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quarta-feira, 4 de abril de 2018

A compreensão do mecanismo do desejo


A compreensão do mecanismo do desejo

PERGUNTA: Todas as nossas tribulações parecem provir do desejo, mas podemos ficar livres do desejo? O desejo é inerente à nossa natureza ou é produto da mente?

KRISHNAMURTI: Que é “desejo”? E por que separamos o desejo da mente? E quem é a entidade que diz: “O desejo cria problemas e, por conseguinte, devo ser livre de desejo”? Entendeis? Temos de compreender o que é o desejo, e não, perguntar como livrar-nos do desejo, porque ele nos traz tribulações, ou se o desejo é produto da mente. Em primeiro lugar, precisamos saber o que é o desejo, para podermos examiná-lo com mais profundidade. Que é o desejo? Como nasce o desejo? Eu vou explicá-lo, e vós podereis ver, mas não vos limiteis a escutar as minhas palavras. “Experimentai” realmente a coisa sobre que estamos falando, e, desse modo, as palavras terão significação.

Como se origina o desejo? Pode-se dizer com segurança que ele nasce do perceber ou ver, do contacto, da sensação — depois, o desejo. Não é exato isso? Primeiro, vedes um automóvel, depois vem o contacto, a sensação, e, por fim, o desejo de possuir o carro, conduzi-lo. Tende a bondade de acompanhar lentamente, com paciência, o que estou dizendo. A seguir, ao procurardes adquirir o carro, que é a manifestação do desejo, há conflito. Nessas condições, na própria realização do desejo há conflito, há dor, sofrimento, alegria, e cada um deseja manter o prazer e livrar-se da dor. É isto o que de fato está acontecendo a cada um de nós. A entidade criada pelo desejo, a entidade que está identificada com o prazer, diz: “Preciso livrar-me daquilo que desagrada, que é doloroso”. Nunca dizemos: “Quero livrar-me da dor e do prazer". Queremos reter o prazer e livrar-nos da dor; mas é o desejo que cria as duas coisas, não é verdade? O desejo, que nasce da percepção-contato-sensação, está identificado com aquele “eu” que deseja apegar-se ao que é agradá­vel e afastar de si o que é doloroso. Mas tanto o doloroso como o agradável são igualmente produtos do desejo, que faz parte da mente, não se acha fora da mente; e enquanto existir uma entidade a dizer: “Quero conservar isto e livrar-me daquilo”, será inevitável o conflito. Visto que queremos livrar-nos de todos os desejos dolorosos e apegar-nos àqueles que primàriamente proporcionam prazer, vantagem, nunca consideramos na sua totalidade o problema do desejo. E quando dizemos: “Preciso livrar-me do desejo” — quem é essa entidade que está tentando livrar-se de alguma coisa? Essa entidade não é também filha do desejo? Estais compreendendo?

Como disse no início desta palestra, necessitamos de infinita paciência para compreender estas coisas. Para as perguntas fundamentais não há respostas absolutas, “sim” ou “não”. O importante é o formular a pergunta fundamental e não o achar-lhe a resposta; e se somos capazes de considerar a pergunta fundamental, sem buscarmos uma resposta, então, esta mesma observação da coisa fundamental cria a compreensão.

Nosso problema, por conseguinte, não é de como libertar-nos dos desejos dolorosos, ao mesmo tempo que nos apegamos aos agradáveis; o problema é de compreender, na sua totalidade, a natureza do desejo. Isto sugere a pergunta: Que é conflito? E quem é a entidade que está sempre a escolher entre o que é agradável e o que é doloroso? A entidade a que chamamos “eu”, “ego”, a mente que diz “Isto é prazer, isto é dor, prender-me-ei ao agradável e rejeitarei o doloroso” — essa entidade não é desejo? Mas, se formos capazes de olhar com atenção todo o campo do desejo, sem o propósito de conservar alguma coisa ou livrar-nos de alguma coisa, descobriremos, então, que o desejo tem um significado completamente diferente.

O desejo cria a contradição, e a mente que é vigilante, muito ou pouco, não gosta de viver em contradição, e por isso tenta livrar-se do desejo. Mas, se a mente puder compreender o desejo, sem tentar afastá-lo de si, sem dizer “Este é um desejo melhor, e aquele é um desejo pior; vou ficar com este e desfazer-me daquele” — se puder conhecer todo o campo do desejo, sem rejeitar, nem escolher, nem condenar, ver-se-á, então, que a mente é desejo, não está separada do desejo. Se compreenderdes realmente isto, a mente se tornará muito tranquila; os desejos surgirão, mas não terão mais “poder de choque”, já não terão muita significação, já não fincarão raízes na mente, nem criarão problemas. A mente reagirá, pois do contrário não estará viva, mas sua reação será superficial e não criará raízes. Eis porque é importante compreendamos, no seu todo, o mecanismo do desejo, mecanismo em que quase todos estamos aprisionados. Presos nesse processo, sentimos a contradição, a dor infinita que ele causa, e, portanto, lutamos contra o desejo, e essa luta cria dualidade. Mas, se, por outro lado, pudermos dar atenção ao desejo, sem julgamento, sem avaliação ou condenação, veremos que, então, ele não cria mais raízes na mente. A mente que faculta terreno propício aos problemas nunca encontrará o que é Real. A questão, por conseguinte, não é de como dissolver o desejo, mas, sim, de compreendê-lo, e só é possível compreendê-lo quando não o condenamos. Só a mente que não está ocupada pelo desejo, pode compreender o desejo.

Krishnamurti, 6 de agosto de 1955
Realização sem esforço
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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Sobre a compulsão por preenchimento

Não estamos todos nós procurando nos preencher em alguma coisa? O alpinista que escala os mais altos cumes — para ele esta é a ação de preenchimento; pelo casamento, pela prole, pelos filhos, vocês procurem se preencher; e o político, frente à multidão, ao recolher suas vibrações, com ela está se preenchendo. Se rejeitam essas expressões exteriores de ação e atividades tendentes ao preenchimento pessoal, voltam-se para as ações interiores, as ações psicológicas, espirituais: querem então se preencher numa ideia, em Deus, na virtude. Vemos, pois, que cada um deseja preencher-se à sua maneira — o que significa tornar-se algo por meio da identificação. Querem se preencher pela identificação com um partido político; renunciam a si mesmos e dizem que o partido tem toda a importância: o partido representa o que acreditam ser a Verdade; o partido por consequência representa um meio pelo qual se preenchem. O alpinista se preenche no deleite de ascender às grandes alturas, e o homem ambicioso se preenche no realizar a própria ambição. Ora, é isso o que estão fazendo, não é verdade? 

O desejo de se preencher, o desejo de vir-a-ser, o desejo de realizar, ganhar, governa as nossas relações, não é verdade? Desejo algo de você e por isso lhe trato muito amavelmente, muito urbanamente. Ofereço-lhe ramalhetes, e trato com desdém aqueles de quem nada recebo. Tal é o processo constante de nossa existência. Senhores, existe de fato tal coisa — "preenchimento pessoal"? Compreendem? "Ser é estar em relação" — isto é um fato muito evidente. Não posso viver sem estar em relação com alguma coisa, e essa coisa se torna o meio pelo qual procuro me preencher — minha esposa, meu filho, minha casa, minha propriedade, meu quadro, meu poema, ou esta fala que lhes dirijo agora. Se com ela estou me preenchendo, ela é evidentemente uma maneira de dar expansão ao "eu"; eu é que sou importante, e não vocês, nem o de que estou falando. Consequentemente, o meio de preenchimento pessoal se torna muito mais importante para mim ou para vocês, do que a Verdade que se encontra no investigar se de fato existe preenchimento. 

Todo esforço, nas condições atuais, se baseia no desejo de preenchimento; sabemos disso muito bem. Podemos tentar encobri-lo, disfarçá-lo com palavras e frases bem-soantes; essencialmente, porém, toda ação é produto do desejo de nos preenchermos por meio dela. Quando digo "Índia", identifico-me com a Índia, e a Índia se transforma no meio pelo qual realizo o meu preenchimento. Esses os fatos evidentes. Aprofundemos a questão um pouco mais. Existe a possibilidade de preenchimento? Da infância à maturidade e até a morte, estamos sempre em busca de preenchimento, por diferentes maneiras, não é verdade? — e sempre, infalivelmente, encontramos a frustração. Logo que se realiza uma ambição, apresenta-se outra ambição mais alta, e vivem assim numa luta incessante. Assim, pois, o nosso esforço de preenchimento, o nosso impulso de nos preencher, é sempre acompanhado do medo do insucesso, da frustração. Observem a mente e o coração de vocês, para verem se é ou não é verdade o que estou dizendo. Não são obrigados a aceitar o que digo. 

Onde há o desejo, o desejo consciente ou inconsciente, de nos preencher, existe sempre, forçosamente, o medo da frustração. Vendo-nos frustrados, procuramos outra espécie de preenchimento, para fugir dessa frustração. Nos achamos, pois, encerrados nesta prisão perpétua do preenchimento e da frustração. Não acham, pois, muito importante que libertemos a nossa mente desse desejo de preencher-se numa ação, numa ideia, em qualquer coisa, enfim? Quando procuro me preencher por meio de minha esposa e de meus filhos, isso significa amor? Se desejo me preencher, discursando para grandes ou pequenos auditórios, estou realmente interessado na Verdade, tenho o desejo fundamental de libertar os homens, ou estou me preenchendo por meio dos meus ouvintes? 

Senhores, esta não é uma reunião de discussão. Não nos importa, pois, descobrir se existe uma maneira diferente de resolvermos este problema, uma maneira diversa de estudá-lo, não baseada no desejo de preenchimento, uma ação que não vise um certo resultado? Não digam: "Sim, é o que diz o Bhagavad-Gita, o Upanishads" — colocando de lado a questão. Quando dizem uma coisa dessas, não estão realmente escutando à outra pessoa. E o que importa é o escutar. Com efeito, se souberem escutar, o milagre se realizará. Se souberem escutar tanto a melodia como o silêncio entre duas notas, talvez possam então descobrir a verdade relativa a qualquer coisa. Entretanto, enquanto estiverem comparando, rejeitando, aceitando, em constante atividade de explanação e rejeição, não estão de fato escutando

Estou aventando talvez haja uma forma diferente de proceder sem se visar ao preenchimento pessoal, e que não esteja só ao alcance de poucos. Se eu for capaz de me compreender, de me observar nas minhas atividades diárias, e reconhecer que a todas as horas do dia estou ocupado em me preencher e, por conseguinte, vivendo na frustração e no temor — se eu for capaz de reconhecer tal coisa — e não somente aceitá-la — então não haverá mais preenchimento pessoal, meu, em coisa alguma. Se perceberem, realmente, momento por momento, nas suas atividades diárias, que toda ação é insuflada pelo desejo de preenchimento e que o preenchimento traz sempre frustração; se perceberem a coisa na sua inteireza, se a virem, bem desperto, sem argumentação, sem discussão, sem desejo de comparar — então, daí, resultará forçosamente uma nova ação, uma ação que não será de preenchimento pessoal, mas de outra natureza. 

É bem óbvio que, quando cada um de nós está tentando preencher-se, há o caos na sociedade; e, a fim de dominar esse caos, a nossa mente apela para um determinado padrão ou condição. Se puderem perceber bem isso (se realmente estão escutando o que digo) reconhecerão esse fato verdadeiro, isto é, que não há preenchimento. Podem fazer tudo o que quiserem, se elevarem às maiores alturas — nunca há preenchimento. Se se reconhece este fato verdadeiramente, se o sentirmos interiormente, haverá então possibilidade de ação, a qual não será produto ou resultado da compulsão, do temor, da frustração. 

Jiddu Krishnamurti em, Autoconhecimento — Base da Sabedoria

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Na compreensão do prazer dá-se o findar do sofrimento

Vejamos o que está implicado no prazer e se é possível viver-se num mundo em que não exista o prazer, porém um extraordinário estado de alegria, de bem-aventurança. 

Estamos, todos nós, empenhados na busca do prazer, nesta ou naquela forma — prazer intelectual, sensual ou cultural; o prazer da reforma, de dizer aos outros o que devem fazer, de atenuar os males da sociedade, de fazer o bem; o prazer de ter conhecimentos mais vastos, maior satisfação física, mais experiências, mais compreensão da vida, de possuir todas as qualidades engenhosas e sutis da mente; e, naturalmente, o prazer supremo: a posse de Deus. 

O prazer é a estrutura da sociedade. Da infância à morte, secreta ou ardilosamente, ou abertamente, buscamos o prazer. Assim, qualquer que seja a nossa forma de prazer, acho que devemos vê-la muito claramente, porque será ela que irá guiar e moldar a nossa vida. Por conseguinte, o importante é que cada um de nós investigue com atenção, cautela, precisão, a questão do prazer, porque achar o prazer e depois nutri-lo e mantê-lo constitui uma necessidade básica da vida e sem ele a existência se torna monótona, estúpida, ensombrada pela solidão e sem nenhum significado. 

Perguntareis então: "Então por que razão não deve a vida ser guiada pelo prazer?" — Pela razão muito simples que o prazer traz necessariamente a dor, a frustração, o sofrimento, o medo, e, como resultado do medo, a violência. Se desejais viver dessa maneira, vivei; aliás, é o que a maioria faz. Mas, se desejais livrar-vos do sofrimento, deveis compreender a inteira estrutura do prazer. 

Compreender o prazer não significa negá-lo. Não o estamos condenando ou dizendo que é bom ou mau, mas, se o cultivamos, o façamos de olhos abertos, sabendo que a mente que está a buscar prazer encontrará inevitavelmente a sua sombra — a dor. As suas coisas não podem ser separadas, embora busquemos o prazer e procuremos evitar a dor. 

Ora, por que é que a mente está sempre a exigir prazer? Por que razão fazemos coisas nobres e ignóbeis sempre com esse desejo secreto de prazer? Por que nos sacrificamos e sofremos, sempre pendentes desse tênue fio do prazer? O que é o prazer, e como nasce?...

O prazer se torna existente em quatro fazes: percepção, sensação, contato e desejo. Vejo um belo automóvel, por exemplo; vem em seguida uma sensação, uma reação; depois o toco com as mãos ou imagino tocá-lo; e vem então o desejo de possuir o carro e ostentar-me com ele. Ou vejo uma nuvem formosa, uma montanha claramente delineada contra o céu, uma folha que acaba de brotar na primavera, um vale profundo, chio de encantos e esplendor, um glorioso pôr-de-sol, um rosto belo, inteligente, vivo e não cônscio de sua beleza e, portanto, já sem beleza. Olho essas coisas com intenso deleite e, enquanto as observo, não há observador, porém, tão-só a beleza pura, qual a do amor. Por um momento estou ausente com todos os meus problemas, ansiedades e aflições; só existe aquela coisa maravilhosa. Posso olhá-la com alegria e no próximo momento esquecê-la, ou, então, a mente pode interferir — e aí começa o problema: minha mente pensa naquilo que viu e na sua beleza; digo de mim para mim que gostaria de tornar a vê-lo muitas vezes. O pensamento começa a comparar, a julgar, a dizer: "Quero repetir isso amanhã". A continuidade de uma experiência que por um segundo proporcionou deleite é mantida pelo pensamento. 

O mesmo se sucede em relação ao desejo sexual ou outro. Não há nada de mau no desejo. Reagir é perfeitamente normal. Se me picais com um alfinete, eu reajo, a não ser que esteja paralisado. Mas, o pensamento interfere, fica a ruminar aquele deleite e o converte em prazer. O pensamento deseja repetir a experiência e, quanto mais repetida, tanto mais mecânica ela se torna; quanto mais pensais nela, tanto mais força o pensamento confere ao prazer. Desse modo, o pensamento cria e mantém o prazer através do desejo e dá-lhe continuidade; por conseguinte, a reação natural do desejo, ante uma coisa bela, é pervertida pelo pensamento. O pensamento a converte em memória, que é então nutrida pelo pensar repetidamente naquela coisa. 

Naturalmente, a memória tem seu lugar próprio, num certo nível. Sem ela, não teríamos possibilidade de atuar na vida de cada dia. Em sua própria esfera, a memória tem de ser proficiente, mas há um estado da mente onde há muito pouco lugar para ela. A mente que não está tolhida pela memória tem a verdadeira liberdade.

Já notastes que, quando reagis a uma dada coisa totalmente, com todo o coração, quase não fica memória? É só quando não respondeis a um desafio com todo o vosso ser que se apresenta o conflito, a luta, que acarreta confusão e prazer ou dor. A luta gera memória. Essa memória é continuamente acrescentada por outras memórias, e são essas memórias que reagem. Tudo o que é resultado da memória é velho e, por conseguinte, nunca é livre. Liberdade de pensamento é algo que não existe; é puro contra-senso. 

O pensamento nunca é novo, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento. O pensamento, que é velho, torna também velho aquilo que olhastes com deleite e que por um momento sentistes profundamente. Do velho vem o prazer; nunca do novo. Do novo não existe o tempo. 

Assim, se puderdes olhar todas as coisas sem permitir a intrusão do prazer — olhar uma rosa, uma ave, a cor de um vestido, a beleza de uma extensão de água rutilando ao sol, ou qualquer coisa deleitável — se puderdes olhar assim, sem desejardes que a experiência se repita, então não haverá dor, nem medo e, por conseguinte, haverá uma alegria infinita.

É a luta para repetir e perpetuar o prazer que o converte em dor. Observai isso em vós mesmos. A própria exigência da repetição do prazer produz dor, porque ele nunca é a mesma coisa de ontem. Lutais para alcançar o mesmo deleite não só para o vosso senso estético, mas também para a vossa mente, e ficais magoado e desapontado, porque ele vos é negado. 

Já observastes o que acontece quando vos é negado um pequeno prazer? Quado não tendes o que desejais, vos tornais ansioso, invejoso, rancoroso. Já notastes que quando vos é negado o prazer de fumar ou de beber, o prazer sexual ou qualquer outro — já notastes as lutas que tendes de sustentar? E tudo isso é uma forma de medo, não é verdade? Tendes medo de não obter o que desejais ou perder o que possuís. Quando uma dada fé ou ideologia que cultivais há muitos anos é abalada ou vos é arrebatada pela lógica da vida, não tendes medo de vos verdes só? Essa crença vos proporcionou durante anos satisfação e prazer, e quando vos é retirada ficais desgovernado, vazio, e o medo perdura até achardes outras formas de prazer, outra crença.

Isso me parece muito simples, e, por ser tão simples, não queremos ver a sua simplicidade. Gostamos de complicar tudo. Se vossa esposa vos abandona, não sentis ciúme? Não sentis raiva? Não odiais o homem que a seduziu? E que é tudo isso senão o medo perder o que vos dava muito prazer, de perder essa companhia, perder aquela segurança e satisfação conferidas pela posse

Assim, se compreendeis que quando se busca o prazer tem de haver dor, podeis, se vos aprouver, viver dessa maneira, porém, com pleno conhecimento do passo que estais dando. Se, entretanto, desejais colocar fim à dor, deveis estar completamente atento à estrutura total do prazer; mas não deveis repeli-lo, como fazem os monges e os sanyasis, que não olham para uma mulher porque é pecado e, dessa maneira, destroem a vitalidade da própria compreensão; porém, cumpre ver todo o significado e importância do prazer. Encontrareis então infinita alegria na vida. Não se pode pensar na alegria. A alegria é uma coisa imediata e se nela pensais a converteis em prazer. Viver no presente é a percepção imediata da beleza e o grande deleite que nela se encontra, sem dela procurar extrair prazer.

Krishnamurti em, LIBERTE-SE DO PASSADO

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Por que nos sentimos tristes quando não podemos ter o que queremos?

Por que nos sentimos tristes quando não podemos ter o que queremos? Por que haveríamos necessariamente de ter o que desejamos? Acreditamos ser nosso direito, não é? mas já nos teremos perguntado porque haveríamos de possuir o que queremos, quando milhões não conseguem possuir sequer o que necessitam? E, de resto, por que o queremos? Há a nossa necessidade de alimento, roupa e abrigo; mas não estamos satisfeitos com isso. Queremos muito mais. Queremos sucesso, queremos ser respeitados, amados, considerados; queremos ser poderosos, queremos ser poetas famosos, santos famosos, oradores famosos, queremos ser primeiros-ministros, presidentes. Por quê? Já refletiram nisso? Por que desejamos todas essas coisas? Não que devamos ficar satisfeitos com o que somos. Não é isso que quero dizer. Isso seria horrível, seria tolo. Mas porque essa constante ânsia por mais, mais e mais? Essa ânsia indica que estamos insatisfeitos, descontentes; mas com quê? Com o que somos? Eu sou isto, não gosto do que sou, então quero ser aquilo. Penso que parecerei muito melhor num novo casaco ou num novo sari, então eu o desejo. Isso quer dizer que estou insatisfeito com aquilo que sou, e creio que posso escapar de meu descontentamento adquirindo mais roupas, mais poder, e assim por diante. Mas a insatisfação está aí, não está? Eu simplesmente a cobri de roupas, de poder, de carros. 

Por conseguinte, temos de descobrir como entender aquilo que somos. Simplesmente cobrimo-nos com posses, com poder e posição, não tem sentido, porquanto, ainda assim, seremos felizes. Vendo isso, a pessoa infeliz, a pessoa que está triste, não corre para gurus, não se esconde em suas posses, em seu poder; ao contrário, ela quer saber o que está atrás de sua tristeza. Se você for ao fundo de sua própria dor, verificará que você é muito pequeno, vazio, limitado, e que está lutando para adquirir, para vir a ser. Essa mesma luta para adquirir, para se tornar alguma coisa, é a causa do sofrimento. Mas se começar a compreender aquilo que você realmente é, e se se aprofundar cada vez mais nisso, verificará então que algo completamente diferente acontecerá.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Por que é tão difícil a solução de nossos problemas?

Krishnamurti: Vocês têm uma terrível preocupação de resolver problemas, não é verdade? Eu não a tenho.  Sinto muito. Logo de início eu lhes disse que não me interessava resolver problemas, vem seus, nem meus. Não sou protetor de vocês ou guia. Vocês são o próprio instrutor e o próprio discípulo. Aqui estão para aprender, e não para perguntarem a outro o que devem e o que não fazer. Aqui não há nenhuma questão, sobre o que se deve fazer por um inválido, ou por alguém que não tem dinheiro suficiente, ou que é iletrado, etc, etc. Aqui estão para aprender de si mesmos a respeito dos problemas que possuem, e não para serem instruídos por mim. Portanto, não me coloquem nessa falsa posição, porque eu não quero lhes instruir. Se o fizesse, me tornaria um guia, um guru, e iria aumentar as muitas inutilidades já existentes no mundo com que se explora o próximo. Estamos aprendendo, não mediante estudo, porém pelo nos mantermos vigilantes, despertos, totalmente conscientes de nós mesmos; nossa relação, por conseguinte, é completamente diferente da relação de mestre e discípulo. Este orador não está lhes instruindo, nem lhes dizendo o que devem fazer — isso seria completa falta de maturidade.

(...) Não vou lhes dizer o que devem fazer em relação aos seus problemas. Vou lhes apontar como aprender, e o que é aprender; e verão então que, quando aprendem a respeito de um problema, o problema termina. Mas se apelam para alguém, lhe pedindo que diga o que devem fazer a respeito de um problema, vocês se tornam como uma criança irresponsável, cujos passos são guiados por outro, e terão mais problemas ainda. isto é verdadeiro e simples, e, assim sendo, peço-lhes de uma vez por todas que o acolham na mente e no coração de vocês. Aqui estamos para aprender e não para sermos instruídos. Ser instruído é confiar à memória o que se ouve de outro; mas a mera repetição, de memória, não traz a solução de problemas. Só há maturidade no movimento do aprender. O uso do conhecimento, daquilo que foi aprendido meramente de memória, como meio de resolver os problemas humanos, procede de falta de maturidade, e só pode criar mais padrões, mais problemas. 

O simples desejo de resolver um problema é uma fuga aos problemas, não acham? Não penetrei o problema, não o estudei, não o explorei, não o compreendi. Não conheço a beleza, ou a feiura, ou a profundidade do problema; minha única preocupação é resolvê-lo, afastá-lo de mim. Esta ansiedade de resolver um problema, sem o ter compreendido, é uma fuga ao problema; por conseguinte, torna-se mais um problema. Toda fuga gera novos problemas.

Pois bem, tenho um problema que desejo compreender completamente. Não desejo fugir dele, não desejo "verbalizar" a respeito dele, não desejo falar para outro sobre ele; só quero compreende-lo. Não estou esperando que ninguém me diga o que fazer. Sei que ninguém pode me dizer o que devo fazer; e que, se alguém o fizesse e eu aceitasse sua instrução, isso constituiria  um ato muito fútil e absurdo. Assim, tenho de aprender sem ser instruído e sem fazer uso da lembrança do que aprendi a respeito de anteriores problemas, para atender o problema presente. Oh, não percebem a beleza disso!

(...) Tenho um problema, e desejo compreende-lo, aprender a respeito dele. Para aprender a respeito dele, não posso trazer as lembranças do passado e, com ajuda delas, ocupar-me com o problema; porque o problema novo exige uma maneira nova de estudá-lo, e não posso aplicar-me a ele com minhas lembranças mortas, estúpidas. O problema é ativo, e portanto, tenho de ocupar-me dele no presente ativo; por conseguinte, o elemento tempo deve ser afastado totalmente.

Desejo descobrir como surgem os problemas — os problemas psicológicos. Como disse, se compreendo toda a estrutura causadora dos problemas e fico, por conseguinte, livre de por mim mesmo criar problemas, saberei então como agir em relação ao dinheiro, ao sexo, ao ódio, em relação a tudo na vida; e, no lidar com essas coisas, não irei criando novos problemas. Tenho assim, de descobrir de que modo surge o problema psicológico, e não a maneira de resolvê-lo. Entendem? Ninguém pode me dizer como surge o problema; eu mesmo devo compreender isso.

(...) Para mim, como disse, a liberdade é da mais alta importância. Mas a liberdade de modo nenhum pode ser compreendida, se não há inteligência; e a inteligência só pode vir quando temos completamente compreendido, por nós mesmos, as causas dos problemas. A mente deve estar alertada, atenta, num estado de super-sensibilidade, de modo que cada problema seja resolvido assim que se apresenta para nós. De outro modo, não há verdadeira liberdade; só há uma liberdade periférica, fragmentária, sem nenhum valor. Isso é o mesmo que um homem rico dizer que é livre. Santo Deus! Ele é um escravo da bebida, do sexo, do conforto, de dúzias de coisas. E o homem pobre que diz: "Sou livre, porque não tenho dinheiro" — esse tem outros problemas. A liberdade, pois, e a manutenção dessa liberdade, não pode ser uma mera abstração: ele deve constituir para vocês, como ente humano, uma necessidade absoluta, porque é só quando existe a liberdade, que podem amar. Como podem amar se são gananciosos, ambiciosos, competidores?

(...) Eu não tenho interesse em resolver o problema ou em procurar alguém que me diga como resolvê-lo. Nenhum livro, nenhum guia, nenhuma igreja, nenhum sacerdote o podem me dizer. Há milênios que nos entretemos com essas coisas, e continuamos carregados de problemas. O frequentar uma igreja, a confissão, a oração — nada disso resolverá nossos problemas, que apenas continuam a se multiplicar, como atualmente está acontecendo. Assim, pois, como surge um problema?

Como disse, quando não há contradição dentro de nós mesmos, não há problema algum. A auto-contradição implica conflito do desejo. Mas o desejo em si nunca é contraditório. Por certo, o que cria a contradição são os objetos do desejo. Porque pinto quadros, ou escrevo livros, ou por qualquer coisa estúpida que faço, desejo ser famoso, aplaudido. Quando ninguém me reconhece os méritos, há uma contradição e fico em estado lastimoso. tenho medo da morte, que não compreendi; e nisso a que chamo "amor", há contradição. Vejo, pois, que o desejo é o começo da contradição — não o desejo em si, mas os objetos do desejo são contraditórios. Se tento mudar ou negar os objetos do desejo, dizendo que me aterei a uma só coisa e a nada mais, essa coisa, por sua vez, se torna também um problema, porque tenho de resistir, erguer barreiras a tudo o mais. Assim, o que devo fazer, não é meramente mudar ou reduzir os objetos de meu desejo, porém compreender o desejo em si. 

Krishnamurti em, A MENTE SEM MEDO - 14 de julho de 1964


domingo, 17 de agosto de 2014

O conflito está na contradição dos nossos desejos

Por que temos de ter conflitos todos os dias, desde o despertar até à hora de dormir ou até a morte? Ao fazermos tal pergunta, ou respondermos que isso é inevitável e, por conseguinte, não pode ser alterado, ou dizemos que não sabemos a resposta e, consequentemente, esperamos que outro venha mostrar-nos como devemos olhar. Se esperamos que alguém nos mostre como olhar essa desordem, esse caos, essa confusão e conflito, isso significa que queremos descobrir a natureza do conflito segundo outra pessoa e, dessa forma, nenhum descobrimento faremos. Não é assim? Portanto, é de imensa importância a maneira como olhamos, como dizemos: " Por que vivo em conflito?" — Porque, quando já não buscamos uma autoridade para ensinar-nos, quando estamos livres da autoridade de outrem, já estamos na claridade, nossa mente já tem penetração para olhar. Assim como, para viajar, para galgar uma montanha, não devemos levar pesadas cargas, assim também, para examinar claramente este complexo problema, temos de livrar-nos da autoridade. Ficamos então muito mais leves, muito mais livres, para olhar. Assim sendo, para observar, agir, escutar, temos de estar livres de toda autoridade; podemos então começar a perguntar por que vivemos neste terrível e destrutivo conflito interior. 

Eu gostaria de saber, quando olhais, qual é a vossa reação. É reação às causas do conflito, ou à pessoa com quem estais em conflito, ou à separação existente entre o que desejais e o seu contrário; ou é reação à própria natureza do conflito? Não quero saber com quem estou em conflito, não quero conhecer os conflitos periféricos de minha existência. O que desejo conhecer é, em essência, por que existe conflito. Ao fazer essa pergunta a mim mesmo, vejo uma coisa fundamental, que nada tem que ver com os conflitos periféricos e sua solução. Interessa-me o problema central e vejo, e talvez também vejais, que a própria natureza do desejo, quando inadequadamente compreendida, conduz inevitavelmente ao conflito. 

Desejo coisas contraditórias. O próprio desejo está sempre em contradição — o que não significa que tenho de destruir o desejo, que tenho de reprimi-lo, controlá-lo, sublimá-lo. Vejo que o desejo, em si, é contraditório — não o desejo de alguma coisa, de sucesso, de prestígio, de uma casa melhor, de mais cultura, etc., etc.: a contradição não está no objeto do desejo, porém, na própria natureza do desejo. Ora, tenho de compreender a natureza do desejo, antes de compreender o conflito, e quando a isso me aplico, não estou nem condenando, nem justificando, nem reprimindo o desejo. Estou simplesmente consciente da sua natureza; nele existe contradição, e essa contradição gera conflito. Dentro em nós mesmos, estamos em contradição, desejando isto e não desejando aquilo. Dentro em nós mesmos achamo-nos num estado de contradição, e esse estado de contradição é criado pelo desejo — desejo de prazer e de fuga à dor. 

Vejo, pois, que o desejo é a raiz de toda contradição. O desejo diz que devo ter isto, que devo evitar aquilo, que devo ter prazer, quer prazer sexual, quer o prazer de ser famoso, o prazer de dominar — o prazer em formas várias e sutis. Não conseguindo essas coisas, não conseguindo chegar aonde desejo chegar, vem a dor da frustração, uma contradição. Vivemos, assim, num estado de contradição: devo pensar nisto, mas penso naquilo; devo ser aquilo, mas na realidade sou isto; deve haver a fraternidade humana, mas eu sou nacionalista, estou apegado a minha igreja, meus Deus, minha casa, minha família. Vivemos, pois, em contradição. Tal é a nossa vida. E essa contradição não pode ser integrada; esta é uma das falácias. A contradição só chega ao fim quando começo a compreender toda a natureza do desejo. Em todo o mundo, no Oriente e no Ocidente, há pessoas interessadas nisso, os chamados "religiosos" — não os homens de negócios, nem os militares, nem os burocratas, porém os chamados "religiosos". Sabendo que o desejo é a raiz de tudo isso, disseram eles que o desejo deve ser reprimido, sublimado, destruído, controlado. Mas, o que está sucedendo? Certos sacerdotes católicos mostram-se revoltados e desejam casar-se, e o monge está agora a voltar-se para o mundo exterior. As agonias da repressão, da deformação, a brutal disciplina de ajustamento a um padrão nada disso tem significação alguma, nada disso conduz à Verdade. para compreender a Verdade, deve a mente estar inteiramente livre, sem deformação, em nenhuma parte dela.

Jiddu krishnamurti em, Como Viver Neste Mundo

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Somente quando não há desejo, abre-se a porta além-mente

Com o desejo você não pode estar silencioso. O desejo é, realmente, rumor. Mesmo que você não tenha pensamentos — se tem a mente controlada e pode parar de pensar — um desejo mais profundo continuará existindo porque você está parando de pensar apenas para obter algo. Um ruído sutil ali estará. Algures, interiormente, alguém estará olhando e perguntando se a coisa desejada foi ou não obtida. "Pensamentos foram detidos. Onde está a divina realização, onde está Deus, onde está a iluminação?" Mas o próprio desejo se tornará fútil, se você se tornar consciente disso.  

A estratégia da mente está em que sempre você se torna consciente do que certo objeto tornou-se fútil. Então, você muda o objeto, e, mudando-o, o desejo continua a apoderar-se da sua consciência... E do momento em que você se torna consciente da futilidade do objeto que está desejando, a mente vai para outro objeto. 

Quando isso acontece, o intervalo fica perdido. Quando algo se torna fútil, inútil, sem atrativo, permaneça no intervalo. Tome consciência de que se foi o objeto que se fez fútil ou se o próprio desejo é fútil. E se você pode sentir a própria futilidade do desejo, subitamente algo desaparece de você. Subitamente você está transformado para um novo nível de consciência. Isso é uma inaninadade, uma ausência, uma negatividade. Não há início de um novo circulo.... E então, que fazer?

Comece com um desejo. Esse desejo não vai lhe levar ao ponto de ocorrência, mas esse desejo pode levar-lhe à futilidade do desejo. Temos de começar com desejo; é impossível começar com "não-desejo". Se você pudesse começar com "não-desejo", então a ocorrência poderia dar-se naquele mesmo momento... Se você pudesse começar com "não-desejo", naquele mesmo momento aconteceria! Mas isso é impossível. 

Você não pode começar sem desejo. A mente faria desse não-desejo um objeto desejado, também. A mente dirá: "Está bem, tentarei não desejar." Dirá: "Realmente, parece fascinante. Tentarei fazer algo, de modo que esse desejo não apareça." Mas a mente está fadada a ter algum desejo. Só pode começar com desejo, mas não pode terminar com desejo. 

Temos de começar desejando algo que não possa ser conseguido pelo desejo. Mas, se você tem consciência desse fato — se você está consciente do fato de que está desejando algo que não pode ser desejado — isso ajuda. Essa consciência do fato ajuda. Agora, a qualquer momento, você pode dar o salto. E quando você der o salto, não haverá desejo. 

Você desejou o mundo. Agora, deseja o divino. É aí que temos de começar. O início é errado, mas você tem de começar dessa maneira por causa desse processo bloqueador da mente. Essa é a única forma de mudá-lo. 

[...] A mente é o desejo. A mente nada pode fazer sem desejo. Você não pode transcender a mente através do desejo porque a mente é o desejo. Assim, a mente tem de desejar, mesmo aquilo que é encontrado apenas quando não existe desejo. Mas começa com a parede. Conheça o desejo e você esbarrará na porta.  Mesmo Buda teve de começar com um desejo, mas ninguém lhe disse — o fato não lhe era conhecido — que a porta se abre apenas quando não há desejo.

[...] Portanto, há duas maneiras através das quais o desejo de ir além é criado. A primeira é o fato de você ter, de algum modo, sentido o sabor do além. Mas isso não pode ser planejado; ou você o tem ou não o tem. Ainda assim, desde que sentiu esse sabor, você começa a desejá-lo. O desejo pode tornar-se um obstáculo, torna-se um obstáculo — mas é assim que as coisas começam. Antes de mais nada, você tem de desejar o não-desejar.

Ou a coisa acontece da outra maneira. A outra maneira é o fato de você não ter tido nenhum sabor do além — nenhum! Não conheceu, absolutamente, o além, mas este aposento foi-se tornando uma tortura. Você não pode mais tolerá-lo. Você nada sabe sobre o além, mas, seja o que for que ele possa ser, você está pronto para escolhe-lo (embora lhe seja desconhecido), porque este aposento, tornou-se uma angústia, um inferno. Você não sabe o que há no além — se há ou não alguma coisa, se o além existe ou não; porém, você não suporta mais permanecer neste aposento. Este aposento tornou-se um sofrimento, um inferno. Então, você tenta... então começa a desejar o desconhecido, o além. Então, de novo aparece o desejo: o desejo de fugir dali. Mas você tem de começar com um desejo; desejo daquilo que não pode ser desejado, daquilo que não pode ser alcançado através do desejo.

Lembre-se, constantemente, disto: continuando a fazer o que quer que seja, recorde-se, sempre de que só fazendo, você não pode alcançar aquilo... Você não pode obter aquilo, que só Deus pode dar-te aquilo. Esta é uma forma simples de fazer-lhe consciente de que seus esforços são inúteis, que só a graça resolverá... Mas isso não significa que nada faça. Você deve fazer tudo... mas recorde-se, isso não vai acontecer simplesmente pelo que você faz. Algo acontece com você, algo desconhecido. A graça desce sobre você. Seus esforços lhe farão mais receptivo para a graça, isso é tudo. Mas não é o resultado direto de seus esforços que leva a graça a descer sobre você. 

[...] Portanto, continua desejando, fazendo algo pelo além, lembrando-se, constantemente que ele não virá através do seu esforço. Mas não cesse com esses esforços porque eles irão lhe ajudar, de certa forma. Irão fazer-lhe se sentir tão frustrado pelo próprio fato de desejar, que, subitamente, você se sentará, e estará apenas sentado — sem nada fazer. E a coisa acontece! E acontece o salto... a explosão!

O S H O — A arte do êxtase  

sábado, 5 de abril de 2014

O homem é um escravo desejante

O homem nasce um escravo, e permanece um escravo por toda a sua vida: um escravo dos desejos, da luxúria, um escravo do corpo, da mente — mas dá no mesmo, a escravidão continua. Desde o momento em que você nasce, até o momento em que você morre, é uma longa luta contra a escravidão. E a religião consiste em se ser livre. Religião é liberdade, liberdade de toda escravidão. Mas o homem continua brincando com ele mesmo, vai se enganando, porque assim é mais fácil. 

Ser completamente livre é muito difícil. Será necessária uma cristalização dentro de você, será necessário um centro. E neste exato momento, não há nenhum centro em você, você não é um ser cristalizado — você é apenas um caos. Você pode ser como uma assembleia, mas não é como um indivíduo. Às vezes um desejo toma conta de você e, então, ele se torna o presidente da assembleia, Apenas alguns minutos depois o presidente se vai, ou é descartado; então, um outro desejo toma conta de você. E você fica identificado com cada desejo; você diz: "Eus sou isto". 

Quando o sexo assume a presidência, você vira o sexo; quando a raiva assume a presidência, você vira a raiva; quando o amor assume a presidência, você vira o amor. E você nunca se lembra do fato de que você não pode ser isto ou aquilo — sexo, raiva, amor. Não! Você não pode ser, mas você fica identificado com a cadeira da presidência, seja o que for que tenha o poder no momento, você se identifica com aquilo. E esse presidente vai mudando, porque depois que um desejo é preenchido temporariamente, ele é expelido da cadeira. Então, um outro que esteja nas cercanias — sedento, faminto, exigente, vira o presidente. E você fica identificado com cada desejo, com cada escravidão. 

Esta identificação é a raiz casual de toda a nossa escravidão e, a menos que essa identificação desapareça, você nunca será livre. Liberdade significa o desaparecimento da identificação com o corpo, com a mente, com o coração, seja como for que você queira chamar. Esse é o fato básico a ser compreendido: que o homem é um escravo, nasce um escravo, nasce chorando e gritando pela satisfação de alguns desejos. A primeira coisa que uma criança faz quando nasce é chorar. E isso permanece por toda a vida — chorando por isto ou aquilo. A criança chora por leite; você pode estar chorando por um palácio, ou por um carro, ou por outra coisa, mas o choro continua. Ele para somente quando você está morto. 

Toda a vida é um longo choro — eis porque há tanto sofrimento. A religião lhe dás as chaves para torná-lo livre, mas se ser um escravo e sendo a vida de escravidão conveniente, confortável, você cria religiões simuladas, que não lhe darão nenhuma liberdade, que simplesmente lhe darão um novo tipo de escravidão. Cristianismo, hinduísmo, budismo ou islamismo, como são — organizados, estabelecidos —, são novas espécies de aprisionamento. 

Jesus é liberdade, Maomé é liberdade, Krishna é liberdade, Buda é liberdade, mas não o budismo, não o islamismo, não o cristianismo, não o hinduísmo — eles são simulações. Assim, uma nova escravidão nasce: você é apenas um escravo dos seus desejos, dos seus pensamentos, dos seus sentimentos, dos seus instintos, mas você se torna escravo de seus padres. Mais escravidão acontece a partir das suas religiões simuladas, e nada muda em você.

O S H O — A semente de mostarda

quinta-feira, 13 de março de 2014

Abandone a única barreira e declare-se Deus

Todo o meu esforço é para acabar com todas as suas muletas, todas as suas crenças, inclusive em mim. Primeiro eu finjo que ajudo... porque essa é a única linguagem que você entende" Depois, aos poucos, começo a me retirar. Primeiro afasto-a de seus outros desejos e ajudo-a a se apaixonar pelo nirvana, pela libertação, pela verdade. E quando vejo que todos os seus desejos desapareceram e resta apenas um, então começo a insistir nesse desejo. Digo: "Abandone-o porque ele é a única barreira". 

Nirvana é o último pesadelo. Você não pode voltar atrás, porque uma vez abandonados esses desejos fúteis, você não pode trazê-los de volta. Uma vez abandonados, desaparece todo o charme e mistério que possuem. Você não consegue nem acreditar que os esteve carregando por tanto tempo. Tudo parece tão ridículo que você não consegue voltar atrás.

Então começo a afastar de você o último desejo. Quando ele desaparece, você está iluminado. Então você é Bhagwan. Todo meu esforço aqui é para torná-lo capaz de declarar-se Deus — e não só declarar, mas viver essa declaração. 

O S H O 

domingo, 9 de março de 2014

A natureza interior do descontentamento


Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. 

Pergunta: O descontentamento impede o pensamento claro. Como superar esse obstáculo?

Krishnamurti: Acho que você não me ouviu; provavelmente estava preocupado com sua pergunta, em como iria formulá-la. Isso é o que todos vocês estão fazendo, de maneiras diferentes. Cada um tem sua própria preocupação, e se o que eu disse não é o que gostariam de ouvir, deixam-no de lado, porque a mente de vocês está ocupada com seus problemas. Se quem fez a pergunta tivesse ouvido o que eu falei, se tivesse realmente sentido a natureza interior do descontentamento, da alegria, de ser criativo, acho que não teria feito essa pergunta.

O descontentamento impede o pensamento claro? E o que é o pensamento claro? É possível pensar com clareza se desejam conseguir alguma coisa com seu pensamento? Se sua mente está preocupada com um resultado, poderão pensar com clareza? Ou só conseguem pensar muito claramente quando não estão buscando um fim, um resultado, sem tentar ganhar algo?

E vocês conseguem pensar com clareza se se agarrarem a um preconceito, a uma crença particular — isto é, se pensarem como um hindu, um comunista ou um cristão? Certamente poderão pensar claramente apenas quando a mente não estiver acorrentada a uma ideologia — como um macaco preso a uma estaca; podem pensar muito claramente apenas quando não estão buscando resultado; podem pensar com clareza somente quando não têm preconceitos. O que tudo isso significa, na verdade, é que vocês podem pensar com clareza, simples e diretamente, quando a mente não estiver mais buscando qualquer forma de segurança; estando, portanto, livre do medo.

Então, de alguma maneira, o descontentamento impede o pensamento claro. Quando, por meio do descontentamento, vocês procuram um resultado, ou quando buscam minimizar o descontentamento, porque a mente detesta ficar perturbada e tenta a todo custo ficar calma, pacífica, então o pensamento claro não é possível. Mas, se estiverem descontentes com tudo — com seus preconceitos, suas crenças e seus medos — e não estiverem desejando um resultado, então esse mesmo descontentamento dará foco aos seus pensamentos ( não sobre um objeto em particular, ou qualquer direção específica), e todo o processo do pensamento se tornará bem simples, direto e claro.

Jovem ou idoso, muitos de nós estamos descontentes apenas porque desejamos alguma coisa: mais conhecimento, um emprego melhor, um carro mais novo, um salário maior. Nosso descontentamento baseia-se no desejo "de ter mais". É somente porque desejamos algo mais que nos sentimos descontentes. Mas não estou falando sobre esse tipo de descontentamento. É o desejo pelo "mais" que impede o pensamento claro. Se estamos descontentes não por desejarmos alguma coisa, mas por não saber o que desejamos; se estamos insatisfeitos com nosso emprego, com o dinheiro que temos, com a busca por status e poder, com a tradição, com o que temos e com o que deveríamos ter; se estamos insatisfeitos não com algo em particular, mas com tudo, então penso que esse nosso descontentamento trará clareza. Quando não aceitamos ou seguimos, mas questionamos, investigamos, aprofundamos, ocorre um insight do qual brota a criatividade, a satisfação.

Krishnamurti — Pense nisso

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O objeto obscuro de nosso desejo

[...] Só se pode renunciar àquilo que anteriormente se conheceu: conhecer certos males nos permitirá apreciar melhor quando ficarmos livres deles.
Sabemos que a palavra pecado, em grego hamartia, quer dizer “errar o alvo”, visar algo e não atingi-lo. Assim o pecado é antes de tudo uma doença do desejo, uma desorientação ou uma perversão de sua “mira”. O primeiro efeito terapêutico do ensinamentos dos Terapeutas do Deserto será dizer de novo ao homem e o fim e a finalidade de seu desejo, porque, tendo se tornado máquina desejante, joguete de múltiplas pulsões, seu drama e sofrimento são não saber mais para o que, para quem dirige-se a multidão de seus desejos amiúde contrários ou opostos. Para os Terapeutas “o objeto obscuro de nosso desejo” seria o próprio Ser, O On; sem esta mira última ele se perde, se dispersa e sofre. A infelicidade do homem, a causa de todas as doenças, dirão mais tarde os Padres do Deserto, é esquecer o Ser. O sofrimento é recalcar esse desejo essencial do Ser. “Tu nos fizeste para ti, Senhor, e nosso coração não descansará até que repouse em ti”. Reorientar o desejo, torna-lo “a memória bem-aventurada do Ser”, fazê-lo voltar do “esquecimento”, é dar-lhe o sabor do Real Absoluto, presente em todas as realidades relativas, o que lhe permitirá não adorar e não desprezar nenhuma. Não adorar nada, pois toda realidade, relativa por definição, não é absoluta; não desprezar nada, pois toda realidade, relativa pelo próprio fato de sua existência, participa da Única Fonte de todo Real. Nem desprezo nem idolatria, este seria o começo de uma atitude justa com respeito ao mundo e ao que nele habita, quando o desejo é “orientado” ou “polarizado” para a própria Fonte de tudo o que vive e respira.

Assim, para os Terapeutas, a cura psíquica está ligada ao conhecimento metafísico. Nada é grave se não se perde a consciência do “Ser que É”. Hoje em dia a doença mental não é ainda a perda do Real? O fechamento em “representações” ou reflexos do real que tomamos como a própria Realidade?

O apego ao prazer

A primeira perturbação que ameaça desequilibrar a harmonia de uma pessoa e acorrentar a sua liberdade é para Fílon de Alexandria “o apego ao prazer”. O prazer em si mesmo não é uma coisa má; é até o sinal de que uma coisa está bem feita. “O prazer é para o ator virtuoso aquilo que é o fruto para a flor”, sinal de que um ato chegou a bom termo. Mas o prazer é fugaz, e há quem gostaria de fazê-lo durar! Querer fazer durar aquilo que não é feito para durar só pode ser causa de dor. O apego ao prazer implica a dor; neste sentido é que é preciso curar-se do apego, acolhê-lo quando vem coroar um mato bem feito, mas não chorar por causa da coroa quando murcha; não ficar segurando-a, não se apegar a ela. Mais que no prazer, a fonte do sofrimento estaria no apego ao prazer ou na busca do prazer pelo prazer. Fazer do prazer um fim é falhar no único fim que pode saciar-nos plenamente: o Ser.

Assim, a busca do prazer nos faz desviar-nos da meta, ela é fonte de ilusão. Nós nos apegamos ao reflexo e perdemos a luz. A terapia proposta por Fílon para tratar aquilo que ele considera como “patologia” vai começar pelo “domínio dos sentidos”, porque “os sentidos geram prazer”, e o prazer é um dos grandes fatores de alienação da criatura humana. Todas as realidades exteriores podem exercer decisiva ascendência sobre o ser humano e reduzi-lo à escravidão, os amigos do dinheiro procuram dinheiro, e os amigos da consideração procuram consideração, e é isto que os caracteriza. Pois entregaram o melhor ao pior, a alma às realidades inanimadas. Não se trata, para Fílon de Alexandria, de mutilar-se, nem de renunciar ao uso dos sentidos, mas de aprender a moderação. O que o aflige intensamente, nos banquetes pagãos, que denuncia vigorosamente, é a falta de medida, a devassidão que tira do ser humano os seus traços humanos. Não é mais senhor dos próprios sentidos e dos prazeres que os alimentam; está subjugado pelos sentidos. Aí só existe a loucura, ou no mínimo uma “desordem”: o animal tornou-se senhor daquele a quem deveria servir. 

[...] O desejo é uma potência do exílio; rouba-nos o instante[...] O drama do ser humano é desejar realidades relativamente reais e pedir a essas realidades transitórias que sejam "a" Realidade e permaneçam imutáveis. Só poderá decepcionar-se. A conversão do desejo consiste em considerar tudo o que existe não como sendo o Ser, mas como a sua expressão ou Sua manifestação. O desejo idolatra os seus objetos, esta é a sua enfermidade ou a sua perversão: pedir o Infinito a seres finitos, pedir o Absoluto a seres relativos. A cura do desejo, para os Terapeutas do Deserto, consistirá portanto, num primeiro momento, em reorientar o desejo para aquilo que É, ou mais exatamente, para "aquele que É", o Ser. 

Jean-Yves Leloup - Cuidar do Ser: Fílon e os Terapeutas de Alexandria

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O entrave

Quando tivermos passado além dos conhecimentos, então teremos o Conhecimento; a Razão foi o auxílio, a Razão é o entrave.

Quando tivermos passado além do querer, então teremos o Poder; o Esforço foi o auxílio, o Esforço é o entrave. 

Quando tivermos passado além dos prazeres, então teremos a felicidade; o Desejo foi o auxílio, o Desejo é o entrave. 

Quando tivermos passado além da individualização, então seremos as Pessoas reais; o Ego foi o auxílio, o Ego é o entrave. 

Quando tivermos passado além da humanidade, então seremos o Homem; o Animal foi o auxílio, o Animal é o entrave. 

Transforma tua razão em uma intuição ordenada; que tudo em ti seja luz. Este é teu alvo. 

Transforma teu esforço em um conhecimento igual e soberano da força da alma; que tudo em ti seja força consciente. Este é teu alvo. 

Transforma teu prazer em um êxtase igual e sem objetivo; que tudo em ti seja felicidade. Este é teu alvo. 

Transforma o indivíduo dividido na personalidade universal; que tudo em ti seja divino. Este é teu alvo. 

Transforma o animal no Pastor dos rebanhos; que tudo em ti seja Krishna. Este é teu alvo. 

- Sri Aurobindo -

(Texto extraído do livro "Sabedoria de Sri Aurobindo", Editora Shakti) 

terça-feira, 30 de julho de 2013

Diálogo sobre amor, sexo, prazer e desejo

Interrogante: Vim, na verdade, com o fim de perguntar-lhe: Que é amor?

Krishnamurti: Antes de entrarmos na matéria, deve ficar-nos bem claro que a palavra não é a coisa, a descrição não é a coisa descrita, porque não há explicação, por mais extensa, por mais sutil e hábil que seja, que possa abrir o coração à imensidade do amor. Isso precisa ser compreendido, para não nos atermos às palavras; as palavras são úteis para a comunicação, mas, ao falarmos sobre uma coisa que é essencialmente “não verbal”, devemos estabelecer entre nós um estado de comunhão, de modo que ambos sintamos e percebamos a mesma coisa ao mesmo tempo, com plenitude da mente e do coração. De contrário, estaremos apenas brincando com palavras. Como considerarmos essa coisa realmente tão sutil que não pode ser alcançada pela mente? Temos de caminhar com certa cautela. Não devemos, primeiramente, ver o que ela não é?  — pois assim talvez tenhamos a possibilidade de ver o que ela é. Pela negação pode-se chegar ao positivo, mas, se tratamos meramente de perseguir o positivo, seremos levados a suposições e conclusões, que são fatores de divisão. Você está perguntando o que é o amor. Estamos dizendo que poderemos encontrá-lo quando soubermos o que ele não é Qualquer coisa produtiva de divisão, separação, não é amor, porque na divisão há conflito, luta e brutalidade.

Interrogante: O que você quer dizer com isto: divisão e separação causam luta?

Krishnamurti: O pensamento, por sua própria natureza, é divisório. É o pensamento que busca o prazer e o conserva. É o pensamento que cultiva o desejo.

Interrogante: Você pode dizer mais alguma coisa sobre o desejo?

Krishnamurti: vemos uma casa, temos a sensação de que é bela, e vem então o desejo de possuí-la e dela fruir prazer; então, nos esforçamos por adquiri-la. Tudo isso constitui o centro, e esse centro é a causa da divisão. Esse centro é o sentimento da existência de um “eu” é o sentimento de separação. Ele tem sido chamado “ego” e por outros nomes de toda espécie — “eu inferior”, em oposição à ideia de um “eu superior”. Mas, não há necessidade de complicações a esse respeito, pois se trata de uma coisa muito simples. Onde há o centro, que é o sentimento do “eu”, o qual, com suas atividades se isola a si próprio, há divisão e resistência. E tudo isso é processo do pensamento. Assim, quando você pergunta o que é o amor, deve saber que ele não faz parte desse centro. O amor não é prazer e dor, não é ódio, nem violência em qualquer forma.

Interrogante: Portanto, nesse amor a que você se refere não pode haver sexo, já que não pode haver desejo.

Krishnamurti: Por favor, não tire nenhuma conclusão. Nós estamos investigando, explorando. Qualquer conclusão ou suposição impede o aprofundar da investigação. Para responder a essa pergunta, temos também de considerar a energia do pensamento. O pensamento, como dissemos, sustenta o prazer, pensando naquilo que proporcionou prazer, cultivando a imagem, a representação dessa coisa. O pensamento engendra o prazer. O pensar no ato sexual gera luxúria, coisa muito diferente do ato sexual. O que interessa à maioria das pessoas é a paixão da luxúria. O desejar, antes e depois do ato sexual, é luxúria. Esse desejar é pensamento. Pensamento não é amor.

Interrogante: Pode haver ato sexual se não houver esse desejo nutrido pelo pensamento?

Krishnamurti: Isso você tem de descobrir por si mesmo. O sexo tem um papel importantíssimo em nossa vida, por ser, talvez, a única experiência profunda e direta que temos. Intelectual e emocionalmente, ajustamo-nos, imitamos, seguimos, obedecemos. Há dor e atrito em todas as nossas relações, exceto no ato sexual. Sendo esse ato tão diferente e tão belo, torna-se uma paizão e, por conseguinte, uma nova servidão. Essa servidão é a imperiosa necessidade que temos de sua continuação; mais uma vez, a ação do centro divisor. Vemo-nos de tal maneira cercados de restrições — intelectualmente, na família, na comunidade, pela moralidade social, pelas sanções religiosas — que só nos resta esta única relação em que há liberdade e intensidade. Daí o lhe darmos tão extraordinária importância. Mas, se houvesse liberdade em todos os sentidos, o sexo não seria aquela paixão nem o imenso problema que hoje é. Tornamos o sexo um problema porque não podemos saciar-nos dele, ou porque nos sentimos “culpados” se nos saciamos, ou porque, saciando-nos, infringimos as regras estabelecidas pela sociedade. É a sociedade velha que chama a sociedade nova de “desregrada”, porque na nova sociedade o sexo faz parte da vida. Libertando-se a mente da servidão da imitação, da autoridade, do ajustamento e das prescrições religiosas, o sexo terá o seu justo lugar e não será uma paixão insaciável. Daí se vê que a liberdade é essencial ao amor — não a liberdade da revolta, a liberdade de fazemos o que nos agrada ou de cedermos, aberta e secretamente, aos nossos desejos, porém, a liberdade que vem com a compreensão integral da estrutura e natureza do centro. A liberdade é então amor.

Interrogante: Essa liberdade não é desregramento?

Krishnamurti: Não. Desregramento é servidão. Amor não é ódio, nem ciúme, nem ambição, nem espírito de competição com o simultâneo medo ao fracasso. Não é “amor divino” nem “amor humano” — que também significa divisão. O amor não é de um ou da multidão. Havendo amor, ele é pessoal e impessoal, com e sem objeto. Ele é como o perfume de uma flor, que pode ser respirado por um só ou por todos. O que tem verdadeira importância é o perfume, e não a quem ele pertence.

Interrogante: Onde entra, nisso, o perdão?

Krishnamurti: Quando há amor, não pode haver perdão. O perdão só vem depois de termos acumulado rancor; perdoar é ressentimento. Onde não há ferida, não há necessidade de cura. É a desatenção que gera o ressentimento e o ódio e, ao nos tornarmos cônscios deles, perdoamos; o perdoar fomenta a divisão. Se você tem consciência de que está perdoando, está pecando; se está cônscio de que é tolerante, você é intolerante. Quando está cônscio de que se acha em silêncio, não há silêncio. Quando deliberadamente se propõe a amar, é violento. Enquanto houver um observador a dizer “eu sou” ou “eu não sou”, o amor não pode existir.

Interrogante: Que lugar cabe o medo, no amor?

Krishnamurti: Como você pode fazer tal pergunta? Onde existe um, o outro não existe. Quando existe amor, você pode fazer o que quiser.

Jiddu Krishnamurti — A luz que não se apaga

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Em seu coração não há cânticos, porém, gritos

Pergunta: Por que nunca se realizam plenamente os nossos desejos? Por que há sempre obstáculos a nos impedir de atuar completamente, como desejamos?

Krishnamurti: Se é completo o seu desejo de fazer certa coisa, se nele está todo o seu ser, sem busca de nenhum resultado, sem nenhum desejo de preenchimento — não há então nenhum obstáculo. Só há obstáculo, contradição, quando seu desejo é incompleto, fragmentário: você deseja fazer uma coisa e ao mesmo tempo tem medo de fazê-la ou sente um vago desejo de fazer outra coisa. Além disso, há possibilidade de você realizar todos os seus desejos? Compreende? Explicarei.

A sociedade, que é a relação coletiva entre os homens, não quer que você tenha nenhum desejo completo, porque, se isso acontecesse, você se tornaria um incomodo, se tornaria uma perigo para a sociedade. Ela lhe permite ter desejos “respeitáveis”, como ambição, inveja — isso, sim, é muito “correto”. Constituída, que é, de entes humanos invejosos, ambiciosos, que acreditam e imitam, a sociedade admite a inveja, a ambição, a crença, a imitação, muito embora todas essas coisas sejam indícios de medo. Enquanto seus desejos se harmonizam com o padrão estabelecido, você é um cidadão respeitável. Mas, no momento em que você tem um desejo completo, estranho ao padrão, você se torna um perigo; assim sendo, a sociedade está sempre vigilante, para lhe impedir de ter um desejo completo, um desejo que seja a expressão de seu ser total e, portanto, produtor de ação revolucionária.

A ação de ser difere muito da ação de “vir a ser”. A ação de ser é tão revolucionária que a sociedade a repudia e se interessa exclusivamente pela ação de “vir a ser”, a qual é respeitável porque condiz com o padrão. Mas, todo desejo que se expressa na ação de “vir a ser”, que é uma forma de ambição, não encontra preenchimento. Mais cedo ou mais tarde, ele se vê contrariado, impedido, frustrado, e contra a frustração nos revoltamos de maneira nociva. 

Esta é uma questão muito importante de se examinar, porque, quando você envelhecer, verá que seus desejos nunca são realmente preenchidos. No preenchimento está sempre a sombra da frustração, e em seu coração não há cânticos, porém, gritos. O desejo de “vir a ser” — tornar-se um grande homem, um grande santo, um grande isto ou aquilo — não tem fim e, por conseguinte, não tem preenchimento; sua exigência é sempre de mais, e esse desejo gera sempre agonias, aflições, guerras. Mas, quando a pessoa está livre do desejo de “vir a ser”, há um “estado de Ser”, cuja atenção é totalmente diferente. Seu próprio ser é seu preenchimento

Krishnamurti — A cultura e o problema humano

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Encare qualquer desejo‏

Quando algum desejo vier, considere-o. Então, de repente, abandone-o.

(...) Quando algum desejo vier, considere-o. Então, de repente, abandone-o. Você sente um desejo — um desejo por sexo, um desejo por amor, um desejo por comida, qualquer coisa. Você sente um desejo: considere-o. Quando o sutra diz “considere-o”, significa não pensar a favor dele nem contra ele, apenas considere o desejo, o que ele é.

Um desejo sexual vem à mente. Você diz: “Isso é ruim”. Isso não é consideração. Ensinaram-lhe que isso é ruim; assim, você não está considerando esse desejo, você está consultando as escrituras, você está consultando o passado — os professores passados, os rishis — os sábios. Você não está considerando o próprio desejo, você está considerando alguma outra coisa. Você está considerando muitas coisas - seu condicionamento, sua criação, sua educação, sua cultura, sua civilização, sua religião - mas não o desejo.

Esse simples desejo surgiu. Não traga, à mente, o passado, a educação, o condicionamento; não traga os valores. Apenas considere esse desejo — o que ele é. Se a sua mente pudesse ser lavada completamente de tudo aquilo que lhe foi dado pela sociedade, de tudo que seus pais lhe deram — a educação, a cultura — se sua mente inteira pudesse ser lavada, o desejo por sexo surgiria. Ele surgiria, porque esse desejo não lhe foi dado pela sociedade. Esse desejo está construído internamente, biologicamente — ele está em você.

Por exemplo, se uma criança nasce e nenhuma língua lhe é ensinada, a criança não aprenderá nenhuma língua. Ela permanecerá sem linguagem. A língua é um fenômeno social; ela tem que ser ensinada. Mas... quando o momento certo chega, a criança sente o desejo sexual. Isso não é um fenômeno social, ele está construído internamente, biologicamente. O desejo virá no momento certo de maturação. Ele não é social, ele é biológico - mais profundo. Ele é construído dentro de suas células.

Devido a você ter nascido do sexo, todas as células de seu corpo são células sexuais; você se compõe de células sexuais. A menos que sua biologia possa ser lavada completamente, o desejo estará presente. Ele virá - ele já está presente.

Quando uma criança nasce, o desejo já existe, porque a criança é um subproduto de um encontro sexual. Ela vem através do sexo; todo o seu corpo é construído com células sexuais. O desejo já está ali, somente um certo tempo é necessário antes de que seu corpo se torne maduro o suficiente para sentir esse desejo, para desempenhar esse desejo. O desejo estará presente quer você tenha aprendido que o sexo é bom ou ruim, quer você tenha aprendido que o sexo é inferno ou paraíso, quer você tenha aprendido desse ou daquele jeito, a favor ou contra - porque ambos são ensinamentos.

As antigas tradições, as antigas religiões, o cristianismo principalmente, continuam pregando contra o sexo. Os novos cultos dos hippies e yippies e outros começaram o movimento oposto. Eles dizem que o sexo é bom, o sexo é extasiante, o sexo é a única coisa verdadeira no mundo. Ambos são ensinamentos. Não considere seu desejo de acordo com algum ensinamento. Simplesmente considere o desejo em sua pureza, como ele é — um fato. Não o interprete.

“Consideração”, aqui, significa não interpretar, mas simplesmente olhar para o fato como ele é. O desejo está presente: olhe para ele diretamente, imediatamente. Não traga seus pensamentos ou ideias, porque nenhum pensamento é seu e nenhuma ideia é sua. Todas as coisas foram dadas a você, toda ideia é uma coisa tomada emprestada. Nenhum pensamento é original — nenhum pensamento pode ser original. Não traga o pensamento, simplesmente olhe para o desejo, para o que ele é, como se você não soubesse nada sobre ele. Encare-o! Defronte-se com ele! É isso o que significa “considere-o”.

Quando algum desejo vier, considere-o. Apenas olhe para o fato — para aquilo que ele é. Infelizmente, isso é uma das coisa mais difíceis de se fazer. Comparado a isso, chegar à lua não é tão difícil, ou chegar ao pico do Evereste não é tão difícil. Trata-se de algo altamente complicado — chegar à lua é altamente complicado, infinitamente complicado, um fenômeno muito complexo. Mas comparado a viver com um fato da mente interna, isso não é nada, porque a mente está muito sutilmente envolvida em tudo o que você faz. Ela está sempre presente.

Olhe para a palavra... se eu digo “sexo”, no momento em que eu digo isso, você já decidiu a favor ou contra. No momento em que eu digo "sexo”, você já interpretou: “Isso não é bom. Isso é mau”. Ou: “Isso é bom”. Você interpretou inclusive a palavra.

Muitas pessoas vieram a mim quando o livro Do Sexo à Supraconsciência foi publicado. Elas vieram e disseram: “Por favor mude o título”. A simples palavra ‘sexo’ deixou-os perturbados — eles não tinham lido o livro. E aqueles que já leram o livro também dizem para mudar o título.

Por quê? A própria palavra lhe dá uma certa interpretação. A mente é tão interpretativa que se eu digo “suco de limão”, você começa a salivar. Você interpretou as palavras. Nas palavras ‘suco’, ‘de’, ‘limão’ não há nada semelhante ao limão, mas você começa a salivar. Se eu esperar uns momentos, você ficará incomodado, porque você terá de engolir. A mente interpretou; ela entrou. Mesmo com a palavra você não pode permanecer à parte, sem interpretar. Será difícil, quando o desejo surgir, permanecer à parte, permanecer apenas um observador desapaixonado, calmo e quieto, olhando para o fato, não o interpretando.

Eu digo: “Esse homem é muçulmano”. No momento em que eu digo “esse homem é muçulmano”, o hindu pensa “esse homem é ruim”. Se eu digo: “Esse homem é judeu”, o cristão decide que “esse homem não é bom”. A simples palavra ‘judeu’ e a mente cristã entra com a interpretação - a ideia tradicional, convencional, irrompe; “este” judeu não é considerado, a velha interpretação terá que ser imposta sobre “este” judeu.

Cada judeu é um judeu diferente. Cada hindu é um indivíduo diferente, único. Você não pode interpretá-lo, porque você conhece outros hindus. Você pode ter chegado à conclusão de que todos os hindus que você conheceu são ruins, mas “este” hindu não faz parte de sua experiência. Você está interpretando “este” hindu de acordo com suas experiências passadas. Não interprete; interpretação não é consideração. Consideração significa considerar este fato — absolutamente “este” fato. Permaneça com “este” fato.

Os rishis disseram que o sexo é ruim. Pode ter sido ruim para eles; você não sabe. Você tem o desejo, um desejo fresco com você. Considere-o, olhe para ele, fique atento a ele. Então, de repente, abandone-o.

Há duas partes nessa técnica. Primeira: permaneça com o fato - consciente, atento ao que está acontecendo. Quando você sente um desejo sexual, o que está acontecendo em você? Veja como você se torna exaltado. Como o seu corpo começa a tremer, como você sente uma loucura repentina arrastando-se internamente, como você se sente como se estivesse possuído por uma outra coisa. Sinta-o, considere-o. Não faça nenhum julgamento, simplesmente mova-se com o fato - o fato do desejo sexual. Não diga que ele é mau!

Se você o disser, acabou a consideração, você fechou a porta. Agora, sua face não está na direção do desejo — suas costas estão. Você se moveu para longe dele. Você perdeu um momento no qual poderia ter entrado profundamente na camada biológica do ser. Você está apegado à camada social, que é a mais superficial.

O sexo é mais profundo do que suas shastras - escrituras — porque ele é biológico. Se todas as shastras pudessem ser destruídas - e elas podem ser destruídas, muitas vezes o foram - sua interpretação estará perdida. Mas o sexo permanecerá; ele é mais profundo.

Não introduza coisas superficiais. Simplesmente considere o fato e mova-se para dentro, e sinta o que lhe está acontecendo. O que aconteceu para um certo rishi, para Maomé e Mahavira, é irrelevante. O que está acontecendo para você, neste exato momento? Neste momento vivo, o que lhe está acontecendo?

Considere-o, observe-o. E, então, a segunda parte... e essa é realmente bela. Shiva diz: Então, de repente, abandone-o.

De repente - lembre-se. Não diga: “Isso é ruim; assim,vou abandoná-lo. Eu não vou adiante com essa ideia, com esse desejo. Isso é ruim, isso é pecado; assim, eu vou parar com isso, vou reprimir”. Então, acontecerá a repressão, mas não um estado de mente meditativo. E a repressão está, na verdade, criando, através de suas próprias mãos, um ser e uma mente iludidos.

A repressão é psicológica. Você está perturbando todo o mecanismo e reprimindo as energias que irão explodir a qualquer hora. A energia está presente, você simplesmente a reprimiu. Ela não se moveu para fora, ela não se moveu para dentro, você simplesmente a reprimiu. Ela simplesmente se moveu para os lados. Ela vai esperar e se tornará pervertida, e a energia pervertida é o problema básico do homem.

As doenças psicológicas são subprodutos da energia pervertida. Então, ela tomará tais formatos, tais formas, que não são nem mesmo imagináveis e, nessas formas, ela tentará novamente ser expressa. E quando ela é expressa em uma forma pervertida, ela o conduz para uma angústia muito, muito profunda, porque não há satisfação em nenhuma forma pervertida. E você não pode permanecer pervertido, você tem de expressar. A repressão cria a perversão. Esse sutra não está relacionado com a repressão. Esse sutra não está dizendo para controlar, esse sutra não está dizendo para reprimir. O sutra diz: Então, de repente, abandone-o.

O que fazer? O desejo está presente; você considerou. Se você o considerou, não será difícil; a segunda parte será fácil. Se você não o considerou, olhe para a sua mente. Sua mente estará pensando: “Isso é bom. Se nós pudermos abandonar o desejo sexual de repente, isso é belo”. Você gostaria de fazê- lo, mas do que você gosta não é a questão. Seu gostar pode não ser “o seu” gostar, mas apenas o da sociedade. Seu gostar pode não ser de sua própria consideração, mas apenas da tradição. Primeiramente, considere; não crie nenhum “gostar” ou “não-gostar”. Apenas considere e, então, a segunda parte se torna fácil — você pode abandonar o desejo.

Como você pode abandoná-lo? Quando você considera uma coisa totalmente, isso é muito fácil; é tão fácil quanto soltar este papel de minha mão. Abandone-o... O que irá acontecer? Um desejo está presente. Você não o reprimiu e ele está se movendo para fora, ele está vindo para cima; ele agitou todo o seu ser. Na verdade, quando você considera um desejo sem interpretação, todo seu ser se tornará um desejo.

Quando o sexo estiver presente e se você não for contra ele ou a favor dele, se você não tiver nenhuma ideia quanto a ele, então, simplesmente por olhar o desejo, todo o seu ser será envolvido nele. Um simples desejo sexual se tornará uma chama. Todo o seu ser estará concentrado na chama, como se você tivesse se tornado totalmente sexual. Ele não estará somente no centro sexual, ele se espalhará por todo o seu corpo. Cada fibra de seu corpo estará vibrando. A paixão terá se tornado uma chama. Agora, abandone-o. Não lute com ele, simplesmente diga: “Eu o abandono”.

O que acontecerá? No momento em que você pode simplesmente dizer “eu abandono”, uma separação acontece. Seu corpo - seu corpo apaixonado, seu corpo preenchido com desejo sexual - e você se tornam dois. De repente, em um momento, eles são dois polos separados. O corpo está contorcido de paixão e sexo e o centro está silencioso, observando. Nenhuma luta existe, apenas uma separação - lembre-se disso. Na luta, você não está separado. Quando você está lutando, você é um com o objeto. Quando você o abandonou, você está separado. Agora você pode olhar para ele como se outra pessoa estivesse presente, não você.

Um de meus amigos esteve comigo por muitos anos. Ele era um fumante inveterado e tentou e tentou, como todo fumante, não fumar. Um dia, de repente pela manhã, ele decidia: “Agora eu não vou fumar mais”; e à noite ele estava fumando de novo. E ele se sentia culpado e se justificava e, então, por uns dias, ele não podia juntar coragem novamente para decidir não fumar. Então, ele esquecia o que tinha acontecido. Então, um dia novamente, ele dizia: “Agora, eu não vou fumar mais”; e eu apenas ria, porque isso já tinha acontecido tantas vezes...! Então, ele mesmo se tornou farto de toda a coisa - com esse fumar e, então, decidir não fumar, e esse constante círculo vicioso.

Ele se perguntava o que fazer. Ele me perguntou o que fazer; assim eu lhe disse: “Não vá contra o fumar - essa é a primeira coisa a se fazer. Fume e esteja com isso. Por sete dias, não fique contra o fumar; faça isso”.

Ele disse: “O que você está me dizendo? Eu fui contra e, mesmo assim, eu não pude deixá-lo, e você está dizendo para eu não ficar contra. Então, não há nenhuma possibilidade de deixá-lo”.

Assim, eu lhe disse: “Você tentou a atitude hostil e foi um fracasso. Agora, tente a outra - a atitude amistosa. Não fique contra durante sete dias”.

Imediatamente ele disse: “Então, eu serei capaz de abandoná-lo?”

Aí eu lhe disse: “Então, novamente... você continua inimigo dele! Não pense em abandoná-lo de forma alguma. Como pode alguém pensar em abandonar um amigo? Durante sete dias, simplesmente esqueça-se disso. Fique com ele, coopere com ele, fume tão profundamente quanto possível, tão amorosamente quanto possível. Quando você estiver fumando, simplesmente esqueça tudo, torne-se o fumar. Fique totalmente à vontade com ele, em profunda comunhão com ele. Durante sete dias, fume tanto quanto você queira e esqueça-se dessa história de abandoná-lo”.

Esses sete dias tornaram-se uma consideração. Ele pôde olhar para o fato de fumar. Ele não estava contra; assim, agora, ele podia encará-lo. Quando você é contra alguma coisa, ou contra alguém, você não pode encarar. O próprio fato de ser contra se torna uma barreira. Você não pode considerar... Como você pode considerar um inimigo? Você não pode olhar para ele, você não pode olhar em seus olhos; é difícil encará-lo. Você pode olhar profundamente somente nos olhos de alguém que você ame; então, você penetra profundamente. Do contrário, os olhos nunca podem se encontrar.

Assim, ele olhou o fato profundamente. Durante sete dias, ele o considerou. Ele não foi contra; assim, a energia estava presente, a mente estava presente e aquilo se tornou uma meditação. Ele teve que cooperar com aquilo. Ele teve que se tornar o fumante. Depois de sete dias, ele se esqueceu de me contar. Eu estava esperando que ele dissesse: “Agora, os sete dias se acabaram; e agora, como eu posso abandonar”? Ele se esqueceu completamente dos sete dias. Três semanas se passaram e, então, eu lhe perguntei: “Você se esqueceu completamente”?

Ele disse: “A experiência tem sido tão bela. Eu não quero pensar em mais nada agora. Isso é belo e, pela primeira vez, eu não estou lutando com o fato. Eu estou apenas sentindo o que está acontecendo comigo”.

Então eu lhe disse: “Sempre que você sentir o impulso para fumar, simplesmente abandone-o”. Ele não me perguntou como abandoná-lo, ele simplesmente considerou a coisa toda e a coisa toda se tornou tão infantil e não havia nenhuma luta. Assim, eu disse: “Quando você sentir novamente o impulso de fumar, considere-o: olhe para ele e abandone-o. Pegue o cigarro em sua mão, pare por um momento, então, abandone o cigarro. Deixe-o cair e enquanto o cigarro cai, deixe o impulso interno cair também”.

Ele não me perguntou como fazê-lo, porque a consideração torna a pessoa capaz — você pode fazê-lo. E se você não pode fazê-lo, lembre-se: você não considerou o fato. Então, você estava contra ele, todo o tempo pensando em como abandoná-lo. Então, você não pode abandoná-lo. Quando de repente o impulso está presente e você o abandona, toda a energia dá um salto para dentro.

A técnica é a mesma, somente a dimensão difere: Quando algum desejo vier, considere-o. Então, de repente, abandone-o.

Osho, em "O Livro dos Segredos"
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill