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quinta-feira, 19 de abril de 2018

Enquanto há apego, não há liberdade


Enquanto há apego, não há liberdade

[...] Penso que todos nós estamos cientes das extraordinárias transformações exteriores ocorrentes no mundo, mas são bem poucos os que se transformam intimamente. Ou seguimos um certo padrão de pensamento estabelecido por outrem, ou criamos nossa própria estrutura ideológica, dentro da qual ficamos funcionando. E a maioria de nós acha dificílimo libertar-se desse padrão “conceitual”. Vivemos passando de conceito para conceito, de ideia para ideia, e pensamos que esse movimento é transformação; mas, como qualquer um pode ver se o observar atentamente, isso, em verdade, não é transformação nenhuma. O pensamento não pode produzir transformações profundas. O pensamento pode ser a causa de certos ajustamentos superficiais, poderá criar um novo padrão e a ele se ajustar, mas interiormente não se verifica nenhuma transformação significativa: somos, e provavelmente continuaremos a ser, o que sempre fomos. Esses ajustamentos exteriores correspondem sempre à nossa instabilidade interior, nossa interior incerteza, nosso interior sentimento de medo, e à nossa ânsia de fugir dos recantos escuros e inexplorados de nossa mente.

[...] Nesta manhã desejo examinar uma coisa que sinto ser muito importante, mas penso que primeiramente devemos compreender que o movimento exterior e o movimento interior da vida são essencialmente a mesma coisa. Importa não dividirmos esse movimento em “mundo exterior” e “mundo interior”. Ele é idêntico à maré, que vai para muito longe e retorna, sempre profunda. É quando dividimos esse movimento da vida em “exterior” e “interior”, “material” e “espiritual”, que começam todos os conflitos e contradições. Mas, se experimentamos verdadeiramente esse movimento como um processo unitário, incluindo tanto o “interior” como o “exterior”, então não há conflito. O movimento interior já não é, então, uma reação ao “exterior”, uma fuga ao mundo e, portanto, não precisamos retirar-nos para um mosteiro ou para o isolamento de uma torre de marfim. A o compreendermos o significado do “exterior”, o movimento interior deixa de ser o oposto do exterior; não é então, uma reação e, portanto, pode penetrar mais profundamente. Julgo, pois, ser esta a primeira coisa que cumpre compreender: que não podemos separar o interior do exterior. Trata-se de um processo unitário, e há grande beleza no perceber a sua indivisibilidade. Mas, para penetrarmos mais amplamente nesse mecanismo, precisamos compreender a natureza da humildade.

Em geral, não sabemos realmente o que significa ser humilde, ter o sentimento de humildade completa. A humildade não é uma virtude cultivável. No momento em que se cultiva a humildade, já não há humildade. Ou sois humilde, ou não sois. Para terdes o sentimento de completa humildade, deveis perceber esse movimento interior e exterior como um mecanismo único. Deveis compreender o significado da vida como um todo — a vida de sofrimento, de prazer, de dor, a vida que busca perpetuamente um pouso, que busca algo a que chama “Deus” ou por outro nome qualquer. Tendes de compreender tudo isso, e não rejeitar uma de suas partes para aceitar outra. Compreender é achar-se num estado de pleno percebimento. Significa escutar, passivamente, vossa esposa, vosso marido, o vento entre as árvores, o murmúrio das águas que passam, significa ver as montanhas, estar inteirado de tudo. Nesse estado de percebimento objetivo, há uma compreensão do exterior e do interior como um movimento total, unitário, e com essa compreensão se apresenta o senso de humildade. A humildade é importante, porque a mente sem humildade não pode aprender. Poderá acumular conhecimentos, reunir mais e mais informações, mas conhecimento e informações são coisas superficiais. Não sei porque tanto nos orgulhamos de nosso saber. Tudo se encontra em qualquer enciclopédia, e é estultícia acumular conhecimentos para satisfação de nosso orgulho e arrogância pessoal.

A humildade, pois, não é uma coisa que se deve alcançar com esforço. Alcançá-la-eis naturalmente, facilmente, “graciosamente”, uma vez percebido como um mecanismo total esse movimento do exterior e do interior. Então, começareis a aprender. Aprender é o estado da mente que jamais acumula experiência como memória, por mais agradável que seja a experiência; é o estado da mente que nunca evita um pesar, uma frustração. Ela se acha sempre num “estado de aprender”, de humildade. E vereis que da humildade provém a disciplina. Em maioria, não somos disciplinados. Submetemo-nos, ajustamo-nos, imitamos, reprimimos, sublimamos, mas nada disso é disciplina. Submissão não é disciplina e, sim, meramente, um produto do medo; por conseguinte, torna a mente estreita, estulta, embotada. Refiro-me a uma disciplina que existe espontaneamente quando há esse extraordinário senso de humildade e, por conseguinte, nos achamos num “estado de aprender”. Não é então necessário impor à mente nenhuma disciplina, porquanto o “estado de aprender” é, em si mesmo, uma disciplina.

Espero estar explicando isso bem claramente. Não falo da disciplina mecânica do soldado, que é exercitado para matar ou ser morto, nem da disciplina da técnica. Os escritórios, oficinas, fábricas, laboratórios e as diversas profissões técnicas requerem eficiência e, a fim de funcionar eficientemente num dado trabalho, a pessoa se disciplina, para corresponder ao padrão estabelecido. Não me refiro a nada disso. Refiro-me a uma disciplina completamente diferente, uma disciplina que nasce espontaneamente quando se compreende esse extraordinário mecanismo da vida, não em fragmentos, mas como um todo indiviso. Quando vos compreendeis, não “especializado” como músico, artista, orador, iogue, etc., mas como ser humano total, então, como resultado dessa autocompreensão, há um “estado de aprender”, e ele constitui uma disciplina isenta de ajustamento, imitação. A mente não está sendo moldada de acordo com nenhum padrão e, portanto, é livre, e nessa liberdade há um espontâneo senso de disciplina. Acho importante compreender isso, porquanto, para a maioria de nós, liberdade significa fazer tudo o que desejamos, ou obedecer aos nossos instintos, ou seguir o que, infelizmente, chamamos “nossa intuição”. Mas nada disso é liberdade.

Liberdade significa esvaziar a mente do conhecido. Não sei se já alguma vez o tentastes, vós mesmo. O relevante é libertarmos a mente do conhecido, ou, melhor, que a mente se liberte do conhecido. Isso não significa que a mente deva libertar-se do conhecimento “fatual”, pois em certo grau necessitamos desse conhecimento. É claro que não deveis libertar-vos do conhecimento do lugar onde residis, etc. Mas a mente pode libertar-se do seu fundo de tradição, de experiências acumuladas, e dos vários impulsos conscientes e inconscientes que representam reações daquele fundo; e ficar completamente livre desse fundo significa rejeitar, pôr de lado, morrer para o conhecido. Se assim fizerdes, descobrireis por vós mesmo quanto é realmente significativa a liberdade.

Falo de uma total liberdade interior em que não há dependência psicológica, nem apego de espécie alguma. Enquanto há apego, não há liberdade, porque o apego implica sentimento de íntima solidão, vazio interior, o qual exige um estado de relação exterior em que amparar-se. A mente livre não é apegada, embora possa ter relações. Mas não pode nascer a liberdade, se não há aquele “estado de aprender” que traz consigo uma profunda disciplina interior, não baseada em ideias nem em nenhum padrão “conceitual”. Quando a mente se liberta constantemente pelo morrer de instante em instante para o conhecido, daí provém uma disciplina espontânea, uma austeridade nascida da compreensão. A verdadeira austeridade é uma coisa maravilhosa; não é a seca disciplina, e sem nenhum valor, da renúncia destrutiva, que em geral imaginamos.

Não sei se já alguma vez experimentastes esse extraordinário sentimento de “ser completamente austero” — coisa que nada tem em comum com a disciplina de controle, ajustamento, submissão. E essa austeridade deve existir, porque, nela, há grande beleza e intenso amor. Nessa austeridade há paixão; ela só se apresenta ao existir solidão interior.

Agora, penso que é preciso perceber bem a diferença entre “isolamento” e “solidão”. Em regra, conhecemos a “solidão do isolamento” sempre que nos tornamos conscientes de nós mesmos. Talvez já tenhais conhecido a experiência de vos sentirdes subitamente isolado de tudo, de não estardes em relação com coisa alguma. Podeis achar-vos no meio de uma multidão, ou no círculo da família, ou numa reunião social, ou ainda passeando a sós pela margem de um rio, e subitamente vos vem um sentimento de completo isolamento. Esse sentimento de isolamento é essencialmente um “estado de medo”, e ele sempre existe, emboscado no segundo plano da mente. Desse medo procuramos fugir constantemente, fazendo coisas de todo gênero: lendo um livro, ouvindo o rádio, vendo televisão, bebendo, procurando mulheres, voltando-nos à busca de Deus, etc. É desse isolamento e por temermos isolar-nos que decorrem todas as nossas ações e reações. “Isolamento” é coisa completamente diferente de “solidão”.

A mente que se vê isolada, e com medo, está à mercê de inumeráveis influências; como um pedaço de barro, ela é maleável, pode ser modelada, ser forçada a ajustar-se a um molde. Mas, solidão é a mente livre de qualquer influência: influência da esposa, do marido, da tradição, da igreja, do Estado. Ela significa estar libertado da influência de leituras e das próprias e inconscientes exigências. Por outras palavras, solidão é a completa libertação do passado. É o “estado de aprender” que surge quando a mente compreende o mecanismo total da vida; daí vem uma disciplina que não é a disciplina da Igreja, ou do exército, ou do especialista, ou do atleta, ou do homem que cultiva o saber. É a disciplina nascida de um profundo senso de humildade; e não pode haver humildade, se a mente não está completamente só.

O que até agora se disse é razoável, lógico, são, saudável, e se compreendemos as palavras e lhes aprofundamos o sentido, não terá havido dificuldade em apreenderdes os dizeres do orador. Mas é necessário mais, muito mais do que isso. O exposto semelha o lançamento dos alicerces de uma casa — só os alicerces, e nada mais. Mas esses alicerces precisam ser lançados, e lançados com ardor, intensidade, beleza e, por conseguinte, com amor. Não podem ser lançados sob o impulso do desespero, do conflito, ou do desejo de alcançar um certo e estulto resultado, porque então a mente não se acha num estado livre do conhecido, do passado.

Não sei se já alguma vez notastes como acumulais, como vossa mente se aferra a inumeráveis e insignificantes experiências. A mente fornece o terreno no qual as experiências passageiras cravam raízes e continuam a moldá-la. Quase toda experiência deixa sua marca, e a experiência, por conseguinte, só pode perpetuar a limitação da mente. Mas, após lançar os alicerces corretos, pela percepção e compreensão de que esse mecanismo constitui sua própria limitação, a mente — com toda a facilidade, sem conflito algum — se liberta do “conhecido” e nasce, daí, um movimento que é criação.

Na maioria, buscamos Deus, e nosso Deus é uma mera questão de crença. A palavra God (Deus) escrita às avessas é dog (cachorro), e esta última serve tão bem como a primeira para designar aquilo que chamamos Deus. Mas, fomos educados, desde a meninice, para aceitar aquela palavra; e a religião organizada com sua milenária propaganda, condiciona a mente para crer naquilo que se supõe que a palavra representa. E aceitamos tal crença com tanta facilidade, exatamente como no mundo comunista aceitam a crença de que não há Deus, porque nessa crença foram eles educados. Esse é um outro gênero de propaganda. O crente e o não crente são iguais, porquanto ambos são escravos da propaganda.

Ora, para descobrirdes se há ou não há Deus, deveis destruir, em vós mesmos, tudo o que seja produto de propaganda. O que hoje chamamos “religião” foi organizado, formado durante séculos pelo homem, com seu medo, sua avidez, sua ambição, sua esperança e desespero. E para descobrir se há ou não há Deus, a mente deve destruir totalmente, sem nenhum motivo, todas as acumulações do passado; deve eliminar radicalmente todas as crenças e descrenças e desistir completamente de buscar. Deve a mente estar vazia do “conhecido”, vazia do Salvador, vazia de todos os deuses manufaturados pelo pensamento e esculpidos na madeira ou na pedra. Só quando livre do conhecido, pode a mente encontrar-se num estado de absoluta tranquilidade, não provocada por uma certa maneira de respirar, por exercícios, artifícios, drogas. E precisamos chegar até esse ponto — que na realidade não está longe, pois não há distância nenhuma para percorrer. Mas, para se abolir a distância, o tempo deve cessar; e só pode cessar o tempo, quando há o conhecimento de nós mesmos como realmente somos, fato por fato. Nesta extraordinária liberdade, que começa com a autocompreensão, há um movimento — um movimento imensurável, que supera todos os conceitos. Esse movimento é criação; e quando a mente chegar a esse movimento, descobrirá, por si própria, que o amor, a morte e a criação são a mesma coisa.

Krishnamurti, Saanen, 12 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O tempo não apaga o sofrimento e a solidão

O tempo não apaga o sofrimento e a solidão

Muito temos falado sobre a importância de enfrentar o fato, observá-lo sem condenação ou justificação, abeirarmos dele sem opinião alguma a seu respeito. Principalmente quando se trata de fatos psicológicos, costumamos encará-los com todos os nossos preconceitos, nossos desejos, nossas ânsias, que deformam “o que é” e produzem um certo sentimento de culpa, de contradição, uma rejeição do que é. Falamos também sobre a importância da destruição completa de todas as coisas que construímos para nos servirem de refúgio, de defesa. A vida se nos afigura vasta demais, célere demais, e nossas mentes lerdas, nossa maneira lenta de pensar, nossos hábitos criam invariavelmente uma contradição dentro em nós, e procuramos impor condições à vida. E, gradualmente, enquanto continua e cresce essa contradição e conflito, as nossas mentes se vão tornando mais e mais embotadas. Desejo, pois, nesta manhã, falar sobre a simples austeridade da mente e sobre o sofrimento.

É-nos muito difícil pensar diretamente, ver as coisas diretamente e seguir atentamente o que vemos, “até o fim”, de maneira lógica, racional, sã. É muito difícil ver as coisas com clareza e, por isso, muito difícil ser simples. Não me refiro à simplicidade exterior do vestir, do possuir poucas coisas; quero referir-me à simplicidade interior. A meu ver, a simplicidade é essencial quando se considera um problema muito complexo, como o sofrimento. Assim, antes de começarmos a apreciar o sofrimento, temos de estar bem esclarecidos quanto ao significado da palavra “simples”.

A mente, como agora a conhecemos, é muito complexa, infinitamente solerte, sutil; teve experiências mui numerosas; e contém em si todas as influências do passado, da raça, o resíduo dos tempos. Reduzir essa imensa complexidade à simplicidade é dificílimo; mas acho necessário fazê-lo, pois, do contrário, nunca seremos capazes de ultrapassar o conflito e o sofrimento.

A questão, pois, é esta: Considerando-se toda esta complexidade — de saber, experiências, memória — existe alguma possibilidade de olharmos o sofrimento e dele nos livrarmos? Em primeiro lugar, parece-me que, quando se trata de investigar, por nossos próprios meios, como pensar de maneira simples e direta, as definições e explicações são verdadeiramente prejudiciais. Uma definição verbal não torna a mente simples, e as explicações não produzem a clareza de percebimento. Parece-me, pois, que devemos estar bem apercebidos de nossa escravização às palavras, sem perdermos de vista, entretanto, que as palavras são necessárias para as comunicações. Mas o que se comunica não é meramente a palavra; comunicam-se sentimentos, visões, que não podem ser formulados em palavras. Mente simples não significa mente ignorante. Mente simples é aquela que está livre para seguir todas as sutilezas, todas as variações, todos os movimentos de um dado fato. E para tanto deve a mente, sem dúvida, estar emancipada das palavras. Essa liberdade produz uma austeridade feita de simplicidade. Se há essa simplicidade no considerar as coisas, pode-se então tentar compreender o que é o sofrimento.

Penso que a simplicidade da mente e o sofrimento estão relacionados entre si. Viver no sofrimento em todos os dias de nossa vida é, sem dúvida, dizendo-o delicadamente, a coisa mais insensata que um homem pode fazer. Viver em conflito, na frustração, sempre enleado no medo, na ambição, enredado na ânsia de preenchimento, de êxito — passar a vida toda num tal estado, isso me parece de todo em todo fútil e desnecessário. E para nos livrarmos do sofrimento, devemos aplicar-nos de maneira simples a este complexo problema.

Há várias qualidades de sofrimento físico e psicológico. Há a dor física ocasionada pela doença — uma dor de dentes, a perda de um membro, deficiência visual, etc.; e o sofrimento interior que nos vem quando perdemos alguém que amamos, quando não temos aptidões e vemos pessoas que as têm, quando não temos talento e vemos pessoas de talento, de dinheiro, posição, prestígio, poder. Há sempre ânsia de preenchimento; e, à sombra do preenchimento, se encontra a frustração, e com esta o sofrimento.

Temos, pois, esses dois aspectos do sofrimento — o físico e o psicológico. Perdemos porventura um braço, e surge o problema do sofrimento. Voltamos mentalmente ao passado, lembrando-nos do que já fizemos, que já não poderemos jogar tênis, já não poderemos fazer muitas coisas; a mente compara, e nesse processo gera-se sofrimento. Conhecemos bem esse gênero de coisa. O fato é que perdi meu braço e, por mais teorias e explicações que formule, por mais que compare, que me lamente, nada disso me restituirá o braço. Mas a mente gosta de lamentar-se, de volver ao passado. E fica, assim, o fato presente em contradição com o que foi. Essa comparação produz invariavelmente conflito, e por causa dele sofremos. Esta é uma modalidade do sofrimento.

Em seguida, temos o sofrimento psicológico. Meu irmão, meu filho morreu, foi-se deste mundo. Não há quantidade de teorias, de explicações, de crenças, de esperanças que me possam restituir. A realidade cruel, inexorável, é o fato de que ele se foi. E outro fato é que me sinto sozinho, porque ele se foi. Éramos amigos, passeá­ vamos juntos, conversávamos, ríamos, divertíamo-nos, e essa camaradagem acabou-se e fiquei sozinho. A solidão é um fato e a morte também. Sou forçado a aceitar o fato — sua morte — mas não quero aceitar o fato de ter ficado só no mundo. Por isso, começo a inventar teorias, esperanças, explicações, como meios de fuga ao fato, e são essas fugas que produzem sofrimento, e não o fato de achar-me sozinho, não o fato de ter morrido meu irmão. O fato nunca pode produzir sofrimento e parece-me importante compreender isso, se se quer a mente verdadeira, total e completamente livre do sofrimento. Só acho possível a libertação do sofrimento quando a mente já não busca explicações e refúgios, quando encara o fato de frente. Não sei se já tentastes isso.

Sabemos que existe a morte e conhecemos o grande medo que ela provoca. É um fato que temos de morrer, cada um de nós, quer queiramos, quer não. E, assim, racionalizamos a morte ou nos refugiamos em crenças — karma, reencarnação, ressurreição, etc. — e, por consequência, sustentamos o medo e fugimos ao fato. E a questão é se à mente interessa de feito “ir até o fim”, para descobrir se é possível nos libertarmos completamente do sofrimento, não no correr do tempo, porém no presente, agora.

Ora, pode cada um de nós, com inteligência, sanidade, enfrentar o fato? Posso enfrentar o fato de que meu filho, meu irmão, minha irmã, meu marido ou esposa, ou quem quer que seja, morreu e eu fiquei sozinho — em vez de tentar escapar a essa solidão por via de explicações, crenças e teorias sutis, etc.? Posso olhar o fato, qualquer que seja ele: o fato de não ter eu talento, de ser estúpido, de estar sozinho, de que minhas crenças, minhas estruturas religiosas, meus valores espirituais são apenas defesas? Posso encarar esses fatos e não buscar meios e modos de fugir? É possível isso?

Só o acho possível quando já não nos preocupamos com o tempo, o amanhã. Nossa mente é preguiçosa e, por isso, estamos sempre a pedir tempo — tempo para nos recuperarmos, tempo para melhorarmos. O tempo não apaga o sofrimento. Podemos esquecer um dado sofrimento, mas o sofrimento existe sempre, profundamente oculto em nós. Mas eu acho possível extinguir de todo o sofrimento, não amanhã, não no decurso do tempo, porém percebendo a realidade no presente, e passando além.

Afinal, por que sofrer? O sofrimento é doença. Procuramos o médico para nos livrarmos de uma doença. Por que temos de suportar o sofrimento, de qualquer espécie que seja? Vede, por favor, que não estou fazendo retórica, pois isso seria insensato. Por que havemos nós, cada uma de nós, de suportar qualquer sofrimento, se é possível nos libertarmos disso completamente?

Essa pergunta implica outra: Por que vivermos em conflito? O sofrimento é conflito. Dizemos que o conflito é necessário, que faz parte da existência, que na natureza e em tudo o que nos cerca existe conflito, e que é impossível existir sem conflito. Consequentemente, aceitamos o conflito como inevitável interiormente, em nós mesmos, e exteriormente, no mundo.

Para mim, o conflito, de qualquer espécie que seja, é desnecessário. Podeis dizer: “Esta é uma ideia pessoal, vossa, e sem validade. Sois um homem só, solteiro — para vós isso é fácil! Mas nós outros temos de viver em conflito com os nossos vizinhos e a respeito de nossas ocupações; tudo o que tocamos gera conflito”.

A meu ver, isso é questão de educação correta, e nossa educação não foi correta; ensinaram-nos a pensar em termos de competição, em termos de comparação. Tenho dúvidas sobre se é possível uma pessoa compreender, ver realmente, diretamente, por meio de comparação. Ou só se pode ver claramente, com simplicidade, depois de cessar a comparação? Decerto, uma pessoa só pode ver claro, quando a mente já não é ambiciosa, já não se esforça para tornar-se alguma coisa — mas isso não significa que a pessoa deva ficar satisfeita com o que é. Penso que um homem pode viver sem comparação, sem comparar-se com outro homem, sem comparar o que ele é com o que deveria ser. Enfrentar “o que é”, a todas as horas, suprime as avaliações comparativas e, por conseguinte, penso eu, pode-se, assim, eliminar o sofrimento. Acho importantíssimo que a mente esteja livre do sofrimento. Porque a vida tem então significado bem diferente.

Outra coisa desastrosa que fazemos é buscar o conforto: não apenas conforto físico, mas também conforto psicológico. Desejamos abrigar-nos numa ideia, e quando essa ideia falha, ficamos desesperados, e isso, por sua vez, gera sofrimento. A questão, pois, é esta: Pode a mente viver, funcionar, existir sem abrigo, sem nenhum refúgio? Pode um homem viver, dia por dia, enfrentando cada fato que surge e nunca buscando refúgio; enfrentando “o que é” a todas as horas, todos os minutos do dia? Porque então, penso eu, descobriremos que não só o sofrimento termina, mas também a mente se torna sobremodo simples e clara, apta a perceber diretamente, sem ajuda das palavras, do símbolo.

Não sei se alguma vez já pensastes sem palavras. Existe pensar sem verbalização? Ou todo pensar consiste apenas em palavras, símbolos, quadros, imaginação? Todas essas coisas — palavras, símbolos, ideias, são prejudiciais ao percebimento claro. Acho que quem deseja investigar o sofrimento “até o fim”, para descobrir se é possível ficar livre dele (não eventualmente, porém viver cada dia livre de sofrimento), deverá penetrar em si mesmo muito profundamente, para libertar-se de todas essas explicações, palavras, ideias e crenças, de modo que a mente fique verdadeiramente purificada e capacitada para perceber “o que é”.

PERGUNTA: Quando há sofrimento, é decerto inevitável desejarmos fazer alguma coisa contra ele.

KRISHNAMURTI: Senhor, como já dissemos, nós desejamos viver com prazer, não é verdade? Ninguém procura modificar o prazer; queremos que ele continue dia e noite, perenemente. Não desejamos alterá-lo, não desejamos sequer, tocá-lo, “soprá-lo”, de medo que se nos vá; queremos ficar-lhe apegados, não é mesmo? Agarramo-nos à coisa que nos dá deleite, que nos dá alegria, prazer, sensação — coisas tais como frequentar a igreja, “ir à missa”, etc. Essas coisas causam-nos muita vibração, sensação, e não desejamos alterar tal sentimento; ele nos faz sentir mais aproximados da fonte das coisas, e precisamos dessa sensação, não é verdade? Por que não podemos “viver com o sofrimento”, da mesma maneira e com a mesma intensidade, e sem desejarmos fazer algo contra ele? Já tentastes isso? Já tentastes “viver com a dor física?” Já tentastes “viver com o barulho”?

Simplifiquemos as coisas. Quando um cão ladra à noite e vós desejais dormir — mas ele continua ladrando, ladrando — que fazeis? Resistis, não é verdade? Atirai-lhe coisas, praguejais contra ele, enfim fazeis tudo o que podeis contra ele. Mas se, em lugar disso, “acompanhásseis” o barulho, escutásseis o ladrar do cão sem resistência nenhuma, haveria incômodo? Não sei se já tentastes fazê-lo. Tentai, ao menos uma vez, não resistir! Assim como não repelis o prazer, não podeis igualmente “viver com o sofrimento”, sem nenhuma resistência, sem escolha, sem procurar refúgio, sem acalentardes esperanças e, desse modo, abrirdes a porta ao desespero — viver, simplesmente, com ele?

“Viver com uma coisa” significa amá-la. Quando amais alguém, desejais viver com essa pessoa, estar em sua companhia, não? Da mesma maneira pode uma pessoa “viver com o sofrimento”, não sadicamente, porém sentindo-lhe a força, a intensidade, e também sua absoluta superficialidade; e isso significa nada poder fazer contra ele. Afinal de contas, ninguém deseja fazer alguma coisa contra algo que lhe dá prazer intenso; ninguém deseja alterá-lo: deseja-se que continue. De modo idêntico, “viver com o sofrimento” significa, realmente, amar o sofrimento, e isso exige muita energia e compreensão; significa vigilância contínua, para não deixar a mente fugir ao fato. É facílimo fugir; pode-se tomar uma droga, uma bebida, ligar o rádio, abrir um livro, tagarelar com outros, etc. Mas “viver com uma coisa” — prazer ou dor — inteiramente, totalmente, requer mente bem vigilante. E quando a mente é assim vigilante, ela cria sua ação própria — ou, melhor, a ação nasce do fato, e a mente nada tem que fazer contra o fato.[...]

Tenho que uma mente nova, purificada, é absolutamente necessária para se poder descobrir o que é verdadeiro, se existe Deus — ou o nome que quiserdes dar-lhe. Uma mente envelhecida, torturada, cheia de sofrimento, nunca poderá descobri-lo. E fazer do sofrimento coisa necessária, coisa que eventualmente nos levará ao céu, é absurdo. O Cristianismo enaltece o sofrimento como o caminho da iluminação. Mas é necessário estarmos livres do sofrimento, da escuridão; porque só então poderá brilhar a luz.

PERGUNTA: É-me possível existir livre de sofrimento, vendo tanto sofrimento ao redor de mim?

KRISHNAMURTI: Que achais? Ide ao Oriente, à Índia, à Ásia, e lá encontrareis o sofrimento em vasta escala — sofrimento físico, fome, degradação, pobreza. Esse é um aspecto do sofrimento. Visitai o mundo moderno, e aí encontrareis todos muito ocupados em decorarem sua prisão externa — imensamente ricos, prósperos, mas todos também muito pobres interiormente, muito vazios; aí também se encontra o sofrimento. Que se pode fazer em presença desse fato? Que podeis fazer diante de meu próprio penar? Podeis socorrer-me? Pensai nisso a fundo, senhores!

Já falei cerca de uma hora, nesta manhã, a respeito do sofrimento e de como nos livrarmos dele. Estou-vos ajudando, ajudando- os de fato, isto é, tornando-vos livres dele, ajudando-vos a não o levar de um dia para o outro, a viver totalmente livres de sofrimento? Estou-vos ajudando? Acho que não. Decerto, esse trabalho compete a vós mesmos, inteiramente. Só estou a indicar-vos o caminho. Um indicador de direção nenhum valor tem se ficamos sentados a estudá-lo, indefinidamente. Cada um tem de enfrentar a solidão, percorrê-la “até o fim”, observando todas as suas implicações. Posso evitar os sofrimentos do mundo? Conhecemos não apenas nossa própria angústia e desespero, mas também os vemos estampados nos rostos dos outros. Podemos mostrar a porta por onde um homem pode tornar-se livre, mas quase todos querem transpor essa porta carregados. Rendem culto ao homem que, segundo pensam, os carregará; fazem-no o Salvador, o Mestre — e tudo isso é puro contrassenso.[...]

PERGUNTA: “Viver com o sofrimento” implica prolongamento do sofrimento, e tememos prolongá-lo.

KRISHNAMURTI: Não foi isso, naturalmente, o que eu quis dizer. Para “viver com uma coisa” — a beleza ou a fealdade — requer-se muita intensidade. “Viver com estas montanhas”, dia por dia — se não as sentirmos, se as não amarmos, se não lhe admirarmos a beleza, a todas as horas, igualar-nos-emos aos camponeses, que a elas se tornaram insensíveis. O belo, se não lhe somos sensíveis, corrompe tanto como o feio. “Viver com o sofrimento” é “viver com as montanhas”, porque o sofrimento torna a mente embotada, estúpida. “Viver com o sofrimento” implica vigilância infinita, e isso não prolonga o sofrimento. No momento em que se percebe a totalidade da coisa, esta se desvanece. Quando uma coisa é percebida totalmente, está acabada. Ao conhecermos a estrutura completa do sofrimento, sua anatomia, sua “interioridade”, sem formular teorias a seu respeito, porém observando o fato realmente, a sua totalidade — então o fato cai por si. A rapidez, a presteza do percebimento depende da mente. Mas se vossa mente não é simples, direta, se está repleta de crenças, esperanças, temores, desesperos, desejando modificar o fato, “o que é”, nesse caso estais prolongando o sofrimento.

PERGUNTA: Nossos preconceitos barram-nos o caminho, e temos de vencê-los; e isso pode levar tempo.

KRISHNAMURTI: Senhor, ao perceber que está só, a pessoa percebe também, instantaneamente, que deseja fugir desse estado, não é verdade? O fato de que estou só e o fato de desejar fugir desse estado podem ser percebidos imediatamente, não? Posso também perceber instantaneamente que qualquer espécie de fuga é uma maneira de evitar o fato da solidão, a qual devo compreender. Não posso pô-la de parte.

A meu ver, nossa dificuldade consiste em estarmos muito apegados às coisas nas quais nos refugiamos; elas são para nós bem importantes, tornaram-se sumamente respeitáveis. Achamos que, se deixarmos de ser respeitáveis, só Deus sabe o que aconteceria. Por essa razão, torna-se de suma importância o apego à respeitabilidade, e deixa de ser relevante o fato de que precisamos compreender a solidão, ou o que quer que seja, totalmente.

PERGUNTA: Se não temos a necessária intensidade, que podemos fazer para a conseguirmos?

KRISHNAMURTI: Não estou certo se desejamos aquela intensidade. Ser “intenso” implica destruição, não é exato? Significa despedaçar todas as coisas que estamos acostumados a considerar tão importantes na vida. E, assim, o medo, talvez, nos impede de ser “intensos”.

Todos nós, velhos e jovens, desejamos ser altamente respeitáveis, não é verdade? Respeitabilidade implica reconhecimento por parte da sociedade; e a sociedade só reconhece o que teve êxito, o que se tornou importante, famoso, e despreza o resto. Por isso, adoramos o êxito e a respeitabilidade. E quando pouco vos importa se a sociedade vos considera respeitável ou não, quando não buscais o êxito, não desejais tornar-vos alguém, existe então intensidade — e isso significa que não existe medo, nem conflito, nem contradição, interiormente; por conseguinte, dispondes de abundante energia para acompanhardes o fato “até o fim”.

Krishnamurti, Saanen, 6 de agosto de 1961, O Passo Decisivo

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Amamos, de fato, aos nossos filhos?

Amamos, de fato, aos nossos filhos?

PERGUNTA: Sou capaz, agora, de aceitar os problemas que me dizem respeito. Mas como posso deixar de sofrer por meus filhos, quando são atingidos pelos mesmos problemas?

KRISHNAMURTI: Porque dependemos de nossos filhos? E, além disso, amamos os nossos filhos? Se há amor, como pode haver dependência, como pode haver sofrimento? Nossa ideia de amor é que devemos sofrer por outros. É amor, sofrer? Ou o fato é que eu dependo de meus filhos, que busco através deles a imortalidade, o preenchimento, etc.? Por isso, desejo que meus filhos sejam algo; e, se não o são, sofro. Bem pode ser que o problema não sejam os filhos, absolutamente, mas eu próprio. E repetimos: talvez não saibamos o que é amar. Se amássemos os nossos filhos impediríamos todas as guerras futuras, é claro. Não condicionaríamos os nossos filhos. Eles não seriam nem ingleses, nem hindus, nem brâmanes, nem não brâmanes; seriam crianças. Mas, como não amamos, dependemos dos nossos filhos; através deles esperamos preencher a nós mesmos. E, assim, quando nosso filho, por meio de quem queremos preencher-nos, faz algo que não é aquilo que queremos, sentimos pesar, e há conflito. Fazer simplesmente uma pergunta e esperar a resposta tem pouca significação. Mas se pudermos observar por nós mesmos o "mecanismo" desse apego, o "mecanismo" dessa busca de preenchimento por meio de outro, o que é dependência e deve, inevitavelmente, criar sofrimentos, se pudermos percebê-lo por nós mesmos, como um fato, poderá surgir uma coisa diferente, quiçá amor. E tal relação produzirá então uma sociedade diferente, um mundo muito diferente.

Krishnamurti, Quinta Conferência em Londres, 25 de junho de 1955

quinta-feira, 5 de abril de 2018

No estar só, psicologicamente, a liberdade

No estar só, psicologicamente, a liberdade

PERGUNTA: Estudei muitos sistemas de filosofia e as doutrinas dos grandes guias religiosos. Tendes algo melhor para oferecer, do que a que já sabemos?

Krishnamurti: Pergunto-me a mim mesmo porque é que estudais, porque ledes filosofia, porque ledes os ditos dos guias religiosos. Pensais que o saber que tendes adquirido dos instrutores e dos livros vos levará a alguma parte? Ele poderá ser útil, numa discussão, para "deitardes erudição", mostrardes quanto sois perspicaz. Mas o saber acumulado — afora no mundo científico — pode conduzir um homem, a vós ou a mim, ao descobrimento do que é real, do que é verdadeiro, Deus, o Eterno, descobrimento sem o qual a nossa vida muito pouco significa? Sem dúvida, para se achar o Eterno, temos de largar todo o nosso saber, não é verdade? Tudo o que disse Buda, Cristo, ou outro qualquer — tudo isso não tem de ser posto de lado? Senão estareis meramente perseguindo vossas próprias "projeções" ou a "projeção" da vossa igreja; estareis, na verdade, reagindo ao vosso próprio condicionamento.

Ora, vós tendes de deixar de ser cristãos, hinduístas, budistas ou praticantes da ioga, deveis deixar tudo isso completamente para que "o que está além" (caso exista) possa manifestar-se. Se dizemos, simplesmente, que além existe algo, e aceitamos este algo, e esperamos alcançá-lo, com isso nos mostramos muito superficiais. Mas podemos empreender uma jornada sem nada sabermos, sem apoio nenhum, sem sermos cristãos, budistas, hinduístas, que são simples rótulos e denotam uma mente condicionada? O pormos de parte tudo o que sabemos, eis o único problema, e pouco importa que eu tenha "algo melhor para oferecer". Porque, sem dúvida, um homem deve estar só — não isolado, não "sozinho" — no saber, na experiência, porque todo saber e toda experiência são obstáculos ao descobrimento do real. A mente deve estar livre de todo condicionamento, tem de estar só, para descobrir. Quanto mais uma pessoa observa certa prática, quanto mais acumula, quanto mais disciplina, molda, torce, luta, tanto menos compreenderá o que é. Não estou falando de nenhuma filosofia indiana de negação, de "nada fazer", quando tendes a mentalidade ocidental de "fazer algo"; não é disso que estou falando. Estamos tratando de coisa completamente diferente. A mente deve tornar-se pura, nova.

Não pode ser nova e pura se há acumulação de saber ou a mera repetição das palavras de um instrutor, ou o resultado final de certa prática. Não pode a mente tornar-se apercebida de seu próprio condicionamento? Não só do condicionamento superficial, mas de todos os símbolos, ideologias, filosofias, imagens, todas as coisas, enfim, que jazem nas profundezas da mente e a estão condicionando. Tornar-se apercebido dessas coisas e delas libertar-se, eis o que é "liberdade religiosa". Esta liberdade é que opera a revolução - a única revolução que pode transformar o mundo.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Londres
17 de junho de 1955

Observando o mecanismo do apego

Observando o mecanismo do apego

PERGUNTA: Sou muito "apegado", e sinto ser muito importante cultivar o desapego. Como alcançarei esse sentimento de liberdade do apego?

Krishnamurti: Nosso problema é o desapego? Ou será o apego? Ser "apegado" causa sofrimentos, e, por conseguinte, desejamos tornar-nos desapegados. Se pudermos considerar o inteiro mecanismo do apego, não superficialmente apenas, mas compreendendo o seu verdadeiro significado, penetrando-o até o fundo, então é bem possível que se apresente algo muito diferente daquilo que chamamos "desapego". Porque somos tão apegados a alguma coisa: nossos haveres, pessoas, ideias, crenças? Bem sabeis quantas formas de apego existem e a quantas coisas vivemos apegados. Porque somos tão apegados? Não há um sentimento de temor se não estamos apegados a alguma coisa, se não estou apegado a meu amigo, a uma ideia, uma experiência já acabada, um filho, irmão, mãe, uma esposa morta? Não nos consideramos desleais, desamorosos, se não somos apegados? E não há também, em nosso apego, um medo estranho de não sermos alguma coisa? O problema é este, e não como cultivar o desapego. Se cultivo o desapego, este próprio cultivo se torna um problema.

Vede, por favor: eu sou apegado; meu apego resulta de temor, de variadas formas de solidão, de vazio etc. Estou cônscio disso e conheço as penas que o apego me impõe; consequentemente procuro cultivar o desapego. E assim a minha mente se mantém ocupada com o desapego e sobre como alcançar tal estado; e esse mecanismo mesmo se torna um problema, não é verdade? Desejo conquistar o desapego e, assim, a mente, ocupando-se com o resultado, com uma ideia chamada "desapego", cria o problema da consecução do "desapego"; nasce então o conflito — sou apegado e devo ser desapegado —, e esse conflito gera sofrimento. E vem daí uma luta constante para se alcançar certo estado isento de sofrimento e de temores. Mas, se sou capaz de encarar o apego, estar apercebido dele, sem perguntar como libertar-me da penosa luta para compreender tudo o que o apego implica, se sou capaz de estar simplesmente apercebido dele, como se está apercebido do céu — vendo-o nublado ou escuro, carregado de chuva ou todo azul —, não há então problema algum e a mente não está mais ocupada com a questão do apego ou com seu oposto, o desapego.

Quando a mente está assim vigilante, apercebida, pode então perceber o inteiro significado do apego. Mas não se pode discernir todo o significado interior do apego se há qualquer forma de condenação, comparação, julgamento, avaliação. Se "experimentardes" o que estou dizendo, vereis claramente a sua significação. O mero cultivar do desapego torna-se uma coisa por demais superficial. Suponhamos que fiqueis desapegados — e daí? Mas, quando há percebimento, pode-se ver que onde há apego não há amor; onde há apego, há desejo de permanência, de segurança, de continuidade pessoal — o que não significa que devamos aspirar à autodestruição. E, percebendo-se isso, o problema do apego se torna extraordinariamente significativo e amplo. Se nos limitamos a fugir do apego, por causar-nos tanto sofrimento, essa fuga só pode levar-nos a um amor superficial, um pensar superficial. E a maioria dos que estamos praticando a virtude — a virtude do desapego, da não avidez, da não violência — levamos na realidade uma vida superficial, vida de ideias, de palavras. Se estamos bem apercebidos do problema do apego, em todos os seus aspectos, começaremos a descobrir as suas extraordinárias profundezas, o quanto a mente está apegada à experiência de ontem, com a dor ou o prazer que a acompanharam, o quanto está presa a essa experiência. Não será possível ficarmos livres da experiência, tanto de prazer como de dor, enquanto não estivermos verdadeiramente vigilantes. Nessa vigilância ou percebimento, em que não há escolha nem reação alguma, a mente pode descer a grandes profundidades. A mera prática de qualquer virtude só pode conduzir à respeitabilidade, que é o que a maioria das pessoas deseja, pois a respeitabilidade identifica-nos com a sociedade. Todos desejamos ser reconhecidos como "algo", grande ou pequeno, isto ou aquilo; e a esta ideia temos apego. Podemos desejar desapegar-nos de pessoas, porque tal apego nos causa dor, ao passo que a ideia a que estamos apegados não nos é dolorosa. Mas, para compreendermos verdadeiramente o problema do apego — apego à tradição, à nacionalidade, aos costumes, ao hábito, ao conhecimento, à opinião, a um Salvador, a toda sorte de crenças e não crenças —, não devemos contentar-nos com arranhar a superfície, nem pensar termos compreendido o problema do apego pelo fato de estarmos cultivando o desapego. Mas se, ao contrário, não procurarmos cultivar o desapego — cultivo que apenas se torna mais um problema —, se pudermos simplesmente observar, com toda a clareza, o apego, seremos então, talvez, capazes de descer a uma grande profundidade e descobrir algo completamente diferente, algo que não é apego nem desapego.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Londres
17 de junho de 1955

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Só na morte dá-se vida ao amor

(...) O que é o amor? O amor será prazer? Será desejo? O amor será produto do pensamento, como são o prazer e o medo? Poderá o amor ser cultivado, poderá vir com o tempo? E se não sei o que é o amor, serei capaz de o encontrar? 

O amor não é, obviamente, sentimentalismo ou emocionalidade, por isso podemos pô-los imediatamente de lado, porque o sentimentalismo e a emocionalidade são românticos, e o amor não é romantismo. 

O prazer e o medo fazem parte do movimento do pensamento e para a maior parte de nós o prazer é a coisa mais importante na vida — o prazer sexual e a lembrança dele, o pensamento de ter tido esse prazer, pensar nele, tornar a pensar e desejar tê-lo amanhã — a moralidade social está baseada no prazer.

Assim, se o prazer não é amor, então o que é o amor? Reparem nisto, por favor, porque vocês é que têm de dar a resposta a essas questões, não podem esperar apenas que o orador ou qualquer outra pessoa o faça. Trata-se de um problema humano fundamental que tem de ser resolvido por cada um de nós, não por um guru ou filósofo que diga "isto é amor", "aquilo não é amor". 

Amor não é ciúme, não é inveja, ou será? Vocês estão muito silenciosos! Poderemos amar e ao mesmo tempo sermos ávidos, ambiciosos, competitivos? Pode-se amar quando se matam não só os animais, mas também outros seres humanos? 

Pela negação daquilo que o amor não é — não é ciúme, inveja, ódio, não é atividade egocêntrica do "eu", e do "você", a competição tão cheia de falsidade, e desumanidade e a violência da vida quotidiana — saberemos o que é o amor. Quando pusermos de lado todas estas coisas, não intelectualmente mas de maneira real, com o nosso coração, a nossa mente, as nossas... ia a dizer entranhas — porque obviamente tudo isto não é amor — então encontraremos o amor. Quando soubermos o amor, quando tivermos amor, então estaremos livres para fazer o que está certo; e o que quer que façamos estará certo. 

Mas para chegar a este estado, para ter esse sentido da beleza e da compaixão que o amor traz, tem também de haver a morte do ontem. A morte do ontem significa morrer interiormente a todas as coisas — a toda a ambição e a tudo o que se tenha acumulado psicologicamente. Afinal, quando vier a morte, isso é o que de qualquer modo vai acontecer — deixaremos a nossa família, a nossa casa, os nossos valores, todas as coisas que possuímos. Deixaremos todos os livros, donde obtemos tantos conhecimentos, assim como os livros que queríamos escrever e não escrevemos, e os quadros que queríamos pintar. Quando se morre a tudo isso, então a mente está completamente nova, fresca e inocente. Suponho que vão dizer que é impossível. 

Quando se diz que é impossível, começa-se então a inventar teorias: deve haver uma vida depois da morte. Segundo os cristãos há a ressurreição, enquanto toda a Ásia acredita na reencarnação. Os hindus afirmam que é impossível morrer para todas as coisas enquanto ainda se tem vida, saúde e beleza; assim, temendo a morte, dão esperança inventando essa coisa maravilhosa chamada reencarnação, o que significa que a próxima vida será melhor. Contudo, o melhor tem uma condição: para ser melhor na próxima vida, tenho de ser bom nesta, portanto, devo saber comportar-me. Devo viver de maneira reta; não devo fazer mal a ninguém, não deve haver ansiedade, nem violência. Mas infelizmente esses crentes da reencarnação não vivem dessa maneira; pelo contrário, são agressivos, tão cheios de violência como qualquer outro, por isso a sua crença tem tão pouco valor como os dias de ontem já mortos. 

O que é importante é o que se é agora, e não se se acredita ou não acredita, se as experiências que se têm são psicodélicas ou apenas vulgares. O que importa é viver com retidão, com virtude — sei que não se gosta desta palavra. Abusou-se terrivelmente destas duas palavras "virtude" e "retidão", todos os sacerdotes as usam, qualquer moralista ou idealista as emprega. Mas a virtude é completamente diferente de qualquer de qualquer coisa que seja praticada como sendo virtude, e aí reside a sua beleza; se se tenta "praticá-la", deixa de ser virtude. Ela não é do tempo, por isso não pode ser "praticada", e uma conduta reta não depende do ambiente; a conduta que depende do ambiente poderá estar correta à sua maneira, mas não é virtude. Virtude é amor; é não ter medo, é viver no mais alto nível da existência, o que significa morrer interiormente para todas as coisas — morrer para o passado — para que a mente se torne clara e inocente. 

Só uma mente assim pode encontrar aquela imensidão extraordinária que não é invenção da própria pessoa, nem de algum filósofo ou guru.

Krishnamurti em, O mundo somos nós

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Por que eu não amo?

(...) Krishnamurti: Você está dizendo: "Por que eu não amo?" Não porque nós não amamos. Por que não há amor no meu coração, no meu ser? Seria certo isso, senhor? Certo? Alguma outra pergunta? (...) Por que nós, seres humanos, não temos nenhum senso de amor? Talvez, se nos aprofundássemos nisso — novamente juntos — por favor, não eu falo e vocês escutam, mas juntos, então, talvez na investigação disso, seremos capazes de descobrir o que é pensar, que lugar tem o pensar, se é mecânico ou não-mecânico, e porque a mente está sempre registrando incidentes, acidentes, mágoas, todas as experiências que o homem armazenou, e o que é a ação que será tão completa que não deixará uma marca de tristeza, confusão. Poderíamos pegar esta pergunta que é, o que é o amor, por que não amamos? Tudo bem?

Público: Sim!

K: Não, não, por favor, não me importo. Vocês querem discutir isso? 

P: Sim.

K: Sim. Me pergunto como abordaremos esta questão. Qual é sua abordagem a ela? Entende minha pergunta? Como você faz para descobrir o significado do amor? Por que você, como um ser humano, não tem este perfume, esta qualidade que talvez responda todas as outras questões da vida? Então, qual é a sua abordagem? Como você faz para investigar esse problema? Ou, talvez não seja possível investigar isso, mas, pode-se descobrir o que impede. Entende? O que pode evitar esta coisa extraordinária que o homem parece estar ansiando e parece não alcançar, ter. Podemos fazer isso? Como abordará isso? Entende minha pergunta? Porque, é muito importante como você aborda um problema. Não o problema em si, mas como você chega a ele; como você olha para ele, qual a sua intenção e tudo isso. Então, descubra, se posso pedir, qual é a sua abordagem, como você recebe esta pergunta, se sua mente é romântica, sentimental, se e nascida do desejo. Então você tem de adentrar muito cuidadosamente se quiser ir bem profundamente nesta questão, porque pode-se, entrando nisto, talvez seremos capazes de responder toda a natureza do pensamento. Certo? Estamos então claros quanto à maneira como abordamos, cada um de nós? Ou vocês já têm algumas conclusões a respeito? Algumas opiniões e suas experiências, elas o bloquearão, elas o impedirão de ir bem, bem profundamente? Certo? Então, por favor, estamos conversando juntos, não um com o outro, juntos. Entende? O orador está falando com você pessoalmente — você. Então, qual é a sua abordagem? Você está consciente de sua abordagem e como abordar isto? Você está consciente de seu preconceito, suas imagens sobre isto, suas conclusões sobre isto, ou o que as pessoas disseram sobre isto? Você pode colocar tudo isso de lado e tentar descobrir? 

P: O que é o amor? 

K: O que é o amor? O que vamos descobrir, senhor, isso é o que estamos fazendo. 

P: Senhor, mas qual é o significado da palavra? 

K: Sabe, senhor, primeiro a palavra, a palavra — sejamos claros que nós dois temos o mesmo significado para essa palavra, não que você tenha um significado diferente do orador, ou o orador diferente de você. Entende? Então, temos de estar claros sobre a palavra em si. Certo? Geralmente, em um bom dicionário, sua origem é desejo. Em sânscrito "Lumpyati" — não entrarei nisso, isto é, "ele deseja". Entende? Amor está associado com um desejo. Por favor, estou explicando o significado desta palavra no dicionário. Não é meu conceito ou seu conceito, o que é o uso comum desta palavra. Se estamos claros que ambos reconhecemos que a palavra não é a coisa, entende? Entende o que estou dizendo? A palavra não é a coisa. A palavra "microfone" não é o microfone real. Certo? Então, temos de estar sempre claros em nossas discussões, se posso salientar, que a palavra não é o fato real. Certo? Então, estamos investigando o que é amor. 

P: Senhor, dizemos que uma criança, um bebê ama sua mãe porque precisa de suas refeições. Então, neste caso dizemos que o amor é um fato de necessidade.

P: O bebê ama sua mãe e esse amor é necessidade. 

K: A mãe ama o bebê e o bebê ama a mãe e isso é uma necessidade, certo? É assim? Você faz uma afirmação, não investiga. É assim? Os animais amam seus filhotes. A mais baixa forma de vida, manifestação de vida, amam seus jovens. E isto é um movimento do animal até o homem. E isso é amor? Não estou dizendo que não é, ou é. Ou é o instinto do animal que continua no humano e por favor, siga passo a passo — e apego, o animal cria seus filhotes até uma idade e então os esquece. Certo? Eles saíram do ninho. Com os humanos há um tremendo cuidado até eles terem três, quatro, cinco, amamentando-os, tomando conta, limpando-os, mimando-os, abraçando-os, é assim se você ama esse bebê, o que a maioria das pessoas não faz — torna-se um brinquedo. Ou elas não têm a oportunidade, o tempo. Depois disso elas os mandam para a escola, um internato, etc., gradualmente os afastam. Certo? E estamos perguntando, perguntando... Eu não estou dizendo que isto é ou não é, isto é amor? Sei que as mães dirão: "Como você pode dizer uma coisa destas!" Quero dizer que estamos questionando, estamos investigando, não estamos dizendo sim ou não. Porque estamos pensando, observando juntos para descobrir por nós mesmos, o que é esta natureza, a beleza, a qualidade, esta coisa extraordinária chamada amor. Se uma mãe e os pais amassem seu bebê, cuidassem dele — entende? — então não existiriam guerras. Certo? Existiria um tipo certo de educação. Existiria um tipo certo de sociedade. Então estamos questionando, quando a mãe, quando os pais amam seu bebê é somente por um curto período ou por toda a vida? O que significa que eles precisam ter educação correta, criá-los com um comportamento certo, sem violência, sem conflito, não treiná-los para matar uns aos outros, guerra organizada, que é respeitável, aceita. Entende? Um pai que realmente amasse seus filhos faria isto? Vamos lá, senhores, vocês são os pais, pensem sobre isto. 

P: Existe um momento onde a separação chega. 

K: No momento há separação. A mãe, o pai se separam de seus filhos. Certo? E os filhos partem. Eles estão apegados a seus filhos. Apego é amor? Vocês... Não, por favor — investiguem isto. 

P: os pais obtém algo de seus filhos, e os filhos obtém algo de seus pais, então, não é amor. 

K: Sim, senhor. Sei de tudo isso. O bebê precisa de muito afeto, cuidado. Se os pais não dão afeto, atenção, amor para a criança, ela murcha. É um fato bem conhecido. Mas geralmente os pais têm seus próprios problemas, próprias ansiedades, medos, tristezas e problemas profissionais — vocês sabem, tudo isso. E eles dão um pouco do que podem, quando têm tempo.Você entende tudo isto? Isto está acontecendo no mundo. Isso tudo é amor?

P: Não. 

K: Não diga não, madame. Você fará algo a respeito?... Teste!

P: Acho que devíamos abordar um pouco mais de forma negativa, como o que o amor não é. 

K: Estamos fazendo isto, senhor. Já fizemos isto. 

P: Sim? Bem, olhar para esta coisa toda como uma das maneiras de abordá-la. Tempo, espaço, e toda a raça humana e animal, a evolução... 

K: Sim, senhor, chegaremos nisto, senhor, devagar, devagar. 

P: Acho que os pais até se defendem contra o filho. 

K: Claro, isso sempre acontece. Entende? Os pais são contra o filho, e o filho se torna... você sabe o que está acontecendo no mundo. Pelo amor de Deus, olhe para isto. Então, disso vem a questão: apego é amor? 

P: Muitos pais acreditam que sim. 

K: Eu sei, muitas pessoas acreditam que sem ciúmes não há amor. Se você não batalha, não briga, se não há conflito, se não há ciúmes, um senso de reivindicação, as pessoas acham que não há amor, ou que há amor — este estado é o amor, certo? Então estou perguntando a partir disso: o apego é amor? Estamos refletindo juntos, você e eu. Então, vocês são apegados a seus filhos? 

P: existe uma atenção e afeto que o fazem atraente para outra pessoa, num nível de comunhão oposto ao apego onde você é dominador e suas ideias têm de ser as ideias de outra pessoa. Você pode ser apegado e entender esse apego? 

K: Quando você domina seus filhos, sua esposa ou marido, ou sua namorada, ou namorado, quando você os possui, os segura que eles são meus — isso é amor? 

P: Não. 

K: Senhor, quando fazemos essa pergunta, isso é amor, quando você diz "Não, não é", você quer dizer que não está em você — entende? Você está livre disso, não diga apenas verbalmente, "Sim, eu não sou". Então, é por isso que eu perguntei no começo, se me permitem ressaltar, a não ser que façamos isto ativamente, e estando conscientes olhemos para isso, investiguemos, procuremos pela razão dos seres humanos se agarrarem a este apego; por que você está apegado com o marido, esposa, mobília, livro, crença, não importa — apego. E se você está apegado a uma coisa e o outro está apegado a outra, há divisão. Entende? E esta divisão é amor? Por favor, entrem na questão. 

2ª Reunião de perguntas e respostas, Saanen, Suíça, 1979

terça-feira, 23 de setembro de 2014

O que acreditamos ser amor é só sensação de posse

Enquanto não começarmos a investigar esse processo a que chamamos mente, enquanto não nos familiarizarmos com nosso modo de pensar e o compreendermos, não poderemos descobrir o que é o amor. Não pode haver amor enquanto nossas mentes desejarem certas coisas do amor ou exigirem que ele atue de determinada forma. Quando imaginamos o que deve ser o amor e lhe damos certos motivos, criamos gradativamente um padrão de ação com relação ao amor; mas isso não é amor, é meramente nossa ideia do que deve ser amor. 

Digamos, por exemplo, que eu tenha minha esposa ou marido, como vocês tem um sari ou um casaco. Se alguém lhes tomar o casaco, vocês ficarão ansiosos, irritados, encolerizados. Por quê? Porque consideram esse casaco propriedade sua; vocês o possuem, e através de sua posse vocês se sentem enriquecidos, não é? Mediante a posse de muitas roupas vocês se sentem enriquecidos, não só fisicamente, mas também interiormente; e quando alguém lhes leva o casaco, vocês ficam irritados porque interiormente estão sendo privados daquela sensação de riqueza, daquela sensação de posse. 

Ora, a sensação de posse cria uma barreira com relação ao amor, não é mesmo? Se eu tenho alguém, se o possuo, será isso amor? Eu o possuo como quem possui um carro, um casaco, um sari, porque na posse de alguém, essa dependência emocional a outrem, é o que chamamos amor; mas se examinarem isto, verificarão que, por trás da palavra "amor", a mente está tendo satisfação na propriedade. Afinal, quando possuímos muitos saris bonitos, ou um belo carro, ou uma grande casa, a sensação de que isto tudo são coisas nossas nos dá interiormente grande satisfação. 

Por isso, ao desejar, a mente cria um padrão e fica presa nesse padrão; e então fica cansada, entorpecida, estúpida, alheada. A mente é o centro dessa sensação de posse, a sensação de "eu" e de "meu": "Eu possuo alguma coisa", "sou um grande homem", "sou um desprezível", "sou insultado", "sou lisonjeado", "sou esperto", "sou muito bonita", "quero ser alguém", "sou filho ou filha de alguém". Essa sensação de "eu"e de "meu" é o próprio centro da mente, é a própria mente. Quanto mais a mente tiver essa sensação de ser alguém, de ser grande ou muito esperta, ou muito estúpida, e assim por diante, tanto mais construirá paredes em torno de si mesma e se encerrará, entorpecendo-se. Então ela sofre, pois nesse encerramento inevitavelmente há dor. E, porque sofre, a mente diz: "O que devo fazer?" Mas em lugar de derrubar as paredes que a sufocam por meio da consciência, da reflexão cuidadosa, do exame detido e profundo da compreensão de todo o processo por meio do qual elas são edificadas, a mente luta para encontrar alguma coisa externa com que encerrar-se novamente. Assim, a mente se torna aos poucos uma barreira para o amor; e sem compreender o que é a mente, o que seja entender os processos de nosso próprio pensar, a fonte interna da ação, não poderemos descobrir o que é amor. 

(...) Não é a mente também um instrumento de comparação?(...) Enquanto a mente estiver comparando não haverá amor; e ela está sempre comparando, ponderando, julgando, não é mesmo? está sempre buscando encontrar fraquezas; logo, não há amor. Quando pai e mãe amam os filhos, eles não comparam um filho com outro. Mas vocês se comparam com alguém melhor, mais nobre, mais rico; estão sempre preocupados consigo mesmos em relação a alguma outra pessoa e, assim, criam em si próprios uma ausência de amor. Desse modo, a mente se torna cada vez mais comparadora, mais e mais possessiva, mais e mais dependente, estabelecendo assim um padrão em que se vê presa. Porque é incapaz de contemplar seja o que for como uma novidade, como uma coisa realmente nova, ela destrói o próprio perfume da vida, que é o amor.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

Por que nos sentimos tristes quando não podemos ter o que queremos?

Por que nos sentimos tristes quando não podemos ter o que queremos? Por que haveríamos necessariamente de ter o que desejamos? Acreditamos ser nosso direito, não é? mas já nos teremos perguntado porque haveríamos de possuir o que queremos, quando milhões não conseguem possuir sequer o que necessitam? E, de resto, por que o queremos? Há a nossa necessidade de alimento, roupa e abrigo; mas não estamos satisfeitos com isso. Queremos muito mais. Queremos sucesso, queremos ser respeitados, amados, considerados; queremos ser poderosos, queremos ser poetas famosos, santos famosos, oradores famosos, queremos ser primeiros-ministros, presidentes. Por quê? Já refletiram nisso? Por que desejamos todas essas coisas? Não que devamos ficar satisfeitos com o que somos. Não é isso que quero dizer. Isso seria horrível, seria tolo. Mas porque essa constante ânsia por mais, mais e mais? Essa ânsia indica que estamos insatisfeitos, descontentes; mas com quê? Com o que somos? Eu sou isto, não gosto do que sou, então quero ser aquilo. Penso que parecerei muito melhor num novo casaco ou num novo sari, então eu o desejo. Isso quer dizer que estou insatisfeito com aquilo que sou, e creio que posso escapar de meu descontentamento adquirindo mais roupas, mais poder, e assim por diante. Mas a insatisfação está aí, não está? Eu simplesmente a cobri de roupas, de poder, de carros. 

Por conseguinte, temos de descobrir como entender aquilo que somos. Simplesmente cobrimo-nos com posses, com poder e posição, não tem sentido, porquanto, ainda assim, seremos felizes. Vendo isso, a pessoa infeliz, a pessoa que está triste, não corre para gurus, não se esconde em suas posses, em seu poder; ao contrário, ela quer saber o que está atrás de sua tristeza. Se você for ao fundo de sua própria dor, verificará que você é muito pequeno, vazio, limitado, e que está lutando para adquirir, para vir a ser. Essa mesma luta para adquirir, para se tornar alguma coisa, é a causa do sofrimento. Mas se começar a compreender aquilo que você realmente é, e se se aprofundar cada vez mais nisso, verificará então que algo completamente diferente acontecerá.

Krishnamurti em, O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O amor se torna apego porque não existe nenhum amor


Perguntaram a Osho:
Você disse que o amor pode nos tornar livres. Mas comumente nós vemos que o amor se torna apego, e ao invés de nos libertar ele nos torna mais amarrados. Assim, diga-nos alguma coisa sobre apego e liberdade.


O amor se torna apego, porque não existe nenhum amor. Você estava apenas num jogo, enganando a si mesmo. O apego é a realidade; o amor era apenas um prelúdio. Assim, sempre que você se apaixona, mais cedo ou mais tarde, você descobre que você se tornou um instrumento - e, então, toda a miséria começa. Qual é o mecanismo? Por que isso acontece?


Há alguns dias, um homem veio a mim e ele estava se sentindo muito culpado. Ele disse: “Eu amei uma mulher, eu a amei muito. No dia em que ela morreu, eu estava chorando e pranteando, mas de repente eu me tornei consciente de uma certa liberdade dentro de mim, como se alguma carga tivesse me deixado. Eu senti um profundo alívio, como se tivesse me tornado livre”.

Naquele momento, ele se tornou consciente de uma segunda camada de seu sentimento. Externamente ele estava chorando e pranteando e dizendo: “Eu não posso viver sem ela. Agora será impossível, ou a vida será apenas como a morte. Mas bem fundo” - ele disse - “eu me tomei consciente de que estou me sentindo muito bem, que agora eu estou livre”.

Uma terceira camada começou a sentir culpa. Ela lhe dizia: “O que você está fazendo”? E um corpo morto estava deitado ali, bem à sua frente, ele me contou, e ele começou a sentir uma enorme culpa. Ele me disse: “Ajude-me. O que está acontecendo à minha mente? Eu a traí tão cedo”?

Nada aconteceu; ninguém foi traído. Quando o amor se torna apego, ele se torna uma carga, uma escravidão. Mas por que o amor se torna um apego? A primeira coisa a ser entendida é que se o amor se torna um apego, você estava apenas em uma ilusão de que aquilo era amor. Você estava apenas brincando consigo mesmo e pensando que aquilo era amor. Na verdade, você estava necessitado de apego. E se você for ainda mais fundo, descobrirá que você estava também necessitando de se tornar um escravo.

Há um medo sutil da liberdade e todo mundo quer ser um escravo. Todo mundo, naturalmente, fala sobre liberdade, mas ninguém tem a coragem de ser realmente livre, porque quando você é realmente livre, você está só. Se você tem coragem de estar só, somente então, você pode ser livre.

Mas ninguém é corajoso o suficiente para estar só. Você precisa de alguém. Por que você precisa de alguém? Você tem medo de sua própria solidão. Você se torna entediado consigo mesmo. E na verdade, quando você está sozinho, nada parece significativo. Com alguém, você fica ocupado e você cria significados artificiais à sua volta.

Você não pode viver para si mesmo; assim, você começa a viver para outra pessoa. E também é o mesmo caso com a outra pessoa: ele ou ela não pode viver sozinho; assim, ele está na busca para encontrar alguém. Duas pessoas que estão com medo de suas próprias solidões, reúnem-se e começam um jogo - um jogo de amor. Mas, bem no fundo, elas estão buscando apego, compromisso, escravidão.

Assim, mais cedo ou mais tarde, tudo o que você deseja acontece. Essa é uma das coisas mais lamentáveis no mundo. Tudo o que você deseja chega a acontecer. Você a terá mais cedo ou mais tarde e o prelúdio desaparecerá. Quando a sua função for cumprida, ele desaparecerá. Quando você se tornou uma esposa ou um marido, escravos um do outro, quando o casamento aconteceu, o amor desaparece, porque o amor era apenas uma ilusão na qual duas pessoas poderiam se tornar escravas uma da outra.

Diretamente você não pode pedir por escravidão; é muito humilhante. E diretamente você não pode dizer para alguém: “Torne-se meu escravo”. - ...ele irá se revoltar. Nem você pode dizer: “Quero me tornar um seu escravo”; assim, você diz: “Eu não posso viver sem você”. Mas o significado está presente; é o mesmo. E quando isso - o desejo real - é preenchido, o amor desaparece. Então, você sente servidão, escravidão e, então, você começa a lutar para se tornar livre.

Lembre-se disso. Este é um dos paradoxos da mente: tudo o que você conseguir, você irá se aborrecer com aquilo, e tudo o que você não conseguir, você ansiará profundamente. Quando você está sozinho, você ansiará por alguma escravidão, alguma servidão. Quando você está em uma servidão, você começará a desejar liberdade. Na verdade, somente escravos desejam liberdade, e pessoas livres tentam novamente ser escravas. A mente continua como um pêndulo, movendo-se de um extremo ao outro.

O amor não se torna apego. O apego era a necessidade; o amor era apenas uma isca. Você estava a procura de um peixe chamado apego; o amor era apenas uma isca para pegar o peixe. Quando o peixe é apanhado, a isca é jogada fora. Lembre-se disso e, sempre que você estiver fazendo alguma coisa, vá fundo dentro de si mesmo para encontrar a causa básica.

Se existir amor real, ele nunca se tornará apego. Qual é o mecanismo para o amor se tornar apego? No momento em que você diz para seu amante ou amada “eu só amo você”, você começou a possuir. E no momento em que você possui alguém, você o insultou profundamente, porque você o tornou uma coisa.

Quando eu o possuo, você não é uma pessoa então, mas apenas um item a mais dentre a minha mobília - uma coisa. Então, eu o uso e você é minha coisa, minha posse; assim, eu não permitirei que ninguém mais o use. Isso é uma barganha na qual eu sou possuído por você e você faz de mim uma coisa. Isso é uma barganha, que “agora” ninguém mais pode usá-lo. Ambos os parceiros se sentem atados e escravizados. Eu o tomo um escravo, então, você, em troca, faz de mim um escravo.

Então a luta começa. Eu quero ser uma pessoa livre e, ainda assim, eu quero que você seja possuído por mim; você quer manter a sua liberdade e, ainda assim, me possuir — esta é a luta. Se eu o possuo, eu serei possuído por você. Se eu não quero ser possuído por você, eu não deveria possuí-lo.

A posse não deveria entrar no meio. Nós devemos permanecer indivíduos e devemos nos mover como consciências independentes e livres. Nós podemos ficar juntos, nós podemos nos fundir um no outro, mas sem posse. Então, não há servidão e, então, não há apego.

O apego é uma das coisas mais feias. E quando eu digo “mais feia”, eu não quero dizer apenas religiosamente, eu quero dizer também esteticamente. Quando você está apegado, você perdeu a sua solidão, a sua solitude: você perdeu tudo. Apenas para se sentir bem - porque alguém precisa de você e alguém está com você - você perdeu tudo, perdeu a si mesmo.

Mas a armadilha é que você tenta ser independente e você torna o outro a posse - e o outro está fazendo a mesma coisa. Assim, não possua se você não quer ser possuído.

Jesus disse em algum lugar: “Não julgue para não ser julgado”. É a mesma coisa: “Não possua para não ser possuído”. Não faça de ninguém um escravo; do contrário você se tornará um escravo.

Os assim chamados mestres são sempre servos de seus próprios servos. Você não pode se tornar um mestre de alguém sem se tornar um servo - isso é impossível.

Você só pode ser um mestre quando ninguém é um servo para você. Isso parece paradoxal, porque quando eu digo que você só pode se tornar um mestre quando ninguém é um servo para você, você dirá: “Então o que é o mestrado? Como eu sou um mestre quando ninguém é um servo para mim”? Mas eu digo que somente então, você é um mestre. Então, ninguém é um servo para você e ninguém tentará torná-lo um servo.

Amar a liberdade, tentar ser livre, significa basicamente que você chegou a uma profunda compreensão de si mesmo. Agora, você sabe que você é suficiente para si mesmo. Você pode compartilhar com os outros, mas você não é dependente. Eu posso compartilhar a mim mesmo com alguém. Eu posso compartilhar o meu amor, eu posso compartilhar minha felicidade, eu posso compartilhar minha alegria, meu silêncio com alguém. Mas isso é um compartilhar, não uma dependência. Se não houver ninguém, eu estarei igualmente feliz, igualmente alegre. Se alguém está presente, isso também é bom e eu posso compartilhar.

Quando você perceber sua consciência interior, seu centro, somente então, o amor não se tornará um apego. Se você não conhecer seu centro interior, o amor se tornará um apego. Se você conhecer o seu centro interior, o amor se tornará uma devoção. Mas você deve primeiro estar presente para amar, e você não está.

Buda estava passando por um vilarejo. Um jovem veio até a ele e disse: “Ensine-me algo: como eu posso servir aos outros”?

Buda riu para ele e disse: “Primeiramente, seja. Esqueça os outros. Primeiramente, seja você mesmo e, então, todas as coisas se seguirão”.

Exatamente agora você não é. Quando você diz “quando eu amo alguém isso se torna um apego”, você está dizendo que você não é; assim, tudo o que você faz dá errado, porque o fazedor está ausente. O ponto interior de consciência não está presente; assim, tudo o que você faz, dá errado. Primeiro seja e, então, você pode compartilhar seu ser. E esse compartilhar será amor. Antes disso, tudo o que você fizer se tornará um apego.

E, por último: se você está lutando contra o apego, você tomou uma direção errada. Você pode lutar. Assim, muitos monges - reclusos, saniássins - estão fazendo isso. Eles sentem que estão apegados às suas casas, às suas propriedades, às suas esposas, aos seus filhos e eles se sentem engaiolados, aprisionados.

Eles fogem, deixam suas casas, deixam as suas esposas, deixam seus filhos e posses e eles se tornam mendigos e escapam para a floresta, para a solidão. Mas vá lá e observe-os. Eles se tornaram apegados aos seus novos arredores.

Eu estive visitando um amigo que estava em uma vida reclusa embaixo de uma árvore em uma floresta densa, mas havia outros ascetas também. Um dia, aconteceu de eu estar com esse recluso embaixo de sua árvore e um novo buscador ter vindo enquanto meu amigo estava ausente. Ele tinha ido ao rio tomar um banho. Embaixo de sua árvore o novo saniássin começou a meditar.

O homem voltou do rio e empurrou o novato da árvore, e disse: “Esta é minha árvore. Vá e encontre outra, em algum outro lugar. Ninguém pode se sentar sob a minha árvore”. E esse homem tinha deixado a sua casa, a sua esposa, os seus filhos. Agora a árvore se tornou uma posse - você não pode meditar embaixo da árvore dele.

Você não pode escapar tão facilmente do apego. Ele tomará novas formas, novos contornos. Você será enganado, mas ele estará presente. Assim, não lute com o apego, apenas tente entender por que ele existe. E, então, conheça a causa profunda: devido a você não ser, esse apego existe.

Dentro de você, o seu próprio ser está tão ausente, que você tenta se apegar a qualquer coisa a fim de se sentir a salvo. Você não está enraizado; assim, você tenta fazer de qualquer coisa às suas raízes. Quando você está enraizado em seu ser, quando você sabe quem você é, o que é esse ser que está dentro de você e o que é essa consciência que está em você, então, você não se apegará a ninguém.

Isso não significa que você não amará. Na verdade, somente então, você pode amar, porque então o compartilhar é possível - e sem nenhuma condição, sem nenhuma expectativa. Você simplesmente compartilha, porque você tem uma abundância, porque você tem tanto que está transbordando.


Esse transbordamento de si mesmo é amor. E quando esse transbordamento se torna uma enchente, quando, por seu próprio transbordamento, o universo inteiro é preenchido e seu amor toca as estrelas, em seu amor a terra se sente bem e em seu amor todo o universo é banhado; então, isso é devoção.



Osho, em "O Livro dos Segredos"
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill