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sábado, 18 de março de 2017

Por que exercitar a arte da escuta atenta?


Vá a um templo JAINA e você verá vinte e quatro estátuas dos TIRTÂNKARAS JAINAS — as pessoas que são como Jesus, Buda, Zarathustra — e você se surpreenderá: eles parecem ser exatamente o mesmo. Não é possível: você não pode encontrar vinte e quatro pessoas exatamente iguais. Nem JAINAS podem fazer a distinção de quem é quem. Eles não podem dizer quem é Mahavira e quem é Neminath e quem é Parshwanath e quem é o primeiro e quem é o último, porque eles parecem absolutamente iguais — os mesmos rostos, os mesmos narizes, os mesmos olhos, os mesmos corpos, a mesma posição. Para distinguir que eles são pessoas diferentes, os JAINAS descobriram os símbolos: o símbolo mostra um leão ou algo assim, que mostra de quem é a estátua. 

Por que eles a fizeram iguais? Certamente elas não são históricas. Elas são iguais porque os escultores jainas não estavam interessados na História, eles estavam interessados no FENÔMENO INTERIOR. Aqueles homens tinham atingido à MESMA EXPERIÊNCIA... — como representar isso? E como representá-lo em mármore? Eles atingiram à mesma IMOBILIDADE, ao mesmo CENTRAMENTO, ao mesmo FUNDAMENTO, à mesma CRISTALIZAÇÃO. Daí, as estátuas iguais — a mesma posição, o mesmo corpo representando algo do MUNDO INTERIOR — o mesmo estado espiritual, o mesmo SAMADHI. 

Você se surpreenderá sobre muitas coisas, ao olhar aquelas vinte e quatro tirtânkaras e suas estátuas. Você verá que suas orelhas são muito grandes, seus lóbulos encostam-se nos ombros. Você não encontrará orelhas assim. Isso representa algo: diz que aquelas pessoas atingiram seu supremo estado de consciência PELO OUVIR ABSOLUTO — ouvir as canções dos pássaros, ouvir o vento passando entre os pinheiros, ouvir o som das águas, ouvir silenciosamente TUDO QUE VAI ACONTECENDO AO SEU REDOR. 

Ouvir era o método deles. Assim como o método budista é o de observar a respiração, o método JAINA é o de ouvir os sons. Ouvir corretamente é o suficiente. Se a pessoa puder ouvir SEM O TAGARELAR INTERIOR DA MENTE, se a mente tornar-se completamente calma... este cão latindo lá longe, ou o pássaro piando. Se você puder apenas ouvir SEM PENSAR, sem pensar nem que "o cão está latindo", "os passarinhos estão piando", APENAS OUVIR SEM NENHUM PENSAMENTO, SEM QUALQUER INTERPRETAÇÃO, você atingirá cada vez mais e mais profundos reinos de silêncio: atingirá à suprema consciência. 

Qualquer espécie de consciência alerta conduz ao Supremo. Ora, a consciência alerta pode vir dos sentidos, de qualquer um dos cinco. Você poderá ouvir música e funcionará... pode ouvir qualquer coisa e funcionará. Pode olhar as nuvens e o pôr-do-sol e os pássaros voando no espaço e, ao ver, funcionará. O único ponto a ser lembrado é este: SUA MENTE NÃO PODE FUNCIONAR — seus sentidos não podem ficar anuviados pela mente. 

Para representar isso, as longas orelhas. Ora, como representar em mármore o método de ouvir? Esta é uma bela representação. Mas há tolos eruditos jainas, tão tolos quanto os cristãos, que pensam que todo tirtânkara tem aquelas longas orelhas — sem as tais longas orelhas, não pode ser um tirtânkara. Tirtânkara quer dizer exatamente o mesmo que Buda, ou Cristo — essa é a terminologia jaina. Isso é estupidez, falta de compreensão, abordagem nada compreensiva. E depois, isso pode ser cristalizado muito facilmente. 

OSHO

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

É possível ver e ouvir ao outro sem preconceito?

Existe o ver sem preconceito? Só a mente que não tem conclusão, essa é a mente que pode ver. A outra não pode. Se eu tiver um conhecimento prévio desse armário, a mente identifica-o como um armário. Olhar para esse armário sem a acumulação prévia de preconceitos ou mágoas, é olhar. Se eu tiver mágoas, memórias, dor, prazer, desagrado anterior, não olhei. (...) (Krishnamurti em, Tradition and Revolution)

Desejo agora dizer uma coisa que considero importante: é de suma relevância a maneira como escutais. Em geral, ou ouvis só as palavras, concordando ou discordando, intelectualmente, ou ouvis com a mente ocupada em interpretar, traduzindo desse modo o que ouvis em conformidade com vossos preconceitos pessoais. Escutais (…) comparando o que ouvis com o que já sabeis. Essa maneira de ouvir impede-vos o escutar (…) Mas se, ao contrário, escutardes sem condenar nem aceitar, (…) com certo grau de atenção, assim como escutais o murmúrio do vento entre as folhas, se escutardes com todo o vosso ser, (…) vosso coração e vossa mente, então talvez possamos estabelecer entre nós um estado de comunicação. Teremos então a possibilidade de entender-nos mutuamente, de maneira muito simples e direta. (…) (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 13)

Em geral nós escutamos de maneira casual, ouvindo apenas o que desejamos ouvir, não damos atenção ao que é penetrante ou perturbador e prestamos ouvido unicamente às coisas que nos são agradáveis, que nos satisfazem. (…) É uma verdadeira arte o escutar sem preconceito, sem (…) defesas, (…) pôr de parte todos os nossos conhecimentos adquiridos, nossas idiossincrasias e pontos de vista, com o intuito de descobrir a verdade contida em cada questão. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 5)

Em regra, escutamos porque desejamos que nos digam o que devemos fazer, ou a fim de nos ajustarmos a dado padrão, ou, ainda, escutamos com o simples intuito de colher mais conhecimentos. Se aqui estamos com tal atitude, nesse caso o “processo” de escutar terá pouco valor (…) (O Homem Livre, pág. 153)

Não sabemos escutar para descobrir o que é; queremos impingir a outro as nossas idéias e opiniões, forçar o outro no molde do nosso pensamento. Nossos pensamentos e juízos são muito mais importantes, para nós, do que o descobrimento do que é. (…) Para escutar, devemos estar livres. (…) Devemos estar livres para ficarmos silenciosos, porque só então há possibilidade de escutar. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 243-244)

Pode-se dizer que, em geral, não escutamos; ouvimos uma grande quantidade de palavras, interpretando o que ouvimos com nossas opiniões, rejeitando-o ou aceitando-o. Mas, por “escutar” eu entendo: escutar realmente, sem tradução, sem interpretação, sem opinião; escutar (…) sem espírito de condenação - o que não significa necessariamente “aceitação”. Ao contrário, (…) fazemo-lo, com efeito, com um sentimento de afeição e amor; por que, sem atenção e interesse não é possível escutar coisa alguma. (…) (A Essência da Maturidade, pág. 61)

Ora, pode-se ouvir de diferentes maneiras. Podemos ouvir, procurando interpretar o que o outro está dizendo, ou comparando o que se está dizendo com o que já sabemos. Podeis ouvir com todas as reações de vossa memória ativa. Mas só há uma única maneira de escutar realmente, que é escutar sem a “tagarelice” de nosso próprio pensamento. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 13)

Não sei se já experimentastes escutar simplesmente uma coisa agradável ou desagradável, sem “projetardes” o vosso próprio processo de pensar. (…) Assim, talvez possais (…) escutar simplesmente, sem concordar nem discordar do que se diz, sem “projetar” vossas próprias idéias ou interpretações - mas sem que com isso estejais sendo hipnotizados. Pelo contrário, o escutar exige atenção completa.

Mas atenção não é concentração. Concentrar-se é enfocar, excluir, e nessa exclusão cria uma barreira ao escutar. (…) Quando escutais com naturalidade e calma, sem exclusão, estais escutando tudo, não apenas as palavras, e estais também cônscios de vossas próprias e interiores reações. As palavras são então o meio de abrir a porta através da qual podeis olhar a vós mesmos. (Idem, pág. 13-14)

Não sei se alguma vez já observastes - quando estais a ouvir alguém que conheceis há muitos anos, com quem tendes certa familiaridade - o pouco que escutais. Já sabeis o que a pessoa vai dizer. Já tendes opinião formada, (…) certas conclusões, imagens, que impedem o verdadeiro escutar.

Penso que, se soubésseis escutar (…) também tudo o que vos cerca na vida diária; (…) todos os barulhos, o incessante tagarelar de vosso amigo, (…) esposa ou marido, as murmurações de vossa mente, o monólogo que ela entretém continuamente, sem condenar nem justificar, (…) esse escutar traria uma ação bem diferente da ação do pensamento calculista e disciplinado. (A Importância da Transformação, pág. 46)

Vede, por favor, que vós e eu estamos aprendendo juntos; e, para aprender, é necessário escutar. Escutar é aprender. (…) Escutar é ação. Se vós e eu soubéssemos escutar os sucessos humanos, tudo o que está ocorrendo no mundo, as filosofias, os dogmatismos, (…) a televisão - se tudo soubermos escutar, então o próprio ato de escutar se tornará ação; e nisso consiste, a meu ver, a arte de escutar.

Se sabeis escutar o trem que passa, (…) vosso vizinho, o rádio, a vós mesmos; (…) o sofrimento, a confusão, o enorme conflito entre os homens (…) então, talvez, esse próprio escutar será ação. E é disso que necessitamos: ação. Mas, para agir, necessitamos de simplicidade (…) A simplicidade nasce da alta sensibilidade e da compreensão do sofrimento. (O Descobrimento do Amor, pág. 153-154)

Não é importante descobrir a maneira de escutar? Parece que, em geral, não escutamos coisa alguma. Escutamos por detrás de várias cortinas de preconceitos, examinando o que se diz como hinduísta, (…) muçulmano, (…) cristão, com uma opinião já formada. Não ouvimos livremente, calmamente e em silêncio. Ouvimos com a intenção de concordar ou discordar, ou (…) predispostos à argumentação; não ouvimos com o propósito de descobrir. A mim me parece importantíssimo saber ouvir, (…) ler, ver, observar. (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 115)

Temos tantos preconceitos, conclusões e opiniões, temos conhecimentos acerca de tantos assuntos, os quais obviamente impedem a percepção. Quero saber o que você está falando a respeito. Devo escutar, e escutar implica que não deve haver interpretação, mas que devo realmente escutar. Isso implica que, enquanto eu estiver escutando, não deve haver comparação com aquilo que anteriormente aprendi, porque você pode estar dizendo alguma coisa inteiramente diferente. (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 85)

Então, eu devo ter a capacidade e a arte de escutar, senão eu não posso entender o que você está falando sobre o assunto. Da mesma forma, deve-se observar claramente o que está ocorrendo externa e internamente, sem nenhuma imagem; é isso possível? Significa observar realmente, sem condicionamento, não como um cristão, um comunista, um hippie, um quadrado e tudo o mais; escutar tão completamente que se possa ver sem distorção alguma. É isso possível? (Idem, pág. 85)

Se escutastes tudo isso realmente, vereis que vem um despertar e, observareis então que vossa mente é purificada pelo extraordinário milagre que se opera quando escutamos uma coisa que é um fato. Escutando o fato, sem resistência, tereis uma mente nova, (…) não mais enredada nas conclusões do passado, (…) sem temor. Estando só, essa mente é o eterno, o real, porque a verdade está só, a cada momento. (…) Só a mente que está só, purificada, sozinha, pode ver a verdade (…) (Visão da Realidade, pág. 169)

Posso garantir-vos que temos possibilidade de livrar-nos da velha “fita”, da velha maneira de pensar, de sentir, de reagir, dos inúmeros hábitos que adquirimos. Isso é possível quando se presta realmente atenção. Se a coisa que estamos escutando é, para nós, verdadeiramente séria, (…) então haveremos de escutar de tal maneira que o próprio ato de escutar apagará tudo o que é velho. Experimentai isso (…) (A Questão do Impossível, pág. 14)

Senhores, quando falo de influência, refiro-me a todas as qualidades de influência, e não a uma determinada influência. Ao escutarmos, temos de estar intensamente cônscios, para não nos deixarmos influenciar, nem conduzir. (…) Mas, (…) se puderdes escutar um fato sem resistência, seja uma coisa dita por vossa mulher, (…) filho, por um carregador, seja (…) deste orador, descobrireis então por vós mesmos que podeis ultrapassar toda influência, que podeis livrar-vos completamente dessa destrutiva influência da sociedade. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 136-137)

Nessas condições, poderia uma pessoa escutar sem nenhum preconceito, nenhuma conclusão, sem interpretação? Porque, é bastante evidente, nosso pensar é condicionado (…) Estamos condicionados como hinduístas, comunistas ou cristãos, e tudo o que escutamos, seja novo, seja velho, é sempre apreendido através da cortina desse condicionamento; por conseguinte, nunca, nunca conseguimos chegar-nos a um problema com a mente nova. Por essa razão, torna-se importantíssimo saber escutar. É bem clara a necessidade de uma revolução total no indivíduo; (…) (Visão da Realidade, pág. 138-139)

(…) Vós escutais de dentro da vossa experiência: tendes conclusões, passastes por experiências inumeráveis, provações, sofrimento, aflições, e é com esse fundo que estais escutando; estais escutando com uma conclusão. Isso é escutar? Se escuto o que dizeis, que talvez seja novo, diferente, com a mente já entrincheirada em certa ideologia, (…) experiência, num conhecimento específico, pode a minha mente escutar? (…) Há, pois, uma arte de escutar, e eu acho essa arte muito importante (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 115)

(…) A mente condicionada não pode escutar, não é livre para escutar. Mas se fordes capazes de escutar de maneira total, creio que se verificará então uma revolução fundamental, não produzida por nenhuma ação do “eu”, a qual, por conseguinte, será uma verdadeira transformação. (…) (Viver sem Temor, pág. 18)

Ora, quando escutamos - e isso é uma verdadeira arte - é necessária certa tranqüilidade do intelecto. Como acontece com a maioria de nós, o intelecto está incessantemente ativo, sempre a reagir ao desafio de uma palavra, idéia ou imagem; e esse constante processo de reação e desafio não produz compreensão. (…) (O Passo Decisivo, pág. 200)

Escutar, se posso dizê-lo, não é processo de concordar, condenar, interpretar, mas, sim, de olhar cada fato totalmente, globalmente. Para isso, o intelecto deve estar quieto, porém muito vivo, capaz de seguir (o que se diz) correta e racionalmente, não sentimental ou emocionalmente. Só então é possível considerar os problemas da existência humana como um processo total, e não fragmentariamente. (Idem, pág. 200)

Há o ouvir e o escutar. Quando você ouve, concorda ou discorda, e diz: “eu concordo com ele, (…) gosto ou não gosto, ele é convincente ou não é convincente”. Mas, quando você está realmente escutando - isto é, dando sua completa atenção - o que acontece? O que ocorre (…), sendo a atenção sua mente, coração, nervos, corpo, tudo (…) escutando? Sua mente está completamente quieta? (Talks and Dialogues, Sidney, Austrália, 1970, pág. 123)

Não argüindo concordando, discordando, opondo ou formando nenhuma opinião. É um ato de completo escutar. Nesse ato de escutar há comunhão real, não há? Comunhão no sentido de completo relacionamento. Não há desentendimento. (…) Nunca damos nossa total atenção a coisa alguma. Mas apenas aprendemos o que é se concentrar. Concentração significa exclusão. Por conseguinte, concentração não é atenção. Na atenção não há fronteiras. (Idem, pág. 123)

Não sei se alguma vez examinastes a maneira como escutais (…) Quando tentamos escutar, (…) estamos sempre a projetar nossas opiniões e idéias, (…) preconceitos, nosso fundo, (…) inclinações, (…) impulsos; (…) Só se pode escutar quando nos achamos num estado de atenção, (…) silêncio, em que todo aquele fundo está em suspenso, quieto; então há possibilidade de comunicação. (Como Viver neste Mundo, pág. 8)

Há várias coisas a considerar. Se escutais com o fundo ou com a imagem que formastes do orador, se o escutais atribuindo-lhe certa autoridade (…) então é bem evidente que não estais escutando. Estais escutando a “projeção” que à vossa frente colocastes, e esta vos impede de escutar. Assim (…) é impossível a comunicação. (…) (Idem, pág. 8)

Nessas condições, se sabeis escutar, (…) quando compreendemos o condicionamento da nossa mente - então a compreensão mesma do nosso condicionamento liberta a mente. Percebei claramente que sois um hinduísta (…) Assim sendo, só é possível escutar e estudar o problema de maneira correta quando a mente é capaz de operar sem estar ancorada em algum fundo de conhecimento ou experiência (background) (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 11)

A mente, pois, tem de estar livre, fantasticamente livre, dos interesses de “eu” e das âncoras do conhecimento, para que possa observar o problema e, desse modo, produzir uma revolução total. (Idem, pág. 11)

(…) Nessas condições, pois, se pudermos discutir serenamente, sem nos bombardearmos mutuamente com idéias, examinando cada problema meticulosamente, com sensatez, inteligência, vereis que, sem necessidade de esforço (…) ocorrerá a revolução. (O Problema da Revolução Total, pág. 12)

Talvez tenhais escutado (…) Se souberdes escutar tranqüilamente, sem esforço, sem interpretação, o que se está dizendo, e, bem assim, tudo o que vos circunda, verificareis que estais escutando não só o que está muito perto de vós, mas também coisas que estão (…) muito longe - aquilo que não tem medida, nem espaço, que não está aprisionado em palavras nem no tempo. (…) Quando a mente se acha de fato tranqüila, por estar toda enlevada pela canção do seu próprio escutar, só então desponta na existência o imensurável, o eterno. (Visão da Realidade, pág. 260)

(…)Tendes de escutar com a totalidade do vosso ser, sem esforço algum, sem luta, e com a intenção de compreender, de explorar, de descobrir, de achar realmente a Verdade ou a falsidade (…) A meu ver, tal ato de escutar é meditação. (…) (As Ilusões da Mente, pág. 37)

(…) Só podeis escutar quando vossa mente está quieta, quando não “reage” imediatamente, quando há um intervalo entre a reação e o que se ouve dizer. Então, nesse intervalo, há quietude, silêncio. Só nesse silêncio há a compreensão que não é compreensão intelectual. (…) Esse intervalo é o cérebro novo. A reação imediata é o cérebro velho (…) (O Magistério da Compreensão, pág. 10)

Fonte: Instituição Cultural Krishnamurti

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A arte da escuta atenta é bem melhor do que a leitura

Uma afirmação sempre tem endereço certo. Aqueles que querem se dirigir às massas escrevem. É assim que eles se dirigem à multidão anônima. Mas quanto mais anônima é a multidão, menos coisas podem ser ditas. E quanto mais próxima e mais conhecida for a pessoa endereçada, mais profundo pode ser o diálogo. 

Verdades mais profundas só podem ser ditas a pessoas particulares. A uma multidão, apenas coisas temporárias e simples podem ser ditas. Quanto maior a multidão, menor será a compreensão; e quanto mais desconhecida for a multidão, maior a suposição de que nada será compreendido. Assim, quanto mais uma literatura for dirigida às massas, mais simples e rasteira será. Voar muito alto não é possível com esse tipo de literatura. 

(...) Minha dificuldade é que é difícil expor a Verdade mesmo para os melhores entre nós. Para os que são menos que os melhores, para os homens comuns, nem mesmo surge a questão de expor a Verdade. Só aqueles que estão entre os poucos escolhidos podem entender assuntos mais profundos. Mas mesmo entre esses poucos escolhidos, noventa e nove entre cem não entenderão o que eu digo. Assim, não faz sentido dizer tais coisas a uma multidão, e escrever é dirigir-se a uma multidão. 

Existem também outras razões para não escrever. Acredito que quando se muda o veículo usado, o conteúdo também muda. Mudando o veículo, o assunto-tema também muda. Mudando o veículo, o assunto-tema não permanece o mesmo. O veículo impõe as suas próprias condições e altera o que é dito. 

Não é facilmente compreensível. Quando estou falando,  é um tipo de veículo. Toda a linha de comunicação é viva. O ouvinte está vivo e eu também estou vivo. Quando estou falando, o ouvinte não apenas ouve: ele também vê. A alteração das expressões de meu rosto, as mudanças repentinas refletidas em meus olhos, meus dedos se erguendo e abaixando, tudo isto é visto por ele. Não só ouve as minhas palavras: também vê o movimento dos meus lábios. Não são apenas as minhas palavras que falam. Meus lábios também falam. Meus olhos também dizem alguma coisa. Tudo isso é assimilado pelo ouvinte. Na mente de um ouvinte, o conteúdo do que eu disse será diferente do que a mente de um leitor, porque tudo isso irá fazer parte dele. 

Quando alguém lê um livro, no meu lugar existem apenas letras e tintas pretas; nada mais. Eu e a tinta preta não somos equivalentes. Não existe dar e receber. Na tinta preta jamais aparecem gestos ou mudanças de expressão, jamais se criam cenas e quadros. Não existe vida; é uma mensagem morta. Quando alguém lê um livro, uma parte bastante significativa da mensagem que permanece viva enquanto estou falando, se perde. Nas mãos do leitor encontram-se apenas afirmações mortas. 

É interessante notar que um leitor pode ser menos atento do que um ouvinte. Quando alguém está ouvindo, o seu grau de atenção é muito maior do que quando lê. Enquanto se ouve, é preciso toda a atenção e concentração, porque o que foi dito não será repetido. Você não pode rever as partes não entendidas ou parcialmente entendidas; elas se perderam. A cada momento que estou falando, o que é dito perde-se num abismo infinito. Se você captou, captou. Se não, aquilo vai embora e não volta mais. 

Enquanto se lê um livro essa apreensão não existe, porque você pode ler reler as mesmas páginas quantas vezes quiser. Portanto, não é necessário estar muito atento enquanto lê. É por isso que as palavras começaram a ser escritas no dia em que a atenção diminuiu. Tinha de ser assim. 

lendo um livro, se você não entendeu alguma coisa, pode voltar as páginas e reler. Mas quando falo, não é possível voltar atrás. O que se deixou passar, perdeu-se. O conhecimento daquilo que é falado  perde-se para sempre quando se deixa passar e não pode ser repetido. Isso mantém a sua atenção ao máximo. Ajuda-o a manter a sua consciência a um máximo de alerta. Quando você lê devagar, se deixa passar alguma coisa não há prejuízo; pode ler outra vez. Com um livro, a compreensão é menor e a necessidade de repetir aumenta. Conforme a atenção diminui, a compreensão também diminui. 

Por isso, não foi sem razão que Buda, Mahavir e Jesus, todos preferiram falar para transmitir suas mensagens. Poderiam ter escrito, mas preferiram este veículo. Fizeram-no por duas razões: uma, porque a palavra falada é um veículo mais abrangente; pode-se dizer mais. Existem muitas coisas ligadas às palavras que se perdem na linguagem escrita. 

(...) Até agora não fomos capazes de descobrir como dar ênfase às palavras escritas. Se eu quero enfatizar alguma coisa quando falo, posso falar um pouco mais alto. Posso alterar as nuanças da minha voz; então a ênfase é transmitida. Mas com as palavras de um livro isso não acontece. As palavras estão mortas. Num livro, a palavra 'amor' é amor, tenha ela sido escrita por alguém que esteja ou não amando, por alguém que viva o amor ou nem mesmo saiba o que é o amor. Não existem nuanças, ritmo, ondas ou vibrações. As palavras estão mortas. 

(...) Sempre que alguém fala, cria imediatamente uma espécie de afinação, um contato com o ouvinte. A alma do orador aproxima-se logo da alma do ouvinte. As portas se abrem; as defesas do ouvinte começam a se relaxar. 

Quando você está ouvindo, se estiver bastante atento, o seu pensamento terá de parar. Quanto maior for a sua atenção ao ouvir, menos você pensará. As suas portas se abrem, você se torna mais receptivo ao outro. Agora, alguma coisa poderá entrar diretamente, sem obstruções; você e o orador tornam-se conhecidos um para o outro. Num sentido mais profundo, estabelece-se um relacionamento harmônico. A voz vem de fora e, ao mesmo tempo, ecoa profundamente dentro do ouvinte. 

Tal relacionamento não pode ser estabelecido quando se está lendo, porque o escritor está ausente. Ao ler, quando você não entende automaticamente alguma coisa, tem de fazer um esforço para entender. Mas ouvindo, você compreende sem esforço. 

Quando você lê um livro baseado no que eu falei, o qual tenha sido transmitido literalmente, acaba se esquecendo de que está lendo porque me conhece. Depois de alguns momentos, sente que não está lendo — mas sim ouvindo. Mas se as palavras forem mudadas e na redação o estilo for levemente alterado, o ritmo e a harmonia se quebrarão. Quando aqueles que já me ouvirão falar uma vez lerem as minhas palavras faladas, a leitura será a mesma coisa do que me ouvir. Mas existem diferenças porque, ainda assim, a mudança de veículo altera a intenção do que foi dito.

O S H O 

sábado, 22 de novembro de 2014

Escuta atenta é ir além dos limites das palavras

O que estou dizendo não é exatamente uma doutrina. Ao contrário, não estou transmitindo nada a seu intelecto, mas estou tentando fazer alguma coisa vibrar em sua intuição. Não é uma comunicação verbal. Ao lado da comunicação verbal, algo maior e mais profundo acontece entre eu e você: O NÃO-VERBAL. O dito não é a coisa real, e sim o NÃO-DITO, as pausas, os intervalos. Se você ouvir apenas minhas palavras, também estará perdendo o significado do que digo, que está mais nas pausas, nos silêncios. Por isso, você não tem que ouvir apenas as minhas palavras, mas também o silêncio que envolve as palavras. Isso só é possível numa profunda confiança e amor. 

Apenas o silêncio também não serve. O silêncio é o primeiro requisito: ouvir meditativa e conscientemente; mas apenas isso não resolve. Você tem que ouvir com enorme confiança, amor e simpatia. Tem que participar comigo, pois o que estou dizendo não são silogismos ou afirmações lógicas. É uma canção, não um silogismo. Não é lógica, mas amor, o que estou derramando sobre vocês. Uma palavra bem ouvida, ou mesmo um momento de silêncio, pode levá-lo a um voo infinito. 

Se você ouvir bem, o que estou dizendo não é uma filosofia, nem um dogma ou doutrina. Não estou tentando convencê-lo de nada; não sou absolutamente um professor. Meu trabalho é totalmente diferente, qualitativamente diferente. Todo esforço aqui é para que eu possa entrar em contato com a essência do seu ser. As palavras são usadas como um truque, uma ponte. Mas você não deve dar muita importância às palavras. Vá mais fundo, olhe os gestos. O que eu digo tem que ser ouvido, mas o que é deixado sem dizer tem que provocar uma VIBRAÇÃO em seu ser. Falo para criar ONDAS em sua consciência. As palavras estão sendo usadas como pedrinhas jogadas num lago, provocando ondas. Sua consciência está profundamente adormecida, por isso quero criar ondas, para que a vida volte à você, para que você comece a fluir, e uma dança interior se inicie... E tudo o que digo nunca é completo; não pode ser, por sua própria natureza. 

(...) Tudo o que digo nunca está completo. É apenas uma indicação, uma empurradela, um dedo apontado para a lua. Esqueça o dedo e olhe para a lua; lá está a mensagem. Ela não está no dedo. Minhas palavra são indicadores do SILÊNCIO SEM PALAVRAS... e eu apenas começo, vocês completam. 

Por isso muitas pessoas que se acostumaram demais com a lógica se sentem um pouco atordoadas comigo, perdidas... Elas sentem que eu nunca completo nada, que as conduzo a um caminho, mas nunca chego a conclusões, que começo alguma coisa e sempre paro no meio. E isso é verdade, pois não quero destruir sua criatividade. Eu gostaria de participar com vocês, ajudá-los a serem criativos. Não posso fazer o trabalho por vocês; isso não seria amigável nem compassivo. Posso começar, cantar uma canção, e vocês continuam cantando e completam a canção. 

O S H O 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Sem escuta não há visão intuitiva

K: Nós estamos falando a respeito da visão intuitiva, ou seja, que a visão intuitiva não tem tempo. A visão intuitiva não é o produto do tempo, sendo o tempo a memória, etc. Existe então a visão intuitiva; essa visão intuitiva, por estar livre do tempo, atua sobre a memória, age sobre o pensamento. Ou seja, a visão intuitiva torna o pensamento racional, mas não o pensamento que está baseado na memória. Então, que diabo é esse pensamento?

Não. Espere um minuto. Não creio absolutamente que o pensamento apareça. Dissemos que a visão intuitiva passa a existir quando não existe o tempo. O pensamento — que está baseado na memória, na experiência e no conhecimento — é o movimento do tempo no aspecto da transformação. Estamos nos referindo ao tempo psicológico e não ao tempo cronológico. Estamos dizendo que ficar livre do tempo implica a visão intuitiva. A visão intuitiva, por estar livre do tempo, não possui pensamento.

DB: Dissemos que ela poderá usar o pensamento.

K: Espere, não tenho certeza. Vá devagar. Ela poderá usar o pensamento para dar explicações, mas ela age. Antes, a ação estava baseada no pensamento. Agora, quando existe visão intuitiva, há somente ação. Por que queremos o pensamento? Porque a visão intuitiva é racional, a ação é racional. A ação se torna irracional quando ela está atuando a partir do pensamento. Portanto, a visão intuitiva não usa o pensamento.

DB: Bem, temos que tornar isso claro porque numa certa área a visão intuitiva tem que usar o pensamento... Se, por exemplo, você quisesse construir alguma coisa, usaria o pensamento referente à sua execução que está disponível.

K: Isso, porém, não é visão intuitiva.

DB: Mas mesmo assim, talvez você tenha que ter visão intuitiva nessa área.

K: Uma visão intuitiva parcial. Os cientistas, os pintores, os arquitetos, os médicos, os artistas e outros têm uma visão intuitiva parcial. Estamos falando, porém, de "X" e de "Y", que estão procurando a base; estão se tornando racionais, e estamos dizendo que a visão intuitiva não possui tempo, e portanto não possui pensamentos, e essa visão intuitiva é ação. Como essa visão intuitiva é racional, a ação é racional. Desculpe-me, não estou fazendo de mim um exemplo; estou falando com toda humildade. Aquele menino, aquele rapaz dissolveu em 1929 a Ordem da Estrela. Não houve pensamento. As pessoas disseram: "Faça isso", "Não faça aquilo", "Mantenha-a", "Não a mantenha". Ele teve uma visão intuitiva; dissolveu-a. Acabou! Por que precisamos do pensamento?

DB: Mas depois você usou algum pensamento, quando dissolveu a Ordem, para dizer quando fazê-lo e como fazê-lo.

K: Essa palavra é usada por mera conveniência, para a comunicação com outras pessoas.

DB: Ainda assim, foi necessário algum pensamento. 

K: A decisão age.

DB: Não estava me referindo à decisão. A ação original não exigiu o pensamento; somente a que veio depois.

K: Isso não é nada. É como levar uma almofada daqui para ali.

DB: Sim, eu entendo. A fonte original de ação então não envolve o pensamento.

K: Isso é tudo que eu queria dizer.

DB: Mas de certo modo ela se infiltra no ...

K: ... é como uma onda.

I: Todos os pensamentos não passam por uma transformação nesse processo?

K: Sim, naturalmente. Como a visão intuitiva não possui tempo, conseqüentemente o próprio cérebro passou por uma mudança.

DB: Sim, mas poderíamos falar sobre o que você quer dizer com isso?

K: Isso quer dizer que todas as respostas humanas devem ser percebidas pela visão intuitiva ou devem penetrá-la? Eu lhe direi o que quero dizer com isso. Sou ciumento. Existe uma visão intuitiva que cobrirá todo o campo do ciúme e desse modo acabará com ele? Que acabará com a inveja, a ganância, e com tudo que está envolvido no ciúme? Entende? As pessoas irracionais caminham passo a passo — livram-se do ciúme, livram-se do apego, livram-se da raiva, livram-se disso, daquilo, e daquilo outro, o que representa um processo constante de transformação — certo? Mas a visão intuitiva, que é totalmente racional, extermina tudo isso.

DB: Exatamente.

K: Isso é um fato? Um fato, no sentido de que "X" e "Y" nunca mais serão ciumentos; nunca!

DB: Temos de discutir isso, porque não está claro como você poderia garanti-lo.

K: Oh, sim, eu o garantirei com certeza!

DB: Se isso puder alcançar aqueles que são capazes de escutar...

K: O que significa que para encontrarmos a base, a primeira coisa que temos de fazer é escutar.

DB: Entenda, os cientistas nem sempre podem escutar. Até Einstein e Bohr não foram capazes, num certo ponto, de escutarem um ao outro. Cada um estava apegado à sua visão particular.

K: Eles colocaram sua irracionalidade em funcionamento.

8 de abril de 1980, Ojai, Califórnia
Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Sobre a necessidade da mente ser purgada e purificada

Observando-se os fatos de cada dia, torna-se bem evidente que, com o próprio esforço para resolvermos os numerosos problemas que nos assediam, só produzimos mais problema; e parece-me, também, que enquanto não compreendermos os processos do pensamento e, por conseguinte estivermos impossibilitados de purificar a mente, nossos problemas irão inevitavelmente crescendo e se multiplicando. Embora cada um possa dizê-lo de modo diferente, toda pessoa inteligente está bem cônscia de que a mente tem de ser purificada; e, para o expressarmos com toda a simplicidade, o que daí decorre é que, enquanto o instrumento com que o homem opera — a mente — não estiver esclarecido, desapaixonado, livre do "eu" com seus inumeráveis preconceitos e temores, tanto conscientes como inconscientes — enquanto a mente não for expurgada de tudo isso, nossos problemas aumentarão sempre. Todos sabemos disso, e toda religião de certa importância o afirma, de diferentes maneiras. Entretanto, porque razão nunca parecemos capazes de purificar a nossa mente? É porque não existem sistemas suficientes, ou porque o verdadeiro sistema ainda não foi inventado ou colocado em prática? Ou é porque nem método nem sistema algum pode produzir essa purificação? Cero, todos os sistemas e métodos geram tradições, produtivas ou mediocridade mental; e uma mente medíocre, em face de um problema importante, inevitavelmente o traduzirá em conformidade com seu condicionamento. 

Isto é, para lidar com qualquer problema importante, humano, percebemos a necessidade de uma mente que esteja esclarecida, purificada de todos os seus preconceitos e dizemos que, para purificarmos a mente, necessitamos de um sistema, um método, uma prática; mas se estamos realmente atentos, percebemos que no próprio praticar de um sistema a mente se deixa prender por ele e, por conseguinte, não pode libertar-se, expurgar-se, purificar-se. Dependente do sistema, a mente traduz o desafio ou a ele corresponde em conformidade com esse condicionamento. Isto também é bastante óbvio, se o examinar. 

Temos muitos problemas, em todos os níveis de nossa existência e, para corresponder a esses problemas, a mente tem de ser nova, ardorosa, vigilante. Para produzir essa mente esclarecida, nova, purificada, dizemos ser necessária a prática de um sistema; mas sabemos que no próprio praticar de um sistema, a mente se torna tortuosa, limitada e pervertida. É óbvio, portanto, que os sistemas não libertam a mente, e penso que esse fato deve ser compreendido perfeitamente, antes de podermos entrar mais fundo na questão que desejo apreciar nesta tarde. 

Em geral, pensamos que um sistema ou um método, uma prática, libertará a mente ou a ajudará a pensar com clareza. Mas pode qualquer espécie de sistema ajudar a mente a pensar com toda a clareza, sem tendências, livre do centro do "eu", do "ego"? A prática de um sistema não robustece o "eu"? Embora se suponha que o sistema lhe ajudará a libertar-se do "eu", do "ego", ou qualquer termos que você preferir, para designar essa atividade egocêntrica da mente, a própria prática de um sistema não acentua o egocentrismo, embora num plano diferente? 

Está visto, pois, que a mente nunca pode ser libertada por um sistema. Entretanto a nossa mente em geral, está enredada em algum sistema, que é a rotina tradicional, e isso invariavelmente gera mediocridade. É o que aconteceu a quase todos nós, não? A mente que funciona pela rotina dos hábitos, da tradição, antiga ou moderna, — e a isso chamamos conhecimento — defronta-se com um problema imenso, um problema em constante mutação. Pessoal ou impessoal, coletivo ou individual, não há problema estático. Mas a mente é estática, porque presa numa rotina de tradição e de hábitos, apegada a uma certa maneira de pensar; assim sendo, observa-se sempre uma contradição entre a condição estática da mente e o problema em constante mutação, em movimento constante. Essa mente é incapaz de fazer frente ao problema e resolvê-lo. 

Afinal de contas, você está atendendo os problemas como hinduísta, isto é, com a tradição da cultura hindu, exatamente como o católico ou o comunista atende a qualquer problema em conformidade com seu especial condicionamento. Entretanto, a maioria de nós concorda que a mente tem de ser purgada, purificada, para que possa enfrentar a vida, achar Deus, a Verdade, ou como você quiser chamá-lo.

(...) O problema é criado pela falta de atenção. A atenção é "o bom", mas "o bom" não pode ser cultivado pela mente — a mente condicionada pela tradição, pelo ambiente, por influências de toda ordem. O importante é possuir a capacidade de atenção, sem nada interpretar ou avaliar; mas não há possibilidade de se praticar essa atenção. Se você o fizer, irá reduzi-la ao nível da mediocridade e ela se tornará mera tradição. Mas se a mente puder enfrentar o problema com atenção completa, o problema desaparecerá, porque ela será então uma entidade totalmente diferente, não mais um produto do tempo. E está é a mente capaz de receber o Eterno. 

Krishnamurti em, DA SOLIDÃO À PLENITUDE HUMANA


sábado, 28 de setembro de 2013

É preciso um profundo estado de não-saber


Jesus costumava dizer repetidas vezes a seus discípulos: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Quem tem olhos para ver, veja”. Dizia isso tantas vezes, como se pensasse que as pessoas não ti­nham ouvidos e olhos. E esta é a minha experiência também: to­das as pessoas têm olhos, mas muito poucas são capazes de ver; todas as pessoas têm ouvidos, mas é raro, raríssimo até, encon­trar alguém que seja capaz de ouvir - pois apenas ouvir as pala­vras não é ouvir, e apenas ver figuras não é ver. Se não se chegar ao significado, ao conteúdo; se não se ouvir o silêncio que é a alma das palavras, então não se está ouvindo.

É preciso escutar em profundo silêncio, em profunda agnosia. Lembre-se de Dionísio, de sua palavra agnosia: um estado de não-saber. Se você sabe, o seu próprio conhecimento já é um distúr­bio; você não pode ouvir. E por isso que os eruditos, os estudio­sos, são incapazes de ouvir: eles estão cheios demais de baboseiras. A mente deles vive tagarelando por dentro; talvez estejam reci­tando shastras, escrituras, mas isso não faz diferença; o que está acontecendo por dentro não tem valor algum.

A menos que você esteja em silêncio absoluto, sem nem mes­mo um único pensamento perturbando seu íntimo, nem uma minúscula onda no lago da consciência, você não será capaz de ouvir. E, se não puder ouvir, então tudo o que você achar que ou­viu estará errado.

Por esses motivos, Jesus foi mal compreendido, Sócrates foi mal compreendido, Buda foi mal compreendido. Eles falavam com bastante clareza. É impossível melhorar as afirmações de Só­crates — elas são muito claras, quase perfeitas, tão perfeitas quanto a linguagem permite. As afirmações de Buda são muito simples, nelas não há complexidade, mas mesmo assim surgem os mal-entendidos.

De onde surge todo esse mal-entendido? Por que todos os grandes profetas, teerthankaras, todos os grandes Mestres ilumi­nados, são mal compreendidos? Pelo simples motivo de que as pessoas não sabem ouvir. Elas têm ouvidos, por isso acreditam que são capazes de ouvir. Não são surdas, não precisam de apa­relho de audição, mas por trás de seus ouvidos há excesso de ba­rulho, e elas têm a mente ocupada tentando interpretar o que está sendo dito, para comparar, analisar, argumentar, duvidar - elas se perdem em todos esses processos.


Osho, em "Filhos do Universo: Reflexões Sobre Desiderata"

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Escutando sem a mecânica interferência do pensamento

Escutar, não é só escutar a quem fala, mas também ao próximo, a vossa esposa ou marido, a uma ave. Ver uma flor é vê-la "botanicamente" e também não botanicamente. Escutar é estar consciente da incessante propaganda da Igreja, do Estado, da Imprensa, do anunciante — é escutar tudo isso, sem se deixar influenciar em nenhum sentido. Quase todos somos muito facilmente influenciáveis; toda a nossa estrutura psicológica baseia-se na influência, na propaganda... Somos influenciados pelos alimentos ingeridos, pelo clima em que vivemos, as roupas que usamos, os livros e jornais que lemos. O rádio, a televisão, tudo nos influencia incrivelmente; e essa influencia é consciente ou inconsciente. Na América — creio — fizeram-se várias experiências com a chamada "propaganda subliminar", a qual visa diretamente ao inconsciente, sem percebimento por parte da mente consciente. Por uma fração de segundo se projeta repetidamente, na tela ou no vídeo, um anúncio que a mente consciente "não recebe", mas que é percebido e lembrado pelo inconsciente; e, em sua próxima visita a uma loja, o espectador tende a comprar o que foi anunciado.

Em verdade, somos resultado de muitas influências; e a inteligência, segundo me parece, é a faculdade que habilita a mente a estar consciente de todas as influências, ou pelo menos do maior número possível delas, e abrir caminho por entre elas, sem se emaranhar, sem se deixar deformar ou impregnar por elas. Estar constantemente consciente da influência, e sacudi-la de si — eis, no meu sentir, a verdadeira essência da inteligência.

O importante é escutar a propaganda, escutar o que estamos dizendo agora, e perceber diretamente, por si mesmo, o que é verdadeiro e o que é falso; mas isso não podeis fazer em conformidade com vossas avaliações, vossos gostos e desgostos, que são meras reações de vosso condicionamento cultural. Certo, ver verdadeiramente é ver o fato como é; e esse ver imediato, não requer tempo.

Em geral, pensamos que a compreensão vem lentamente, pela avaliação comparativa, não é verdade? Mas a compreensão é comparativa, gradual? Ou é imediata? Ora, ou compreendo uma coisa agora ou não a compreendo absolutamente. Posso dizer a mim mesmo: "Compreenderei gradualmente o que se está dizendo; essa compreensão virá futuramente, com o tempo". Mas o futuro trará compreensão? Se não há agora uma modificação radical de meu modo de observação, de minha visão das coisas, o futuro nenhum proveito trará. Se não sacudo imediatamente o meu condicionamento, os meus preconceitos, meus gostos e aversões, eles continuarão existentes amanhã.

Se me é permitido dizê-lo, penso que a mente indolente é que tem essa ideia de "gradualidade", ela que diz: "Com o tempo compreenderei, mas não agora". Não me refiro à aquisição de conhecimentos. Esta requer tempos. Dominar uma língua, estudar matemática, aprender mecânica, etc., tudo isso exige tempo. Mas, perceber o fato de se ser ávido — tudo isso é uma percepção imediata. E escutar uma coisa sem desfiguração, isso também é imediato; escutar, não apenas o orador, mas a tudo, sem interpretação, sem interferência do processo mecânico do pensamento. Se já experimentastes isto, deveis saber que é muito... Já ia empregar a palavra "difícil". Mas não é difícil, na acepção comum da palavra. Requer tremenda energia.

Para se "viver com algo" que é muito feio, morar numa rua feia, sem uma só árvore, viajar de ônibus para o escritório todos os dias, por entre o barulho, as exalações, as imundícies de uma grande cidade — para "viver com tudo isso" e não se deixar corromper nem insensibilizar, precisa-se de uma grande soma de energia. Identicamente, "o viver com algo que é muito belo", uma montanha, uma árvore, um belo rosto, sem se acostumar — isso também demanda uma grande dose de energia.

Do mesmo modo, para escutardes, para verdes sem desfiguração, necessitais de muita energia de atenção;  mas a atenção não é processo de concentração, de controlar a mente e fazê-la voltar toda vez que divaga. Não é isso, absolutamente. E espero que o muito que tenho falado a respeito disso não se esteja tornando um problema. Se se tornar um problema, por favor, largai-o das mãos. Sabe Deus quantos problemas já temos, sem acrescentar-lhes mais este.

Krishnamurti – O Homem e Seus Desejos em Conflito – 10 de junho de 1962

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O Difícil Facilitário do Verbo Ouvir

Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, é o de como o receptor, ou seja, o outro, ouve o que o emissor, ou seja, a pessoa, falou.

Numa mesma cena de telenovela, notícia de telejornal ou num simples papo ou discussão, observo que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento.

Na conversação dá-se o mesmo. Raras, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.

Diante desse quadro venho desenvolvendo uma série de observações e como ando bastante entusiasmado com a formulação delas, divido-as com o competente leitorado que, por certo, me ajudará passando-me as pesquisas que tenha a respeito.

Observe que:

1) Em geral o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está dizendo.

2) O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer ouvir.

3) O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que já escutara antes e coloca o que o outro está falando naquilo que se acostumou a ouvir.

4) O receptor não ouve o que o outro fala. Ele ouve o que imagina que o outro ia falar.

5) Numa discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando. Eles ouvem quase que só o que estão pensando para dizer em seguida.

6) O receptor não ouve o que o outro fala, Ele ouve o que gostaria ou de ouvir ou que o outro dissesse.

7) A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela ouve o que está sentindo.

8) A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando.

9) A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ela retira da fala da outra apenas as partes que tenham a ver com ela e a emocionem, agradem ou molestem.

10) A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, ela transforma o que a outra está falando em objeto de concordância ou descordância.

11) A pessoa não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.

12) A pessoa não ouve o que a outra fala. Ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam fazer sentido para as idéias e pontos de vista que no momento a estejam influenciando ou tocando mais diretamente.

Esses doze pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se comunicar! O que há, em geral, são monólogos simultâneos trocados à guisa de conversa, ou são monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que, necessariamente, haja comunicação. Pode haver até um conhecimento a dois sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os pólos ouvem-se, não, é claro, no sentido material de "escutar", mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.

Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.

Ouvir implica uma entrega ao outro, uma diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interferem como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.

Não é só a inteligência a atrapalhar a plena audiência. Outros elementos perturbam o ato de ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem a si mesmas. Elas precisam "não ouvir" porque "não ouvindo" livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem, e assim por diante. Livram-se do novo, que é saúde, mas as apavora. Não é, pois, um sólido mecanismo de defesa.

Ouvir é um grande desafio. Desafia de abertura interior; de impulso na direção do próximo, de comunhão com ele, de aceitação dele como é e como pensa. Ouvir é proeza, ouvir é raridade. Ouvir é ato de sabedoria.

Depois que a pessoa aprende a ouvir ela passa a fazer descobertas incríveis escondidas ou patentes em tudo aquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar.

Artur da Távola

terça-feira, 5 de junho de 2012

Senta ai, até ter alguma coisa relevante para dizer...

Nossa experiência tem demonstrado que para se permitir o estado de prontificação para que um novo paradigma possa se tornar manifesto em nossa mente e coração, é preciso que um colapso ocorra, que a "Síndrome de já sei tudo" e o título de "Játobão" caiam pelo chão; a capacidade de expressar a realidade emocional precisa vir à superfície... Sinceridade e silêncio!... Senão, não há como descobrir a real natureza que somos, a mensagem que carregamos conosco... É se prontificar para que ocorra uma ligação direta entre e mente e coração... Deixar as velhas falas, aprender a ver lucro onde todos veem prejuízo: falar é prata, calar é ouro. Uma mente aberta, possuí uma boca fechada e uma mente fechada mantém uma boca viciada aberta... Aqui não há mais espaço para velhas frases de impacto que não deixam Aquilo que impacta ocupar Seu devido Espaço, hoje preenchida sobre uma grossa camada de inconscientes condicionamentos... 


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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill