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terça-feira, 17 de julho de 2018

Sobre o amor


domingo, 22 de abril de 2018

O despertar da afeição, do amor

Parece-me que deve ser muito importante para a maioria de nós observar a determinação que está a atingir o caráter, o equilíbrio, a natureza do homem.

Observa-se essa determinação em todos os níveis de atividade.

Especialmente neste país, ela torna-se ainda mais notada — este país que se supunha ser muito religioso por tradição, por herança e pela constante repetição de certas frases e ideias religiosas. Observa-se que a deterioração aqui é ainda mais profunda, mais vasta e, segundo parece, muito poucos se preocupam com ela. Os que se preocupam, tentam reviver o passado; voltam às velhas tradições, aos antigos costumes, hábitos e atitudes de pensamento, e aos velhos valores. Ou então procuram uma solução econômica ou social. Mas, como se vê, os que tomam a vida a sério, ou se refugiam no passado, nas suas velhas ideias visionárias, ou tentam encontrar uma nova concepção, uma nova fórmula, de tipo sociológico ou religioso.

Tendo consciência do que se passa no mundo e neste país, nomeadamente, parece-me que o que é preciso é uma revolução total na consciência. E essa revolução não poderá acontecer se andarmos insensatamente agarrados a crenças, ideias e conceitos. Não encontraremos saída para a nossa confusão, infelicidade e conflito pela constante repetição dos livros sagrados, como o Gita, os Upanishads, e todos os outros — isso pode levar à hipocrisia, a uma vida sem sinceridade e a uma infindável pregação moralista; mas nunca a encarar as realidades.

O que temos de fazer, parece-me, é tomar consciência das condições da nossa existência diária, dos nossos desgostos, das nossas aflições, da nossa confusão e conflito, e tentar compreendê-los muito profundamente, de modo a estabelecermos uma base correta para começar. Não há outra saída. Temos de encarar-nos tal como somos, em vez de tentar ajustar-nos a qualquer padrão ou a qualquer ideal. Temos de encarar realmente aquilo que somos, e a partir daí dar origem a uma transformação radical.

Pode-se dizer, “Que efeito ou que valor terá uma mudança individual? Como é que isso poderá transformar todo o curso da existência humana? Que pode um indivíduo fazer?” Penso que é uma pergunta errada, porque não existe tal coisa, uma consciência “individual”; há apenas consciência, da qual somos uma parte. Uma pessoa pode segregar-se e erguer um muro à volta de um determinado espaço chamado “eu”. Mas esse “eu” está em relação com o todo, esse “eu” não é separado. E na transformação dessa seção particular, dessa parcela, afetaremos a consciência no seu todo. Penso que é muito importante compreender que não estamos a falar de salvação individual ou de reforma individual, mas sim de que temos de perceber o particular, em relação com o todo. Então, dessa compreensão nasce a ação que atingirá o todo.

Quando se considera o que está a acontecer no mundo — como as mentes dos seres humanos se tornaram mecânicas, repetitivas, como estão separadas em nacionalidades, em grupos, divididos pelo conhecimento tecnológico, além das divisões religiosas — hindus, muçulmanos, cristãos, etc. — considerando tudo isto, parece-me que é necessária uma ação totalmente diferente. Temos, obviamente, de descobrir uma fonte diferente, uma diferente abordagem da vida, que não esteja em contradição com a realidade que é o viver cotidiano, e traga ainda consigo uma profunda compreensão religiosa da vida.

O que é importante, quanto a mim, não é só a resposta imediata aos vários desafios — uma resposta que seja adequada — mas também uma resposta que seja fruto de uma vida profundamente religiosa. Entendo por vida religiosa, não uma vida ritualista, ajustada a um determinado padrão, mas uma maneira de viver que nasce da compreensão de nós mesmos. Porque sem o conhecimento de si mesmo, do que realmente se é — mesmo que se veja que se é desonesto, falso, astuto, hipócrita, mesquinho — não se tem nenhuma base para qualquer ação ou pensamento verdadeiramente religiosos.

Parece-me assim que qualquer pessoa real e profundamente interessada não só na situação mundial, mas também em descobrir a Verdade, em descobrir se existe alguma coisa para além dos limites da mente, tem de se compreender totalmente a si mesma. Será esse o nosso único empenhamento no decorrer destas palestras. Porque é essa a fonte, a origem do nosso pensamento, do nosso ser e da nossa ação. Sem o autoconhecimento, sem a compreensão do eu — não o “eu superior” e o “Eu” com E maiúsculo, mas o “eu” que vai todos os dias para o emprego, que é apaixonado, irascível, vicioso, cruel, hipócrita, conformista — se não há essa compreensão total e completa, de todo o nosso ser, então toda a ação, todo o pensamento, toda a ideia, apenas levarão a mais confusão e sofrimento.

E parece-me que temos uma imensa tarefa a realizar, uma tarefa que exige seriedade. Por esta palavra entendo a capacidade de prosseguir, até ao fim, numa observação, ou na pesquisa de uma verdade.

Por não sermos realmente sérios, somos muito superficiais, fáceis de distrair e de satisfazer. Mas para pesquisar profundamente em nós mesmos, temos de ser extremamente sérios e de continuar nessa seriedade. E isso requer energia, não se pode ser sério, se não se tem energia. Essa energia não deve ser esporádica, acidental, mas uma energia constante, capaz de observar uma fato tal como é, e de seguir esse fato até ao fim — um energia espantosa, tanto da mente como do corpo.

E para se ter energia, não deve haver conflito, porque o conflito é o principal fator de deterioração. Somos pessoas que foram criadas para viver com o conflito. Toda a nossa vida é conflito — dentro e fora de nós — com o próximo, com nós mesmos e nas nossas relações. Tudo o que tocamos, tanto psicológica como ideologicamente, gera conflito. E o conflito é o mais importante fator de deterioração.

Compreender esse conflito, não parcial mas totalmente é, parece-me, a tarefa prioritária da mente humana. Porque só quando o conflito cessa completamente, é que termina toda a ilusão, só então a mente pode penetrar muito profundamente na investigação da Verdade, no investigar se existe algo além do tempo. E só essa mente é capaz de descobrir o que é o amor, e de descobrir aquele estado da mente que é verdadeiramente criador — porque de outra forma, só há especulação. A mente religiosa não especula, move-se apenas de fato para fato. E o fato não pode ser observado se há conflito ou tensão de qualquer espécie.

Assim, parece-me que o nosso maior problema é o de termos perdido completamente o espírito verdadeiramente religioso. Podemos ter templos, ir ao templo, usar um símbolo do sagrado, e tudo o mais, todas essas coisas absurdas e imaturas, mas não somos de fato pessoas religiosas. E o problema do mundo não pode ser resolvido em nenhum outro nível exceto o religioso. E a vida realmente religiosa é aquela que vivemos com a compreensão do conflito e, portanto, libertos do conflito.

Assim, o nosso principal empenhamento é compreender o conflito, interior e exterior. Na realidade, “interior” e “exterior” não estão separados. O mundo não está separado de vós e de mim; nós somos o mundo e o mundo é nós. Não se trata de uma teoria; se observarmos bem, veremos que é um fato real.

Estamos condicionados pela sociedade em que vivemos — uma sociedade comunista, socialista, capitalista ou qualquer outra sociedade. Cada um é aquilo que se chama um “indivíduo”, nascido num determinado país e criado de acordo com uma certa tradição, crendo ou não crendo em deus. Cada um é moldado pela sociedade, pelas circunstâncias. As suas crenças, a sua conduta, a sua maneira de pensar, tudo isso é resultado do condicionamento criado pela sociedade em que vive. Isto é um fato óbvio, irrefutável. Mas pomos o mundo à parte, como uma coisa diferente de nós, porque o mundo é pesado de mais, com todas as suas pressões, tensões e conflitos, com as suas exigências inumeráveis e as suas condições de vida. E retiramo-nos para dentro de nós mesmos, para as nossas crenças e esperanças, para os nossos medos e conceitos especulativos. Assim, há uma divisão entre nós e o mundo. Mas se observarmos, veremos que o mundo não é diferente de nós — é como a maré, que flui e reflui. Se não compreendermos o mundo exterior, não compreenderemos o interior. E para o compreender, temos de o observar — não de um determinado ponto de vista, mas do modo como um cientista observa. O cientista observa apenas no seu laboratório, mas nós, seres humanos a viver aqui, temos de observar o mundo cada dia, nas nossas relações, nas nossas atividades. E, como disse, para compreendermos toda esta existência complexa, atormentada, cheia de desespero — uma existência em que não há amor nem há beleza — temos de compreender o conflito.

O conflito surge, certamente, quando há contradição — contradição de diversos desejos, de exigências várias, tanto conscientes como inconscientes. Geralmente apercebemo-nos desses conflitos. Mas se nos apercebermos não temos resposta para eles; assim fugimos deles, evadimo-nos para a religião, para o trabalho social, para várias formas de entretenimento, como ir ao templo, ir ao cinema ou beber. Mas só é possível resolver estes conflitos quando a mente é capaz de se compreender a si mesma.

Vamos então examinar esta questão do conflito. Para compreender o conflito temos de nos observar a nós mesmos. E a observação requer atenção cuidadosa. Essa atenção significa compreensão, afeição: como quando se gosta e se cuida de uma criança — não há rejeição, não há condenação. Cuidar afetuosamente de uma criança é observar a criança, sem a condenar, sem a comparar. É observá-la com infinita afeição, com imensa compreensão; é estudá-la, em todas as suas atividades, em todas as suas diferentes fases, nas suas travessuras, nas suas lágrimas, nos seus risos.

Observar exige pois atenção compreensiva. Assim, esta atenção é a primeira coisa que precisamos de ter na completa observação de nós mesmos, e portanto nem por um momento deve haver condenação, justificação ou comparação, mas só a auto-observação pura e simples do que está a ter lugar em cada momento do dia, quer estejamos no trabalho, quer a viajar de carro, ou a falar com alguém, etc. Temos de observarmos tão completamente, com tão infinito cuidado, que desse cuidado nasça a precisão, uma precisão total — e não ideias vagas e ação ineficaz.

Assim, para nos observarmos a nós mesmos, tem de haver atenção completa. Uma mente que está atenta a si mesma, no próprio ato de se observar, começa a aprender acerca de si mesma.

Aprender é inteiramente diferente de acumular conhecimentos. Penso que isto tem de ser cuidadosamente compreendido. A maioria de nós acumula conhecimentos. Desde a infância até que morremos, estamos sempre a registrar; a nossa mente torna-se uma espécie de fita de gravação em que tudo é registrado. E é em função desse registro que agimos, pensamos, reagimos; e, consciente ou inconscientemente, todos os dias vamos acrescentando coisas a esse registro. Guardamos todas as experiências, todas as informações, todos os incidentes, todas as lembranças. E a isto chamamos experimentar. A isto chamamos aprender. Mas aprender não é isto; aprender é completamente diferente. No momento em que se acumula, deixa-se de aprender. Porque só a mente que está fresca, nova, e observa com atenção, é que aprende.

Penso que temos de ver a diferença entre estas duas coisas. O conhecimento tecnológico é acumulativo. Vai-se acrescentando mais e mais e é a partir desse conhecimento que se atua. Como engenheiro ou físico, por exemplo, acumula-se o máximo de informação possível, e é com base nela que se age. Neste campo, pois, não há liberdade. Atua-se sempre em função do aprendido, do adquirido.

Ao nível do conhecimento tecnológico, essa ação, essa memória, esse mecanismo acumulativo, são absolutamente necessários. Mas estamos a falar de uma coisa inteiramente diferente — ou seja que observar com atenção não implica nenhum mecanismo aditivo. Porque, se estamos meramente a adicionar, a adquirir, então, no minuto seguinte em que observamos, estamos a observar em função do que acumulamos e, portanto já não há observar. Compreendamos isto, por favor.

É muito importante compreender que, quando a mente está meramente a adquirir, a acrescentar algo a si própria, e em função desse conhecimento observa, então o que observa é “contaminado” pela assimilação anterior, pelo conhecimento previamente acumulado. Essa mente é, portanto, incapaz de compreender um fato novo. E a vida é sempre nova; o viver é totalmente novo a cada minuto do dia. Mas perdemos essa frescura, esse extraordinário sentido de vitalidade, de beleza, de imensidão, por irmos sempre ao encontro da vida através do nosso conhecimento acumulado e, assim, nunca estamos a aprender mas só a adicionar mais coisas às já existentes; e é com base no que temos acumulado que olhamos e esperamos aprender.

Assim, a mente que é séria, que está consciente da situação mundial, compreende que o mundo todo está num estado de caótica confusão. Há um constante declínio em todos os países; só poucas pessoas são capazes de funcionar com inteligência, e talvez com liberdade; as outras limitam-se a imitar — são pobres imitações de computadores; agem inadequadamente.

O sofrimento, a aflição, a ansiedade, o desespero é que são fatos, e não as nossas crenças, as nossas esperanças, os nossos deuses. O fato do desespero, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, um sofrimento sem fim; ódio e desumanidade crescentes — esse é o mundo de que fazemos parte. E a função da mente verdadeiramente séria é compreender e transcender tudo isso. A mente séria tem de observar o mundo. Isto é, temos de observar-nos a nós mesmos, porque nós somos o mundo, porque há em nós infelicidade, dor, isolamento, desespero, ansiedade, medo, porque somos levados pela ambição, a avidez, a inveja — somos tudo isso. Não somos o que imaginamos ser — nomeadamente que somos Deus e tudo o mais; isso é só especulação absurda. Temos de partir dos fatos e de aprender a respeito de nós mesmos.

Assim, há diferença entre aprender e acumular conhecimentos. O aprender é infinito; o aprender sobre nós mesmos não tem fim. E, portanto, a mente que não está a acumular, mas a aprender constantemente, é capaz de observar os seus conflitos, as suas tensões, as suas dores, os seus secretos desejos e medos. Se formos capazes de fazer isso, não ocasionalmente, só de vez em quando, mas todos os dias, em cada minuto — e isto é possível — se estivermos constantemente a observar, então veremos que temos uma energia extraordinária. Porque então a contradição conosco próprios estará a ser compreendida.

Com a palavra compreender não me refiro a algo intelectual. A mente que está fragmentada nunca poderá compreender. Quando dizemos “Compreendo uma determinada coisa intelectualmente”, o que queremos realmente dizer é que ouvimos a palavra, e compreendemos a palavra — o que não tem nada a ver com compreensão.

Compreensão implica não só a natureza semântica, o sentido da palavra, mas também a apreensão do conteúdo total dessa palavra, e a plena tomada de consciência do seu significado ao aplicar-se a nós mesmos. Assim a compreensão não é uma questão meramente mental, um mero mecanismo intelectual. Só podemos compreender alguma coisa quando aplicamos a mente, o corpo, os sentidos, os olhos, os ouvidos, o nosso ser inteiro. E dessa compreensão nasce a ação total, e não uma ação fragmentária, contraditória.

Assim o que interessa — especialmente àqueles que são realmente sérios — é compreender. E a vida exige que sejamos sérios, porque não podemos viver neste mundo levianamente. Não podemos só estar interessados nas nossas próprias aflições, nos nossos divertimentos, nos nossos próprios medos. Fazemos parte do mundo e temos de compreender-nos a nós mesmos e de compreender o mundo. Esta compreensão exige extraordinária seriedade, e isso é uma tarefa imensa. E quando se é sério tem de se levar ao máximo essa compreensão, temos de ver tudo o que a existência implica.

Temos, pois, de compreender o conflito — compreender, e não dominar. Não devemos tentar negá-lo nem fugir dele, mas compreendê-lo, ver todo o seu significado, estando atentos às nossas várias contradições, na palavra, no pensamento, na ação. Geralmente vivemos vidas duplas — ou triplas ou múltiplas... Funcionamos em fragmentos, o nosso ser está fragmentado; desejamos as coisas mundanas, desejamos todas as comodidades que nos são devidas. O conforto, obviamente, é necessário, mas com o conforto vem a exigência de segurança. E não só desejamos estar seguros nos nossos empregos — o que é uma reação natural e sã — mas também estar seguros psicologicamente, interiormente.

Será possível alguma vez estarmos psicologicamente “seguros” — ou seja, psicologicamente seguros nas nossas relações e psicologicamente seguros com aquilo com que estamos identificados?

A segurança exterior é, obviamente, necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário ter um abrigo, um lar, um emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar seguros psicologicamente, interiormente; e aí começa a inquietação. Nunca investigamos se há realmente segurança interior, mas dizemos que temos de estar em segurança interiormente, e assim surge a ilusão. A partir desse momento começa toda uma série de conflitos intermináveis.

Temos, pois, de descobrir, por nós mesmos, a verdade relativamente a este enorme problema de segurança psicológica — sem dependermos do que outra pessoa diz. Psicologicamente estamos inseguros; por isso criamos deuses e estes deuses tornam-se a nossa “segurança permanente”. E isso gera conflitos. Compreendem o que entendemos por conflitos? Queremos referir-nos à contradição, à ação fragmentária, aos pensamentos incoerentes, aos desejos que se opõem entre si, às exigências contraditórias — as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a necessidade de encontrar algo, além da existência diária, monótona e sem sentido, e o estar-se enredado nessa existência, e desesperado, sem nunca se encontrar solução para esse desespero e para o imenso sofrimento — um sofrimento não apenas pessoal, mas também o sofrimento do mundo. E nunca encontrarmos uma saída para este sofrimento. Tudo isto cria contradição, da qual podemos ou não estar conscientes. E quando a mente está em contradição, tem de haver conflito.

E, como é óbvio, a mente que está em conflito não pode avançar, pode prosseguir na ilusão, mas não pode avançar para descobrir se há algo além do tempo, além da medida do homem. Esta é, certamente, a função da religião. A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode encontrar-se num templo, num livro, por mais antigo que seja. Temos de descobri-la por nós mesmos. Não podemos comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais — esse caminho leva ao absurdo, à ilusão, ao desequilíbrio psicológico.

Assim, a mente séria tem de estar consciente deste conflito. Com “estar consciente” quero dizer observar, escutar. Escutar, ouvir atentamente, é uma arte. Na verdade, escutar um som é uma arte extraordinária. Não sei se já escutaram realmente um som — o som de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Ao escutarem, sem julgar, sem identificar esse ruído com uma determinada ave ou um determinado carro, ou um determinado rádio na casa ao lado, mas ao escutarem apenas, verão — se assim escutarem — como se tornam extraordinariamente sensíveis. A mente torna-se extraordinariamente desperta quando escutamos, simplesmente — sem interpretar o que ouvimos, sem tentar traduzi-lo, sem o identificar com o que já conhecemos — pois tudo isso nos impede de escutarmos simplesmente — se escutarmos os nossos pensamentos, as nossas exigências, o desespero em que estamos — sem tentar interpretar, sem traduzir nada, sem tentar fazer alguma coisa em relação a isso — então veremos que a nossa mente se torna espantosamente lúcida.

E só a mente extremamente lúcida, a mente sã — equilibrada, racional, lógica e sem nenhum conflito, consciente ou inconsciente — só essa mente pode ir mais adiante, e descobrir, por si própria, se há uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente é capaz de resolver os problemas deste mundo.

Os problemas do mundo são inumeráveis e estão a multiplicar-se. E se não formos capazes de os resolver logicamente, com equilíbrio, saudavelmente, com a mente livre de todo o conflito, estaremos apenas a criar mais confusão, mais infelicidade para o mundo e para nós mesmos.

Assim a primeira coisa que cada um tem de aprender, por si, é observar com atenção, escutando todos os murmúrios, todos os medos, ilusões, desesperos, do seu próprio ser. E veremos, então, por nós mesmos — e isso não precisa de provas, nem de “gurus”, nem de livros sagrados — se há uma Realidade. E encontraremos, então, um extraordinário sentimento de libertação do sofrimento. E nisso há claridade, beleza e aquilo que hoje falta à mente humana — a afeição, o amor.

Krishnamurti, Madrasta, 12 de janeiro de 1964,
O despertar da sensibilidade

sábado, 21 de abril de 2018

A autopiedade é a raiz de todo sofrimento

A autopiedade é a raiz de todo sofrimento

Esta manhã talvez possamos deixar de lado os nossos problemas — problemas econômicos, problemas atinentes a nossas relações pessoais, problemas de doença, e também os mais importantes que nos rodeiam, de ordem nacional e internacional: a guerra, a fome, as revoltas populares, etc. Não queremos fugir deles, mas se pudermos pô-los de parte, por esta manhã, pelo menos, talvez possamos capacitar-nos para considerá-los de maneira diferente com a mente mais fresca, percebimento mais penetrante — e, assim, atacá-los de maneira nova, com maior vigor e clareza.

A mim me parece que só o amor pode produzir a revolução correta, e que qualquer outra forma de revolução — isto é, revolução baseada em teorias econômicas, em ideologias sociais, etc. só pode acarretar mais desordem, mais confusão e aflição. Não há esperança de resolvermos o básico problema humano mediante reformas e reorganizações parciais. Só quando há um grande amor podemos ter uma visão total e, por conseguinte, uma ação plena, em vez dessa atividade fragmentária, parcial, que atualmente chamamos revolução, e que a nada conduz.

Hoje desejo falar sobre uma coisa que abarca a totalidade da vida — algo que não é fragmentário, porém constitui um acesso total à existência humana; e, para podermos entrar com certa profundeza nesta matéria, devemos libertar-nos de todas as teorias, e crenças, e dogmas. Em geral, aramos sem cessar o solo da mente, mas parece que nunca semeamos; analisamos, examinamos, “desmontamos” as coisas, mas não compreendemos o movimento da vida.

Pois bem; penso haver três coisas que devemos compreender profundamente, para podermos sentir o movimento total da vida. São elas: o tempo, o sofrimento e a morte. Compreender o tempo, compreender o pleno significado do sofrimento, e “viver com a morte” — tudo isso exige a clareza do amor. O amor não é uma teoria, e tampouco um ideal. Ou uma pessoa ama, ou não ama. Ele não pode ser ensinado. Não podeis tomar lições para aprender a amar, nem nenhum método existe mediante cuja prática diária chegueis a saber o que é o amor. Mas, eu acho que se pode chegar ao amor, natural, fácil, espontaneamente, quando se compreende realmente o significado do tempo, a extraordinária profundeza do sofrimento, e a pureza que vem com a morte. Assim, talvez possamos considerar — realmente, e não teórica ou abstratamente — a natureza do tempo, a natureza ou estrutura do sofrimento, e essa coisa extraordinária que chamamos “a morte”. Essas três coisas não são separadas. Se compreendermos o que é o tempo, compreenderemos o que é a morte, bem como o que é o sofrimento. Mas, se considerarmos o tempo como coisa separada do sofrimento e da morte, e tentarmos ocupar-nos dele isoladamente, nosso acesso será então fragmentário e, por conseguinte, nunca perceberemos a maravilhosa beleza e a vitalidade do amor.

Vamos, pois, tratar do tempo, não como abstração, porém como coisa real — sendo o tempo duração, a continuidade da existência. Há o tempo cronológico, horas e dias que se estendem a milhões de anos; e foi o tempo cronológico que produziu a mente com a qual funcionamos. A mente é um resultado do tempo como continuidade da existência, e o seu aperfeiçoamento ou polimento através dessa continuidade chama-se progresso. Tempo é também a duração psicológica criada pelo pensar como um meio de preenchimento. Servimo-nos do tempo para progredir, preencher-nos, “vir a ser”, produzir um certo resultado. De ordinário, o tempo é para nós uma escada que leva a alguma coisa de maior importância — ao desenvolvimento de certas faculdades, ao aperfeiçoamento de determinada técnica, à realização de um fim, de um objetivo, louvável ou não; assim, julgamos que o tempo é necessário para a compreensão do verdadeiro, de Deus, daquilo que excede todo o esforço humano.

Em regra, considera-se o tempo como o período de duração entre o momento presente e um certo momento no futuro, quando teremos realizado nossos alvos; e desse tempo nos servimos para cultivar o caráter, livrar-nos de um certo hábito, desenvolvermos um músculo ou a visão das coisas. Há dois mil anos a mente cristã vem sendo condicionada para crer num Salvador, no inferno, no céu, e, no Oriente, idêntico condicionamento se verifica há muito mais tempo. Pensamos que o tempo é necessário para tudo o que temos de fazer ou compreender, e, por conseguinte, ele se torna uma carga, uma barreira ao percebimento real; impede-nos de ver imediatamente a verdade relativa a qualquer coisa, porque pensamos que para isso o tempo é necessário. Dizemos “amanhã, ou daqui a anos, compreenderei essa coisa com extraordinária clareza”. No momento em que admitimos o tempo, estamos cultivando a indolência, aquela peculiar preguiça que nos impede de ver prontamente a coisa tal como é.

Supomos que necessitamos de tempo para romper o condicionamento que a sociedade — com suas religiões organizadas, seus códigos de moralidade, seus dogmas, sua arrogância e seu espírito de competição — nos impôs. Pensamos em termos de tempo, porque o pensamento é produto do tempo. O pensamento é reação da memória — sendo memória o fundo que foi acumulado, herdado, adquirido pela raça, pela comunidade, pelo grupo, pela família, e pelo indivíduo. Esse fundo é produto do mecanismo aditivo da mente, e sua acumulação levou tempo. Para a maioria das pessoas, a mente é memória, e sempre que há um desafio, uma exigência, é a memória que “responde”. Sua “resposta” é como a “resposta” do cérebro eletrônico, que funciona por associação. E sendo a reação da memória, o pensamento é, por sua própria natureza, produto do tempo e o criador do tempo.

Notai que o que estou dizendo não é uma teoria, uma coisa em que deveis refletir. Sobre ela não precisais refletir, porém, antes vê-la, porque assim é. Não vou entrar nos seus complicados pormenores, mas já vos apontei os fatos essenciais, e vós os vedes ou não os vedes. Se me estais seguindo, não apenas no sentido verbal, discursivo ou analítico, porém vendo realmente que assim é, percebereis como é enganador o tempo; e a questão é então — se o tempo pode parar. Se somos capazes de ver todo o mecanismo de nossa própria atividade — ver sua profundeza, sua superficialidade, sua beleza, sua fealdade — não amanhã, porém imediatamente, então esse próprio percebimento é a ação que destrói o tempo.

Se não compreendermos o tempo, não compreenderemos o sofrimento. Eles não são, como procuramos torná-los, duas coisas diferentes. Exercer um cargo, estar com a família, gerar prole — não são incidentes separados, isolados. Pelo contrário, estão profunda e intimamente relacionados; não podemos perceber essa extraordinária intimidade de relação sem a sensibilidade oriunda do amor.

Para compreender o sofrimento, devemos, com efeito, compreender a natureza do tempo e a estrutura do pensamento. O tempo tem de parar, porque, do contrário, ficaremos meramente repetindo as informações que temos acumulado, exatamente como um cérebro eletrônico. A menos que o tempo termine — o que significa o fim do pensamento — haverá mais repetição, ajustamento, modificação contínua. Nunca existirá nada novo. Somos cérebros eletrônicos “glorificados” — um pouco mais independentes, talvez, mas sempre máquinas, em nossa maneira de funcionar.

Assim, para compreender a natureza do sofrimento e como ele pode terminar, temos de compreender o pensamento. Os dois não existem separadamente. Ao compreender-se o tempo, atinge-se o pensamento; e a compreensão do pensamento é a extinção do tempo e, por conseguinte, o término do sofrimento. Se isto está perfeitamente claro, podemos então olhar o sofrimento e, não, adorá-lo, como o fazem os cristãos. O que não compreendemos, adoramos ou destruímos. Colocamo-lo num templo, numa igreja, ou num “canto escuro” da mente, onde lhe rendemos um culto de temor; ou desprezamo-lo e repudiamo-lo; ou fugimos. Mas aqui não estamos fazendo nada disso. Vemos que há milênios o homem luta com o problema do sofrimento, sem ter podido resolvê-lo até agora; assim, deixou-se calejar por ele, aceitou-o, considerando-o uma parte inevitável da vida.

Ora, o mero aceitar do sofrimento não só é insensato, mas também concorre para embotar-nos. Faz a mente insensível, brutal, superficial, e a vida, por conseguinte, se torna falsa, um mero mecanismo de trabalho e de recreação. Leva o homem uma existência movimentada, como negociante, cientista, artista, sentimentalista, como pessoa dita religiosa, etc. Mas, para compreendermos o sofrimento e dele nos libertarmos, temos de compreender o tempo e, por conseguinte, o pensamento. Não se pode negar o sofrimento ou fugir dele, recorrendo a distrações, a igrejas, a crenças organizadas; tampouco devemos aceitá-lo e divinizá-lo; e, para se evitar isso, requer-se muita atenção, que é energia.

O sofrimento está enraizado na autopiedade. Para o compreendermos, cumpre extinguir essa autopiedade. Não sei se já observastes como tendes pena de vós mesmo ao dizerdes; “Estou sozinho no mundo!” — Havendo autopiedade, está preparado o solo em que o sofrimento lançará suas raízes. Ainda que justifiqueis a autopiedade, ainda que a racionalizeis, que procureis poli-la, revesti-la com ideias, ela continuará existente, minando-vos profundamente. Assim, para que o homem possa compreender o penar, deverá livrar-se dessa brutal e egocêntrica trivialidade que é a pena de si mesmo. Podeis sentir autopiedade por motivo de doença, pela morte de um ente querido, ou por não vos terdes realizado e, por conseguinte, vos sentirdes frustrado; mas, independentemente de sua causa, a autopiedade é a raiz do sofrimento. E, uma vez livre desse sentimento, podereis encarar o sofrer sem lhe renderdes culto, sem dele fugir, ou sem lhe dardes uma significação sublime, espiritual, como, por exemplo, dizendo que deveis penar para achar Deus — o que é puro contrassenso. Só a mente embrutecida, estúpida, se conforma com a amargura. Por conseguinte, não devemos aceitá-la, em nenhuma forma, nem rejeitá-la. Ao libertar-vos da autopiedade, vos despojais de toda a sentimentalidade e emocionalismo que ela suscitou, e estareis pronto para olhar o sofrimento com total atenção.

Espero que o estejais fazendo, junto comigo, nesta viagem, e não aceitando apenas verbalmente os dizeres do orador. Tende cuidado com a passiva aceitação do sofrimento, a racionalização dele, as escusas, a autopiedade, a sentimentalidade, a atitude emocional ante o amargor, porquanto tudo isso é dissipação de energia. Para compreenderdes o sofrimento, deveis aplicar-lhe toda a atenção, e nesta atenção não há lugar para escusas, para sentimento, racionalização, não há lugar para nenhuma espécie de comiseração própria.

Suponho estar sendo bem claro ao ressaltar a necessidade de darmos inteira atenção ao sofrimento. Nessa atenção, não há esforço para resolvê-lo ou compreendê-lo. A pessoa só está olhando, observando. Todo esforço para compreender, racionalizar ou fugir, impede aquele estado imparcial de completa atenção, no qual pode ser compreendida essa coisa chamada sofrimento.

Não estamos analisando, nem investigando analiticamente o sofrimento com o intuito de dele nos livrarmos, pois isso é apenas mais uma artimanha mental. A mente que o analisa supõe tê-lo compreendido e que está liberta. Puro contrassenso. Podeis libertar-vos de determinada forma de sofrimento; mas ele ressurgirá de outra maneira. Estamos falando do sofrimento em sua totalidade, o sofrimento em si, seja vosso, seja meu ou de outro qualquer ente humano.

Como disse, para se compreender o sofrimento é necessário compreender o tempo e o pensamento. Requer-se um percebimento não seletivo de todas as formas de fuga, de toda a autopiedade, de todas as verbalizações, de modo que a mente se aquiete diante de uma coisa que deve ser compreendida. Não há então divisão entre o observador e a coisa observada. Não há aquele que — como observador, como pensador — observa o sofrimento; só há o estado de sofrimento. Esse “estado de sofrimento”, não-dividido, é necessário, porque, quando olhais o sofrimento como observador, criais o conflito que embrutece a mente e dissipa a energia e, por conseguinte, não há atenção.

Quando a mente compreende a natureza do tempo e do pensamento, quando desarraigou a autopiedade, a sentimentalidade, o emocionalismo, etc., então o pensamento — que criou toda essa complexidade — termina, e o tempo já não existe; assim, ficais direta e intimamente em contato com essa coisa a que chamais sofrimento. O sofrimento só se conserva ao fugirmos dele, ao desejarmos evitá-lo ou divinizá-lo. Mas, quando não houver nada disso, porque a mente estará em direto contato com o sofrimento e, por conseguinte, completamente silenciosa em relação a ele, descobrireis, então, que ela dele se libertou. Desde que estejamos em direto contato com o penar, este fato, por si só, dissolve todos os fatores que o produzem, inerentes ao tempo e ao pensamento. E, assim, cessa de todo o sofrer.

Como, agora, compreender essa coisa que chamamos “a morte”, e que tanto nos assusta? O homem tem criado muitas maneiras tortuosas de considerar a morte — divinizando-a, negando-a, apegando-se a inumeráveis crenças, etc. Mas, para compreender a morte, deveis por certo considerá-la de maneira nova; porque em verdade nada sabeis a respeito da morte, sabeis? Podeis ter visto pessoas morrerem e ter observado em vós mesmo ou em outro a aproximação da velhice, com a concomitante deterioração. Sabeis que há o findar da vida física, por velhice, acidente, doença, assassínio ou suicídio, mas não conheceis a morte como conheceis o sexo, a fome, a crueldade, a brutalidade. Ignorais o que é morrer e, enquanto não o souberdes, a morte nenhuma significação terá. O que temeis é uma abstração, algo que não conheceis. Desconhecendo a plenitude da morte, ou o que ela implica, a mente tem-lhe medo — medo do pensamento, e não do fato que ela desconhece.

Vejamos isso com certa profundeza.

Se morrêsseis repentinamente, não teríeis tempo para pensar na morte e temê-la. Mas, há um intervalo entre agora e o momento em que se apresentará a morte, e durante esse intervalo tendes bastante tempo para vos preocupar e para racionalizar. Desejais “transportar” para a próxima vida — se há uma próxima vida — todas as ansiedades e desejos e conhecimentos que tendes acumulado, e, assim, inventais teorias ou credes numa certa espécie de imortalidade. Considerais a morte algo separado da vida. A morte está lá e vós aqui, ocupado em viver — em guiar vosso carro, em ter relações sexuais, em alimentar-se, em exercer vossa atividade, acumular conhecimentos, etc. Não desejais, morrer porque ainda não concluístes o livro que estais escrevendo, ou porque ainda não sabeis tocar violino com “virtuosidade”. Por isso, separais a vida da morte, dizendo: “Agora compreenderei a vida, e oportunamente compreenderei a morte”. Mas, as duas não estão separadas — e eis o que importa compreender em primeiro lugar. A vida e a morte constituem um todo, estão intimamente relacionadas, e não podeis isolar uma delas e procurar compreendê-la separadamente da outra. Isso é o que em regra fazemos. Dividimos a vida em compartimentos estanques. Se sois economista, então a ciência econômica é tudo o que vos interessa, e nada sabeis acerca do resto. Se sois médico especialista de nariz e garganta ou do coração, viveis anos seguidos neste limitado campo de conhecimento e, quando morreis, este é o vosso céu.

Como disse, considerar a vida fragmentariamente é viver em constante confusão, contradição, aflição. Tendes de ver a totalidade da vida; e só se pode ver essa totalidade quando há afeição, quando há amor. O amor é a única revolução que produzirá a ordem. É inútil adquirir constantes conhecimentos de Matemática, Medicina, História, Economia, e depois reunir todos esses fragmentos; isso não resolverá coisa alguma. Sem o amor, a revolução só conduz ao endeusamento do Estado ou à adoração de uma imagem, ou a inumeráveis e tirânicas perversões, e à destruição do homem. Do mesmo modo, quando a mente, medrosa que é, põe a morte à distância, separando-a do viver diário, tal separação só serve para gerar mais medo, mais ansiedade, e uma multiplicidade de teorias a respeito da morte. Para se compreender a morte, é necessário compreender a vida. Mas a vida não é continuidade do pensamento, continuidade essa responsável por todas as nossas aflições.

Assim, pode a mente trazer a morte, da distância em que se acha, para o imediato (o agora)? Entendeis? A morte, com efeito, não se acha em nenhum lugar remoto: ela está aqui e agora. Está presente quando falamos, quando nos divertimos, quando escutamos, quando nos dirigimos ao escritório. Está aqui a cada instante da vida, exatamente como o amor. Percebendo-se esse fato, deixa de haver medo à morte. Tememos, não o desconhecido, porém a perda do conhecido. Tememos perder nossa família, ficar só, sem companheiros; tememos a dor da solidão, ficar privado das experiências, dos haveres acumulados. É o conhecido que temos medo de largar. O conhecido é memória — memória a que nos apegamos. Mas a memória é apenas uma coisa mecânica — como os computadores o provam sobejamente.

Para compreendermos a beleza e a extraordinária natureza da morte, precisamos livrar-nos do conhecido. No morrer para o conhecido, está o começo da compreensão da morte, porque a mente então se torna fresca, nova, e nenhum medo existe; por conseguinte, pode-se entrar naquele estado que se chama “a morte”. Assim, do começo até o fim, a vida e a morte são inseparáveis. O sábio compreende o tempo, o pensamento e o sofrimento, e só ele é capaz de compreender a morte. A mente que morre a cada instante, que não armazena experiência, é imaculada e, por conseguinte, se acha num perene estado de amor.

Desejais fazer perguntas a este respeito, para entrarmos em mais pormenores?


PERGUNTA: Qual a diferença entre o vosso pensar e o pensamento cristão sobre o amor?

KRISHNAMURTI: Sinto não poder dizê-lo. Eu não penso no amor. Não se pode pensar no amor; se o fazeis, não se trata de amor. Como deveis saber, há enorme diferença entre o sexo, e o pensamento a respeito do sexo, que estimula a sensação. A mente que se ocupa da mera satisfação sexual, que pensa no sexo, que se excita por meio de imagens, de figuras, de pensamentos, é de qualidade destrutiva. Já “a outra coisa” (o amor) difere muito: sentimo-la sem a interferência do pensamento. Analogamente, não se pode pensar a respeito do amor, de acordo com o padrão de nossa memória ou conforme o que tendes ouvido dizer: que ele é bom, profano, sagrado, etc. Porque esse pensar não é amor. O amor não é cristão nem hinduísta, não é oriental nem ocidental, não é vosso nem meu. Só quando uma pessoa se liberta de todas essas ideias de nacionalidade, raça, religião, etc. — só então saberá o que é amar.

Vede, estive falando nesta manhã acerca da morte, a fim de bem a compreenderdes — não apenas enquanto estais aqui, neste pavilhão, mas durante a nossa vida — e por conseguinte ficardes livre do sofrimento, livre do medo, e saberdes realmente o que significa morrer. Se agora, e nos dias vindouros, vossa mente não continuar vigilante, ilesa, sã, então o mero escutar de palavras será completamente fútil. Mas, se vos achais profundamente atento, ciente de vossos pensamentos e sentimentos; se não estais interpretando o que diz o orador, porém observando realmente, por vós mesmo, enquanto ele vai descrevendo e penetrando o problema, então, após sairdes daqui, vivereis — não só com exultação, mas também com a morte e o amor.

Krishnamurti, Saanen, 28 de julho de 1964,

A mente sem medo



O amor é o supremo estado de incerteza

O amor é o supremo estado de incerteza

Se me é permitido, desejo falar nesta manhã sobre um assunto que me parece muito importante. Não se trata de nenhuma ideia, conceito, ou fórmula para ser posta em prática, porque conceitos, fórmulas, ideias, impedem efetivamente a compreensão dos fatos tais como são. Por “compreender um fato” entendo observar uma atividade, um movimento de pensamento ou de sentimento, e perceber o seu significado no momento da ação. A percepção de um fato, tal como é, deve verificar-se no momento da própria ação; e, se não compreendermos profundamente os fatos, estaremos sempre sendo perseguidos pelo medo.

Penso que quase todos levamos essa enorme carga de medo, consciente ou inconsciente. E, nesta manhã, desejo examinar este problema convosco, para ver se podemos despertar uma compreensão total do medo e causar, assim, sua completa dissolução, de modo que, ao sairmos daqui, estejamos verdadeira e efetivamente livres do medo. Assim sendo, permiti-me sugerir-vos que escuteis tranquilamente, sem estardes argumentando interiormente comigo. Iremos argumentar, permutar palavras, verbalizar nossos pensamentos e sentimentos dentro em pouco. Mas, por ora, fiquemos escutando, em certo sentido, negativamente, isto é, com total neutralidade no ato de escutar. Escutai, apenas. Eu vos estou comunicando alguma coisa — vós nada me comunicais. Para compreenderdes o que desejo transmitir-vos, deveis escutar — e no próprio ato de escutar tereis a possibilidade de comungar com o orador.

Infelizmente, a maioria de nós é incapaz desse escutar negativo, silencioso, não só aqui, mas também em vossa existência de cada dia. Quando saímos a passeio, não ouvimos os pássaros, o ciciar das árvores, o murmúrio do rio; não escutamos as montanhas, nem os céus distantes. Para estardes em comunhão direta com a natureza e com outras pessoas, deveis escutar; e só podeis escutar quando estais negativamente silencioso — isto é, escutando sem esforço, sem atividade mental, sem verbalizar, argumentar, discutir.

Não sei se já alguma vez experimentastes escutar de maneira completa vossa esposa ou marido, vossos filhos, o carro que passa, o movimento dos próprios pensamentos e sentimentos. Nesse escutar nenhuma ação existe, nenhuma intenção, nenhuma interpretação; e esse ato de escutar produz uma grande revolução na raiz mesma da mente.

Mas, em geral, não estamos acostumados a escutar. Se escutamos algo contrário ao nosso pensar habitual, ou se é atacado um dos nossos ideais favoritos, ficamos terrivelmente agitados. Temos “interesses adquiridos” em certas ideias e ideais, assim como os temos em propriedades e em nossa própria existência e conhecimentos, e quando vemos ser impugnada qualquer dessas coisas, perdemos o equilíbrio, a serenidade, resistimos a tudo o que se diz.

Ora, se desejais realmente escutar, esta manhã, o que se está dizendo, escutar sem percebimento vigilante e sem escolha, cumpre seguir o orador, não verbalmente — isto é, sem análise discursiva — e, por conseguinte, vos moveis em harmonia com o significado transcendente da palavra. Isso não equivale a pôr-se a dormir, ou encontrar-se num estado beatífico de sentimentalidade, grato ao “eu”. Pelo contrário, o escutar exige plena atenção — que não é concentração. Estas duas coisas são totalmente diferentes. Se escutais atentamente, talvez possamos — vós e eu — alcançar aquelas grandes profundezas onde se encontra a criação. E isso, sem dúvida nenhuma, é essencial; porque a mente superficial, ansiosa, sempre ocupada com múltiplos problemas, não pode compreender o medo, uma das coisas fundamentais da vida. Se não compreendemos o medo, não haverá nenhum amor, não existirá criação — não o ato de criar, porém aquele estado de criação eterna, o qual não pode ser expresso em palavras, quadros, livros.

Assim, temos de estar livres do medo. O medo não é uma abstração, uma simples palavra — embora para a maioria de nós a palavra se tenha tornado mais importante do que o fato. Não sei se já pensastes em libertar-vos total e completamente do temor. Isso pode ser feito de maneira tão completa que não haverá mais “sombra” de medo, porque a mente estará sempre à dianteira do fato. Isto é, em vez de preocupar-se com o medo e tentar vencê-lo depois de manifestar-se, a mente está à sua dianteira, e por conseguinte livre dele.

Para compreender o medo, cumpre examinar a questão da comparação. Porque comparamos? Em matéria técnica, a comparação revela progresso, que é coisa relativa. Há cinquenta anos, não havia bomba atômica, não havia aviões supersônicos, mas agora temos essas coisas; e daqui a mais cinquenta anos teremos outras que atualmente não temos. Isso se chama progresso, o qual é sempre comparativo, relativo, e nossa mente está enredada nessa maneira de pensar. Não apenas “por fora”, por assim dizer, mas também “por dentro”, na estrutura psicológica de nosso ser, pensamos comparativamente. Dizemos “sou isto, fui aquilo e serei diferente no futuro”. A esse pensar comparativo chamamos progresso, evolução, e todo o nosso comportamento — moral, ético, religioso, nas relações profissionais e sociais — nele se baseia. Observamo-nos comparativamente em relação a uma sociedade que é o produto dessa mesma luta comparativa.

Ora, a comparação gera medo. Observai este fato em vós mesmo. Desejo ser melhor escritor, ou pessoa mais bela e inteligente. Desejo possuir mais saber do que outrem; desejo ter muito êxito, tornar-me pessoa importante, ter mais fama no mundo. O sucesso e a fama são, psicologicamente, a vera essência da comparação, com a qual estamos constantemente criando medo. E a comparação dá também nascimento ao conflito, à luta — que se considera coisa muito respeitável. No vosso sentir, deveis estar em competição, para poderdes subsistir neste mundo, e assim comparais e competis nos negócios, na família, nos chamados assuntos religiosos. Precisais de alcançar o céu, para vos sentardes ao lado de Jesus — ou quem quer que seja vosso particular Salvador. O espírito de comparação se reflete no vigário — que quer tornar-se arcebispo, cardeal e, por fim, papa. Esse mesmo espírito nós outros cultivamos diligentemente durante a nossa vida, lutando para nos tornarmos melhores ou para alcançarmos posição mais alta do que outro. Nossa estrutura social e moral nisso se baseia.

Há, pois, em nossa vida, esse constante estado de comparação, competição, e a perene luta para sermos alguém — ou para sermos ninguém, o que vem a dar no mesmo. Isso, suponho, é a raiz de todo o medo, porquanto produz inveja, ciúme, rancores. Onde está o rancor, aí evidentemente não está o amor, e gera-se medo e mais medo.

Como disse, ficai só escutando. Não pergunteis: Como posso deixar de comparar? Que devo fazer para consegui-lo? — Nada podeis fazer para acabar a comparação. Se fizésseis alguma coisa, o vosso motivo seria também oriundo da comparação. O que podeis fazer é apenas perceber que essa coisa complexa chamada nossa existência é uma luta “comparativa”, e que se tentais atuar contra ela, se tentais alterá-la, de novo vos vedes apoderado do espírito comparativo, “competitivo”. O importante é escutar sem nada desfigurar; e desfiguramos o que estamos escutando ao desejarmos fazer algo a seu respeito.

Estamos, pois, vendo as implicações e o significado dessa avaliação comparativa da vida, e a ilusão de pensar que a comparação produz compreensão — comparação das obras de dois pintores ou de dois escritores; comparação de si próprio com outro menos inteligente, menos eficiente, mais belo, etc., etc. E pode-se viver neste mundo, tanto exterior como interiormente, sem comparar? Percebem o estado da mente que está sempre comparando — reconhecê-lo como fato e “deixar-se ficar” com esse fato — isso exige muita atenção. Essa atenção produz sua disciplina própria, a qual é extremamente flexível; não tem padrão, não é compulsiva, não é ato de controlar, subjugar, negar, na esperança de melhor compreender a questão do medo.  

Essa atitude perante a vida, baseada na comparação, é um dos principais fatores de deterioração da mente, não achais? Deterioração da mente supõe embotamento, insensibilidade, declínio, e, portanto, completa falta de inteligência. O corpo se deteriora a pouco e pouco, porque vamos envelhecendo; mas a mente também se está deteriorando, e a causa desta deterioração é a comparação, o conflito, o esforço “competitivo”. A mente assemelha-se a um motor a funcionar com excesso de atrito: não pode funcionar adequadamente, e durante o seu funcionamento deteriora-se com rapidez.

Como vimos, a comparação, o conflito, a competição, não só danificam, mas também causam medo; e onde há medo, há obscuridade, e não existe afeição, compreensão, amor.

Pois bem, que é o medo? Alguma vez já vos vistes frente a frente com o medo, ou apenas com a ideia do medo? Há diferença entre as duas coisas, não? O fato real — o medo — e a ideia do medo são duas coisas totalmente diferentes. Em geral achamo-nos enredados na ideia do medo, numa opinião, num juízo, numa avaliação do medo, e nunca nos achamos em contato com o fato real — o temor em si. Isso precisa ser ampla e profundamente compreendido.

Tenho medo, por exemplo, de serpentes. Vi um dia uma serpente que me atemorizou, e essa experiência me permaneceu na mente como memória. Quando à noite saio a passeio, essa lembrança entra em função e já vou com medo de encontrar uma serpente; assim a ideia do medo se tornou mais vital, mais potente do que o próprio fato. Que significa isso? Que nunca estamos em contato com o medo, porém apenas com a ideia do medo. Observai esse fato em vós mesmo. E a idéia não pode ser afastada artificialmente. Podeis dizer: “Tentarei enfrentar o temor sem a ideia”; mas isso não é possível. Agora, se percebeis realmente que a memória e a “ideação” vos impedem de comungar com o fato — o fato do medo, do ciúme, o fato da morte — então se estabelecerá uma relação completamente diferente entre vós e a realidade.

Para a maioria de nós, a ideia é bem mais importante do que a ação. Nunca agimos completamente. Estamos sempre limitando a ação com a ideia, ajustando ou interpretando a ação de acordo com uma fórmula, um conceito e, por conseguinte, não há ação nenhuma — ou, antes, a ação é tão incompleta que cria problemas. Mas, uma vez compreendido esse fato extraordinário, a ação se torna coisa sumamente vital, porquanto já não se ajusta a uma ideia.

O medo não é uma abstração; está sempre em relação com alguma coisa. Tenho medo da morte, medo da opinião pública, medo de não me tornar benquisto, popular, medo de nada realizar, etc. A palavra “medo” não é o fato, é apenas um símbolo que o representa, e para a maioria de nós o símbolo, no sentido religioso ou em outro qualquer, é mais importante do que o próprio fato. Ora, pode a mente libertar-se da palavra, do símbolo, da ideia, e observar a realidade, a coisa existente, sem interpretação, sem dizer: “Preciso olhá-la” — sem ter nenhuma ideia sobre ela? Se encaramos o fato, a realidade, com uma opinião a seu respeito, estamos apenas a entreter-nos com ideias, não é verdade? Portanto, isto é algo que muito importa compreender: que, quando olho um fato através de uma ideia, não há comunhão nenhuma com o fato. Se quero estar em comunhão com o fato, então a ideia deve desaparecer completamente. Pois bem, prossigamos desse ponto, para ver aonde nos leva.

Há o fato de que temeis a morte, temeis o que alguém dirá, temeis dúzias de coisas. Ora, quando já não estais olhando esse fato através de uma ideia, de uma conclusão, de um conceito, através da memória, que acontece realmente? Em primeiro lugar, não há separação entre o observador e a coisa observada, o “eu” não está separado dessa coisa. A causa da separação foi eliminada e, por conseguinte, achais-vos em direta relação com o que chamais medo. O “eu” com suas opiniões, ideias, juízos, avaliações, conceitos, memórias — tudo isso está ausente, e só há aquela coisa.

O que estamos fazendo é difícil, não é um simples entretenimento matinal. Eu sinto que é possível uma pessoa sair deste pavilhão, nesta manhã, profunda e completamente livre do medo; e, então, essa pessoa é um verdadeiro ente humano.

Estais, pois, agora, frente a frente com o fato: a sensação ou apreensão que chamais “medo” e que foi produzida por uma ideia. Tendes medo da morte (estou tomando isso apenas para exemplo). Ordinariamente, considerais a morte uma simples ideia; não é um fato. O fato só se vos apresenta quando estais morrendo. Sabeis da morte de outras pessoas, e a compreensão de que também vós tendes de morrer se torna uma ideia geradora de medo. Olhais o fato através da ideia, a qual vos impede o contato direto com o fato. Há um intervalo entre o observador e a coisa observada. É nesse intervalo que surge o pensamento — sendo “pensamento” a ideação, a verbalização, a memória que oferece resistência ao fato. Mas quando esse intervalo não existe, isto é, quando ausente o pensamento, que é tempo, estais diante do fato; e então o fato atua sobre vós — vós não atuais sobre o fato.

Espero estejais compreendendo tudo. É isso demais para uma manhã de calor?

Eu sinto que o viver com medo, de qualquer espécie que ele seja, é — se posso empregar o termo — coisa má. Viver com medo é coisa má, porque gera ódio, desfigura o pensar e perverte toda a vossa vida. Portanto, é absolutamente necessário que o homem religioso seja completamente livre de medo, tanto exterior como interiormente. Não me refiro à reação espontânea do corpo físico, para proteger-se, que é natural. É normal, ao verdes uma serpente, saltardes para longe dela — o que é apenas um instinto físico autoprotetório, e seria anormal não terdes tal reação. Mas o desejo de se estar em segurança, interiormente, psicologicamente, em qualquer nível do próprio ser, gera medo. Podemos ver em toda a parte os efeitos do medo e compreender, assim, quanto é importante que a mente não seja, em tempo algum, um “terreno de cultura” do temor.

Se bem escutastes o que aqui se disse nesta manhã, tereis visto que o medo nunca se acha no presente, porém sempre no futuro; ele é provocado pelo pensamento, pelo pensar no que poderá acontecer amanhã ou daqui a um minuto. Assim, o medo, o pensamento e o tempo são companheiros; e, para se compreender e transcender o medo, é necessária a compreensão do pensamento e do tempo. Todo pensar comparativo deve cessar; toda ideia de esforço — que envolve competição, ambição, adoração do êxito, luta por tornar-se alguém — deve findar. E, uma vez compreendido todo esse processo, não há conflito nenhum, há? Por conseguinte, a mente já não se acha num estado de deterioração, porquanto é capaz de enfrentar o medo e não propicia o seu aparecimento. Ora, esse estado livre do medo é absolutamente necessário, para que se possa compreender o que é criação.

Em regra, a vida é para nós entediante rotina, e nela não encontramos nada novo. Toda coisa nova que ocorre, logo a transformamos em rotina. Alguém pinta um quadro, que passa a ser novidade, mas logo depois deixa de sê-lo. O prazer, a dor, o esforço — tudo se torna rotina, tédio, luta perene e pouco significativa. Estamos sempre a buscar algo novo — o novo em filmes, o novo em quadros. Queremos sentir e expressar coisas novas, diferentes, não traduzíveis de imediato em termos do “velho”. Esperamos encontrar um certo truque, ou técnica engenhosa mediante a qual possamos expressar-nos e sentir-nos satisfeitos; mas, também isso acaba-se tornando uma terrível importunação, uma coisa feia, que temos vontade de destruir. Achamo-nos, pois, num constante estado de reconhecimento. Toda coisa nova é imediatamente reconhecida e, assim, absorvida pelo “velho”. O mecanismo de reconhecimento é, para a maioria de nós, de excepcional importância, visto que o pensamento está sempre funcionando dentro do campo do conhecido.

No momento em que se reconhece uma coisa, ela deixa de ser nova. Compreendeis? Nossa educação, nossa experiência, nosso viver diário — tudo isso é mecanismo de reconhecimento, de constante repetição, e confere continuidade à nossa existência. Com a mente presa nesse mecanismo, perguntamos se existe algo novo; queremos averiguar se há ou não há Deus. Partindo do conhecido, pretendemos encontrar o desconhecido. É o conhecido que causa o medo ao desconhecido, e por isso dizemos: “Preciso encontrar o desconhecido, reconhecê-lo e trazê-lo para o conhecido”. Tal é nossa busca, na pintura, na música, em tudo — a busca do novo, para interpretá-lo sempre em termos do velho.

Ora, esse mecanismo de reconhecimento e interpretação, de ação e de preenchimento, não é criação. Não há possibilidade de expressar o desconhecido. O que se pode expressar é uma interpretação ou reconhecimento de algo que chamais “o desconhecido”. Cumpre, pois, descobrir por vós mesmo o que é criação, porque, do contrário, vossa vida é mera rotina, em que nenhuma mudança, nenhuma mutação ocorre, e com a qual vos aborreceis rapidamente. A criação é o próprio movimento criador — e não a interpretação desse movimento na tela, na música, em livros, ou numa relação.

Afinal de contas, a memória encerra milhões de anos de lembranças, de instintos, e o impulso para ultrapassar tudo isso faz parte ainda da mente. Desse fundo do “velho” procede o desejo de reconhecer o novo; mas o novo é algo totalmente diferente — ele é amor — e não pode ser compreendido pela mente que está aprisionada no mecanismo do velho e tentando reconhecer o novo.

Esta é uma das coisas mais difíceis de transmitir, de comunicar; mas desejo comunicá-la, se possível, porque a mente que não se acha nesse estado criador está sempre em mecanismo de deterioração. Esse estado é intemporal, eterno. Não é “comparativo”, não é utilitário, nenhum valor tem em termos de ação; ninguém pode servir-se dele para pintar quadros ou escrever maravilhosa poesia shakespeariana. Mas, sem ele, não há realmente amor. O amor que conhecemos é ciúme, geralmente cercado de ódio, ansiedade, desespero, aflição, conflito; e nada disso é amor. O amor é coisa eternamente nova, irreconhecível; ele nunca é o mesmo, e, por conseguinte, é o supremo estado de incerteza. E só no “estado de amor” pode a mente compreender essa coisa extraordinária chamada “criação” — que é Deus, ou outro nome que lhe quiserdes dar. Só a mente que compreendeu as limitações do conhecido e, consequentemente, dele ficou livre — pode achar-se naquele estado criativo em que não existe fator de deterioração.

Desejais fazer perguntas sobre o que estivemos dizendo nesta manhã?

PERGUNTA: O sentimento de termos uma vontade individual é a causa do medo?

KRISHNAMURTI: Talvez seja. Mas, que entendeis pela palavra “individual”? Vós sois “individual”? Tendes um corpo, um nome, uma conta no banco; mas, se interiormente estais acorrentado, tolhido, limitado, sois um indivíduo? Como todos os outros, estais condicionado, não? E dentro dessa limitada área de vosso condicionamento que chamais “o indivíduo” tudo acontece — vossas aflições, desesperos, vosso ciúme, vossos temores. Essa entidade estreita e fragmentária, com sua alma individual, sua vontade individual e demais futilidades — dela tendes muito orgulho. E com ela desejais descobrir Deus, a verdade, o amor. Isso não é possível. O que pois fazer é só estar consciente do fragmento que sois e de vossas lutas, e perceber que o fragmento não pode, jamais, tornar-se o todo. O que quer que faça, o raio nunca poderá tornar-se roda. Por conseguinte, cumpre investigar e compreender essa existência separada, estreita, limitada, esse suposto “indivíduo”. O mais importante nisso tudo não é vossa opinião ou minha opinião, mas descobrir o verdadeiro. E, para descobrir o verdadeiro, não deve a mente temer — ser tão despida de medo, que seja de todo “inocente”. Só dessa “inocência” vem a criação.

Krishnamurti, Saanen, 21 de julho de 1964,
A mente sem medo



quinta-feira, 19 de abril de 2018

O amor não pode ser separado do sofrimento


O amor não pode ser separado do sofrimento

[...] Para a maioria de nós, a morte é o fulcro do medo. Tememos a morte e, por essa razão, nunca lhe compreendemos o imenso significado. O medo, invariavelmente, deforma a percepção, faz-nos fugir àquilo que tememos; e quando fugimos do fato que é a morte ou ficamos acabrunhados de dor pela morte de um amigo, é-nos impossível aprofundar ou compreender, no seu todo, o problema da morte.

Já discorremos sobre o medo e o sofrimento e penso que devemos estar agora aptos a considerar sensata e profundamente este problema da morte. Como já salientei, o amor, o sofrimento e a morte “andam juntos”, são inseparáveis. Isto não é mero conceito filosófico — não estou “fazendo filosofia”. Mas, se vos investigardes com profundeza, vereis que o amor não pode ser separado do sofrimento e o sofrimento não pode desligar-se da morte, pois os três, na realidade, são um só todo. Também não há nenhuma possibilidade de se compreender a beleza e a imensidão da morte, se existe qualquer vestígio de temor.

Para compreendermos a morte, acho que devemos examinar a questão do pensar negativo e da renúncia. Porém, não tomeis isso por algo teórico, impraticável. É a mente indolente que tudo rejeita como teórico, ou o reduz a um sistema ou padrão de ação, perdendo, assim, a essência real, o significado profundo do que estou dizendo. Eis porque vos peço que escuteis de espírito aberto, amigavelmente, sem concordar nem discordar, sem nenhum motivo. Se formos capazes de escutar com calma e prazer, sem motivo algum, o problema da morte, então talvez apreendamos o pleno significado dessa coisa imensa que está à nossa espera.

Primeiramente, gostaria de considerar junto convosco isso a que se pode chamar “pensamento negativo”. Bem poucos são os que pensam negativamente, e o pensar negativo é a mais elevada forma de pensamento; é ver o falso como falso, ver o que é verdadeiro no falso, e ver o que é verdadeiro na verdade. Não podemos ver o que é falso, se meramente consideramos o falso como oposto do verdadeiro; só podemos ver o que é falso quando não há nenhum contraste, nenhuma comparação. O contraste e a comparação nascem do pensar positivo. Se desejo compreender meu filho, por exemplo, tenho de desistir de comparar; devo olhá-lo assim como é. Se o considero em termos de aprovação ou reprovação — e tanto uma como outra coisa se baseiam na minha aceitação de um padrão estabelecido pela tradição, pela experiência, pela opinião, etc. — nesse caso, o chamado pensamento positivo e a chamada ação positiva me impedem a compreensão. Só podemos compreender quando não há comparação, nem julgamento, mas a simples percepção do fato real; e essa percepção é pensar negativo.

Desejaria explicar um pouco mais esse pensar negativo, porque, para percebermos sua extraordinária beleza e vitalidade, precisamos em primeiro lugar compreender o estado da mente que se acha livre do “conhecido”. Cumpre escutar o que se está dizendo, não como se fosse uma exposição filosófica, ou um sistema que deveis seguir, porém escutá-lo para descobrirdes, por vós mesmo, a verdade contida na questão. Aí sentados, como estais, experimentai realmente o que se está dizendo. Não deixeis para pensar nisso posteriormente — “posteriormente” não significa nada. Para o compreenderdes tendes de vivê-lo agora, no momento presente.

Falei do “pensar negativo” e disse ser a mais elevada forma de pensamento. Nós, em geral, nunca nos achamos num estado no qual digamos “Não sei” — a não ser num sentido muito superficial. Há dois estados de “não saber”. Num deles, a mente diz “Não sei”, mas espera ou procura uma resposta. Nesse estado a mente traduz o que encontra conforme seu próprio fundo ou condicionamento. No escutar, peço-vos experimenteis convosco, para verdes que realmente é assim. Mas há um outro estado em que a mente diz: “Não sei”, e não espera nem procura resposta nenhuma. Está ela, então, completamente vazia, seu estado é de negação total, e só para essa mente é que pode despontar aquela coisa extraordinária denominada “criação”.

Espero ter esclarecido bem os dois estados: o da mente positiva, que diz: “Não sei”, mas quer saber, e o da mente que diz “não sei” e nenhuma resposta está procurando. Em regra, é-nos extremamente difícil acharmo-nos no estado de “não saber”, em que não se procura resposta, porque não gostamos da incerteza. Mas a mente que tem certeza está ainda enredada no “conhecido”, e é necessário estarmos completamente livres do conhecido para compreendermos o incognoscível, que é a morte. Vejamos, pois, o que se implica na negação da “vida do conhecido”.

Para a maioria de nós, a vida é conflito, dor. Há luta incessante, efêmera alegria, muitas pressões e tensões, um fundo de memória acumulada que “responde” a cada desafio, e cuja resposta é sempre inadequada. Há o preenchimento e o sofrimento decorrente do não preenchimento; há avidez, inveja, cólera, ódio, angústia; há o denominado “amor”, uma chama toda envolta na fumaceira do apego, da dependência, do ciúme. O tédio de ir para o emprego diariamente, a familiaridade e o desdém existentes em nossas relações, a constante “corrente subterrânea” do medo — eis a nossa vida, para a qual desejamos continuidade. Nossa vida cotidiana se tornou um hábito. Ela é superficial, vazia, e procuramos preencher esse vazio com crenças e dogmas religiosos, com santos, salvadores, mestres. Nossa vida, com seus apetites sexuais, sua ânsia de fama, seu desejo de conforto, poder, posição, prestígio — é um círculo fechado de esperança e desespero. Eis tudo o que conhecemos; e quando a morte chega, tememos deixar o “conhecido”, deixar esta nossa insignificante vida, porque com ela estamos tão acostumados! Eis porque há conflito entre o viver e o morrer. As posses a que estamos apegados, nosso dinheiro, nossa casa, nossa família, nosso nome, nosso caráter, nossa experiência, nossa lembrança das coisas que fizemos e que não fizemos — tudo isso constitui o “conhecido” e, quando se aproxima a morte, temos medo de deixá-lo. Queremos a continuidade de todas as insignificâncias que conhecemos.

Ora bem. Podeis ter ideias, teorias, a respeito da reencarnação, da ressurreição, ou podeis estar apegados a alguma outra crença, mas a morte é o fim da “vida do conhecido”; e o mais importante é rejeitarmos a “vida do conhecido” — rejeitá-la sem motivo algum. Por “vida do conhecido” entendo nossa vida de mesquinhez, ciúmes, nossa ambição, nossa avidez. Temos de rejeitar totalmente essa vida, cortá-la pela raiz, mas sem haver motivo algum para fazê-lo; porque, se temos algum motivo, esse próprio motivo dá continuidade à “vida do conhecido” e, por consequência, não há possibilidade de se experimentar a extraordinária profundeza da morte.

Em geral, é com amargor que chegamos ao “fim do conhecido”; chegamos ao fim de nosso cativeiro, cheios de ansiedade e medo. Não morremos felizes, calmos, belamente. A ideia da morte nos põe num estado de desespero e, por essa razão, se somos sutis, inventamos uma filosofia do desespero, ou recorremos à “filosofia da esperança”, como o faz a maioria das pessoas chamadas religiosas. Ora, o relevante é rejeitarmos tudo isso por o termos compreendido, quer dizer, rejeitarmos, sem qualquer razão, a vida que conhecemos; e veremos, então, que nossa mente se achará num estado em que começará a libertar-se do “conhecido”. Essa é uma das coisas que precisamos fazer, a fim de podermos compreender a imensidade e a potência criadora da morte.

E agora consideremos a questão do tempo. Há tempo cronológico e tempo psicológico. Não estou falando do tempo cronológico, do tempo marcado pelo badalar do sino daquela igreja. Refiro-me à terminação do tempo psicológico, e essa terminação só pode verificar-se quando a mente não está buscando, obtendo, “chegando”; compreendeu inteiramente esse “mecanismo” e, por conseguinte, não há o amanhã como resultado das experiências de hoje.

O tempo em cujo decurso vamos para o emprego, nos dirigimos a um encontro com alguém, tomamos um ônibus, etc., é coisa completamente diferente do tempo psicológico, que formamos com a esperança; eu não sei, mas saberei; estou enraivecido, mas me encontrarei finalmente num estado de paz; sou nacionalista, estreito, fanático, mas o tempo gradualmente trará a libertação desse estado de mediocridade. O tempo, a mente o utiliza para mover-se, psicologicamente, daqui para ali. E enquanto existir em cada um de nós esse tempo psicológico, não haverá possibilidade de compreendermos o que é a morte.

Para compreender o que é a morte, a mente deve estar completamente livre do medo. Deve achar-se num estado em que diz para si própria: “Eu não sei” — e não procura nem deseja resposta alguma. Esse é o estado livre do conhecido. Significa que a mente já não busca, psicologicamente, preparar-se para, através do tempo, “vir a ser alguma coisa”. Vereis, então, se aí chegardes, que toda ideia de continuidade cessa por inteiro. Morre a mente para todas as suas insignificantes ansiedades, apetites, invejas, vaidades — morre para tudo isso imediatamente, e nesse morrer nenhuma ideia existe de continuidade. Só quando há um fim, pode haver um novo começo. Com o “fim do passado”, desponta algo totalmente novo.

O que chamamos “pensamento” dá à mente a ideia da continuidade — e eis o que é “tempo psicológico”, porquanto todo pensamento resulta de nosso condicionamento, nossa memória, nossa experiência. Todo desafio provoca uma “resposta” desse fundo, e essa resposta é o pensamento “em ação”, por conseguinte, não há espontaneidade, jamais há “resposta” que esteja livre do passado. Mas, quando tem fim o nosso pensamento, nossa avidez, nossa inveja, nossa ambição e sede de poder, toda a estrutura psicológica da sociedade, que constitui o “eu” — quando tudo isso termina, sem motivo algum, a mente se acha num estado de “não saber”, completamente vazia; e só então há morte.

Que sucede, na realidade, quando morreis fisicamente? Deixais tudo para trás; nada podeis levar convosco. Não importa quantos motivos tenhais para viver, com a morte não se discute. Não podeis dizer à morte: “Ainda preciso fazer isto e aquilo, dai-me mais um mês, mais um ano”. Quando a morte chega, ela lá está, absoluta, peremptória. Podeis crer na reencarnação ou noutra forma de ressurreição, no futuro, mas todas as crenças são irrelevantes ao terdes pela frente o fato da morte. E se, interiormente, morrerdes para a estrutura psicológica da sociedade, para todas as acumulações do passado, podereis ver que a morte é criação — não a criação do escritor, do músico, do pintor, do cientista, porém criação que não tem começo nem fim. E, se não estamos nesse estado de criação, que é morte, que é amor, nossa vida pouco significa.

Por conseguinte, não tomeis o que estou dizendo por uma certa filosofia lógica ou superlógica, mas penetrai realmente em vós mesmo, compreendendo-vos completamente. Negai totalmente tudo o que até agora considerastes vida — vossas experiências, vossa ambição, vossa avidez, vossa inveja — e vereis que nesse findar se encontra uma morte que é “criação atemporal” e que, se desejardes dar-lhe nome diferente, se pode chamar “Deus”, o “imensurável”, o “desconhecido”.

Krishnamurti, Saanen, 7 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill