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quinta-feira, 5 de abril de 2018

No conhecimento da totalidade do "eu", o seu fim

No conhecimento da totalidade do "eu", o seu fim

Um dos mais difíceis problemas parece ser a questão de como operar uma transformação fundamental em nós mesmos. Pensamos, muitas vezes, que a transformação do indivíduo não importa e que devemos, antes, interessar-nos pela "massa", pelo todo. Acho completamente errônea essa ideia. Eu penso que a transformação deve começar pelo indivíduo — se tal entidade existe, "o indivíduo". Há necessidade de uma transformação essencial em vós e em mim. A modificação consciente, como se pode ver, não constitui transformação. O processo deliberado de automelhoramento, o cultivo deliberado de determinado padrão ou forma de ação, não produz a transformação real, porquanto tal modificação será mera projeção do nosso próprio desejo, nosso próprio fundo — uma reação. Todavia, quase todos temos muito interesse nesta questão da transformação, visto que estamos andando às cegas, estamos confusos. E aqueles que refletem seriamente deviam investigar a fundo esta questão de como promover a transformação de si próprios.

A dificuldade, ao que me parece, está em compreender o fato de que qualquer espécie de modificação, feita numa mente condicionada, só pode produzir um condicionamento diferente, e não uma transformação. Se eu, como hinduísta ou como cristão, procuro modificar-me dentro desse padrão, não se efetua nenhuma transformação real, e, sim, apenas um condicionamento talvez melhor, mais conveniente, mais adequado; mas fundamentalmente, não há transformação. A meu ver, um dos piores obstáculos que estamos enfrentando é esta ideia de que podemos transformar-nos dentro do padrão. Mas, sem dúvida, quando uma mente condicionada pela sociedade, por uma dada cultura, produz, conscientemente, alguma modificação dentro do padrão, tal modificação é ainda um processo de condicionamento. Bem esclarecido isso, acho que então a nossa investigação, visando a descobrir o que é transformação e como será possível produzir uma mudança radical em nós mesmos, torna-se altamente interessante, uma questão vital. Porque a cultura, isto é, a sociedade que nos rodeia, pode criar uma "religião", porém, nunca produzirá um homem religioso.

Agora, se posso desviar-me um pouco do assunto, interessa observar a forte reação que geralmente nos desperta a palavra "religião". Uns gostam dela, e a simples palavra lhes dá um sentimento de satisfação emocional; outros a repelem. Mas considero importante descobrir como escutar corretamente as palavras. Como é que escutamos? Vós ouvis a palavra "religião", e gostais ou não gostais desta palavra. Esta própria palavra atua como uma barreira à compreensão mais ampla, à ulterior investigação, por causa de nossa reação à palavra.

Mas pode-se escutar sem tal reação? Porque, se sabemos escutar sem reação, sem que nossos preconceitos, nossas peculiaridades, idiossincrasias, crenças, nos fechem o caminho, poderemos então, parece-me, ir muito longe. Dificílimo é, porém, desembaraçar-nos de nossos preconceitos, para darmos atenção completa a algo que se está dizendo. A atenção se torna estreita, exclusivista, quando meramente concentrada numa determinada ideia. Os mais de nós temos ideias, certos preconceitos, e, enquanto pensarmos segundo esta norma, podemos prestar "atenção", como o chamamos, mas, na realidade, essa atenção é uma forma de exclusão, que absolutamente não é atenção. O que desejo fazer-vos notar é que, para escutarmos realmente, devemos estar apercebidos de nossos próprios preconceitos, nossas próprias reações emocionais e neurológicas a uma determinada palavra, como sejam "Deus", "religião", "amor", etc., para nos desembaraçarmos de tais reações. Se soubermos escutar dessa maneira, escutar atentamente, sem estarmos à procura de uma dada ideia que confira com a nossa própria ideia, ou lhe seja contrária, acho que então estas palestras poderão ser frutuosas.

Como dizia, a cultura pode produzir religiões, mas não um homem religioso. E, em meu sentir, só um homem religioso é capaz de operar uma radical transformação dentro de si mesmo. Toda mudança, toda alteração, feita na mente condicionada por uma dada cultura, não constitui uma transformação real, e, sim, tão só a continuação da mesma coisa com modificações. Isso me parece bastante óbvio, se refletimos a seu respeito — isto é, que enquanto eu tiver o padrão hinduísta, cristão, budista, etc., qualquer mudança que eu opere dentro desse padrão representará uma mudança consciente, que faz parte, ainda, do padrão, não sendo, por conseguinte, transformação nenhuma. Surge aí a questão: posso operar a transformação por meio do inconsciente? Quer dizer: ou começo, conscientemente, a alterar o padrão do meu viver, minhas normas de pensar, a suprimir conscientemente os meus preconceitos — o que, tudo isso, constitui um mecanismo deliberado de esforço, visando a certo objetivo, certo ideal; ou procuro operar a modificação, esquadrinhando o inconsciente. Indubitavelmente esses dois métodos envolvem o problema do esforço. Vejo que preciso transformar-me — por várias razões, por "motivos" vários — e, conscientemente, começo a trabalhar neste sentido. Percebendo então — se reflito a respeito da coisa — que não se realiza uma verdadeira transformação, ponho-me a esquadrinhar o inconsciente, a penetrar-lhe as profundezas, na esperança de que, por vários métodos de análise, me seja possível operar uma mudança, uma modificação, ou um ajustamento mais profundo.

E, agora, pergunto a mim mesmo se esse esforço consciente e inconsciente para me transformar produz de fato transformação. Ou será necessário ultrapassar, tanto o consciente como o inconsciente, para que possa produzir-se uma mudança radical? Como sabeis, tanto o desejo consciente como o impulso inconsciente, para modificar, implicam esforço. Se examinardes muito profundamente esta questão, vereis que, ao desejarmos transformar-nos, há sempre aquele que faz o esforço e, também, aquilo que é estático — a coisa sobre a qual o esforço se exerce. Assim, nesse processo de se desejar operar modificação — consciente ou inconscientemente — há sempre pensador e pensamento: aquele que diz "Preciso transformar" e o estado que ele deseja transformar. Há, pois, dualidade; e estamos sempre, estamos perenemente procurando lançar uma ponte sobre esse vão por meio de esforço. Vejo que há em mim, no consciente e no inconsciente, a entidade que faz esforço, e aquilo que ela deseja modificar. Há uma divisão entre o que sou e o que desejo ser. Isto significa: divisão entre o pensador e o pensamento, e daí o conflito. E o pensador está sempre tentando vencer este conflito, consciente ou inconscientemente. Estamos bem familiarizados com esse "mecanismo", pois é isso que estamos fazendo constantemente. Toda nossa estrutura social, nossa estrutura moral, nossos ajustamentos, etc., baseiam-se em tal "mecanismo". Mas isso produz transformação? Se não produz, não deve então a transformação ser operada num nível completamente diferente, que não se acha nem no campo do consciente nem no campo do inconsciente? Sem dúvida, todo o campo mental — o consciente e o inconsciente — está condicionado pela nossa particular cultura. Isto é bastante óbvio. Enquanto eu for hinduísta, budista, cristão, etc., a própria cultura em que fui criado, educado, condiciona todo o meu ser. O meu ser total é tanto o consciente como o inconsciente. No campo do inconsciente se acham todas as tradições, o resíduo, assim o herdado como o adquirido, de todo o passado do homem, e eu estou tentando modificar-me no campo do consciente. Tal modificação só pode ser feita de acordo com meu condicionamento, e, por conseguinte, nunca produzirá liberdade. É bem óbvio, pois, que a transformação é uma coisa totalmente independente da mente; ela deve estar num nível completamente diferente, numa diferente profundidade, numa altura diferente.

Como posso então transformar-me? Percebo, ou pelo menos entrevejo, a verdade de que uma mudança, uma transformação, deve começar num nível que a mente, como consciente ou inconsciente, não pode alcançar, visto que minha consciência, como um todo, está condicionada. Que devo então fazer? Espero que esteja fazendo claro o problema. Posso enunciá-lo de maneira diferente: pode a minha mente, tanto a consciente como a inconsciente, tornar-se livre da sociedade? — sendo sociedade a educação, a cultura, a norma, os valores, os padrões. Não sendo livre, qualquer modificação que ela tente efetuar dentro desse estado condicionado, é sempre limitada e, por conseguinte, não é transformação. Se percebo a verdade a esse respeito, que deve a mente fazer? Se digo que ela deve tornar-se quieta, então esse próprio "tornar-se quieta" faz parte do padrão, é produto do meu desejo de efetuar uma transformação num nível diferente.

Assim sendo, posso prestar atenção, sem ter motivo algum? Pode a minha mente existir sem nenhum incentivo, nenhum "motivo" para transformar-me ou não transformar-me? Porque todo motivo resulta da reação de uma determinada cultura, produto de um determinado fundo. Pode, então, a minha mente ficar livre da cultura sob cuja influência fui educado? Esta é, com efeito, uma questão muito importante. Porque, se a mente não está livre da cultura em que foi criada, nutrida, o indivíduo, sem dúvida, nunca estará em paz, nunca terá liberdade. Seus deuses e seus mitos, seus símbolos e todos os seus empreendimentos são limitados, porque pertencem ao campo da mente condicionada. Quaisquer esforços que faça, ou não, dentro deste tão limitado campo são, em verdade, fúteis, no sentido mais profundo da palavra. Poderá haver melhor decoração da prisão — mais luz, mais ventilação, mais alimento —, mas é sempre a mesma prisão de uma determinada cultura. Pode, pois, a mente, tornando-se cônscia de sua totalidade, e não só das camadas superficiais ou de certas profundidades — pode a mente alcançar aquele estado em que a transformação não resulta de esforço consciente ou inconsciente? Se está clara esta questão, manifesta-se, então, a reação ao problema: como alcançar um tal estado? Ora, a própria pergunta "como?" é mais uma barreira. Porque o "como" implica a busca e a prática de certo sistema, certo método, os "passos" que se devem dar para se chegar àquela transformação.

Compreendeis? O "como" implica o desejo de alcançar, a ânsia de realizar; e esta própria tentativa de ser uma coisa deriva de nossa sociedade, que é aquisitiva, invejosa. E estamos, assim, de novo na armadilha. Nessas condições, que deve fazer a mente? Percebo a importância da transformação. E percebo que toda modificação, em qualquer nível da mente consciente ou inconsciente, não representa transformação nenhuma. Se compreendo realmente isso, se percebo a verdade respectiva — isto é, que enquanto existe entidade que faz esforço, o pensador, o "eu", que quer alcançar um resultado, tem de haver divisão e, portanto, o desejo de efetuar uma ligação, uma integração dos dois, o que torna inevitável o conflito. Se percebo tal verdade, que acontece?

Eis o problema: percebo que todo esforço que faço, dentro da esfera do pensar — a esfera tanto do consciente como do inconsciente — produz separação, dualidade, e por conseguinte conflito? Se percebo esta verdade, que acontece? Tenho eu então, tem a mente consciente ou a mente inconsciente, de fazer alguma coisa? Vede, por favor, que isto não é nenhuma filosofia oriental de inação, não significa entregar-se a certo "transe" misterioso. Pelo contrário, requer muita reflexão, penetração, investigação. Esse estado só pode ser atingido pela compreensão do consciente e do inconsciente, e não pelo dizermos, apenas: "Pois bem, não pensarei mais; e então acontecerão coisas". Não acontecerá coisa nenhuma. Daí a importância do autoconhecimento. Não o autoconhecimento de acordo com certo filósofo, certo psicanalista, grande ou pequeno, pois isto será mera imitação; é o mesmo que ler um livro e querer ser o livro; não é autoconhecimento. Autoconhecimento é o descobrir, de fato, em si mesmo, o processo do próprio pensar, do próprio sentir, dos próprios motivos e reações — o verdadeiro estado em que nos achamos, e não um estado desejado.

Eis porque muito importa tenhamos conhecimento de nós mesmos, como quer que sejamos: feios, bons, maus, belos, joviais — tudo o que somos; conhecimento de nosso condicionamento superficial e bem assim do condicionamento inconsciente, mais profundo, de séculos de tradição, de anseios, compulsões, imitações; compreensão, experiência direta da totalidade, pelo autoconhecimento. Acho que então se descobrirá que tanto a mente consciente como a inconsciente não mais farão movimento algum para realizar a transformação; mas ocorrerá uma mudança, ocorrerá uma transformação, num nível de todo diferente, a uma altura e uma profundidade inatingíveis pela mente consciente e pela mente inconsciente. A transformação tem de começar aí, e não no nível consciente ou inconsciente, oriundos de uma cultura. Por esta razão é muito importante estarmos livres da sociedade, mercê do autoconhecimento. Então, depois de ter cessado todo esse mecanismo de reconhecimento pela sociedade e quando a mente já não se preocupa com reformas, deve verificar-se uma transformação radical, inatingível pela mente consciente ou inconsciente; e, em virtude dessa transformação, será possível criar uma sociedade diferente, um Estado diferente. Mas esse Estado, essa sociedade, não podem ser preconcebidos — deverão surgir das profundezas do autodescobrimento.

Assim sendo, o que me parece importante é essa investigação do "eu", de "mim", para se conhecer o "eu" tal qual é, com suas ambições, invejas, exigências agressivas, falácias, divisão em "superior" e "inferior" — de tal maneira que não só seja revelada a mente consciente, mas também a inconsciente, o repositório da antiga tradição, dos séculos de depósitos de toda sorte de experiências. O conhecimento da totalidade do "eu" significa o seu fim. Então a mente, já que não mais está preocupada com a sociedade, com reconhecimento, com reformas, nem mesmo com a transformação de si própria, descobre que há uma mudança, uma transformação não proveniente de um esforço deliberado visando a um resultado.

Krishnamurti, Quarta Conferência em Londres, 24 de junho de 1955

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

É preciso que nos vejamos tal como realmente somos


[...]Nos países ocidentais sempre foi possível a qualquer um iniciar os estudos filosóficos, mas na Ásia o candidato era obrigado a exibir previamente uma certa capacidade para a tarefa. Até que a sua aptidão e atitude se tornassem aceitáveis, lamentavelmente, ele não podia iniciar o aprendizado. Pouco importava aos guardiães da sabedoria que ele tivesse ou não alguma fé religiosa, que fosse ateu, cristão ou muçulmano; o que importava é que do ponto de vista psicológico estivesse apto. [...] Fichte, no entanto, deve ter entrevisto a necessidade desse preparo disciplinador, ao dizer certa vez: "O tipo de filosofia que um homem escolhe depende, em última análise, do tipo de homem que ele é". 

A assimilação da verdade mais elevada estará em rigorosa proporção com a qualificação pessoal do indivíduo. 

Depois de ler o presente capítulo o estudante deveria fazer um exame consciencioso de si mesmo e determinar de maneira objetiva até que ponto as características desejadas estão presentes em seu equipamento mental. O exame deverá ser procedido à base da maior honestidade. Os resultados desse levantamento poderão ser espantosos para o estudante compenetrado, vexatórios para o sensível, ou esclarecedores para aquele que tem sede de autoconhecimento. Uma das primeiras coisas que ficarão patenteadas é até onde a pessoa é influenciada pelos maus instintos, pelos preconceitos correntes, pelas inclinações desconhecidas, pelos temores ocultos, pelas esperanças tolas, pelas atitudes injustas, pelas disposições do momento, pelas alucinações violentas ou pelas ilusões arraigadas; e como ela se conduz em meio a uma névoa de motivos conflitantes e poderosa influência subconsciente. Dessa forma se descobre o que se é realmente! A revelação decerto não será agradável. Se a pessoa não tiver pendores para a filosofia esse momento tornar-se-á crucial, e ela irá atirar raivosamente o livro para um canto e abandonar por inteiro o assunto. Mas, se a pessoa tiver a têmpera ideal, irá adotar a disciplina necessária e aos poucos começarão a surgir as modificações desejadas.

A primeira preocupação do instrutor de filosofia é derrubar os ídolos de pés de barro do estudante ou explicar-lhe com franqueza aquilo que ele na realidade faz ao adorá-los. Pois o instrutor ocupa aquela mesma e desagradável posição do diretor de um hospital psiquiátrico que muitas vezes é obrigado a concordar com os doentes que julgam ser aquilo que não são — um Napoleão, por exemplo — mas que num dado momento se vê forçado a dizer intempestivamente àquelas pobres criaturas que elas não são o que julgam ser! Naquele momento detestável o médico, sem a menor dúvida, tornar-se-á a pessoa mais odiada de toda a instituição!

A consciência de encontrarem-se numa posição análoga — pois pouquíssimas pessoas gostam de ouvir que não estão aptas a receber a verdade — é uma razão a mais para que os instrutores da filosofia oculta se tivessem mantido à sombra durante tanto séculos. Na verdade, do ponto de vista da filosofia poucas pessoas apresentam o equilíbrio requerido e, consequentemente, cria-se o axioma de que o candidato deve ser tratado e curado desse desequilíbrio comum a milhões de seres humanos. Pois a filosofia busca colocar os seus estudantes no ângulo exato para que veja o préstito da existência cósmica tal qual ele realmente é, despojado de fascínio e embustes. Isso não poderá ser conseguido enquanto o intelecto não for bem esclarecido e a força dos seus complexos ocultos não desaparecer. A tarefa de reordenar a mente pode ser um processo assaz doloroso. O trabalho de afastar as falsidades e tolices que a dominam pode deixar para trás algum vácuo.

É essencial descobrir quais as forças que estão atuando na mente e influenciando o raciocínio e as perspectivas mentais. Uma vez que o estudante tenha desenterrado a base real de suas ações e atitudes, ele poderá filosofar livremente, mas não antes. Por meio de uma crítica rigorosa é preciso que desmascare impiedosamente os seus motivos ocultos, desejos inconscientes e tendências veladas. Os complexos que recamam a porção inferior da mente humana e não são reconhecidos nem nomeados respondem em parte pela incapacidade de apreender a verdade. Uma fase de maior importância durante essa atividade preliminar é, portanto, aquela em que se erradica esses parasitas mentais, expondo-os à poderosa luz da consciência.

Depois de aperceber-se dos processos secretos da sua mente e do funcionamento secreto dos seus desejos, o estudante irá descobrir que numerosas crenças falsas e distorções emocionais de há muito vinham atuando como poderosos empecilhos a uma conduta acertada e a uma nítida percepção da verdade. Descobrirá ser pesado o fardo das ilusões e racionalizações que carrega e que impedem a entrada do verdadeiro conhecimento. Somente através dessa compreensão plena daquilo que acontece nos bastidores da vida pessoal consciente poderá surgir a liberação a fim de preparar o advento de novos progressos no caminho derradeiro. As características mais íntimas deverão ser postas a nu, sem concessões de qualquer espécie, procurando-se com destemor compreender as mais amargas verdades a nosso próprio respeito. É preciso que nos vejamos tal como somos, expondo o eu ao eu. Essa é a delicada operação psicológica necessária para determinar, a fim de sejam suprimidas do processo do pensamento e da ação, todas as tendências, alucinações e racionalizações que impedem a entrada da verdade na mente ou que colocam a mente na trilha errada. Até que tais influências sejam determinadas através da análise e expostas através da perguntação não cessará a uma ação maléfica. Esses complexos surgem para dominar o homem e retardar o seu livre uso da razão. Compete-lhe humilhar-se desde o princípio, não hesitando em reconhecer que o seu caráter, tanto na fase franca como na oculta, é uma coisa deformada, aleijada e desequilibrada. Em suma, é preciso estudar um pouco de psicologia antes de abordar frutuosamente a filosofia. É preciso analisar as próprias emoções, examinar a interação entre sentimento e razão, perceber como são formados os conceitos das ideias e das coisas e atacar o problema da motivação inconsciente.

Quando, por exemplo, uma determinada ideia ressurge inapelavelmente a cada instante e acaba por converter-se numa obsessão, ela interfere com o livre curso do raciocínio e impossibilita com isso uma rigorosa reflexão filosófica. Ou quando um homem faz restrições mentais a determinados pontos de vista acerca de um assunto ou campo de interesse específico e não permite que suas faculdades ali operem em sua plenitude, sua mente ficará então dividida em dois ou mais compartimentos estanques, os quais jamais poderão interagir logicamente entre si. Poderemos ter então o espetáculo de uma credulidade completa num departamento e uma crítica racional no outro. A excelência deste último disfarçará os defeitos do primeiro. O problema não é a incapacidade de raciocinar adequadamente mas um complexo específico cuja interferência se faz sentir a uma dada altura. Uma vez mais, quando o auto-respeito ou o respeito humano exige que se façam concessões à razão, testemunhamos o curioso processo em que uma pessoa encontra para suas conclusões uma base em tudo diferente da real. Por essa forma ela ela se ilude a si própria e talvez aos outros através dessas racionalizações de desejos egoístas e preconceitos injustificáveis. Também constituem dificuldades as ilusões que assumem um caráter rígido a ponto de proporcionar à razão uma defesa inexpugnável. Sua persistência via de regra se registra no domínio das crenças políticas, religiosas, sociais ou econômicas.

Trata-se do que poderia ser chamado de moléstia da mente e, enquanto não forem curadas, impedirão o funcionamento normal daquelas faculdades que são chamadas a intervir quando nos empenhamos na procura da verdade. Pois determinam os processos do raciocínio e da ação.

Essa é a auto-revelação que aguarda o estudante. Ela não é agradável, mas se a pessoa tiver a coragem de aceitá-la como um remédio, mostrar-se-á purificadora. Não pode haver cura a menos que a pessoa se dê conta de que está enferma.

É difícil chegar a uma análise acurada por si mesmo, e aqui a ajuda — sempre que for possível — de um filósofo proficiente, vale dizer, um sábio, será de grande utilidade; mas tais homens são extremamente raros. O filósofo competente verifica, depois de um pouco de conversação, quais são os complexos atuantes numa pessoa, sem a necessidade de empregar os alentados e não raro fantásticos processos de psicanálise. Ademais, ele os verá com clareza muito maior que o analista, pois este decerto carrega uma carga de variados complexos desde que não se tenha submetido à disciplina filosófica! Um exame dessa natureza só pode ser eficazmente executado por alguém que do ponto de vista mental seja absolutamente livre

Paul Brunton em, A sabedoria oculta além da ioga

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Como escapar das poderosas garras da sociedade?

Conhecer a si mesmo é a coisa mais difícil. Não deveria ser assim. Deveria ser exatamente o oposto — a coisa mais simples. Mas não é — por muitas razões. Tornou-se tão complicado, pois você investiu tanto na auto-ignorância que parece quase impossível retornar, voltar à fonte, encontrar a si mesmo.

Toda a sua vida, tal como ela é, como é aprovada pela sociedade, pelo Estado, pela Igreja, está baseada na auto-ignorância. Você vive sem se conhecer, porque a sociedade não quer que você se conheça. É perigoso para a sociedade. Um homem que conhece a si mesmo está destinado a ser rebelde.

O conhecimento é a maior das rebeldias — quer dizer, o autoconhecimento, não o conhecimento acumulado através de escrituras, não o conhecimento encontrado nas universidades, mas o conhecimento que acontece quando você encontra o seu próprio ser, quando chega a si mesmo na sua nudez total; quando você se vê como Deus o vê, não como a sociedade gostaria de vê-lo; quando você vê o seu ser natural, no seu florescimento total e selvagem — não o fenômeno civilizado, condicionado, educado, polido.

A sociedade está interessada em fazer de você um robô, não um revolucionário, porque o robô é mais útil. É fácil dominar um robô; é quase impossível dominar um homem de autoconhecimento. Como se pode dominar um Jesus? Como se pode dominar um Buda ou um Heráclito?

Ele não cederá, não obedecerá ordens. Ele se moverá. através de seu próprio ser. Será como o vento, como as nuvens; ele se moverá como os rios. Será selvagem — naturalmente belo, natural, mas perigoso para a falsa sociedade. Ele não se ajustará. A menos que criemos no mundo uma sociedade natural, um Buda continuará sendo sempre um desajustado, um Jesus certamente será crucificado.

A sociedade quer dominar; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir, explorar. Gostaria que você permanecesse completamente inconsciente de si mesmo. Esta é a primeira dificuldade. E a pessoa tem de nascer numa sociedade. Os pais fazem parte da sociedade, os professores fazem parte da sociedade, os padres fazem parte da sociedade. A sociedade está em toda parte, à sua volta. Parece realmente impossível — como escapar? Como encontrar a porta que leva de volta à natureza? Você está cercado por todos os lados.

(Osho)

sábado, 21 de fevereiro de 2015

A ilusão da busca de conhecimento externo

Somos incapazes de ver como o conhecimento correto de NÓS MESMOS pode ser necessário ao nosso modo de viver. Aspiramos a aprender como dobrar o mundo à nossa vontade ou então como a ele adaptarmo-nos de modo a podermos tirar o melhor proveito, por pior que seja. Não vemos como o conhecimento correto de NÓS MESMOS pode ser-nos útil neste mister... estamos completamente convencidos de que nos conhecemos perfeitamente bem. 

Acreditamos que o conhecimento é de grande valor, e procuramos conhecer a verdade sobre tudo que possivelmente vamos encontrar na vida. Somos tão fanáticos quanto a isso, que desejamos tornar compulsória a todos a aquisição do conhecimento. E todo esse conhecimento é concernente AO MUNDO — e não A NÓS MESMOS. Com o passar dos séculos, cada nação, ou grupo de nações, acumulou bastante conhecimento — história, geografia, astronomia, física, ética, teologia, biologia, sociologia, e até mesmo o que se conhece pelo nome imponente de filosofia ou metafísica. Se todo esse conhecimento externo, que vem se amontoando, desse felicidade, deveria ter havido um aumento constante da felicidade humana. Mas o caso é outro. 

Pode-se alegar que o aumento do conhecimento nos deu um maior domínio sobre as forças cegas da Natureza, e que isto é tudo para chegar-se ao bem. Mas não é bem assim. Esse domínio foi colocado por uma sorte funesta nas mãos de poucos, e quanto maior se tornar, mais profundo serão o desespero e a degradação em que as massas afundam. E a percepção de sua miséria se alívio não pode deixar de envenenar a taça da felicidade — ou de arremedo de felicidade — para aqueles entre a minoria afortunada que não sejam totalmente egoístas. O milênio, que os cientistas de uma era agora esquecida profetizaram, está mais longe do que nunca. Na verdade, a ciência trouxe o mundo a um estado em que a própria sobrevivência da raça humana está sendo seriamente ameaçada. É pura maldade — indigna daqueles que aspiram a uma genuína e imaculada felicidade — afirmar que todo este conhecimento tem sido para o bem. E isso deve levar-nos a suspeitar que não há conhecimento algum. Pelo menos, podemos supor que a felicidade não pode ser encontrada por intermédio DESSA ESPÉCIE DE CONHECIMENTO. O ensinamento dos sábios confirma tal suspeita. Ramana Maharshi chega mesmo a caracterizar todo esse conhecimento externo como IGNORÂNCIA. 

(...) Ramana Maharshi afirmou que a investigação do mundo exterior a nada nos poderá levar, exceto à ignorância. Disse ele que QUANDO PROCURAMOS CONHECER ALGUMA COISA QUE NÃO SEJA NÓS MESMOS, SEM PROCURARMOS CONHECER A VERDADE DE NÓS MESMOS, O CONHECIMENTO QUE OBTEMOS PROVAVELMENTE NÃO PODE SER EXATO.

(...) A razão dada por Ramana Maharshi é que quem desejar saber a Verdade seja do que for, deve PRIMEIRO CONHECER-SE A SI MESMO E COM PERFEIÇÃO. Quer dizer que aquele que não se conhece, parte de um erro inicial, o qual DETURPA todo o conhecimento resultante de sua investigação. Quem se conheceu a si mesmo, no entanto, está livre de tal erro, e somente ele é capaz de encontrara a Verdade do mundo ou das coisas do mundo. A qualidade daquele que pretende adquirir conhecimento é elemento indispensável ao conhecimento por ele adquirido. Será conhecimento correto somente se o pretendente estiver ADEQUADAMENTE HABILITADO para a pesquisa. 

(...)Mas não nos conhecemos? Pensamos que sim. O homem vulgar afirma com convicção que se conhece a si mesmo da forma adequada; e pode ser-lhe impossível chegar a entender que NÃO SE CONHECE, mesmo que o escute e um Sábio. É necessário termos a mente muito adiantada e grandemente PURIFICADA para percebermos e reconhecermos QUE NÃO NOS CONHECEMOS A NÓS MESMOS — que as ideias sobre nós mesmos, acalentadas durante tanto tempo, estão erradas. Os Sábios nos dizem que nossas ideias sobre nós mesmos são um misto de verdade e erro.

(...) Ramana Maharshi diagnostica a doença — escravidão aos desejos e temores — como devida à ignorância sobre o que é o nosso Eu real, e à consequente premissa falsa de que o corpo é o Eu. E isso se confirma pela observação de que desejo e medo surgem em virtude do corpo. 

MAHA YOGA

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Longe da multidão, quem é você?

Todos os esforços feitos para evitar a solidão falharam, e falharão, porque eles são contra os princípios básicos da vida. Você precisa não de algo que o ajude a esquecer a solidão. Você precisa é ficar consciente da sua solitude, que é uma realidade. E é tão belo experimentá-la, senti-la, porque ela é sua liberdade da multidão e dos outros. Ela é sua liberdade do medo de ficar só.
O primeiro ponto a perceber é que, querendo ou não, você está sozinho. A solitude é sua verdadeira natureza. Você pode tentar esquecê-la, tentar não ficar sozinho fazendo amigos, tendo amantes, misturando-se à multidão... Mas tudo o que você fizer fica apenas na superfície. No fundo de você, sua solitude é inatingível, intocável.

(...) O ser humano nasce numa família, entre seres humanos. Desde o primeiro momento, ele não está sozinho; portanto, ele ADQUIRE um certo PADRÃO psicológico de sempre permanecer com pessoas. Em solitude, ele começa a ficar com medo... medos desconhecidos. Ele não está exatamente consciente do que está com medo, mas, quando ele se afasta da multidão, algo dentro dele fica pouco à vontade. Quando está com outros, ele se sente aconchegado, à vontade, confortável. 

Por essa razão, ele nunca vem a conhecer a beleza da solitude; o medo o impede. Por ter nascido num grupo, ele continua fazendo parte de um grupo. E, à medida que envelhece, começa a formar novos grupos, novas associações, novos amigos. As coletividades já existentes não o satisfizeram — a nação, a religião, o partido político — e ele cria as suas próprias associações, Rotary Club, Lions Club... Mas todas essas estratégias estão a serviço de um único objetivo: nunca ficar sozinho. 

Toda a experiência de vida é a de conviver com outras pessoas. A solitude parece uma morte. De certa maneira, ela é uma morte, a morte da personalidade que você criou na multidão. Esse é um presente das outras pessoas para você. No momento em que você se afasta da multidão, também se afasta da sua personalidade.

Na multidão, você sabe exatamente quem você é; sabe seu nome, sua posição social, sua profissão, sabe tudo o que é necessário para seu passaporte, para sua carteira de identidade. Mas, no momento em que você se afasta da multidão, qual é a sua identidade? Quem é você? De repente, você fica consciente de que você não é seu nome — seu nome foi dado a você. Você não é sua raça — que relação tem a raça com sua consciência? Seu coração não é hindu ou muçulmano, seu ser não está confinado à fronteira política de uma nação, sua consciência não é parte de alguma organização ou igreja. Quem é você?

De repente, sua personalidade começa a se dispensar. Este é o medo: a morte da personalidade. Agora você precisará começar a descobrir , precisará, pela primeira vez, perguntar quem você é. Você precisará começar a meditar sobre a questão, quem sou eu? — existe o temor de que você possa não ser absolutamente nada! Talvez você não seja nada, mas uma cominação de todas as opiniões da multidão; nada, exceto sua personalidade. 

Ninguém quer ser nada, ninguém quer ser ninguém e, na verdade todo mundo É um ninguém.

(...) Assim, o primeiro problema para um buscador é entender exatamente a natureza da solitude. Ela significa ser ninguém, significa abandonar sua personalidade, que é um presente a você da multidão. Quando você se afasta, quando sai da multidão, não pode levar esse presente com você em sua solitude. Em sua solitude, precisará descobrir de novo, descobrir outra vez, e ninguém pode garantir que você encontrará alguém ali dentro ou não.

Aqueles que atingiram a solitude não encontraram ninguém lá. REALMENTE quero dizer ninguém — sem nome, sem forma, mas uma PURA PRESENÇA, uma pura vida, inominável, amorfa. Essa é exatamente a verdadeira ressurreição e ela certamente precisa de coragem. Somente pessoas muito corajosas foram capazes de aceitar com alegria o seu ser ninguém, o seu ser nada. O ser nada delas é o puro ser delas; é uma morte e uma ressurreição, as duas coisas.

(...) Na solitude, você desaparecerá como ego e como personalidade e descobrirá a si mesmo como a própria vida, imortal e eterna. A menos que você seja capaz de ficar só, sua busca pela verdade será um fracasso.

Sua solitude é a sua verdade, é a sua divindade.

A função de um mestre é ajudá-lo a ficar só. A meditação é apenas uma estratégia para eliminar sua personalidade, seus pensamentos, sua mente, sua identidade com o corpo e deixá-lo absolutamente só por dentro, apenas um fogo vivo. E, depois de encontrar seu fogo vivo, você conhecerá todas as alegrias e todos os êxtases que que a consciência humana é capaz.

OSHO

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Abrir mão das teorias confortantes é autoconhecimento

Você não pode aprender a respeito de si mesmo, se afirma que é Deus. Não pode aprender a respeito de si mesmo, se diz que é o Atman superior, ou se diz que é mero resultado do ambiente. Está seguindo o que estou dizendo? Se você diz que é apenas o resultado do ambiente — como tantos o dizem, os comunistas, etc. — cessou então de aprender; se diz que em você reside o Atman, o Eu Superior, está meramente repetindo o que lhe foi dito, uma teoria muito confortante; portanto, cessou de aprender; e se você diz "Eu sou isto, sou algo", nesse caso, também cessou de aprender. Para descobrir o que há em você, deve aprender a respeito de si mesmo; por conseguinte, necessita da mais alta liberdade, inteligência e percebimento crítico. Sem essas coisas, nenhuma possibilidade tem de ver o que há em si mesmo pu de se compreender. E se não compreende a si mesmo, nenhuma base tem para a estrutura de sua existência. Pode ter ideias e mais ideias, conflitos, dores, prazeres, etc.; mas, falta a base.

Você deve conhecer a si mesmo — e não segundo Sankara, Buda, Cristo, Freud, Jung ou quem quer que seja, inclusive este orador. Deve conhecer-se e, por conseguinte, aprender a respeito de si mesmo. Para aprender a respeito de si mesmo, devem cessar todos os conhecimentos que já tem de si mesmo; e isso é muito difícil. Porque, quando diz "Sou feio", essa própria palavra "feio" encerra um certo conteúdo de tradição; por conseguinte, você está julgando; logo, não está aprendendo. Espero que você esteja percebendo isto; é uma coisa muito simples. Uma vez que o perceba, será então capaz do voo do aprender; não há então fim nem limite; e este aprender está fora do tempo. A mente que está continuamente em movimento, do desconhecido para o desconhecido, aprendendo, aprendendo, aprendendo — essa é a mente sensível por excelência e, por conseguinte, uma mente livre.

Vamos, pois, aprender a respeito de nós mesmos. E, como disse, para aprender não deve haver avaliação, é claro. Quando você avalia, julga com base no que já adquiriu, na forma de conhecimento; e quando você vê a si mesmo, ou condena, ou aprova, ou rejeita o que vê e, por conseguinte, não está aprendendo a respeito de si mesmo. Ora, se está aprendendo a respeito de si mesmo, está aprendendo a respeito do corpo, dos nervos, das reações nervosas, das lembranças, das esperanças, dos temores, dos desesperos, das agonias, da cólera, do desejo, das exigências sexuais, da esperança de encontrar o Eterno, etc. Você é tudo isso; e tudo isso são ideias. Não são? Você tem ideias sobre sua esposa, de que é um homem bom, uma personalidade importante na cidade, um discípulo forte e tenaz, um hinduísta, isto ou aquilo. Você tem ideias; e tais ideias são o resultado das influências ambientes, de seu conhecimento. Por conseguinte, quando predominam as ideias a acerca de sua pessoa, cessou de aprender a respeito de si mesmo. Note, por favor, que isto é muito importante e muito simples. Uma vez que você o tenha aprendido, está vivo; então, a tradição, os Sankaras, tudo isso pode ser deixado de lado; e você se torna um ente humano, livre para descobrir, livre para investigar, para aprender. Assim, pois, é absolutamente essencial o aprender a respeito de si mesmo; do contrário, cria-se uma ilusão, e nessa ilusão se fica a viver.

Aprender a respeito de si próprio é a primeira ação inteligente do ser humano; mas não significa que o indivíduo a respeito de si próprio a fim de "salvar-se". Você é o resultado de dois milhões de anos de existência do homem, com todas as suas experiências, suas calamidades, seus desesperos, e sua confusão; você é tudo isso. E, se deseja promover uma completa revolução em si mesmo, deve conhecer-se — "conhecer-se" —, não: aprender a respeito de si mesmo, compreender-se. Qualquer tolo pode dizer: "Conheço-me a mim mesmo" — mas, aprender a respeito de si mesmo é extremamente difícil, porque você deve se olhar, sem nenhuma escolha, nenhuma tendência, nenhuma crítica, nenhuma condenação; deve, simplesmente, olhar

(...) Para aprender a respeito de mim mesmo, devo olhar — escute, por favor! — devo olhar a mim mesmo. Só posso olhar-me, quando não existe autoridade de espécie alguma, quando não digo que sou Eu Superior ou Eu Inferior, quando nenhum conhecimento tenho a respeito de mim mesmo; devo olhar-me todos os dias como "coisa nova". Mas, quando olho a mim mesmo, há "aquele que olha" — o observador, o experimentador — e o pensamento — a experiência, a coisa que eu estou olhando. É o que acontece com a maioria de nós. Não é verdade? Quando digo que estou me olhando, o observador é diferente da coisa que está sendo observada. Isto é simples. Não estou entrando em nenhuma filosofia supermetafísica e complicada... isso são estultícias, para mim pelo menos. Só há o fato óbvio, o observador, o "eu" que diz: "Estou olhando", e a coisa que está sendo olhada. Há, pois, separação entre observador e a coisa observada.(...) Para a maioria das pessoas, isso é um fato simples, isto é, que o pensador é diferente do pensamento. E essa separação é a origem do conflito, porque o pensador está sempre procurando alterar o seu pensamento  modificá-lo, moldá-lo, controlá-lo, forçá-lo, reprimi-lo, sublimá-lo — fazer alguma coisa em relação a ele. Para aprender algo a respeito dessa divisão, devo questionar o próprio pensador, o próprio observador. Correto? Devo questionar se essa divisão é real ou se foi inventada pela mente, para fugir ao real. Espero que isto não esteja parecendo complicado demais; se o é, sinto muito.

Krishnamurti — Uma Nova Maneira de Agir

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Estamos fechados por todos os lados

Conhecer-se a si próprio é a coisa mais difícil. Não deveria ser assim. Deveria ser exatamente o oposto, a coisa mais simples. Mas não é assim — e por muitas razões. Tornou-se tão complicado, e investimos tanto na nossa própria ignorância que parece ser quase impossível voltar atrás, retornar para a fonte, ao encontro de nós próprios.

Toda a tua Vida, tal e qual, tal como é aprovada pela Sociedade, pelo Estado, pela Igreja, é baseada na auto-ignorância. A tua Vida sem te conheceres a ti próprio, porque a Sociedade não quer que te conheças a ti próprio. É perigoso para a Sociedade. Um Homem que se conheça a si próprio tende a ser rebelde.

O Conhecimento é a grande rebelião — auto-conhecimento digo, não conhecimento através das escrituras, não o conhecimento encontrado nas Universidades, mas sim o Conhecimento encontrado quando tu se encontras o teu próprio Ser, quando te encontras contigo próprio totalmente nu; quando te vês a ti próprio tal como Deus te vê, não como a Sociedade gostaria de te ver; quando vês o teu Ser natural no seu completo florescer selvagem e natural — não um fenômeno civilizado, condicionado, culto, polido.

A Sociedade está preocupada em fazer de ti um robô, não um revolucionário, porque é útil. É fácil dominar um robô; é quase impossível dominar um Homem que tenha Consciência de si próprio. Como é que se pode dominar um Jesus? Como é que se pode dominar um Buda ou um Heraclitus? Ele não se irá vergar, ele não seguirá prescritos. Ele seguirá em frente guiado pelo seu próprio Ser. Ele será como o vento, como as nuvens; ele mover-se-á como os rios. Ele será selvagem — e é claro, Bonito, Natural, mas perigoso para a falsa Sociedade. Ele não se encaixará. A não ser que criemos uma Sociedade Natural no Mundo, um Budha ficará sempre desenquadrado, um Jesus está destinado a ser crucificado.

A Sociedade quer ser dominadora; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir, explorar. Eles querem que tu permaneças sem ter consciência de ti próprio. Esta é a primeira dificuldade. E cada um tem de nascer dentro de uma Sociedade. Os Pais são parte da Sociedade, os Professores são parte da Sociedade, os Padres são parte da Sociedade.
valei

A Sociedade está em todo o sítio, em toda a tua volta. Parece que é realmente impossível — como é que se pode escapar? Como é que se encontra uma porta para voltarmos à Natureza? Estamos fechados por todos os lados.

O S H O 

domingo, 30 de novembro de 2014

A busca da felicidade é uma busca do auto-esquecimento

Existem apenas dois tipos de pessoas: uma que está em busca da felicidade; é o tipo mundano. Pode ir para o mosteiro, mas o tipo não muda; lá, ele também pede pela felicidade, pelo prazer e gratificação. Agora, de maneira diferente — através da meditação, da prece, de Deus — está tentando ser feliz, cada vez mais feliz. Há, depois, o outro tipo de pessoa — e só existem dois tipos — a que está em busca da verdade. E isso é um paradoxo: aquele que busca a felicidade, nunca a encontra, pois ela não é possível a menos que você encontre a verdade. A felicidade é apenas uma sombra da verdade; em si mesma não é nada — é apenas uma harmonia. 

Quando você se sente uno com a verdade, tudo se agrega, tudo se harmoniza. Você sente um ritmo — e esse ritmo é felicidade. Não se pode buscá-la diretamente. 

A verdade tem de ser procurada. A felicidade é encontrada quando se encontra a verdade, mas a felicidade não é o objetivo. E se você buscar a felicidade diretamente, será cada vez mais infeliz. E sua felicidade será, no máximo, apenas um intoxicante para que você esqueça a infelicidade; é só o que vai acontecer. A felicidade é como uma droga — LSD, maconha, mescalina. 

Por que o Ocidente chegou às drogas? É um processo muito racional. Teve de chegar a elas porque, na sua busca de felicidade, mais cedo ou mais tarde chega-se ao LSD. O mesmo aconteceu antes na Índia. Nos Vedas, eles chegaram ao soma, ao LSD, porque estavam buscando a felicidade; não eram realmente buscadores da verdade. Buscavam a mais e mais gratificação — chegaram ao soma. Soma é a suprema droga. E Aldous Huxley, falando sobre a suprema droga, a ser encontrada em algum lugar no século vinte, chamou-a outra vez de 'soma'. 

Sempre que uma sociedade, um homem, uma civilização, buscam a felicidade, têm de chegar de alguma forma às drogas — porque a felicidade é a busca pelas drogas. A busca da felicidade é uma busca do auto-esquecimento; é isso o que a droga ajuda a fazer. Você esquece de si e assim não há mais miséria. Como pode haver miséria se você não está? Você está dormindo profundamente. 

A busca da verdade está exatamente na dimensão oposta: não é gratificação, não é prazer, não é felicidade, mas — Qual é a natureza da existência? O que é a verdade? Um homem que busca a felicidade nunca a encontrará — encontrará, no máximo, o esquecimento. Um homem que busca a verdade a encontrará, porque para buscá-la ele próprio terá de se tornar verdadeiro. Para buscar a verdade na existência, primeiro terá de buscar a verdade em seu próprio ser. Terá de se tornar cada vez mais atento em relação a si mesmo

Estes são os dois caminhos: o auto-esquecimento — o caminho do mundo; e a lembrança de si mesmo — o caminho de Deus. E o paradoxo é que aquele que busca a felicidade nunca a encontra; e aquele que busca a verdade e não se importa com a felicidade, encontra-a sempre. 

(...) O autoconhecimento tem que ser a única busca, tem que ser o único objetivo; porque se você conhecer todo o resto sem conhecer a si mesmo, isto não significará nada. Você pode chegar a conhecer tudo, exceto você mesmo, mas o que isso significa? Não pode ter nenhum significado — porque se o próprio conhecedor é ignorante, o que pode significar esse conhecimento, o que seu conhecimento pode lhe dar? Quando você mesmo permanece na escuridão, pode reunir milhões de luzes à sua volta mas elas não o preencherão de luz. Apesar delas você continuará na escuridão. Viverá e se moverá na escuridão. A ciência é esse tipo de conhecimento. Você conhece um milhão de coisas mas não conhece a si mesmo

Ciência é conhecimento de tudo menos de si mesmo, exceto do autoconhecimento; o próprio buscador permanece no escuro. Isso não adianta muito. A religião é basicamente auto-conhecimento. Você tem de estar iluminado por dentro, a escuridão deve desaparecer do seu interior, e então por onde quer que você ande, a sua luz interior incindirá sobre o caminho. Onde quer que você vá, faça o que fizer, tudo será iluminado pela sua luz interior. E esse movimento com luz lhe dá um ritmo, uma harmonia, que é a felicidade. Então você não tropeça, não esbarra, não tem mais conflitos. Você se move mais facilmente, seus passos são uma dança, e tudo é satisfação. Você não quer mais que alguma coisa extraordinária aconteça. Você é feliz. É simplesmente feliz no seu ser comum. 

E a menos que você se sinta feliz sendo comum, jamais será feliz. 

Você é feliz apenas por respirar, você é feliz por ser; é feliz apenas por comer, por dormir mais uma noite. Você é feliz. Agora a felicidade não deriva de nada — ela é você. Um homem que se conhece é feliz, não por qualquer razão, sua felicidade não tem causa. Não é uma coisa que lhe acontece, é toda sua maneira de ser. É simplesmente feliz. Para onde quer que se mova, leva consigo sua felicidade. Se você o atira no inferno, ele cria à sua volta um paraíso; com ele, um paraíso penetra no inferno. 

Como você é, ignorante de si mesmo, se pudesse ser jogado no paraíso, conseguiria criar um inferno, porque você carrega consigo o seu inferno. Vá onde for, isso não fará muita diferença, você terá à sua volta o seu próprio mundo. Esse mundo está dentro de você, é a sua escuridão. 

Essa escuridão interior precisa desaparecer — é isso o que significa autoconhecimento.

O S H O 

Autoconhecimento não é tranquilizante: é demolição


O medo existe. Tem de ser abandonado. Lembre-se: antes de alcançar a suprema graça você terá de passar por um longo sofrimento. Antes de alcançar o infinito, o eterno, você terá de passar pelo temporal, por toda a história do homem. É inerente, está em todas as células do seu corpo, em todas as células da sua mente e cérebro — e você não pode evita isso. Todo o passado está aí com você, está em você, tem de ser atravessado. É um pesadelo, e um pesadelo muito, muito longo, milhões de anos, mas é necessário passar por ele — essa é a dificuldade. 

O sofrimento tem de ser vivido; esse é o significado de Jesus na cruz. Através do sofrimento ele alcança a ressurreição; através do sofrimento você alcançará o autoconhecimento. Portanto, não tente evitá-lo — não é possível evitá-lo. Quanto mais o fizer, mais oportunidades estará perdendo. Enfrente! Não há nada a ser feito, a não ser enfrentá-lo. E quanto mais intensamente você o enfrentar, mais depressa ele desaparecerá. 

Chega um momento em que você está absolutamente pronto para enfrentá-lo, seja ele o que for — você abandona todas as imagens. Até mesmo num único momento de intenso estado de alerta, você pode chegar ao centro. Mas nesse único momento você terá de sofrer todo o passado da humanidade, toda a história; você terá de sofrer tudo o que aconteceu. 

Conta-se, você já deve ter ouvido, que se uma pessoa afunda nas águas do mar ou de um rio, numa única fração de segundos relembra todo o passado desde o nascimento, as dores do parto — num instante, num 'flash', a vida inteira passa. Isso é verdade. E o mesmo acontece quando você alcança o momento do samadhi, a morte suprema, quando o ego morre completamente. Isso acontece! Mas num único instante você sofre todo o passado da humanidade, não o seu próprio. Esta é a cruz. Você sofre todo o passado da humanidade, porque agora está transcendendo a humanidade. Tem de passar por tudo o que a humanidade já viveu. Tem de sofrer tudo isso. É imenso! A angústia é absoluta! E só então você chega ao centro e a graça torna-se possível. 

O autoconhecimento é difícil porque você não está pronto para passar por nenhum sofrimento. Você pensa no autoconhecimento em termos de tranquilizantes; pensa que o autoconhecimento é tranquilizante. As pessoas vêm a mim e pedem: "Dê-nos a paz, o silêncio." E se alguém promete o silêncio e a paz sem sofrimento, está enganando-o — e facilmente você cairá na armadilha, porque isso é o que você gostaria de ter. Esse é o apelo usado no ocidente por pessoas como Maharashi Mahesh Yogi. Eles não estão lhe dando meditação real, estão lhe dando tranquilizantes. Porque uma meditação tem de passar pelo sofrimento; não é uma brincadeira. 

Você tem de atravessar o fogo e só nesse fogo o seu ego desaparecerá. Olhando para toda a sua feiura, ela desaparece automaticamente. 

Mas Maharishi Mahesh Yogi e outros dizem que o sofrimento é desnecessário: "Eu lhe darei uma técnica — faça tal coisa durante dez minutos de manhã e à tarde e seu ser se tranquilizará. Você sentirá uma paz infinita e tudo ficará bom; em poucos dias você estará iluminado."

Não é tão fácil — é árduo. Truques não funcionarão. Não perca seu tempo com truques.Apenas repetindo um mantra durante dez minutos, como é possível tornar-se Iluminado? 

Você passou pela história e chegou a um ponto, aqui, você chegou a este momento; atravessou milhões de anos — quem vai querer voltar atrás? Porque meditar significa retornar à fonte. Você chegou a este ponto no tempo; precisa voltar, precisa regredir, precisa alcançar o ponto original onde a jornada foi iniciada. E apenas cantando um mantra durante dez minutos toda manhã você pensa que conseguirá isso?

Quem você pensa que está enganando? Você está enganando a si mesmo. Não foi cantando mantras que você chegou onde está. A humanidade viveu, e viveu de milhões de maneiras erradas — vagando, se perdendo, cometendo pecados e assassinatos; guerra, exploração, opressão, dominação. Você tem colaborado com isso, é responsável por isso. Só cantando um mantra durante dez minutos acredita que a responsabilidade desapareceu, que você transcendeu? Chama a essa cantilena de meditação transcendental? Quem você pensa que está enganando? 

A transcendência é possível, mas não através de truques tão fáceis. A transcendência só é possível através da cruz. Só é possível através do sofrimento. E se você estiver pronto, poderá sofrer todo o passado num só instante — mas será um intenso pesadelo. É por isso que um Mestre é necessário — porque você pode enlouquecer completamente. É mover-se em terreno perigoso. O autoconhecimento é a maior entre todas as coisas, mas é também a mais perigosa. Um passo em falso e você enlouquecerá. É por isso que os Budas não são ouvidos. Você também sabe que isso é perigoso. Mover-se em si mesmo é perigoso! Um Mestre é necessário para observar cada passo, senão você cairá num abismo; ficará tonto, a mente simplesmente se fragmentará e será difícil repará-la. 

São esses os problemas, e é por isso que o homem ouve Heráclito, Lao Tsé, Buda, Jesus, mas nunca tenta. Somente alguns poucos tentam. Se você está pronto para tentar, precisa ter consciência do que isto significa. Apenas o desejo de ser feliz não basta. O desejo de conhecer a verdade, sim, não o desejo de ser narcóticos. A meditação também será um narcótico para ele. Quer dormir bem, quer se desligar do que está acontecendo. Ele gostaria de ter um mundo privado de sonhos — é claro, belos sonhos e não pesadelos. Isto é só o que ele quer. Mas um homem que está em busca da verdade não pensa em termos de felicidade. Felicidade ou infelicidade não é esse o ponto. "Preciso conhecer a verdade. Mesmo que doa, mesmo que me conduza ao inferno, estou pronto para passar por ela. Onde quer que me conduza, estou pronto para ir."

O S H O

Sem passar pela periferia do ego, não chega-se ao centro do Ser

Se você quer conhecer a si mesmo tem de abandonar suas falsas imagens, tem que se ver como você é — e isso não é muito bonito, esse é o problema. Não é muito bonito, e é por isso que você criou belas imagens — para se esconder. Se você se vir na sua nudez total, não verá uma cena muito bonita: verá raiva, verá ciúme, verá ódio, verá milhões de coisas erradas ao seu redor. E você se considera um grande amante — e tem ciúme, possessividade, ódio, raiva, e todos os tipos de negatividade. Você se considera uma pessoa muito bonita — mas quando entra dentro de si mesmo, encontra a feiura... e imediatamente dá as costas.

É por isso que há milhares de anos os Budas têm ensinado: "Conhece-te a ti mesmo." Mas ninguém os ouve. Conhecer-se parece ser uma coisa tão difícil — por que? Porque você tem de enfrentar fenômenos feios. Eles existe e é preciso passar por eles. Você tem um belo ser interior, mas esse belo ser não está na periferia, está no centro. Para alcançar o centro, você tem de passar pela periferia. E você não pode fugir, não há como escapar, é preciso passar por ela. Você tem de atravessar toda a feiura, toda a negatividade, ódio, ciúme, violência, agressão, e se estiver pronto e maduro o suficiente para passar pela periferia, só então alcançará o centro. Aí a cena muda. 

No centro você é Deus; na periferia, é o mundo — e o mundo é feio. Na periferia você nada mais é que uma sociedade em miniatura, e a sociedade é feia. Na periferia você é um Napoleão, um Hitler, um Gengis Khan, um Timur Leng, todos os políticos e todos os loucos do mundo. Na periferia você é uma miniatura de tudo isso; é toda a história da agressividade, da violência, da opressão, da escravidão. Na periferia, lembre-se, você é a história que pertence a este mundo. Tudo está envolvido; tem de ser assim porque a mente não lhe pertence, é um produto social. A mente carrega todos os germes do passado, todos os males do passado, toda a feiura do passado, porque a mente pertence ao coletivo. Existem determinados momentos em que você pode ver ou observar o seu próprio Gengis Khan, o seu próprio Hitler. Existem momentos em que você pode ver que gostaria de assassinar, de matar e destruir o mundo inteiro.

Você precisa ser corajoso para passar pela periferia, para ser uma testemunha. E se você conseguir penetrar nessa periferia, nessa sociedade, na história, então você será, no centro, o próprio Deus. Há então uma beleza infinita — mas essa beleza infinita é intocável pela sociedade, não é a periferia. Então você é inocente como um recém-nascido, fresco como uma gota de orvalho pela manhã, incontaminado. Mas para chegar a isso, você tem de passar por toda a feiura. Toda a história do homem tem de ser atravessada. Você não pode simplesmente evitá-la. 

É isso que você tem feito. E é por isso que o autoconhecimento tornou-se difícil — você quer evitá-lo. A única maneira de evitá-lo é fechar os olhos, não ver. Criar como contrapartida um sonho privado. Olhar para você como você gostaria de ser — todos os ideais, utopias, belas imagens. Fazer um pequeno nicho perto da periferia — bonito, enfeitado — e não olhar para a periferia, ficar de costas para ela... Você tem medo de sair do seu lugar enfeitado, porque bem perto dele está o vulcão — entrará em erupção a qualquer momento. Assim, as pessoas falam sobre o autoconhecimento, discutem a respeito, escrevem sobre ele, criam sistemas, mas nunca o experimentam. Mesmo os que estão sempre falando em conhecer o ser, falam apenas nisso, argumentam a respeito, discutem, mas nunca o experimentam na realidade efetiva. E o autoconhecimento é uma experiência existencial, não uma teoria. Teorias não funcionarão. Teorias também serão apenas parte de sua decoração. Elas não quebrarão o gelo. Elas não romperão a periferia. Não o levarão para o centro. 

Você ouve as pessoas: se elas dizem que você é Deus, você se sente muito feliz; se dizem que você é uma alma eterna, você se sente muito feliz. Mas você pinta e enfeita essas teorias também. Elas também são um truque são fugas — não o ajudarão. Ande pela Índia. Todos sabem que o mundo todo é parte de Deus, todos são 'brahmans'. E veja como suas vidas são feias. Olhe para a vida dessas pessoas que falam sobre Deus; você não encontrará nem uma única partícula, nem mesmo uma partícula atômica daquilo que elas estão dizendo. Elas não falam para convencê-lo, mas sim para convencerem a si mesmas. Entretanto, continuam na periferia e também sentem medo de se mover.

O S H O  

É fácil evitar a sociedade, mas como evitar o próprio ego?

Conhecer a si mesmo é a coisa mais difícil. Não deveria ser assim. Deveria ser exatamente o oposto — a coisa mais simples. Mas não é — por muitas razões. Tornou-se tão complicado, pois você investiu tanto na auto-ignorância que parece quase impossível retornar, voltar à fonte, encontrar a si mesmo.

Toda a sua vida, tal como ela é, como é aprovada pela sociedade, pelo Estado, pela Igreja, está baseada na auto-ignorância. Você vive sem se conhecer, porque a sociedade não quer que você se conheça. É perigoso para a sociedade. Um homem que conhece a si mesmo está destinado a ser rebelde. O conhecimento é a maior das rebeldias — quer dizer, o autoconhecimento, não o conhecimento acumulado através das escrituras, não o conhecimento encontrado nas universidades, mas o conhecimento que acontece quando você encontra o seu próprio ser, quando chega a si mesmo na sua nudez total; quando você se vê como Deus o vê, não como a sociedade gostaria de vê-lo; quando você vê o seu ser natural, no seu florescimento total e virgem — não o fenômeno civilizado, condicionado, educado, polido. 

A sociedade está interessada em fazer de você um robô, não um revolucionário, porque o robô é mais útil. É fácil dominar um robô; é quase impossível dominar um homem de autoconhecimento. Como se pode dominar um Jesus? Como se pode dominar um Buda ou um Heráclito? Ele não cederá, não obedecerá ordens. Ele se moverá através de seu próprio ser. Será como o vento, como as nuvens; ele se moverá como os rios. Será selvagem — naturalmente belo, natural, mas perigoso para a falsa sociedade. Ele não se ajustará. A menos que criemos no mundo uma sociedade natural, um Buda continuará sendo sempre um desajustado, um Jesus certamente será crucificado. 

A sociedade quer dominar; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir, explorar. A sociedade gostaria que você permanecesse completamente inconsciente de si mesmo. Esta é a primeira dificuldade. E a pessoa tem de nascer numa sociedade. A sociedade está em toda parte, à sua volta. Parece realmente impossível — como escapar? Como encontrar a porta que leva de volta à natureza? Você está cercado de todos os lados. 

A segunda dificuldade vem do seu próprio ser — porque você também gostaria de oprimir, de dominar; você também gostaria de possuir, de ser poderoso. Um homem de autoconhecimento não pode  ser escravizado, e também não pode escravizar ninguém. Não se pode oprimir um homem de conhecimento e um homem de conhecimento não pode oprimir ninguém. Ele não pode ser dominado e não domina. A dominação simplesmente desaparece nessa dimensão. Você não pode possuí-lo e ele não possui ninguém. Ele é livre e ajuda os outros a serem livres. 

Esta é uma dificuldade ainda maior do que a primeira. Você pode evitar a sociedade, mas como evitar o próprio ego? Você sente medo — porque um homem de conhecimento simplesmente não pensa em termos de posse, de domínio, de poder. É inocente como uma criança. Ele gostaria de viver totalmente livre, e gostaria que os outros também estivessem livres.

Esse homem será uma liberdade aqui neste mundo de escravidão. Você gostaria de não ser explorado? Sim, você responderá, você gostaria de não ser explorado. Gostaria de não ser um prisioneiro? Sim, você gostaria de não ser um prisioneiro. Mas gostaria também da outra coisa? — de não prender ninguém? Não dominar, não oprimir, não explorar? Não matar o espírito, não transformar o outro num objeto? Isso é difícil. E lembre-se: se você quiser dominar, você será dominado. Se você quiser explorar, você será explorado. Se você quiser que alguém seja seu escravo, você será escravizado. Os dois lados pertencem a mesma moeda. Esta é a dificuldade do autoconhecimento.

O S H O 

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada


O autoconhecimento é o começo da sabedoria. O autoconhecimento não se consegue de acordo com algum psicólogo, livro ou filósofo; ele consiste em conhecermos a nós mesmos tais como somos, de momento a momento. Compreendem isso? Conhecer a si mesmo é cada um observar o que pensa, o que sente, não apenas superficialmente, pois devemos estar profundamente cônscios do que é, sem condenação, sem julgamento, sem avaliação ou comparação. Experimentai-o, e verão como é difícil a uma mente que foi exercitada durante séculos para condenar, julgar e avaliar deter esse processo e ficar simplesmente a observar o que é. Entretanto, se não se fizer esta observação, não apenas no nível superficial, mas em todo o conteúdo da consciência, nunca será possível penetrarmos as profundezas da mente. 

vejam, por favor, se aqui estão realmente com o fim de compreender o que se está dizendo, que é isto que deve ser de nosso interesse, e nada mais. O problema de vocês não é o de saber a que sociedade pertencer, a que gênero de atividade se entregar, que livros ler, e outras superficialidades dessa ordem, mas, sim, de saber como libertar a mente do condicionamento. A mente não é apenas a consciência desperta, ocupada com as atividades diárias, mas é também as camadas profundas do inconsciente, onde se encontra todo o resíduo do passado, da tradição, dos instintos raciais. Tudo isso é a mente, e a menos que essa consciência total seja livre, de ponta a ponta, a nossa busca, nossa investigação, nosso descobrimento, será limitado, estreito, insignificante. 

A mente está toda condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada. Nosso problema, portanto, é este: Pode a mente, assim condicionada, libertar-se? E quem é a entidade que poderá libertá-la? Compreendem o problema? A mente é a consciência total, com todas as suas camadas de conhecimentos, aquisições, tradições, instintos raciais, memórias. Esta mente pode se libertar? Ou só pode se libertar ao perceber que está condicionada e que todo movimento que faça para sair de seu condicionamento é outra forma de condicionamento? Espero que estejam compreendendo. Se não, continuaremos a examinar este ponto nos próximos dias. 

A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletirmos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, nos condiciona incessantemente o espírito. Como pode esse espírito ser livre, se todo o movimento para se libertar resulta de seu condicionamento e, por conseguinte, produzirá, forçosamente, mais condicionamento? Só há uma resposta: A mente só pode ser livre quando está completamente tranquila. Embora tenha problemas e inúmeros impulsos, conflitos, ambições, se — a mercê do autoconhecimento, da auto-vigilância sem aceitação ou condenação — ela estiver cônscia, imparcialmente, do seu próprio processo, então, desse percebimento há de resultar um silêncio extraordinário, uma tranquilidade de espírito em que não se observa movimento de espécie alguma. É só então que a mente é livre, porquanto nada mais deseja, nada mais busca, não visa a nenhum objetivo ou ideal — que são as projeções de toda mente condicionada. E se lograrem alcançar essa compreensão em que não há auto-mistificação, encontrarão a possibilidade de ver surgir aquela coisa extraordinária que se chama criação. Só então está a mente apta a compreender aquela imensidade que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserem — a palavra tem pouquíssima importância. Vocês podem ser prósperos, socialmente, possuir muitos bens — automóveis, casas, geladeiras — ter paz superficial, mas, sem o surgimento daquilo que é imensurável,  encontrarão sempre aflições. A libertação da mente de seu condicionamento é o fim do sofrimento.

Krishnamurti em, Realização Sem Esforço

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O autoconhecimento é a maior das rebeldias

Algumas coisas antes de introduzirmos estes sutras de Heráclito.

Primeiro: conhecer a si mesmo é a coisa mais difícil. Não deveria ser assim. Deveria ser exatamente o oposto — a coisa mais simples. Mas não é — por muitas razões. Tornou-se tão complicado, pois você investiu tanto na auto-ignorância que parece quase impossível retornar, voltar à fonte, encontrar a si mesmo.

Toda a sua vida, tal como ela é, como é aprovada pela sociedade, pelo Estado, pela Igreja, está baseada na auto-ignorância. Você vive sem se conhecer, porque a sociedade não quer que você se conheça. É perigoso para a sociedade. Um homem que conhece a si mesmo está destinado a ser rebelde.

O conhecimento é a maior das rebeldias — quer dizer, o autoconhecimento, não o conhecimento acumulado através de escrituras, não o conhecimento encontrado nas universidades, mas o conhecimento que acontece quando você encontra o seu próprio ser, quando chega a si mesmo na sua nudez total; quando você se vê como Deus o vê, não como a sociedade gostaria de vê-lo; quando você vê o seu ser natural, no seu florescimento total e selvagem — não o fenômeno civilizado, condicionado, educado, polido.

A sociedade está interessada em fazer de você um robô, não um revolucionário, porque o robô é mais útil. É fácil dominar um robô; é quase impossível dominar um homem de autoconhecimento. Como se pode dominar um Jesus? Como se pode dominar um Buda ou um Heráclito?

Ele não cederá, não obedecerá ordens. Ele se moverá. através de seu próprio ser. Será como o vento, como as nuvens; ele se moverá como os rios. Será selvagem — naturalmente belo, natural, mas perigoso para a falsa sociedade. Ele não se ajustará. A menos que criemos no mundo uma sociedade natural, um Buda continuará sendo sempre um desajustado, um Jesus certamente será crucificado.

A sociedade quer dominar; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir, explorar. Gostaria que você permanecesse completamente inconsciente de si mesmo. Esta é a primeira dificuldade. E a pessoa tem de nascer numa sociedade. Os pais fazem parte da sociedade, os professores fazem parte da sociedade, os padres fazem parte da sociedade. A sociedade está em toda parte, à sua volta. Parece realmente impossível — como escapar? Como encontrar a porta que leva de volta à natureza? Você está cercado por todos os lados.

A segunda dificuldade vem do seu próprio ser — porque você também gostaria de oprimir, de dominar; você também gostaria de possuir, de ser poderoso. Um homem de autoconhecimento não pode ser escravizado, e também não pode escravizar ninguém. Não se pode oprimir um homem de conhecimento e um homem de conhecimento não pode oprimir ninguém. Ele não pode ser dominado e não domina. A dominação simplesmente desaparece nessa dimensão. Você não pode possuí-lo e ele não possui ninguém.

Ele é livre e ajuda os outros a serem livres.

Esta é uma dificuldade ainda maior do que a primeira. Você pode evitar a sociedade, mas como evitar o seu próprio ego? Você sente medo — porque um homem de conhecimento simplesmente não pensa em termos de posse, de domínio, de poder. É inocente como uma criança. Ele gostaria de viver totalmente livre, e gostaria que os outros também vivessem livres.

Esse homem será uma liberdade aqui neste seu mundo de escravidão. Você gostaria de não ser explorado? Sim, você responderá, você gostaria de não ser explorado. Gostaria de não ser um prisioneiro? Sim, você gostaria de não ser um prisioneiro. Mas gostaria também da outra coisa? — de não prender ninguém? Não dominar, não oprimir e explorar? Não matar o espírito, não transformar o outro num objeto? Isso é difícil.

E lembre-se: se você quiser dominar, você será dominado. Se você quiser explorar, você será explorado. Se você quiser que alguém seja seu escravo, você será escravizado. Os dois lados pertencem à mesma moeda. Esta é a dificuldade do autoconhecimento. Senão, o autoconhecimento
seria a coisa mais simples, a mais fácil. Não haveria nenhuma necessidade de se fazer qualquer esforço.

Os esforços são necessários para essas duas coisas, elas são as barreiras. Observe e veja essas duas barreiras, e comece abandonando a sua. Primeiro, pare de dominar, de possuir e explorar, e de repente será capaz de escapar da armadilha da sociedade.

Osho, em "A Harmonia Oculta - Discursos Sobre os Fragmentos de Heráclito"

sábado, 23 de agosto de 2014

Não se pode confiar em bem intencionados iludidos

Nós, entes humanos, aceitamos a violência e o sofrimento como norma da vida e, já que os aceitamos, tratamos de tirar deles o melhor proveito possível. Rendemos culto ao sofrimento, o idealizamos e com ele vamos vivendo — como se faz no mundo cristão. No mundo oriental o traduzem de outras maneiras, sem tampouco encontrar a solução para ele. Como tenho dito, essa violência, nós a herdamos do animal: nossa agressividade, nosso espírito de domínio, desejo de poder, ânsia de preenchimento. Nossa estrutura cerebral, herdada do animal, é também produto da evolução e tem não só a função de proteger, mas também de ser agressiva, violenta, de dominar, de pensar em termos de posição, prestígio; vocês bem sabem disso. 

O sofrimento e a autopiedade, que também faz parte do sofrimento, a solidão, a total inexpressividade da vida, o tédio, a rotina, despojam a vida de toda finalidade e, por isso, tratamos de inventar uma finalidade; os intelectuais criam uma finalidade ideológica, de acordo com a qual procuramos viver. E, na impossibilidade de resolvermos esses problemas, nos revertemos ao passado; voltamos à juventude ou à cultura tradicional, conforme a raça, o país, etc. Quanto mais urgente se torna o problema, tanto mais tratamos de fugir para uma certa explicação ideológica, relativa ao futuro; e nessa armadilha ficamos aprisionados. Tanto no Oriente como no Ocidente, observa-se a fuga para toda espécie de entretenimento — a igreja, o futebol, o cinema, etc. A necessidade de entretenimento assume todas as formas possíveis: visitar museus, conversar interminavelmente sobre música, sobre os últimos livros publicados, ou escrever sobre coisas passadas e mortas e enterradas, sem valor de espécie alguma. 

Ao que parece, só há muito pouca gente verdadeiramente séria. Pela palavra "sério" entendo ter a capacidade de examinar o problema até o fim e resolvê-lo. Resolvê-lo, não conforme as inclinações pessoais ou o temperamento de cada um, ou sob a pressão do ambiente, porém deixando tudo isso de lado e investigando até o fim a verdade relativa a uma dada questão. Essa seriedade parecer ser rara. Para que possam ser resolvidos esses dois problemas fundamentais, a violência e o sofrimento, temos de ser sérios e possuir também uma certa capacidade de percebimento, de atenção, porquanto ninguém pode resolvê-los para nós. Evidentemente, nem as velhas religiões, nem organizações bem planejadas e aperfeiçoadas por uma certa autoridade ou sacerdote — nada, nem ninguém dessa categoria pode ajudar-nos; são coisas obviamente sem significação alguma. Pode-se observar em todo o mundo que a chamada nova geração está atirando aos ventos todas essas futilidades — igrejas, deuses, templos, rituais. Para o homem sério as autoridades perderam toda a importância. É claro que não tem sentido dependermos de qualquer espécie de autoridade quando o mundo se acha em tal estado de confusão e de aflição; principalmente da autoridade organizada num plano religioso, com as respectivas sanções. 

Não se pode confiar em ninguém, nem em Salvadores, nem em Mestres — em ninguém, inclusive neste orador. E, após termos rejeitado totalmente todos os livros, filosofias, santos, anarquistas, nos vemos frente a frente com nós mesmos, tais como somos. Isto é um tanto assustador e desanimador: o nos vermos tais como realmente somos. Não há filosofia, literatura, dogmas, rituais, capazes de colocar fim à violência e ao sofrimento. Precisamos perceber isso, antes de passarmos adiante. Quanto mais séria a pessoa e quanto mais urgente o problema, essa própria urgência recusa a autoridade que tão facilmente aceitamos. 

Outro problema é: como examinar, como observar a violência e o sofrimento, tais como em nós existem. Como dissemos, os entes humanos, individualmente, são o produto da sociedade, da cultura em que vivem, e essa sociedade e cultura foram construídas por cada um de nós. A sociedade é o produto dos entes humanos, e nós fazemos parte desse produto; eis a nossa situação. Estamos aprisionados nessa armadilha de nossas inclinações, tendências e prazeres pessoais, sendo que tudo isso constitui a estrutura social. Temos a tendência de considerar o indivíduo e a sociedade como duas coisas diferentes e, por conseguinte, perguntamos: Que valor tem um ente humano que se transformou, em relação à estrutura total da sociedade? Tal pergunta me parece absurda. 

Jiddu Krishnamurti em, A Essência da Maturidade Humana

sábado, 10 de maio de 2014

Treze toques sobre autoconhecimento

O autoconhecimento não pode ser aprendido de outrem. Eu não posso dizer-vos o que ele é. Mas pode-se ver como a mente opera, não apenas a mente que está ativa todos os dias, porém a totalidade da mente — a mente consciente e a mente oculta. Todas as numerosas camadas da mente têm de ser percebidas, investigadas, mas não pela introspecção. A auto-análise não revela a totalidade da mente, porque há sempre a separação entre o analista e a coisa analisada. Mas se puderdes observar as operações de vossa mente, sem tendência para julgar, avaliar, sem condenação ou comparação — observar, simplesmente, como se observa uma estrela, desapaixonadamente, tranquilamente, sem ansiedade — vereis então que o autoconhecimento não depende do tempo, não é processo de penetração do inconsciente com o fim de remover todos os "motivos" ou de compreender os vários impulsos e compulsões. O que cria o tempo é a comparação, não resta dúvida; e porque nossa mente é resultado do tempo, só pode pensar em termos de mais - sendo isso o que chamamos progresso.(1)

Já se disse que conhecer a si próprio é a mais alta sabedoria, mas mui poucos dentre nós têm cuidado disso. Falta-nos a necessária paciência, intensidade ou paixão, para descobrirmos o que somos. Nós temos a necessária energia, mas valemo-nos da energia de outros; precisamos que outros nos digam o que somos.(2)

Liberdade significa não condenardes nada do que vedes em vós mesmo. Em geral condenamos, ou explicamos, justificamos. Nunca olhamos sem justificação ou condenação. Por conseguinte, a primeira coisa que cumpre fazer — e esta é talvez a última coisa — é observar sem nenhuma espécie de condenação. Isso vai ser muito difícil, porque é nossa cultura, nossa tradição, comparar, justificar ou condenar o que somos. Dizemos "isto é certo e isso é errado; isto é verdadeiro e isto é falso, isto é belo, etc.", e isso nos impede de observar o que realmente somos.(3)

Estamos empenhados em várias atividades, alternadamente — ganhar a vida, criar filhos; ou assumimos certas responsabilidades perante várias organizações; estamos tão cheios de compromissos, de diferentes espécies, que dificilmente encontramos tempo para a reflexão sobre nós mesmos, para observarmos e estudarmos. Assim com efeito, a responsabilidade da reação é nossa, e de mais ninguém. Andar pelo mundo em busca de gurus e de seus sistemas, ler os livros mais recentes sobre esta ou aquela matéria, etc., parece-me completamente vão, completamente fútil. Podemos percorrer toda a Terra, mas teremos de voltar a nós mesmos. E, visto que em geral nos desconhecemos totalmente, é dificílimo começarmos a ver com clareza o processo do nosso pensar, sentir e agir.(4)

Quanto mais uma pessoa se conhece, tanto mais clareza existe. O autoconhecimento é infinito; nunca se chega a um remate, nunca se chega a uma conclusão. É um rio sem fim. Estudando-o e penetrando-o mais e mais, encontramos a paz. Só quando a mente está tranquila — em virtude do autoconhecimento e não da autodisciplina — só então, nessa tranquilidade, nesse silêncio, pode manifestar-se a realidade. Só então pode haver bem-aventurança, ação criadora. E se, sem termos esta compreensão, esta experiência, pomo-nos a ler livros, a assistir conferências, a fazer propaganda, isto me parece extremamente infantil, uma simples atividade sem muita significação. Mas se, ao contrário, o indivíduo for capaz de compreender a si mesmo e, por conseguinte, de fazer nascer aquela felicidade criadora, aquele experimentar de algo não produzido pela mente, então talvez possa haver transformação imediata das relações, ao redor de nós, e, por conseguinte, no mundo em que vivemos.(5)

Somos criados com a ideia de que o guru é essencial, porque é um homem que sabe e irá dizer-nos o que devemos fazer; estamos completamente imbuídos desta tradição e cumpre cortar-lhe imediatamente a raiz, para que sejamos capazes de compreender as questões que vamos examinar. Vede, senhores, temos medo de ficar privados dos nossos guias, porque nos achamos sumamente confusos; e quando agimos, em meio à nossa confusão, aumenta-se a confusão. Mas a confusão só pode ser dissipada por cada um de nós, sendo esta a razão por que tanto importa o indivíduo compreender a si mesmo. Com a compreensão vem uma ação que não é confusa nem causadora de confusão. O autoconhecimento, portanto, é essencial, mas não o autoconhecimento que se ensina nos livros, porque isso não é autoconhecimento, de modo nenhum, e sim, meramente, vã repetição.(6)

Preciso conhecer a mim mesmo, não como ideologicamente gostaria de ser, mas como realmente sou, bonito ou feio, ciumento, invejoso, ganancioso. Mas é muito difícil ver-nos tal qual somos sem desejar mudar, e esse mesmo desejo de mudança é outra forma de condicionamento; e assim prosseguimos, de condicionamento a condicionamento, nunca chegando a algo que esteja além do que é limitado.(7)

No momento, somos meros gramofones repetidores, eventualmente trocando gravações quando pressionados mas, em geral, tocando as mesmas melodias para todas as ocasiões. E é esse repetir constante, esse perpetuar da tradição, a origem do problema com todas as suas complexidades. Parecemos incapazes de escapar da conformidade, embora saibamos substituir a atual conformidade por uma outra, ou até mesmo sejamos capazes de tentar mudar o modelo atual. Trata-se de um processo constante de repetição, de imitação... e a repetição, seguramente, não irá solucionar os problemas humanos... por meio do autoconhecimento, é possível livrar-se desse eterno repetir.(8)

É essencial para um homem de paz, para um homem de pensamento, compreender a si mesmo. Pois sem autoconhecimento, seus esforços só criarão mais confusão e desgraças. Tome ciência do processo total de você mesmo. Você não precisa de gurus, de livros, para entender a cada novo momento o seu relacionamento com as coisas.(9)

Nós somos a sociedade. Se querem que a sociedade seja algo diferente, os senhores tem de começar, tem de por suas casas em ordem, as casas que são os senhores.(10)

Autoconhecimento não significa conhecer-se, mas conhecer a atividade do pensamento. Porque o eu é pensamento, a ideia. Portanto, observe cada movimento do pensamento, não deixando nunca que um pensamento passe sem se certificar do que ele é. Tente. Faça isso e você verá o que acontece. Isso revigora o cérebro. Veja: o pensamento é medo, o pensamento é prazer, o pensamento é tristeza. E o pensamento não é amor. O pensamento não é compaixão.(11)

Tendes que ser "impiedosos" com vós mesmos e viver no "verdadeiro estado de investigação". A menos que vos investigueis profundamente, em vosso interior, não tendes a possibilidade de descobrir o que é verdadeiro. Ninguém vos pode levar a esse descobrimento — ninguém! — e, por consequência, nenhum sistema. A verdade não é uma coisa estática, que fica à vossa espera, enquanto seguis um sistema uniforme, enquanto praticais dia a dia um certo método, enquanto aprimorais a vossa mente e o vosso coração para alcançar aquele estado a que chamais "a verdade". A Verdade não espera por vós!(12)

Se você achar difícil estar atento, então experimente escrever todo pensamento e sentimento que surge ao longo do dia, anote suas reações de ciúme, inveja, vaidade, sensualidade, as intenções atrás de suas palavras, e assim por diante. Reserve algum tempo antes do café para escrever isto – o que pode exigir sair mais cedo da cama e abandonar alguma atividade social. Se você anota estas coisas sempre que pode, e à noite antes de adormecer olha tudo que escreveu durante o dia, estuda e examina isto sem julgamento, sem condenação, você começará a descobrir as causas ocultas de seus pensamentos e sentimentos, desejos e palavras. ... Agora, o importante nisto é estudar com a inteligência livre tudo que você escreveu, e estudando isto você se dará conta de seu próprio estado. Na chama da autoconsciência, do autoconhecimento, as causas do conflito são expostas e consumidas. Você deveria continuar a escrever seus pensamentos e percepções, intenções e reações, não uma vez ou outra, mas por um número considerável de dias até que você possa estar imediatamente atento a eles ... Meditação não é só autoconsciência constante, mas abandono constante do ego. Além do pensamento de comum conhecido, existe a meditação, da qual provém a tranqüilidade da sabedoria, e na serenidade algo maior acontece. Ao escrever o que a pessoa pensa e sente, os seus desejos e suas reações, propicia a consciência interior, a cooperação do inconsciente com o consciente, e isto por sua vez conduz em troca à integração e à compreensão.(13)

(1)   Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(2)   Krishnamurti - Fora da Violência - Ed. Cultrix
(3)   Krishnamurti - Fora da Violência - Ed. Cultrix
(4)   Krishnamurti - A Primeira e Última Liberdade - Cultrix
(5)   Krishnamurti - A Primeira e Última Liberdade - Cultrix
(6)   Krishnamurti - Da solidão à Plenitude Humana - ICK
(7)   Krishnamurti - Sobre Deus - Ed. Cultrix
(8)   Krishnamurti - Sobre Relacionamentos - Ed. Cultrix
(9)   Krishnamurti - Sobre Relacionamentos - Ed. Cultrix
(10) Krishnamurti - O Futuro é Agora - Cultrix
(11) Krishnamurti - Diálogos sobre a visão intuitiva - Cultrix
(12) Krishnamurti - Uma Nova Maneira de Agir 
(13) Krishnamurti - O Livro da Vida

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill