O que será publicado nos jornais? Algum jornal vai escrever um editorial?" Esses são os pensamentos. Desde o primeiro até o último instante olhamos para ver o que os outros dizem. Deve ser uma necessidade profunda. 

Atenção é alimento para o ego; apenas uma pessoa que atingido o eu abre mão dessa necessidade. Quando você tem um centro, o seu próprio centro, você não precisa pedir atenção aos outros. Então você pode viver sozinho. Mesmo no meio da multidão, você vai estar sozinho, mesmo no mundo você vai estar sozinho, você vai passar no meio da multidão, mas sozinho. 

Neste momento você não pode ficar sozinho. Neste momento, se você for para o Himalaia e entrar numa densa floresta, se sentar sob uma árvore, você vai esperar que alguém passe, pelo menos alguém que possa levar uma mensagem ao mundo de que você se tornou um grande eremita. Você vai esperar, vai abrir os olhos muitas vezes para ver — se tem alguém vindo ou não... Porque você já ouviu historias de que, quando alguém renuncia ao mundo, o mundo inteiro vem a seus pés, e até agora ninguém apareceu — nenhum jornalista, nenhum repórter, nenhum cinegrafista, nada, ninguém! Você não pode ir para o Himalaia. Quando a necessidade de atenção se for, você vai estar no Himalaia aonde quer que esteja.

Osho

sábado, 27 de junho de 2015

O vazio da existência e a resistência ao vazio

Um dos maiores desafios no processo de autoconhecimento e transformação pessoal é saber lidar com o vazio existencial que emerge, especialmente, em momentos de crise. Um dia acordamos e ele simplesmente está lá, instalado em nós. Não sabemos nem queremos saber de onde veio nem por quê nem pra quê, mas sabemos que queremos que ele desapareça o mais rápido possível. E para isso estamos dispostos a pagar qualquer preço, fazer qualquer loucura, consumir qualquer besteira, desatinar qualquer absurdo usando as 3 táticas clássicas - anestesiar, escapar ou entupir o vazio com todo tipo de lixo.

Ignorado nas mídias sociais, inexistente no "show business", negado no mundo corporativo e incompreendido pela maioria, o vazio e seus afluentes esvaziantes foram amaldiçoados pela nossa cultura liquefeita e hiperacelerada que tanto valoriza a superfície, o banal, o instantâneo, o virtual e o fake. Segundo esta visão distorcida da realidade, se permitir estar no vazio é um crime a ser punido, uma doença a ser curada, um estado a ser evitado. Porém, o mais curioso deste processo é constatar que não importa o que façamos, nem a potência da droga que consumimos, o maldito vazio teima em escapar pelas frestas invisíveis da psique e sempre retorna sorrateiro para nos mostrar que há algo errado neste pantomima.

Não sei quando começou este processo de domesticação e negação do vazio, mas suspeito que começou no dia em que deixamos de nos aceitar como seres humanos que, as vezes, em meio à complexidade escaldante da vida, se estraçalham por aí, se perdem sem rumo na vida, desentendem o que lhes está acontecendo, colapsam, choram e sofrem suas dores e tremores variados, com seus percalços descalços, com seus medos bobos e imaturidades constantes. Sim, ser humano é um caos, as vezes criativo, as vezes dramático e quase sempre os dois juntos, e o vazio, sim, o vazio existencial está justamente aí para nos ajudar, para nos alertar, para nos mostrar que está na hora de sair da psicomatrix de mentiras e ilusões, que precisamos respirar, caminhar, dar um abraço, rir, sorrir, tomar sol e não fazer nada para resgatar o fio da meada de nós mesmos esquecido lá no fundo do poço da alma debaixo da montanha de lixo emocional que acumulamos desde sempre.

O vazio é um estado-portal que tem o poder de nos reconectar a n ós mesmos; é entre, através e além dele que podemos resgatar nosso caminho perdido, nossa vontade adormecida, nossos sonhos soterrados e nossa criatividade embotada. O vazio é um canal de resgate, de reencontro de reparo e reconexão. Estar, aceitar, ficar e sustentar o vazio pode ser, no começo, desesperador, angustiante, ansiolítico e enlouquecedor, mas negá-lo, fugi-lo ou entupi-lo sistematicamente é a mais vil das traições, a traição a nós mesmos, ao nosso melhor futuro e ao fluxo natural de verdades que desliza silenciosamente em nós esbanjando beleza e sabedoria.

Holoplex

segunda-feira, 23 de março de 2015

A importância da completa rendição no destronamento do ego

Tudo o que fazemos ou dizemos, tudo o que sentimos ou pensamos, no fundo está relacionado com o ego. Vivemos acorrentados ao seu pilar e movemo-nos num círculo. A busca espiritual é realmente uma tentativa de sairmos desse círculo. De outro ponto de vista, é um longo processo de descoberta do que está profundamente escondido pelo nosso ego, com seus desejos, emoções, paixões, argumentos e atividades. Tomando ainda um outro ponto de vista, é um processo que nos dissocia dessas coisas. Mas é improvável que se possa persuadir o ego a, de boa vontade, deixar de exercer o seu domínio. Seus caminhos ilusórios e seus hábitos enganadores podem levar um aspirante à crença de que esteja alcançando um estágio elevado, quando está simplesmente andando num círculo. A forma de sair desse círculo é, ou procurar a fonte do ego, ou, caso isso seja difícil demais, associar-se bem de perto a um verdadeiro mestre e prestar-lhe completa obediência. O ego, sendo finito, não pode produzir um resultado infinito através de seus próprios esforços. Ele engendra seus pensamentos e emite seus desejos, dia após dia. Ambos podem ser comparados com teias de aranha que são renovadas ou ampliadas e que nunca desaparecem por muito tempo dos cantos escuros de um aposento, não importa com que frequência possam ser eliminadas. Enquanto se permitir que a aranha viva ali, elas reaparecerão. Ir ao encalço do ego em seu covil é exatamente como caçar a aranha e removê-la completamente do aposento. Não há meio mais eficiente ou mais rápido de atingir o objetivo do que trazer à luz a sua verdadeira fonte, oferecer o ego a essa Fonte, e finalmente, através da senda de afirmações e recolhimento, unir-se a ela. 

A prática do ponto de vista impessoal sob a orientação do mentalismo conduz, no devido tempo, à descoberta de que o ego é uma imagem formada na mente, uma construção mental, uma imagem com a qual estamos inextricavelmente entrelaçados. Mas essa prática começa a nos desatar e a nos libertar.

Toda a sua reflexão sobre o ego é necessariamente incompleta, pois não inclui o próprio pensamento-do-ego. Tente fazer isso e ele escapa do seu controle. Somente algo que transcende o ego pode compreendê-lo.

Se é para o ego se perpetuar, ele precisa entrar em todas as atividades da mente, e não simplesmente nas mais básicas. Isso é exatamente o que acontece. As aspirações espirituais, os ideais morais, e até as experiências místicas são, elas mesmas, projeções invertidas do ego. Através delas, o "eu" é capaz de expandir-se em um "eu" maior, mais grandioso, mais feliz e mais forte do que antes. Se elas não são as próprias criações do ego, proporcionando-lhe abrigo ou disfarce, então elas são logo infiltradas e traídas, minadas ou permeadas, até que alimentem e nutram o mesmo eu do qual se esperava que se desviassem. 

Se o aspirante está disposto a procurá-las, encontrará as atividades secretas do ego nos recantos mais insuspeitados, até mesmo no meio das suas mais grandiosas aspirações espirituais. O ego não quer morrer, e até dará as boas-vindas a essa grande redução de seu campo de ação, se esse for o único meio de escapar da morte. Visto que o ego é necessariamente o agente ativo nessas tentativas de auto-aperfeiçoamento, ele estará na melhor posição de garantir que elas terminem como uma aparente vitória sobre si mesmo, mas não uma vitória real. Esta última só pode ser alcançada confrontando-o diretamente e, sob a aspiração da Graça, matando-o diretamente; isso é completamente diferente de confrontar e matar qualquer das suas bem variadas expressões de fraquezas e faltas. Elas não são, de modo algum, a mesma coisa. São os ramos, mas o ego é a raiz. Por isso, quando o aspirante se cansa dessa interminável batalha do Caminho Longo, batalha essa com sua natureza inferior, que mal é subjugada numa manifestação e já reaparece em outra, quando se enfastia de enganar-se naquilo que imagina serem realizações, muito mais agradáveis, do Caminho Breve, ele está pronto para tentar o último e único recurso. Aqui, depois de longo tempo, o aspirante chega ao próprio ego pela completa rendição deste e não pela preocupação com seus numerosos disfarces — que podem ser feios, como a inveja, ou atraentes, como a virtude. 

Nada que a própria vontade do aspirante possa fazer traz como consequência esse destronamento do ego. A vontade divina precisa fazer isso por ele. 

A sua desvantagem é o ego forte, o "eu" que intercepta o caminho, e que deve ser subjugado pelo sacrifício emocional no sangue do coração. Mas, uma vez afastado esse "eu", você sentirá tremendo alívio e ganhará paz. 

O que ou quem está procurando a iluminação? Não pode ser o eu mais elevado, pois ele é a natureza da Luz. Resta, então, somente o ego! Esse ego, objeto de tantas acusações e desabonos, é o ser que, transformado, conquistará a verdade e achará a Realidade, mesmo que o preço a ser pago seja, no final, a completa rendição. 

O egoísmo, que é a limitação da consciência à vida individual vista como separada da vida infinita, é a última barreira para a obtenção da unidade com a vida infinita.

Paul Bruton em, Ideias em Perspectiva

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Por que você quer se esquecer de si mesmo?

Por que você quer se esquecer de si mesmo? Por que você anda tão aborrecido consigo mesmo? Por que você não pode viver consigo mesmo? Por que você não pode ficar alerta e à vontade? Qual é o problema? O problema é que sempre que você está alerta sozinho, você se sente vazio — você sente como se não fosse ninguém. Você sente um nada internamente e esse nada se torna um abismo. Você se assusta e começa a fugir dele. 

Bem lá no fundo de você, você é um abismo, e é por isso que você continua fugindo. Buda chamou esse abismo de não-eu, anatta. Não há ninguém do lado de dentro. Quando você olha, é uma vasta expansão, mas não há ninguém lá — simplesmente o céu interior, um abismo infinito, sem fim, sem começo. No momento em que você olha, tem uma tontura, começa a correr, você foge imediatamente. Mas para onde você pode fugir? Aonde quer que você vá, esse vazio estará com você, porque ele é você. É o seu Tao, a sua natureza. A pessoa tem de chegar a um acordo com isso. 

Meditação nada mais é do que chegar a um acordo com seu vazio interior; reconhecê-lo, não escapar; viver através dele, não fugir; ser através dele, não fugir. Então, subitamente, o vazio torna-se a plenitude da vida. Quando você não foge dele, ele torna-se a coisa mais linda, a mais pura, porque somente o vazio pode ser puro. Se alguma coisa está presente, a sujeira entrou; se há alguma coisa ali, então, a morte entrou; se há alguma coisa ali, então a limitação entrou. Se há alguma coisa ali, então, Deus não pode estar lá. Deus significa o grande abismo, e supremo abismo. Ele está ali, mas você nunca é treinado para olhar para dentro dele. 

É exatamente como quando você vai às montanhas e olhe para dentro do vale: você fica tonto. Então, você não quer olhar porque um medo o invade — você pode cair. Mas nenhuma montanha é tão alta e nenhum vale é tão profundo como o vale que existe dentro de você. E quando quer que você olhe dentro de si, você sente uma tontura, uma náusea — você imediatamente foge, fecha os olhos e começa a correr. Você tem corrido por milhões de vidas, mas não chegou a lugar nenhum, porque não pode. 

A pessoa tem de chegar a termos com o vazio interior. E uma vez que você chega a termos com ele, subitamente, o vazio muda sua natureza — torna-se o todo. Então, ele não é o vazio, não é negativo: ele é a coisa mais positiva da existência. Mas a aceitação é a porta.

OSHO

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Vazio que Somos

Talvez o caminho mais fácil para a compreensão do Vazio seja olhar diretamente para a natureza essencialmente vazia das nossas atividades e motivações, a partir de um ponto de vista fundamental — em resumo, através de uma autoconfrontação duramente honesta.
Na minha opinião, uma das coisas mais difíceis de fazer — mais difícil do que dominar qualquer disciplina intelectual, por complexa que seja — é despojar nossa vida de toda superficialidade, e examinar, para viver com ela, a integral conscientização daquilo que restar. Poucos são os que se permitiram enfrentar essa realidade, porque despojar-se de todo, psicologicamente, acarreta penoso reconhecimento da natureza e motivações básicas das pessoas. Enfrentar isso, que é como ser virado pelo avesso, ou leva o homem ao desespero e, possivelmente, ao suicídio, ou o conduz diretamente para o esclarecimento, o que consideramos como nada mais nada menos do que viver simplesmente como um ser humano, sem qualquer simulação, sem qualquer importância auto-reconhecida, sem quaisquer impulsos psicológicos que se dirijam para além do aqui e do agora. 

Quem quer que um dia se tenha empenhado em tal autoconfrontação, saberá, imediatamente, de que estamos falando. Por outro lado, a pessoa que ainda não chegou a tal exercício pode considerar útil explorar, não a confrontação em si — que para ela seria, inevitavelmente, por ouvir dizer, uma experiência de segunda mão — mas o que a leva a hesitar diante dela. Esta última indagação, a esta altura, pode fazer-se a única possível, e chegaria, mesmo, a levar diretamente a uma experiência de encarar o caráter básico da pessoa, o reconhecimento da substância primitiva do seu próprio ser. 

É o fato de tudo isso ser extremamente penoso que leva o homem a desistir de fazer o reconhecimento honesto de sua situação total e prosseguir com o confronto. A angústia não está apenas em ver como somos falsos, banais, feios, depois que todas as máscaras de embelezamento que usamos são retiradas. Ela alcança muito mais profundamente, vai ao próprio âmago do nosso ser, quando compreendemos o "artificialismo" da vida que levamos — e, com essa palavra, não estamos apenas nos referindo a um amor excessivo pelas coisas fabricadas, perda de contato com as coisas da terra, ou com a nossa acomodação a uma forma de vida cada vez mais mecanizada e automatizada. Essas coisas, por si mesmas, estariam longe de ser tão más quanto as fazemos, se apresentadas dentro da estrutura de uma perspectiva psicológica fundamentalmente sadia. O que queremos dizer, porém, é quando alguém possui uma visão compreensiva do "mim" e, assim, apreende sua essência, algo se impõe com muita força. É que nosso ser, nosso próprio pensamento, é orientado como causa-efeito numa escala extraordinária. Isso cria um estado de expectativa que nega e sobrepõe-se, inevitavelmente, ao aqui-e-agora. 

Psicologicamente, estamos nisso o tempo todo. Realizamos coisas para que certos efeitos sejam criados, ou trabalhamos por segurança maior, por maior aprovação social, ou para diminuir nosso senso de solidão, ou seja lá para o que possa ser. Estamos muito presos ao conceito do "a fim de que", por isso sempre "vivemos para", e jamais "vivemos", apenas. Há alguma coisa que fazemos, que pensamos, que não seja orientada para uma finalidade? (Talvez somente nas raras ocasiões em que o fazemos por amor e não estejam em jogo aquisições ou recompensas.) Penso que esta é uma descrição justa da nossa ocupação essencial na vida. 

Chega, então, a dura descoberta de que, na realidade, não há, absolutamente, o "a fim de que", não há o "viver para", tais coisas não existindo na natureza — é apenas o  intelecto a extrair dos fenômenos que observa algum tipo de explanação teológico, que, entretanto, permanece como intervenção humana. Com isso vem a compreensão da completa inanidade das nossas ocupações. Não seria tão mal se apenas alguns, ou uns poucos dos nossos esforços se revelassem vãos. Seria uma situação com a qual conseguiríamos tratar, porque a percepção representaria apenas um outro desafio: deslocar nossas atividades para novas áreas de interesse que oferecessem, ao menos, uma porção módica de incentivo. Ser, porém, confrontados com o vazio de tudo que estamos fazendo, pensando, almejando, é mais do que aquilo que podemos suportar. Não deixa, absolutamente, possibilidade de fugir ao nada, porque mesmo as fugas perderam agora o seu atrativo e são vistas como tão inúteis quanto as coisas quanto as coisas das quais queremos nos afastar. Subitamente, parece inteiramente claro que estivemos perdendo nosso tempo, empenhados como estávamos em atividades sem significação; ainda assim, o que temos pela frente é menos claro. Se não vamos continuar com as mesmas coisas — e depois do que foi tão claramente visto, não poderemos, de fato, fazer isso — que diferença faz viver ou morrer? Qual é, afinal, o sentido de nossa existência? Ainda há nela algum escopo? Afinal, para nós, que sempre consideramos ser o "esforço", o "trabalhar para" alguma coisa, sinônimo de "viver", a autoconfrontação fornece rápida visão de completa derrota. Mergulhados como ficamos nessa coisa chamada, provisoriamente, o "nada", ficamos, no momento, dado o choque, paralisados quanto ao nosso funcionamento, de hábito orientado para um objetivo.

Antes usávamos, prudentemente, o termo "artificialidade" quando nos empenhávamos em descrever nossa forma de viver, e agora vamos ver porque o fizemos: a Realidade nada sabe de fins, objetivos, conceitos e esforços dos seres humanos. O conceito integral de sociedade, com sua luta pelo poder entre as nações, as classes, os indivíduos e hierarquia social levando às perenes tentativas para "subir", tanto social como materialmente, são apenas invenções humanas. Ou talvez fosse mais exato dizer que são o produto de um tipo caracteristicamente diabólico da mente humana. Quando considerada como uma espécie de jogo, no qual o jogador mais ágil ganha um troféu, tal manobra, dentro de regras societárias, pode não afetar a mente de forma duradoura. Quando tomada seriamente, entretanto, torna-se uma armadilha — desperdício de tempo e de energia. Podemos dizer, por exemplo, que o prazer obtido pelos homens em assegurar seu poder sobre seus semelhantes, em "ganhar a competição", e assim por diante, é totalmente irreal. Na verdade, não passa de um sacalão que a mente recebe através de sua própria perversão natural, baseada na suposição de que o homem é alguma coisa que não é. (E, é preciso notar, essa perversão se revela, ao mesmo tempo, uma faceta da estrutura social existente.) Assim, a experiência é, realmente, uma espécie de masturbação psicológica, infinitamente mais nociva, porém, do que a fisiológica.

Ou, para usar outra forma de exemplo: eu sou, psicologicamente, e de forma completa, dependente de outra pessoa, e, subitamente, essa pessoa morre ou se afasta de mim, e eu fico sem nada. Sinto-me abandonado, obliterado, compreendo, com um choque, que toda a minha existência fora completamente irreal, que me vinha embalando da maneira mais insidiosa, e que a realidade não dá provimento às minhas necessidades e dependência psicológicas particulares. Por que fiz isso — arrimar-me em outra pessoa ou identificar-me com ela? Porque, desde o princípio, havia algo em minha situação pessoal que era, ao mesmo tempo, doloroso e assustador de contemplar. Não sendo capaz de enfrentar essa situação, considerei que, incorporado a uma outra pessoa, menos responsável me fazia, menos vulnerável, menos introspectivo, mais seguro. Mas, como era previsível, "aquilo" me atingiu.

Deixe-me dar apenas mais um exemplo da nossa vida no irreal. A morte é real e nós a aceitamos sem demasiada noção enquanto acontece com os que estão fora do círculo próximo da nossa família e amigos. O pensamento da nossa própria morte, entretanto, é a perplexidade, e a maioria das pessoas sente-se incapaz de encarar esse fato inevitável com serenidade. parece-me que essa atitude, como fuga da realidade, pode ser comparada à do homem que descobre que sua noiva, ou sua namorada, já não é virgem. Ele não é o primeiro, e sofre por isso. Entretanto, diante do fato de que, inevitavelmente, há que haver um primeiro, isso importa? Mulheres que perdem sua virgindade de maneira considerada prematura, e tantos homens como mulheres morrendo — de maneira quase sempre considerada prematura — são os átomos da realidade, que aceitamos no universal, e diante dos quais recuamos, no particular.

Tratamos dessa questão com certo pormenor, para tornar claro que nossas vidas são de fato artificiais, baseadas em muitas suposições não escritas e não discutidas, de natureza social e cultural arbitrária, e que qualquer tipo de artificialismo, implicando separação da realidade, significa conflito, portanto sofrimento. Isso se dá porque cedo ou tarde a bolha de pensamento confortador, que nos isola da realidade, estoura. A absorção, em nível subliminar, de todos os padrões de pensamento do mundo, é "condicionante". E ver através dos padrões de condicionamento é, na verdade, "aprender". tal como estão as coisas, todos vivemos condicionados mas há, literalmente, um mundo de diferença entre alguém que está inconsciente desse fato e a pessoa que sabe estar condicionada e convive com ele à luz da sua conscientização.

Em resumo: pode ser dito que através das nossas atividades, através de hábitos de pensamento indelevelmente impressos — todos, afinal, resultantes do princípio prazer-dor como mola-mestra — estamos completamente desligados do que é real, e assim, da única coisa que pode ser considerada como valendo verdadeiramente a pena. E é esse fato, acima de tudo, o responsável pela nossa angústia.

Dr. Robert Powell

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Vazio: a chave da plenitude da vida

Embora levando exteriormente vidas de grande propósito e "negócios", a maioria das pessoas, hoje, teria de admitir, se forem totalmente honestas consigo mesmas, que estão vivendo uma existência em que a carência de sentido existe em diversos graus. Isso acontece porque a maior parte de seus esforços, embora tenham finalidade dentro de um estreito contexto, são essencialmente fragmentários e contraditórios, portanto não podem contribuir para um estilo de vida completo e saudável, como não podem levar a uma visão do mundo baseada na realidade. 

Longa sucessão de religiões orientais e de escritos filosóficos, vindos das mais antigas escrituras da Índia — os Vedas e os Upanishads — até o Zen, ensinam que há uma outra forma de funcionamento dos seres humanos, uma vida inteiramente livre de fragmentação, vida que também possui profundo sentido e grande beleza. E, nesses ensinamentos, o que é notável, existem, através da imensa variedade de expressão religiosa que representam, um discernimento e uma experiência elevadíssimos, que sempre permanecem os mesmos: a visão direta da natureza, do eu, e do mundo, visão que transforma e libera aquele que a obtém. Assim, com o advento dos Upanishaes, que foram chamados, com muita justiça, os ensinamentos mais revolucionários que vieram a ser oferecidos à humanidade, uma fagulha brilhou na consciência do homem, e a chama que dela nasceu tem sido conservada viva por um pequeno número de indivíduos, durante todos estes séculos. 

As intuições centrais desses ensinamentos, os únicos que dão verdadeira significação à vida, são a experiência e a compreensão integrais do que, em sânscrito, é designado pela palavra "Sunyata". Tal palavra é, quase sempre, embora inadequadamente, traduzida como "Vazio" — inadequadamente porque a palavra inglesa tem uma conotação pesadamente negativa, associado-se a futilidade, frustração e mesmo niilismo, quando Sunyata é, na verdade, uma experiência das mais positivas, soberanamente libertadora, que dá nova e melhorada amplitude de vida ao ser humano. Só ela é capaz de apagar o passado, com suas lembranças dolorosas, e só ela tem explicação para o problema do sofrimento. Esse Vazio infunde, pela primeira vez, sentido real a cada uma das atividades da pessoa, e assim, paradoxalmente, é a própria chave da plenitude da vida. 

Não sendo Sunyata um simples conceito, ou doutrina intelectual, já que se torna viva realidade depois que alcançada determinada profundidade de entendimento, não é possível, realmente, descrever a experiência com "qualquer" palavra (por isso é bom conservar a expressão equivalente de "Vazio"). Só é possível fazer sugestões sobre alguns dos aspectos das intuições revolucionárias, dos quais um dos mais importantes, no Vazio, é o de não haver, de forma alguma, autoridade, fórmula, princípio, que possam guiar uma pessoa na sua vida cotidiana, nem crença à qual se agarrar quando enfrenta uma frustração, conflito, ou sofrimento; não há filosofia ou doutrina na qual se possa encontrar refúgio sólido — pois tudo isso é visto como simples invenções da mente; a liberação, em relação ao sofrimento, só pode vir do interior da própria pessoa. Outro aspecto importante do Vazio está no fato de a pessoa acordar para o verdadeiro significado dos seus objetivos e motivações convencionais, e descobrir que eles têm muito pouco valor e significância. Em terceiro lugar, mas não o menos importante, a pessoa compreende que o "eu" é visto muito superficialmente, que seus atributos são baseados em aparências pouco profundas, em impressões, mas que, realmente, quando o desejamos destacar, definindo sua natureza ou identidade, ele se revela uma identidade das mais ilusórias. E quando chegamos a compreender o assunto ainda mais profundamente, vemos que não se trata, absolutamente, de uma "entidade"! Essa é, de fato, a apoteose da experiência em Vazio. 

Assim, o retorno à significação, que é sentido como aguda necessidade por muitas pessoas dadas à meditação, só é possível através da compreensão da "plenitude do Vazio", que é a nossa natureza autêntica. E tal compreensão só pode ter lugar depois que o ser humano abandonou, com facilidade, sem sofrimento, e com finalidade completa, as amarras que o prendem a uma sociedade condicionada e condicionante. 

Robert Powell (1918-2013)

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Uma faminta vacuidade...

Creio, Perene Consciência Amorosa Integrativa, que estas duas palavras dizem tudo o que dizer se pode de ti e das tuas relações com o homem.

Creio que estas duas palavras antitéticas sintetizam todas as teses e hipóteses que sobre ti se hão excogitado, no decorrer dos séculos e milênios. 

Minha vacuidade — e tua plenitude...

A mais profunda, sublime e sagrada aspiração de todo homem plenamente humano está em querer possuir-te, não somente pelo conhecimento e pelo amor, mas efetivamente, plena, integral, panoramicamente, com todas as potências do seu ser.

Possuir-te — que coisa deliciosa e estupenda deve ser!... 

Possuir-te — o que no mundo presente é o mais vasto drama e a mais intensa tragédia da alma humana, deve ser, no mundo futuro, a mais excelsa epopéia e a mais pura mística do espírito creado...

Fundir-se em ti, integrar a gotinha do seu eu humano no oceano imenso do teu Tu Divino...

Identificar-se, por assim dizer, contigo...

Divinizar-se...

Possuir-te — mas como?...

Pela inteligência? Pela força mental? Pela ciência especulativa?...

Assim pensava eu, a princípio. Pensava, como certos filósofos de Atenas, que tanto mais espiritual e divino seria o homem quanto mais aguçada for a cúspide de sua inteligência, quanto mais elevado o pináculo da sua torre científica, quanto mais intensa a chama do seu inteligir mental. 

De todas as belas e queridas as ilusões da minha vida a mais bela e querida foi esta. E até o presente dia não consegui matar de todo as saudades que tenho deste meu primeiro grande amor intelectual...

Doloroso foi o desengano, funesta a queda lá das alturas de minha torre babilônica... E até hoje não cicatrizaram as feridas profundas que me abriu na alma a convicção de que a ciência, por si só, não te pode atingir cabalmente.
* * * 
Vendo que a soberba torre da minha filosofia não valia romper as nuvens do teu céu nem lançar ponte entre as baixadas da nossa terra e a excelsitude do teu trono, tentei uma invasão nos teus domínios em sentido contrário. É que, neste tempo, eu acreditava ainda na possibilidade desta invasão do teu reino pelo homem...

Se a conquista não era possível  rumo ao zênite — quem sabe se era possível via nadir?

Em vez de exaltar-me, aniquilei-me...

Tentei possuir-te pela ascese...

Transformei em radical negação todas as minhas afirmações...

Procurei despersonalizar a minha personalidade...

Neutralizei o meu Eu...

Despotencializei todas as potências ativas do meu ser...

Macerei com flagelos o meu corpo...

Debilitei com jejuns os ardores do sangue...

Impus silêncio ao intelecto...

Fechei as portas aos sentidos...

Cortei as asas à fantasia...

Fugi da sociedade...

Habitei em vastos ermos e solitárias cavernas...

Sempre à espera de um encontro contigo, minha grande Anônima...

Sentia que a humilde negação de mim mesmo me aproximava de ti muito mais do que a ousada afirmação do ego...

Mas... faltava alguma coisa... 

Que é que faltava?... Por que é que não cheguei ao termo da minha jornada ascética?... Por que é que fugia de mim a meta, na razão direta que eu a demandava?...

Estaria eu marcando passo ou movendo-me em num eterno círculo, sem avançar um passo rumo às fronteiras longínquas do teu reino?...
* * * 
Sobreveio-me, então, o segundo desengano...

Desiludido do intelectualismo, comecei a desconfiar também da ascese... Se não estava no zênite da afirmação do meu ego intelectual, nem no nadir da minha negação personal — onde estavas tu, meu grande Mistério?...

Procurei, por algum tempo, apoderar-me de ti quase de contrabando — pela magia, pelo cabalismo irracional; procurei conjurar-te por meio de ritos e fórmulas ocultistas, a ver se estas potências sinistras lançariam uma ponte fantástica entre o aquém onde eu estava e o além onde tu habitas, ou onde eu te supunha. 

Falhou também esta tentativa em sentido horizontal, e mais tristemente falhou que as outras, em direção vertical, para o alto e para o fundo...
** * 
Vi-me, então num campo coberto de ruínas...

Abriu-se dentro de mim um grande vácuo...

Encontrei-me no cairel do abismo...

Em derredor e dentro de mim, um deserto imenso, de angustiante monotonia, de vastidão mortífera...

Convenci-me de que era impossível possuir-te...

Mas... como poderia eu viver sem te possuir, se — tu és a vida de todos os vivos?

(...) Era necessário que eu te possuísse, sob pena de me despossuir a mim mesmo e voltar ao nada...

Depois de muito pensar e sofrer, depois de muito lutar e errar, compreendi que o homem não pode possuir-te indo ao teu encontro rumo às alturas, mas que só tu podes possuir o homem demandando-o rumo as profundezas...

A única possibilidade de possuir-te é deixar-me possuir por ti. Só depois desta tomada de posse, divino-humana, é que é possível a tomada de posse humana-divina...

O homem só pode possuir-te depois de ser por ti possuído...

Não pode subir a ti se tu não baixares a ele...

(...) Mas... para que o homem enxergasse estas estrelas longínquas do teu céu era necessário que apagasse primeiro o sol do seu orgulho...

E como se apagaria o vasto incêndio do nosso orgulho se não com um oceano de lágrimas e de sangue, com um mar de sofrimento?...

Compreendi a loucura de minha sapiência — e compreendi a sabedoria da tua "loucura"...

(...) Abri mão de todas as minhas teses e hipóteses e sintetizei toda a minha sabedoria nestas palavras: Minha vacuidade — e tua plenitude...

Abri um livro inspirado e li: "Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes". 

Compreendi que tanto mais poderosa é a tua atração quanto mais vácuo o meu ser, uma vez que o teu Tu é sempre infinita plenitude. 

Compreendi que o meu ego tem de ser como um pólo totalmente negativo para que possa atuar o pólo do teu Tu sempre infinitamente positivo...

Vacuidade é humildade...

Vacuidade é verdade...

Vacuidade é fé...

Vacuidade é o silencioso clamor de minha alma...

É um erguer de antenas na amplidão do espaço...

É um olhar faminto para os castelos da opulência...

É uma soluçante saudade do finito para o Infinito...

É uma nostalgia anônima, ardente, atroz, para algo de grande, de longínquo, de eterno...

E, para que venha a mim esse teu reino, nada posso fazer da minha parte senão estabelecer dentro de mim esse grande vácuo, porque tu não enches o que está cheio, só enches o que está vazio...

A minha faminta vacuidade clamou por tuas plenitudes.

Nada de positivo posso fazer para atrair o teu presente, a tua misteriosa dádiva gratuita. Só posso fazer-me mendigo, mendigo absoluto, em face da tua infinita riqueza e liberalidade. Só posso erguer os olhos, estender as mãos vazias e esperar, esperar, esperar... Se quiseres deixar vazias estas mãos mendicantes, vazias ficarão para todo o sempre. Se as quiseres encher com teus dons, cheias ficarão de ti, por ti, para ti...

Entretanto, sei que não deixarás nem resposta a minha ansiosa expectativa... Onde quer que encontres uma humana vacuidade enchê-la-á com tua divina plenitude...

"Sacias de bens os famintos e despedes vazios os ricos"...

"Exaltas os humildes e humilhas os exaltados"...

"Enches os vales e abates os montes"...

Quando o discípulo está pronto — o mestre aparece...

Por isto, quero ser vacuidade diante de ti, ó divina Plenitude!

Uma vacuidade faminta...

Parafraseado de Huberto Rohden

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Por que nossas vidas são em geral superficiais e vazias?

Penso que a maioria de nós acha a vida muito sem graça. Para ganharmos o sustento, precisamos exercer uma certa profissão, e esta se torna muito monótona; começa-se uma rotina, que temos de seguir, ano por ano, até morrer. Ricos ou pobres, e ainda que sejamos muito eruditos ou dotados de espírito filosófico, nossas vidas são em geral superficiais e vazias. Há evidentemente uma insuficiência em nós mesmos, e aos nos tornarmos cônscios desse vazio procuramos preenchê-lo com conhecimentos, com alguma espécie de atividade social, ou nos refugiamos em divertimentos de todo tipo, ou nos apegamos a alguma crença religiosa. Ainda que tenhamos uma certa capacidade e sejamos muito eficientes, nossas vidas são, ainda assim, sem graça e, para nos livrarmos dessa falta de graça, dessa cansativa monotonia da vida, buscamos uma certa forma de enriquecimento religioso, tentamos conquistar aquele "estado de ser" extra-mundano que não é uma rotina e que, por enquanto, pode ser chamado "o outro estado". Em nossa busca desse outro estado, encontramos muitos sistemas diferentes, diferentes caminhos que se supõem conduzirem a ele; e, assim, pelo disciplinamento de nós mesmos, pela prática de determinado sistema de meditação, pela observância de certo ritual ou a repetição de certas frases, esperamos alcançar aquele estado. Sendo a nossa vida um círculo interminável de dores e prazeres, de variadas experiências sem muita significação ou mera repetição, sem sentido algum, de uma mesma experiência — o viver constitui para a maioria de nós uma monótona rotina. Por esta razão, o problema de nosso enriquecimento interior, da conquista do "outro estado" — chame-o Deus, a Verdade, bem-aventurança ou como o quiser — se torna muito urgente, não é verdade? Você pode estar bem de vida, bem casado, ter filhos, pode pensar de forma inteligente e equilibradamente, entretanto, sem aquele, sem aquele estado, a vida se torna horrivelmente vazia. 

O que se deve , pois, fazer? Como conquistar aquele estado? Ou é completamente impossível conquistá-lo? A nossa mente, como está hoje constituída, é sem dúvida muito insignificante, limitada, condicionada; e embora uma mente limitada possa especular a respeito do "outro estado", suas conjecturas serão sempre limitadas. Ela poderá formular um estado ideal, conceber e descrever aquele outro estado, mas suas concepções permanecem dentro de suas estreitas limitações, , e penso que aí é que se encontra o fio da meada: no perceber que a mente não pode, em circunstância alguma, experimentar, viver aquele outro estado, se se limita a formulá-lo ou a especular a seu respeito. Não há dúvida de que esta é uma descoberta extraordinária: o perceber que, sendo a mente limitada, pequena, estreita, superficial, todo movimento que faça para alcançar aquele estado extraordinário, constitui um empecilho. O descobrimento deste fato, não especulativamente porém realmente, é o começo de uma nova maneira de considerar o problema. 

Nossas mentes, em verdade, são produto do tempo, de muitos milhares de dias passados, resultado da experiência baseada no "conhecido"; e, em tais condições, a mente é uma continuação do "conhecido". A mente de cada um de nós é o resultado da cultura, educação, e por mais extenso que seja o seu saber ou preparo técnico, ela é sempre produto do tempo; por conseguinte, é limitada, condicionada. Com esta mente, queremos descobrir o incognoscível; e compreender que essa mente nunca poderá descobrir o incognoscível, constitui uma experiência extraordinária. Descobrir que a mente de um indivíduo, por mais sagaz, por mais sutil, , por mais ilustrada que seja, não pode de modo nenhum compreender aquele outro estado — esse descobrimento traz consigo uma certa compreensão "factual" e acho que este é o começo de uma perspectiva da vida que poderá abrir a porta que conduz àquele outro estado

Expressando o problema de maneira diferente: a mente está sempre e sempre ativa, "tagarelando", planejando, e é capaz de extraordinárias sutilezas e invenções. E de que maneira pode esta mente tornar-se quieta? Vê-se que toda a atividade da mente, todo movimento que faça, em qualquer direção, é reação do passado. Como aquietar a mente? Se a aquietamos por meio de disciplina, sua quietude é um estado em que não há investigação, busca, não é exato? Em tais condições, ela não está aberta para o "desconhecido", "o outro estado". 

Não sei se alguma vez você já pensou neste problema, ou se nele tem pensado unicamente pela maneira tradicional, ou seja, tendo um ideal e dirigindo-se para ele segundo uma certa fórmula ou a prática de determinada disciplina. Disciplina implica, invariavelmente, repressão e conflito da dualidade — e isso está na esfera da mente — e por esse caminho prosseguimos, esperando captar o outro estado. Mas nunca indagamos inteligente e com sanidade se nossa mente é capaz de captá-lo. Foi nos sugerido que a mente deve estar tranquila, mas a tranquilidade foi sempre cultivada por meio de disciplina. Isto é, temos o ideal de uma mente tranquila, e buscamos realizar este ideal por meio de controle, luta, esforço. 

Ora bem, se você considera atentamente esse processo, em sua inteireza, verá que está no terreno do conhecido. Cônscia da monotonia de sua existência, cansada de suas repetidas experiências, a mente se empenha em conquistar aquele "outro estado". mas quando se percebe que a mente é o "conhecido" e que todo o movimento que faz não leva ao outro estado, que é "o desconhecido", o nosso problema se resume então, não em como conquistar o desconhecido, mas em descobrir se a mente pode libertar-se do "conhecido". Penso que este problema deve ser considerado por todo aquele que deseje descobrir se existe alguma possibilidade de "realizar o outro estado", o desconhecido. Assim sendo, como pode a mente, que é resultado do passado, do conhecido, libertar-se do conhecimento?

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

sábado, 13 de setembro de 2014

Nossas buscas são todas egocêntricas

Pela aquisição de conhecimentos, pode alguém perceber diretamente algo verdadeiro, real, algo diferente das formulações da mente?... Existe percebimento direto pela instrução, pelo saber, ou só percebemos  diretamente, quando não existe a barreira do saber? 

O que se entende por "aprender"? Você de seja encontrar a felicidade, a realidade, a serenidade, a liberdade; é isso em geral o que você busca, tateando no escuro. Vendo-se descontente, insatisfeito com essas coisas, as relações, as ideias, você está em busca de algo transcendental, e procura um swami, um guru, ou X, que você acredita possuir a qualidade que você está buscando. Você deseja aprender como alcançar essa extraordinária integração da totalidade da consciência humana e, assim, você vem aqui com a mesma intenção com que se aproxima de qualquer instrutor religioso, ou seja, a intenção de aprender. Afinal de contas, é esta a intenção da maioria das pessoas aqui presentes, e se você tiver a bondade de prestar atenção ao que se está dizendo, estou certo de que não perderá em vão o seu tempo. 

Ora, pode-se ensinar a ter percebimento direto? Pode realizar-se essa totalidade de integração, essa clareza de percebimento, mediante o saber, a instrução, ou por meio de algum método? O aprender uma técnica ou a observância de um dado sistema pode levar a esse resultado? Para a maioria de nós, aprender é adquirir uma nova técnica substituir o velho pelo novo. Espero que esteja me fazendo claro. 

Existem vários métodos, que você bem conhece, e um outro dos quais está praticando, na esperança de perceber diretamente algo que se possa chamar a Realidade, o estado onde não existe o "vir a ser", porém apenas Ser. Por essa mesma razão você veio ter aqui: com o propósito de aprender, não é verdade? Você deseja saber qual é o método que este orador lhe oferecerá para a revelação daquele estado extraordinário. Deseja saber como atingir esse estado, passo a passo, pela prática de certas formas de meditação, pelo cultivo da virtude, da autodisciplina, etc. Mas eu acho que nenhum método pode produzir o claro percebimento; pelo contrário. 

Todo método implica tempo, não é exato? Quando você pratica um método, precisa do tempo, como ponte sobre o intervalo entre o que é e o que deveria ser. O tempo é necessário, para se percorrer a distância criada pela mente entre o fato e a dissolução do fato, ou seja, o fim que se deseja alcançar. Toda ideologia se baseia nessa ideia de consecução de um fim, através do tempo; e, assim, começamos a adquirir, a aprender e, por conseguinte, nos amparamos no Mestre, no guru, no instrutor, porque ele vai ajudar-nos a chegar 

Pois bem. O percebimento ou experiência direta daquela realidade depende do tempo? Existe um intervalo que é necessário transpor, pelo processo do conhecimento? Se existe, neste caso o conhecimento assume extraordinária importância. Então, quanto mais a pessoa souber, quanto mais se exercitar, quanto mais se disciplinar, etc., tanto maior será a sua capacidade de construir a ponte para a realidade. Admitimos que o tempo é necessário. Isto é, sou violento, digo que é necessário tempo para eu chegar a um estado de não-violência; preciso de tempo para praticar a "não-violência", para controlar, disciplinar a mente. Aceitamos esta ideia; porém ela pode ser uma ilusão, pode ser totalmente falsa. O percebimento pode ser imediato, independente do tempo. Eu penso que, em absoluto, ele não depende do tempo — se posso empregar a palavra "penso", sem o intuito de transmitir uma opinião, mas de apresentar um fato real. Ou uma pessoa percebe, ou não percebe. Não há nenhum processo gradual de "aprender a perceber". É a ausência de experiência — baseada, esta, sempre no conhecimento — que dá o percebimento.

(...) Nossas atividades, nossas buscas, são todas egocêntricas. Para empregar uma palavra de uso corrente, nossa ação, nosso pensamento é egoísta, interessado unicamente no "eu"; e, como lemos ou ouvimos dizer que o "eu" é uma barreira, reconhecemos necessário que ele deixe de existir — não o "eu superior" ou o "eu inferior", mas o "eu", a mente que é ambiciosa, que tem medo, que é ardilosa, em suas atividades ditadas pela própria avidez, pela própria dependência, a mente resultado do tempo. Essa mente é egocêntrica; e pode esse egocentrismo ser removido imediatamente, ou tem de ser desbastado aos poucos, camada por camada, mediante um processo gradual de instrução, experiência, e continuidade do tempo?

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA

sexta-feira, 28 de março de 2014

Realizando os abismos do ego-esvaziamento

Quando não estamos mais "apegados" a nada, quando não buscamos mais sentido para as coisas nem para os eventos do mundo, o que nos cerca e o que nos acontece parece perder toda a consistência, como se a subsistência dos seres dependesse da intensidade de nossas tensões afetivas e racionais.

"Deixar ser" e viver sem porquê leva-nos assim à realização do vazio: "Todas as criaturas são um puro nada. Não digo que elas são pequenas ou não importa o quê, elas são um puro nada". Aqui Mestre Eckhart é fiel ao ensinamento do prólogo de João: todas as coisas existem na Consciência e sem a Consciência nada existe; as criaturas só têm existência independente subjetiva. Quando esta subjetividade foi purificada pelo desapego e pelo não-agir mental, não resta mais do que a evidência, a objetividade fulminante de nosso nada. O ser humano capaz de suportar este clarão é libertado da ilusão e do desejo de viver, ele toca em si "alguma coisa" que está além do espaço e do tempo. O além da morte é a sua morada. Aceitar seu nada é de fato reunir-se de novo à Fonte incriada que torna possível toda manifestação.

"Ele é 'alguma coisa' na alma que é incriada e incriável. Se a alma inteira fosse assim, ela seria seria incriada e incriável.

Quando este "fundo" foi tocado, atingido, não é mais possível falar de Deus da mesma maneira, não é mais possível idolatrá-Lo sob forma de conceito ou de presença maleável, ao sabor do capricho humano; ele é aquela "Deidade" de que fala Mestre Eckhart e só os terrenos negativos conseguem caracterizá-la.

Nenhuma de nossas analogias apropriadas ao espaço e ao tempo pode convir quando se trata de falar de Deus. Ele é Imutável, Impensável; melhor seria dizer que "Ele não existe", que Ele é "um puro Nada", do que encerrá-Lo nos nossos conceitos. O espírito entra então numa vacuidade essencial e, além de toda representação, ele se une ao Desconhecido que o habita e o escava, o esvazia, até os abismos.

Esta experiência do vazio, ainda que dolorosa para o ser criado, não é uma experiência patológica, uma incapacidade de viver. É a própria condição para que se realize um novo nascimento, a vida do incriado em nós.

Jean-Yves Leloup — Enraizamento e Abertura - Ed. Vozes

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Sobre o necessário processo de ego-esvaziamento


A verdadeira meditação, ou sintonização cósmica, exige, como prelúdio, um total esvaziamento de todos os conteúdos do nosso ego humano. Esse ego-esvaziamento é chamado "egocídio" pelos grandes iniciados. Paulo de Tarso escreve: "Eu morro todos os dias". O próprio Cristo diz aos seus discípulos: "Se o grão de trigo (ego) não morrer, ficará estéril".

Quando alguém pratica esse esvaziamento da ego-consciência, esse egocídio voluntário, ele, durante esse período, não faz nada, não quer nada; reduz a zero, temporariamente, toda e qualquer atividade do ego, pondo-se em disponibilidade para a invasão da consciência cósmica.

Para o principiante e inexperiente existe o grande perigo de que essa total passividade do ego-consciente o faça cair do transe, em auto-hipnose, estado esse que não resolve nada. Para que não aconteça isto, deve o homem, totalmente ego-esvaziado, permanecer na plenitude do EU consciente, deve ficar 100%, apesar de 0% pensante.

O inexperiente acha que isto — 100% consciente e 0% pensante — seja um círculo quadrado, algo impossível, porque confunde pensamento com consciência. O experiente, porém, sabe que o pensamento é um processo analítico do ego humano, ao passo que a consciência é um estado intuitivo do EU Cósmico. Depois de muitas tentativas infrutíferas, consegue o homem manter-se plenamente consciente, sem pensar nada, sem querer nada.

E nesse estado de total vacuidade do ego-consciente, é ele invadido pelo cosmo-consciente, que resolve os dolorosos problemas da existência humana.

Todos os nossos problemas são produtos do ego humano — ao passo que a solução desses problemas vem da consciência cósmica. A invasão da consciência cósmica não anula a ego-consciência, mas integra-a. O ego humano não é aniquilado pelo Eu Cósmico, mas integrado nele.

Quando uma semente se transforma em planta, ela não morre, mas vive de outro modo, melhor e maior. O que morre é a casca que envolvia e protegia o germe vivo. Para que o germe possa passar da vida potencial da semente para a vida atual da planta, deve a casca morrer ou dissolver-se. A integração da vida da semente na vida da planta supõe a desintegração do invólucro do germe.

É o que se entende por egocídio. A casca da semente, que foi um auxílio, se tornaria um empecilho, se não se desintegrasse.

Assim, o ego humano se torna um impedimento para o Eu Divino, se não se desintegrar, a fim de se integrar.

Neste sentido, disse Jesus: "Quem quiser salvar a sua vida (ego), perde-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim e do evangelho (EU), este a salvará". O Ego não pode salvar-se pelo ego, mas pode ser salvo pelo EU. A ego-integração no EU.

Quem não morrer voluntariamente, antes de ser morto compulsoriamente, não pode viver gloriosamente.

Neste sentido, escreve Paulo de Tarso: "Eu morro todos os dias, e é por isso que eu vivo; o Cristo é quem vive em mim". Eu já não sou ego-vivente, eu sou Cristo-vivido.

E Jesus diz: "Se o grão de trigo (ego) não morrer, ficará estéril mas, se morrer, produzirá muito fruto (Eu)".

A verdadeira meditação é, pois, um MORRER e um NASCER. É uma desintegração a fim de promover uma integração.

Onde há uma vacuidade, acontece uma plenitude. O ego-esvaziamento é uma disponibilidade para a cosmo-plenificação.

Quando dizemos "cosmos", não nos referimos ao mundo material, mas à alma do Universo, que as religiões chamam Brahman, Tao, Yahveh, Deus. O grande filósofo monista Spinoza, escreveu: "Deus é a alma do Universo e o Universo é o corpo de Deus".

Quando o homem se esvazia de todos os conteúdos do seu ego humano, então ele é plenificado pela Alma do Universo, pela Divindade. A Ego-vacuidade produz Teo-plenitude.

Para o principiante, esse ego-esvaziamento é um tenebroso problema, , porque ele se identifica tradicionalmente com o seu ego humano, e o egocídio lhe parece ser a extinção de sua própria individualidade, do seu verdadeiro ser. Só aos poucos, através de muita experiência, descobre o homem que ele não é o seu ego, mas o seu EU, que se identificou com este. Quando o homem descobre o seu verdadeiro Eu centtral, cerifica ele a sua ilusão, e, daí por diante, considera o seu ego como algo que ele TEM, mas não o que ele É.

E então compreende ele as palavras do Cristo: "Eu e o Pai somos um; o Pai está em mim, e eu estou no Pai".

Huberto Rohden - Rumo à Consciência Cósmica


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill