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quarta-feira, 28 de março de 2018

Energia, Entropia e Vida


ENERGIA, ENTROPIA E VIDA

Deshpande: Outro dia consideramos o tema “Deus”. Também discutimos a respeito da energia e você falou da energia humana e da energia cósmica. Vou expor a posição científica. Os cientistas têm medido a energia e levantaram assim uma equação: E=MC², um valor fantástico. Esta é a energia material e os biólogos também têm provado que a energia vital é anti-entrópica; isto quer dizer que enquanto a energia material se dissipa, a energia vital não. Portanto, este movimento de anti-entropia está contra o fluxo material da energia, a qual se dissipa e termina em uma inerte uniformidade. O ser humano geralmente se move com energia entrópica, e em consequência se deteriora, declina. Os cientistas têm medido inclusive a magnitude temporal desta energia. O problema é por conseguinte: Como pode o homem, sendo consciente disto, integrar-se ao movimento de energia anti-entrópica?

Krishnamurti: Pode-se ver de modo muito simples que aquilo que é mecânico se gasta passado certo tempo.

Deshpande: O que é mensurável pode ser manipulado pela mente, pelo homem; um exemplo disto é a bomba atômica. Esta energia, este movimento entrópico, hoje domina o mundo. Como escapar de suas garras?

Pupul Jayakar: Este é um ponto muito importante. Se existe um movimento de energia que não se dissipa a si mesmo, que não cessa, então — tanto do ponto de vista científico como do  humano — essa é provavelmente a resposta a todos os problemas do mundo.

Krishnamurti: O que é então que você pergunta? Pergunta como este movimento de deterioração mecânica — que pode levar um milhão ou dez milhões de anos —, como pode colocar-se fim a essa deterioração em que o homem está preso? Ou se existe um movimento contrário a esse?

Deshpande: E também, qual é a natureza desse movimento contrário.

Krishnamurti: Exponhamos outra vez essa questão, de modo simples. O homem está preso na energia material, na energia mecânica; preso pela tecnologia, pelo movimento do pensar. Compreende a chave disso?

Deshpande: Não.

Krishnamurti: Todo o campo do conhecimento tecnológico e o movimento estão dentro desse campo. Esse é o campo em que o homem vive, o qual tem uma enorme influência sobre ele; realmente se apodera dele, o absorve; os cientistas e os biólogos têm medido a energia desse movimento, e essa energia é uma energia de deterioração, de desgaste. Os cientistas também dizem que existe um movimento contrário de energia em direção oposta, que é a energia criativa; a verdadeira energia humana que é não-mecânica, não-tecnológica. Agora, qual é a pergunta?

Deshpande: Biólogos tais como Huxley, Chardin, sustentam que o homem tem evoluído desde a mais pequena das células até o momento em que aparece nele a consciência; o homem, como uma entidade, pode ser consciente de todo o processo evolutivo.

Pupul Jayakar: Disto surge outro fato muito interessante. Chardin disse que o próximo salto para adiante virá por “um processo de ver”, que é igual ao tradicional pashyanti. Penso que é importante explorar este verbo que está tão carregado de sentido tradicional na Índia.

Krishnamurti: Chegaremos a isso se podemos examinar os processos de deterioração, a energia mecânica, entrópica. Também tentamos descobrir essa energia de vida que não é energia mecânica. O que é esta energia?

Deshpande: Os biólogos dizem que está no desenvolvimento cultural, no destino do homem, não no surgimento de novas espécies.

Achyut: Esta questão enfrenta o homem em muitos níveis. Depois de que se lançaram os satélites, houve uma nova medida do cosmos. Chamamos a isso de o infinito mensurável. Mas o homem sabe também que existe o infinito imensurável. Essa percepção vem ao homem moderno quando se afasta do imediato e alcança uma compreensão, no mais alto sentido, do meio circundante.

Krishnamurti: Concordo. Eles têm medido o pensamento. Tem medido a memória.

Fritz Wilhelm: Em que sentido você entende que o pensamento é mensurável?

Krishnamurti: No sentido de que são medidos impulsos elétricos do pensamento.

Fritz Wilhelm: O pensamento é a medida da entropia.

Pupul Jayakar: Só pode medir-se o que tem um começo e um fim.

Krishnamurti: Há, pois um movimento que finalmente, em sua própria ação motriz, conduz à deterioração.

Fritz Wilhelm: Também conduz à radiação e nisso está o final da entropia. Há esses dois movimentos; o movimento mecânico, e o anti-mecânico.

Achyut: O enfoque do biológico é muito tentador quando chega à consciência. Toda vez que fala da energia da vida, não o faz com a mesma precisão de quando fala do outro. Há um reconhecimento de que o anti-entrópico é o desconhecido, o indefinível. Depois de ter dito que existe “o outro”, “o outro” segue sendo o desconhecido.

Deshpande: Um fato é certo. Que a energia da vida não se move na mesma direção que a energia entrópica.

Achyut: Tomemos o movimento da energia vital como algo desconhecido para nós. Não podemos manipulá-la. Na medida em que o homem se torna consciente de todo o processo evolutivo em si mesmo, se torna perceptivo com relação à consciência.

Pupul Jayakar: Eu penso que estamos girando em círculos. O observável é que o homem nasce, vive e morre. O fenômeno de um movimento cíclico de começo e fim da energia é visível e está profundamente arraigado em nossa consciência — a coisa que aparece e desaparece, as duas manifestações da energia. Há, por acaso, uma energia que não tenha que ver com a aparição e a desaparição?

Krishnamurti: É a mesma coisa. Aceitamos isto de que há um começo e um final da energia?

Fritz Wilhelm: Os indivíduos podem começar e terminar, mas não a vida. Ela cria.

Krishnamurti: Não introduza ainda ao indivíduo. Há um movimento da energia que é mecânico, que é mensurável, que pode terminar, e há a energia da vida que não se pode manipular, que prossegue infinitamente. Vemos que em um caso há desgaste de energia e que no outro não há.

Fritz Wilhelm: Eu não vejo o outro como um fato.

Krishnamurti: Muito bem. Vejamos o movimento da energia que pode alcançar uma altura e logo declina. Existe alguma outra forma de energia que nunca pode terminar, que não tem relação com a energia que começa, continua e se murcha?Como averiguaremos? Entenderam? Qual é a energia que decai?

Pupul Jayakar: É a energia material que decai. Por quê? Pela fricção?

Krishnamurti: Investiguemos isso. Qualquer energia que encontra resistência se desgasta. Tome um automóvel subindo a colina, sem poder suficiente para fazê-lo; a energia gerada pelo motor se esgotará. Existe uma energia que possa não se esgotar jamais, seja que você vá costa acima, costa abaixo, paralelo, vertical? Existe uma energia que em si mesma não tenha fricção, e que se encontra resistência não reconhece a resistência, não reconhece a fricção?

Há nisso outro fator. A energia também surge através da resistência, da manipulação.

Pupul Jayakar: No momento em que a energia cristaliza...

Krishnamurti: Não diga isso.

Pupul Jayakar: Por que, senhor? O organismo humano é uma cristalização.

Krishnamurti: O organismo humano é um campo de energia, mas não use a palavra cristalização.

Estou levando isto de modo muito simples. Existe a energia que encontra resistência e se desgasta. Nesse campo total há a energia produzida mediante a resistência, o conflito, a violência, mediante o crescimento e a decadência, através do processo de tempo... Agora, pergunto: há alguma outra energia que não seja do tempo, que não pertença a este campo?

Achyut: A tradição chama essa energia de “a flecha atemporal”.

Fritz Wilhelm: Você pergunta se existe uma energia que seja irresistível, não é isso?

Krishnamurti: Não. Eu só conheço a energia que se acha no campo do tempo. Pode ter uma extensão de dez milhões de anos, mas ainda segue estando no campo do tempo. Isso é tudo quanto nós, os seres humanos, conhecemos. E como seres humanos, estamos investigando se existe uma energia que não esteja no campo do tempo.

Fritz Wilhelm: Você quer dizer, uma energia que não experimenta nenhuma transformação?

Krishnamurti: Olhe, eu conheço a energia, a causa da energia, o cessar da energia. Conheço a energia como o resultado de vencer a resistência, conheço a energia da dor, a energia do conflito, da esperança, do desespero; todas estão no campo do tempo. E essa é a totalidade da minha consciência. Então, pergunto: existe uma energia que não esteja sujeita ao tempo, uma energia que não se encontre, absolutamente, dentro do campo do tempo? Existe uma energia que possa passar pelo campo do tempo sem que o tempo lhe afete? Isso é muito interessante; o homem deve ter se feito essa pergunta por séculos, e ao não pode achar uma resposta, criou um Deus e o situou fora do campo do tempo. (Pausa).

Mas colocar Deus fora do campo do tempo é invocar a um Deus dentro do campo do tempo. E, portanto, Tudo isto é parte da consciência. E isso se deteriora. Se deteriora — se é que posso utilizar essa palavra — porque pertence ao tempo, porque é divisível. E minha mente, que é divisível, desejando achar uma energia atemporal, procede a formular uma energia a qual chama de Deus e adora isso. Tudo isso está no campo do tempo.

Pergunto, então: existe alguma outra energia que não seja do tempo? Compreende?

Deshpande: Sim.

Krishnamurti: Como descubro isso? Descarto a Deus, porque Deus está dentro do campo do tempo. Descarto o Eu Superior, o Atman, o Brahman, a alma, o céu, porque tudo isso se acha no campo do tempo. Agora, pergunto: existe uma energia que seja atemporal? Sim, senhor, existe. Vamos investigar?

Deshpande: Sim, senhor.

Krishnamurti: Como descubro isso? A consciência deve esvaziar a si mesma de seu conteúdo, não é assim? O conteúdo que o tempo tem criado e que eu chamo de consciência.

Deshpande: A questão é que se o tempo é a consciência, então, tem que haver alguma outra coisa.

Krishnamurti: Espere. O conteúdo constitui a consciência; de outro modo não há consciência.

Pupul Jayakar: Posso perguntar algo? O vazio total da consciência, não é o mesmo que ver a totalidade da consciência?

Krishnamurti: Sim, o é. Estou de acordo. Não creio que tenha me expressado com clareza. Há o fato do total esvaziamento da consciência e existe o outro fato, que é o de ver com a totalidade, com todo o conteúdo. Ver o campo do tempo como um estado normal, ver todo o campo do tempo. Bem, agora, o que significa esse ver?

Esse ver é diferente do campo do tempo? Ou esse ver se separou do campo do tempo e então pensa que é livre e que olha no campo do tempo, e a isso é o que chamamos de percepção?

Deshpande: Correto, senhor. Essa percepção pressupõem um percebedor.

Krishnamurti: Voltamos a mesma coisa. Surge, então, a pergunta: o que é o ver total? Eu vejo logicamente, verbalmente; compreendo toda a consciência do homem, a totalidade dela. Essa totalidade é o conteúdo da consciência, que tem sido acumulado através do tempo — que é a cultura, a religião, o conhecimento. Seja que se contraia ou se expanda, esse conteúdo segue estando no campo do tempo. Quando se expande, inclui a Deus, não-Deus, ao nacionalismo, etc. Esse é todo o movimento da consciência dentro do campo do tempo. A própria consciência é tempo. O que você diz, Deshpande?

Deshpande: Eu não tenho outro instrumento que a consciência.

Krishnamurti: Dou-me conta disso. Vejo que a consciência é tempo porque a consciência é o conteúdo e este tem sido acumulado através de séculos e séculos.

Deshpande: A consciência é conflito, fricção.

Krishnamurti: Sabemos isso. Como minha mente pode olhar este campo total do tempo e não ser do campo? Essa é a questão. De outro modo, não posso olhar. A percepção total deve estar livre do tempo. Há uma percepção e um ver que não sejam do tempo? O que você diz?

Deshpande: Essa é a nossa pergunta.

Krishnamurti: E se não é do tempo, então, essa percepção é o movimento da vida. A própria percepção é o movimento da vida.

Deshpande: Logicamente deveria ser assim.

Achyut: Nós podemos dizer que a própria percepção é o movimento da vida? Eu não sei nada a respeito disso.

Krishnamurti: Pode minha mente, que é tempo, que é o conteúdo da consciência, pode minha mente, pertencendo completamente ao tempo, dissociar a si mesma da totalidade do campo? Ou há uma percepção que não é do tempo e, portanto, vê a totalidade?

Pupul Jayakar: Eu diria que simplesmente não posso afirmar “o outro”. Concordo com Achyut.

Achyut: No momento em que afirmo isso, isso se harmoniza com o Deus dos Upanishads. Quando posso dizer é que ao ver que toda a consciência está no campo do tempo, posso permanecer com isso. Sou “isso”.

Krishnamurti: Você é “isso”. Alguém lhe disse que esse movimento dentro do campo do tempo é mensurável e lhe pergunta se existe uma percepção — não afirma que existe ou que não existe —, pergunta-lhe se existe uma percepção que vê a totalidade da consciência, a qual é tempo. Há uma percepção assim? É uma pergunta legítima.

Pupul Jayakar: Posso dizer algo? Eu lhe vejo. Vejo esta residência. Vejo o funcionamento da minha consciência. Não há mais que isso. Posso vê-lo. É uma coisa concreta. O ver é concreto.

Krishnamurti: Compreendo, Pupul. Aqui estou sentado nesta residência. Vejo o conteúdo da residência e vejo a mim mesmo nela. O “mim mesmo” é o observador, quem é consciente da residência, das proporções, do espaço da residência, e isto o vê por meio da consciência que está constituída de tempo. O observador e o observador estão no campo do tempo. Isso é tudo. Quando o observador inventa algo, isso permanece no campo do tempo. É assim que qualquer movimento está dentro desse campo. Isso é um fato. Mas, sabendo isto, vem alguém e pergunta: existe um movimento que não seja do tempo?

Compreenderam a pergunta? Pode a mente ver a si mesma como o campo do tempo? — não como o observador que vê o campo do tempo. Pode a mente por si mesma dar-se conta totalmente de que vê a consciência como tempo? Isso é bastante simples.

Pupul Jayakar: Eu não vejo isso. O que implica ver a consciência como tempo? Quando observo ao pensamento, vejo-o como algo que flui, vejo-o como um movimento; desperto a um pensamento que tem sido, depois a outro, e assim sucessivamente. E refino tudo isto e digo que há um movimento. Quando Krishnaji diz: “Perceba esta residência”, eu percebo esta residência e o funcionamento interior da minha consciência. Não há uma percepção do tempo. Isso é o presente ativo.

Krishnamurti: O que é que você quer dizer, Pupul?

Pupul Jayakar: Eu não posso aceitar a percepção da consciência como um movimento de tempo. Se não admitimos o concreto do ver, nos movemos então no campo do conceitual.

Krishnamurti: O que você diz é que quando entra nesta residência percebe o espaço, a cor, as proporções, e percebe a consciência com a mesma palpável sensação, não é verdade?

Pupul Jayakar: Quando Achyut fala e eu percebo isso; depois, conecto ambas as percepções, e o pensamento entra no tempo. Não há tempo separado da conexão.

Krishnamurti: Se há percepção não há tempo. Quando olho não há tempo.

Pupul Jayakar: Você perguntou: “você vê a consciência como o conteúdo total do tempo?” Eu questiono essa proposição. Gostaria de examiná-la sob o microscópio.

Krishnamurti: Minha mente é o resultado do tempo — a memória, a experiência, o conhecimento. Minha consciência está dentro do campo do tempo. Como posso ver que todo o conteúdo está dentro do tempo?

Pupul Jayakar: Graças a memória, ao pensamento.

Krishnamurti: Como vejo que todo o conteúdo está dentro do campo do tempo? Essa é uma conclusão que acabamos de levantar, ou é uma verdadeira percepção? Vamos devagar. Temos sustentado verbalmente que o cérebro, a mente, a totalidade disso é o resultado do tempo. Essa é uma conclusão, ou o vejo como um fato e não como uma conclusão?

Pupul Jayakar: Como você distinguiria uma coisa da outra?

Krishnamurti: Uma é uma fórmula, uma conclusão, uma declaração; a outra é algo que estou descobrindo.

Pupul Jayakar: Eu o acho muito difícil. Sabe o que você pede, senhor? Pode-se perceber uma abstração? Quando não há pensamento, “o que é” é uma abstração.

Krishnamurti: Espere, você está adiantando suas conclusões. Não se chegou a nada disso. O que você disse é sim uma abstração, uma conclusão.

Pupul Jayakar: Eu me pergunto: quando digo que a consciência é produto do tempo, se trata de uma declaração, ou isso é algo que posso ver?

Krishnamurti: É uma declaração com um significado verbal que aceito e que, portanto, se torna uma conclusão, ou é um fato tão real como esta residência, o fato de que a totalidade do meu cérebro, da minha consciência, é este enorme campo do tempo? Isso e tão concreto como isto?

Pupul Jayakar: Como pode ser isso tão concreto como o outro?

Krishnamurti: Eu lhe mostrarei em um minuto. Eu vejo que uma conclusão não é um fato, porque o pensamento tem interferido nisso e tem escutado esta declaração e a aceita, convertendo-a em uma fórmula para ficar com essa fórmula. Isso é uma abstração. Uma fórmula é uma abstração criada pelo pensamento e, por conseguinte, ela é a causa do conflito. É a própria natureza do conflito. Vejo isso claramente. Bem, agora, há uma percepção que não seja do pensamento, da mente como o campo total do tempo? As fórmulas são coisas das mais letais. Fórmulas e conceitos são produtos do pensamento e, portanto, se acham totalmente no campo do tempo.

Estou investigando este campo. Dissemos que o tempo é a consciência. O tempo é o resultado de séculos e séculos de experiência. Essa é a minha consciência, e a consciência está constituída por todo o conteúdo. Eu ouço que você afirma isso e o pensamento o recolhe e faz disso uma fórmula. Vejo que a própria fórmula está dentro do campo do tempo, que essa mesma fórmula é o fator de atrito. Portanto, nem me aproximo disso. O nego. Agora me pergunto: o neguei, ou ainda estou pensando, sentindo que o tenha negado? Estou tratando ainda de encontrar um fato que não esteja no campo do tempo? (Pausa)

Quando entro nesta residência, eu vejo. Não há um movimento do pensar. Simplesmente, vejo. Mas no instante em que o pensamento diz que há proporção, cor, beleza, nesse instante o tempo interfere. Está seguindo? Do mesmo modo, este campo total do tempo só existe quando o pensamento opera.

Estou descobrindo algo: quando o pensamento opera, deve operar no campo do tempo, deve chegar a uma conclusão, e a conclusão é parte da consciência; isso é tudo.

Agora pergunto: não há nenhum movimento do pensar, ou estou pretendendo para mim mesmo que não há movimento do pensar e que só há percepção? A mente se engana a si mesma quando diz: “Eu não tenho fórmulas”, mas está entrincheirada em fórmulas — sendo as fórmulas pensamento, o que, por sua vez, é consciência? Ou existe uma percepção que nada tem que ver com o pensamento? Eu só sei que toda a consciência está no campo do tempo e que o pensamento é consciência.

Portanto, estou investigando; não quero enganar a mim mesmo, não quero fingir que tenho algo que na realidade não tenho. Eu ouço sua afirmação: “a totalidade da consciência é tempo”. Quero averiguar se a mente — que é o resultado do tempo — aceita esta afirmação como uma fórmula e, portanto, permanece no tempo, ou se vê a verdade, o fato — sendo o fato uma percepção do movimento total do pensar.

Se a mente, ao examinar, ao investigar, aceita a afirmação como uma fórmula e diz: “sim, é bem assim”, esse “assim” é a percepção de uma conclusão, o qual é a operação do pensamento. Portanto, vejo que o tempo está operando ainda nesse sentido.

Ou é este um fato compreensível, um fato de que posso dar-me conta? Ou o pensamento está completamente ausente e só há percepção e nenhuma outra coisa? O que é que ocorre então? Nada mais pode se dizer quando não surge o pensamento.

Pupul Jayakar: O que é que você percebe nesse instante?

Krishnamurti: Nada. É logicamente correto que assim seja.

Achyut: Qualquer coisa que nós ouvimos, no instante seguinte se torna uma recordação.

Krishnamurti: Eu não me importo, absolutamente, com você. Perdoe-me. Não me preocupo se você vê ou não vê. Disse-lhe que ia investigar. Estou investigando. Você não está investigando. Você fica apenas com a fórmula. Vejo este fato. Percebo a fórmula com uma fórmula, ou percebo sem movimento do pensar, sem uma fórmula? Então Pupul me pergunta: nesse estado, o que há que se perceber? Absolutamente nada, porque aquilo não é do tempo. Esse é o fator de energia da vida.

Fritz Wilhelm: Este estado que você descreve pode ser chamado entropia do pensamento, um estado onde já não é possível nenhum movimento.

Krishnamurti: Você não está investigando.

Pupul Jayakar: Eu desejo fazer uma pergunta. Você disse que não há nada. Há movimento?

Krishnamurti: O que você entende por movimento, antes que eu diga sim ou não?

Pupul Jayakar: Daqui até ali.

Krishnamurti: Algo mensurável, comparável. Mensurável significa movimento. O movimento, quando é medido, está no campo do tempo, correto? E você me pergunta se nesse nada, nesse vazio, há movimento. Para você, o movimento é mensurável e se eu digo que há movimento, então você me dirá que isso é mensurável e que, portanto, está no tempo.

Pupul Jayakar: Há movimento no vazio.

Krishnamurti: E o que isso significa? O movimento do tempo é uma coisa e o movimento do nada, do vazio, não é do tempo e, em consequência, não é mensurável. Mas aquilo tem seu próprio movimento que você não pode compreender, a menos que deixe de se mover no tempo. E aquilo é infinito, esse movimento é infinito.

Bombaim, 11 de fevereiro de 1971
Tradição e Revolução

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Deus


DEUS

Pupul Jayakar: Krishnaji; em um nível, seu ensinamento é muito materialista, porque se nega a aceitar nada que não tenha um ponto de referência. Está baseado em “o que é”. Você inclusive tem ido tão longe como para dizer que a consciência são as células cerebrais, e que não há outra coisa. E que o pensamento é matéria, e nada mais.

Bem, agora, nestes termos, qual é a sua atitude em relação a Deus?

Krishnamurti: Eu não sei o que você entende por materialista, e o que entende por Deus.

Pupul Jayakar: Você tem dito que o pensamento é matéria, que as próprias células cerebrais são a consciência. Pois bem, estas são coisas materiais, mensuráveis, e nesse sentido, sua suposição seria parte da posição materialista, na tradição dos “Lokaiatas”. Que lugar ocupa Deus nos termos de seus ensinamentos? Deus é matéria?

Krishnamurti: Você entende claramente a palavra “material”?

Pupul Jayakar: Material é aquilo que se pode medir.

Fritz Wilhelm: Não há tal coisa como o material, Pupul.

Pupul Jayakar: O cérebro é matéria.

Fritz Wilhelm: Não, é energia. Tudo é energia, mas essa energia não é observável. Você somente pode ver os efeitos dessa energia, aos quais chama de “matéria”. Os efeitos da energia aparecem como matéria.

Deshpande: Quando ela disse matéria, provavelmente, quer dizer energia. Energia e matéria são convertíveis entre si, mas seguem sendo mensuráveis.

Krishnamurti: Isso é, você disse que a matéria é energia e que a energia é matéria. Não se pode separá-las para dizer, isto é energia pura e isto é matéria pura.

Deshpande: O material é a expressão ou aparência da energia.

Fritz Wilhelm: O que chamamos de matéria não é senão energia. Nada mais é que energia apreendida pelos sentidos da percepção. Não há tal coisa como a matéria. É só um modo de falar.

Pupul Jayakar: Você vê, Krishnaji, se investigamos qualquer aspecto de seu ensinamento, ele está baseado no observável. Os instrumentos para ouvir, para ver, estão dentro do campo da capacitação sensorial. Ainda quando você possa falar de não nomear, o que é observável, o é através dos instrumentos do ver, do escutar. Os instrumentos dos sentidos são os únicos que temos para observar.

Krishnamurti: Nós conhecemos o ver sensorial, o ouvir, o tocar sensorial, e o intelecto que é parte de toda a estrutura. Qual é agora a pergunta?

Pupul Jayakar: Nesse sentido, o ensinamento é materialista em oposição ao metafísico. Sua posição é uma posição materialista.

Fritz Wilhelm: Se se quer ater-se aos fatos, o único instrumento que temos é o cérebro. Bem, agora, é o cérebro todo, ou é um instrumento nas mãos de alguma outra coisa? Se você diz que só existe o cérebro, essa seria uma posição materialista. Se diz que o instrumento é material, então o ensinamento não é materialista.

Pupul Jayakar: A posição tântrica e d antiga alquimia são em um sentido, similares ao posicionamento de Krishnaji. Tudo tem que ser observado. Nada deve ser aceito, que não se tenha visto com os olhos do observador. Vendo isto, agora pergunto: qual é a sua visão de Deus? Eu sinto que esta é uma pergunta muito legitima.

Fritz Wilhelm: Você pode explicar o que é Deus?

Krishnamurti: O que você entende por Deus? Temos explicado a energia e a matéria, e agora você pergunta o que entendemos por Deus. Eu jamais emprego a palavra “Deus” para indicar algo que não seja Deus. O que o pensamento tem inventado não é Deus. Se ele foi inventado pelo pensamento, continua dentro do campo do tempo, dentro do campo do material.

Pupul Jayakar: O pensamento diz que eu não posso ir mais longe.

Krishnamurti: Mas ele pode inventar a Deus devido a não poder ir mais longe. O pensamento conhece suas limitações, por isso trata de inventar o ilimitado ao que chama Deus. Essa é a situação.

Pupul Jayakar: Quando o pensamento vê suas limitações, ele ainda está consciente de uma experiência que está mais além dele mesmo.

Krishnamurti: Ele inventou o pensamento. É possível ir mais além somente quando o pensamento toca a seu fim.

Pupul Jayakar: Ver as limitações do pensamento não é conhecer o pensamento.

Krishnamurti: Portanto, devemos investigar o pensamento e não a Deus.

Deshpande: Quando o pensamento vê sua própria limitação, praticamente a desmascara.

Krishnamurti: O pensamento se dá conta de que é limitado, ou é o pensador quem se dá conta de que o pensamento é limitado? Veja o ponto. É o pensador — que é produto do pensamento — quem se dá conta disso?

Pupul Jayakar: Por que você traz a distinção?

Krishnamurti: O pensamento criou o pensador. Se o pensamento não existisse, não haveria um pensador. É o pensador o que observando as limitações diz: “eu sou limitado”, ou o pensamento mesmo se dá conta de suas limitações, a qual implica em duas posições diferentes? Sejamos claros em tudo isto. Estamos explorando. Há os dois, o pensamento e o pensador; o pensador, observando o pensamento, vê mediante o raciocínio — que é o material, que é energia — que a energia é limitada. O pensador pensa isto no reino do pensamento.

Deshpande: Quando o pensador diz que o pensamento é limitado, ambos — pensamento e pensador — se tornam sinais de interrogação.

Krishnamurti: Não, ainda não. O pensamento é memória, é a resposta do conhecimento. O pensamento tem produzido esta coisa chamada o pensador. O pensador se separa então do pensamento; ao menos, pensa que está separado do pensamento. O pensador, observando o intelecto, à capacidade de raciocínio, vê que esta é muito limitada. Portanto, o pensador condena a razão; o pensador diz que o pensamento é muito limitado, o que é condenar. Então diz que deve haver algo mais que o pensamento, algo fora deste limitado campo. É isso o que fazemos. Agora tomamos as coisas tais como são. É o pensador quem pensa que o pensamento é limitado, ou o pensamento mesmo se dá conta de que é limitado? Não sei se você vê a diferença.

Fritz Wilhelm: O pensamento é anterior ao pensador.

Pupul Jayakar: O pensamento pode terminar, mas, como pode o pensamento sentir que é limitado?

Krishnamurti: Esse é o ponto. O pensador vê que é limitado, ou é o pensamento quem diz: “é impossível ir mais além”? Vê o problema?

Fritz Wilhelm: Por que você separa o pensador do pensamento? Há muitos pensamentos, entre os quais o pensador é também outro pensamento. O pensador é o que guia, o que ajuda, o que censura; ele é a coisa que mais domina.

Krishnamurti: O pensamento tem passado por tudo isto, e tem estabelecido um centro a partir do qual opera o observador; e o observador, observando o pensamento, diz que o pensamento é limitado.

Deshpande: De fato, ele só pode dizer: “não sei”.

Krishnamurti: Ele não diz isso. Você está introduzindo um fato não observável. Em primeiro lugar, o pensamento, que é a resposta do conhecimento, ainda não se deu conta de que é muito limitado. O que tem feito com o fim de ter segurança, é reunir vários pensamentos que tem se convertido no observador, o pensador, o experimentador. Então formulamos a pergunta: o pensador se dá conta de que é limitado, ou é o próprio pensamento o que se dá conta disso? Ambas as coisas são completamente diferentes.

Fritz Wilhelm: Nós só conhecemos um estado onde o pensador pensa pensamentos.

Krishnamurti: Isso é tudo o que conhecemos. Portanto, o pensador diz invariavelmente que devemos ir mais além do pensamento, e é assim que pergunta: “pode-se anular a mente? Deus existe?”

Fritz Wilhelm: Você está concedendo existência ao pensador em lugar do pensamento.

Krishnamurti: O pensador está modificando, adicionando. O pensador não é uma entidade permanente, como tampouco o pensamento o é. Mas o pensador acomoda, modifica a todo tempo; isso é importante, eu posso estar equivocado. É importante descobrir se o pensador vê que é limitado ou se é o pensamento como ideia — sendo a ideia, pensamento organizado — o tal que pensa que é limitado.

Bem, quem é o que o diz? Se o pensador diz que é limitado, então o pensador diz que deve fazer algo mais; diz que deve haver Deus, que deve haver algo mais além do pensar, correto? Se o próprio pensamento se dá conta de que não pode ir mais além de sua amarra, mais além de suas arraigadas células cerebrais — as células cerebrais como o material, como a raiz do pensar — se o pensamento se dá conta disso, então, o que ocorre?

Pupul Jayakar: Você vê, senhor, essa é toda a questão. Se em seu ensinamento você não passasse desse ponto, eu o compreenderia. Se você deixasse as coisas aí; no ponto em que o próprio pensamento vê isto, em que as próprias células cerebrais o veem, e ficam nesse ponto, então haveria uma total coerência e lógica; mas você sempre está se movendo, vai mais além disto e aí não é possível usar palavra alguma. Portanto, chame-o como queira, mas se introduziu o sentimento de Deus.

Krishnamurti: Não aceitarei a palavra “Deus”.

Pupul Jayakar: Por meio da razão, da lógica, você nos conduz até um ponto. Mas não deixa isso aí.

Krishnamurti: Certamente que não.

Pupul Jayakar: Esse é o verdadeiro paradoxo.

Krishnamurti: Recuso-me a aceitá-lo como um paradoxo.

Fritz Wilhelm: A matéria de algo e seu significado não são intercambiáveis. Pupul está misturando ambas as coisas.

Krishnamurti: O que ela disse é bastante simples. “O pensador e o pensamento; nós podemos ver toda a lógica disso — do que você disse — mas você não o deixa aí. Segue adiante”.

Pupul Jayakar: Penetra numa abstração. Eu digo que o pensamento e o pensador são essencialmente uma mesma coisa, mas que o homem os tem separado para sua própria proteção, permanência, segurança. Nós perguntamos: o pensador que pensa pensamentos é limitado e, por isso, postula algo que está mais além, por que deve ter segurança? Ou é o próprio pensamento o que diz que qualquer que seja o movimento, por sutil, óbvio ou racional que seja, o pensamento segue sendo limitado? Mas Krishnaji vai mais além que isso e penetra em abstrações.

Krishnamurti: Eu dou-me conta de que o pensador e o pensamento são muito, muito limitados, e não me detenho aí. De fazer isso, isso seria uma filosofia claramente materialista. A isso é que têm chego muitos intelectuais no Oriente e Ocidente. Mas eles estão sempre amarrados, e estando amarrados se estendem, mas permanecem amarrados a um poste por suas experiências, suas crenças.

Bem, agora, o que ocorre se posso responder a pergunta a respeito de se o próprio pensamento se dá conta de suas limitações? O pensamento sabendo que ele é energia, que é memória, sofrimento... percebe então que qualquer movimento do pensar é consciência, que é o conteúdo da consciência e que sem o conteúdo não há consciência. O que ocorre então? O pensamento se cala completamente — este é um fato observável, comprovável. O silêncio que advém não é resultante de disciplina. O que ocorre, então?

Pupul Jayakar: Senhor, deixe-me fazer uma pergunta. Nesse estado continua o registro de todos os ruídos. O que é a máquina que registra?

Krishnamurti: O cérebro.

Pupul Jayakar: O cérebro é o material. Portanto, este registro continua.

Krishnamurti: Continua a todo tempo, tanto se se é consciente como se não se é consciente disso.

Pupul Jayakar: Você pode nomeá-lo, mas o sentido da existência prossegue.

Krishnamurti: Não. Você emprega a palavra “existência”, mas é o registro o que prossegue. Quero aqui estabelecer a diferença.

Pupul Jayakar: Não nos afastemos. Não é que toda a existência se apagará, como ocorrerá se o pensamento terminar.

Krishnamurti: Ao contrário.

Pupul Jayakar:  Existência: o sentido da existência, “é”.

Krishnamurti: A vida prossegue mais sem o “eu” como observador. A vida continua, o registro continua, a memória continua, mas o “eu” criado pelo pensamento, o “eu” que é o conteúdo da consciência, esse “eu” desaparece; obviamente, porque esse “eu” é o limitado. Portanto, o pensamento — como o “eu” — diz: “eu sou limitado”. Isso não significa que o corpo não continue, mas o centro que é a atividade do “si mesmo” como “eu”, isso não continua. E novamente isso é lógico, porque o pensamento diz: “sou limitado, não criarei o “eu” que é uma limitação adicional”. O pensamento percebe isso, e isso desaparece.

Pupul Jayakar: Se tem dito que o pensamento criando ao “eu”, é a limitação...

Krishnamurti: O pensamento cria ao “eu” e o “eu” se dá conta de que é limitado; assim, o “eu” deixa de ser.

Fritz Wilhelm: Quando isto ocorre, por que nomeá-lo como “pensamento”?

Krishnamurti: Eu não estou nomeando nada. Dou-me conta de que o pensamento é a resposta do passado. O “eu” está constituído pela soma de diferentes pensamentos: estes têm criado o “eu” que é o passado; o “eu” é o passado, e o “eu” projeta o futuro.

Agora todo o fenômeno é um assunto insignificante. Isso é tudo. Qual é então a seguinte pergunta?

Fritz Wilhelm: O que esse estado de desesperança tem que ver com Deus?

Krishnamurti: Não é um estado de desesperança. Ao contrário, você introduziu a qualidade de desesperança porque seu pensamento tem dito que não pode ir mais além de si mesmo e, portanto, está desesperado. O pensamento se dá conta de que qualquer movimento que faça, segue estando dentro do campo do tempo, seja que o chame de desespero, realização, prazer, medo.

Pupul Jayakar: O dar-se conta das limitações é então, um estado de desesperança.

Krishnamurti: Não. Você introduz a desesperança. Eu só digo que a desesperança é parte do pensamento. A esperança é parte do pensamento, e esse pensamento diz que qualquer que seja o movimento que faça, seja desesperança, prazer, medo, apego ou desapego, é um movimento do pensar. Quando o pensamento se dá conta de que tudo isto é um movimento dele mesmo, em diferentes modos, quando se dá conta disso, se detém. Agora, sigamos em frente.

Pupul Jayakar: Quero perguntar-lhe algo. Você disse que a existência continua sem o “eu”. Quem é que segue adiante?

Krishnamurti: Afastamos-nos da palavra “Deus”.

Pupul Jayakar: Se falo uso da palavra “Deus”, está no campo do pensamento, então, descarto-a. Portanto, digo que se o pensamento — como “eu” — tenha cessado, qual é o instrumento de investigação?

Krishnamurti: Chegamos num ponto em que não há movimento do pensar. Ao investigar dentro de si mesmo tão profundamente como o estamos fazendo agora, tão completamente, tão logicamente, o pensamento se deteve. Agora pergunto: Qual é o novo fator que surgiu e que irá investigar? Ou melhor, qual é o novo instrumento da investigação? Já não é o velho instrumento, estão de acordo? O intelecto, sua agudeza de pensamento, a própria qualidade do pensamento, a objetividade, o pensamento que tem criado tremenda confusão, tudo isso tem sido negado.

Pupul Jayakar: O pensamento é a palavra e o significado. Se na consciência há um movimento em que não existe a palavra e o significado, há alguma outra coisa que está operando. O que é esta coisa?

Krishnamurti: Temos dito que o pensamento é o passado, o pensamento é a palavra, o pensamento é o significado, o pensamento é o resultado do sofrimento. E o pensamento diz que eu tenho tratado de investigar e que minha investigação, tem me levado a ver minhas próprias limitações. Qual é agora a seguinte pergunta?O que então a investigação? Se você vê claramente as limitações, o que é que está ocorrendo?

Pupul Jayakar: Só existe o ver.

Krishnamurti: Não. O ver é visual, e o ver sensorial depende da palavra, do significado.

Pupul Jayakar: Depois do que temos dito, só está operando o ver.

Krishnamurti: Quero ser claro. Você disse que aí está o ver com sua percepção sensorial. Temo ido mais além disso.

Pupul Jayakar: Quando você usa a palavra “ver”, esse é um estado em que estão funcionando todos os instrumentos?

Krishnamurti: Sim, categoricamente.

Pupul Jayakar: Portanto, se só funciona um instrumento por vez, então, este se acha preso ao pensamento. Quando há um ver e não um escutar, esse ver está preso ao pensamento. Mas quando todos os instrumentos sensoriais estão funcionando, então nada há suscetível de achar-se preso. Essa é a única coisa que se pode conhecer. Essa é a existência. De outro modo, a morte é o que haveria.

Krishnamurti: Estamos de acordo. Qual é então a pergunta seguinte? O que é então a percepção? Que lugar ocupa a investigação? O que há que investigar aí, o que há para explorar? Correto? O que você tem a dizer? Ficaram todos em silêncio?

Pupul Jayakar: Quando o pensamento cessa, não há nada mais que investigar.

Krishnamurti: Quando o pensamento cessa, o que mais há para investigar então? Quem é então o investigador? Ou melhor, quem ou o que é o instrumento que investiga?

Pupul Jayakar: Sempre se tem considerado a investigação como um movimento para um ponto.

Krishnamurti: É um movimento para frente?

Pupul Jayakar: Estamos tratando de investigar a Deus, a verdade, mas como o pensamento cessou, não existe um ponto para o qual possa haver um movimento.

Krishnamurti: Vá devagar, não afirme categoricamente. Tudo quanto você pode dizer é que não há movimento, não há movimento para frente. O movimento para frente implica pensamento e tempo. Isso é tudo quanto estou tratando de averiguar. Quando você realmente nega isso, quando nega o movimento externo ou interno, o que é que ocorre?

Agora começa uma investigação de um tipo completamente diferente. Em primeiro lugar, o cérebro, se dá conta de que necessita de ordem, segurança, que necessita estar a salvo para funcionar sadiamente, felizmente, facilmente. Essa é a sua máxima exigência; agora o cérebro se dá conta de que qualquer movimento que venha dele mesmo está no campo do tempo e, portanto, no campo do pensamento. Então, há movimento em absoluto? Ou existe um tipo completamente diferente de movimento, qualitativamente diferente, que não tem relação com o tempo, com o processo, com o movimento para frente ou para trás? Agora nossa pergunta é: existe algum outro tipo de movimento? Há algo que não esteja relacionado com o tempo?

Qualquer movimento, até onde o cérebro esteja envolvido, se acha no campo do tempo — seja esse movimento externo ou interno. Veja isso. O cérebro se dá conta de que ainda quando possa pensar que se estende infinitamente, segue sendo muito pequeno.

Bem, existe u movimento que não esteja relacionado com o pensar? Esta pergunta é feita pelo cérebro, não por alguma entidade superior. O cérebro se dá conta de que qualquer movimento no tempo é dor. Portanto, naturalmente se abstém de todo movimento. Então se pergunta se há algum outro movimento que ele realmente não conheça, que ele nunca tenha experimentado.

Isso significa que se deve retroceder à questão da energia. Há energia humana e energia cósmica. Tem-se estado sempre considerando a energia humana como separada, limitada, incompleta, dentro de seu campo limitado. Agora a batalha chegou ao fim, entende o que quero dizer? Percebe? Você tem considerado sempre que o movimento da energia estava dentro do campo limitado, e a separava da energia cósmica, universal. Agora o pensamento se deu conta de sua limitação e em consequência, a energia humana se converteu em algo completamente diferente. A divisão — o cósmico e o humano — é criada pelo pensamento. A divisão cessa e outro fator entra em jogo. Para uma mente que não se acha centrada em si mesma, a divisão não existe. O que há que investigar então? Ou, qual é o instrumento da investigação? Há uma investigação, mas não é a investigação a qual estou acostumado: o exercício do intelecto, o raciocínio e tudo isso. E esta investigação não é intuição. Agora o cérebro se dá conta de que nele não há divisão alguma. Portanto, não está dividido como algo cósmico, humano, sexual, cientifico. A energia não tem divisões.

O que ocorre então? Começamos perguntando se o pensamento é materialista. O pensamento é material porque o cérebro é material. Evidentemente, o é. São poucos os que têm ido mais além.

Fritz Wilhelm: A residência tem um significado porque Pupul mora nela.

Krishnamurti: Vive nela com seus móveis, seus medos, esperanças, disputas.

Fritz Wilhelm: Você disse que a consciência é o conteúdo, mas eu pergunto mais. Qual é o significado, não a descrição?

Krishnamurti: Fritz quer dizer o significado de minha existência. Nenhum, em absoluto...

Fritz Wilhelm: Não é questão de que se queira ter um significado? Qual é o significado de Krishnamurti? Pode-se negar o ser? Então, se está aniquilado. Dentro está o indivíduo, o censor, a existência, a consciência, o corpo; e há muito mais — a alma abstrata; finalmente, uma alma ao redor da qual tudo tropeça. Pode-se negar isso?

Krishnamurti: A alma é o “eu”.

Pupul Jayakar: É aí onde mora a dificuldade. A pergunta de Fritz é válida porque a consciência de si mesmo é a cosia mais difícil de ser negada. Se se tenta negar o “ego” e o “si mesmo”, nunca poderá fazê-lo. Mas se procede como acabamos de fazê-lo, isso é tudo quanto se necessita.

Fritz Wilhelm: Qual é o significado de tudo isto? Por que o “eu” deve terminar? O significado dos átomos é o organismo, o significado do organismo é a consciência, por que isso deve se deter aí?

Krishnamurti: Não se detém aí. Detém-se aí somente quando o pensamento se da conta de suas limitações. Voltemos. Que instrumento é que vai investigar? — instrumento no qual não há separação, no qual não existe o investigador e o investigado. Eu vejo que o pensamento realmente não tem sentido. Só o tem dentro de seu limitado campo. Agora ele pergunta — não como descobridor que descobre algo —, o que é que há para ser descoberto.

Que movimento é esse que não é nem interno e nem externo? Por acaso é a morte? É a completa negação de tudo? O que ocorre então? O que é a investigação? Quando termina o pensamento, nesse fato incluímos a tudo; incluímos o significado, a consciência, o conteúdo da consciência, o sucesso, o fracasso. Tudo está dentro desse campo. Quando isso termina, o que ocorre então? O cérebro existe, existe o ato de registrar — a parte que está registrando. O registro continua. Tem que continuar; de outro modo, o cérebro enlouqueceria. Mas está a totalidade, que se acha completamente quieta. Já não está envolvido o pensamento. O pensamento não penetra para nada nesse campo. O pensamento interfere em um campo muito pequeno do cérebro.

Pupul Jayakar: É um fato o de que usamos uma ínfima parte de nosso cérebro.

Krishnamurti: Há a outra parte.

Fritz Wilhelm: Não há razão alguma para supor que o remanescente do cérebro que usamos, possa chegar a ser algo mais que outra parte da consciência.

Krishnamurti: Não, observe bem isso.

Fritz Wilhelm: Ainda a partir do ponto de vista biológico, você não está certo. A dimensão do cérebro que se pode usar determina a extensão da consciência. Se você a usa mais, a consciência será maior.

Krishnamurti: O velho cérebro é muito limitado. O cérebro inteiro é o novo que não havia sido usado. A qualidade total do cérebro é nova; o pensamento, que é limitado, funciona em um campo limitado. O velho cérebro não está ativo porque o limitado deixou de ser.

Pupul Jayakar: Então, você diz que se uma pequena parte do cérebro é vista como limitada, acaba-se a limitação, é assim?

Krishnamurti: Não, a limitação continua.

Pupul Jayakar: Mas devido a que ela não abarca a totalidade do cérebro nem coloca limites a si mesma, o resto não utilizado do cérebro se torna operável. Então, esta é outra vez uma posição totalmente materialista.

Krishnamurti: Concordo. Continue, avance mais.

Pupul Jayakar: Isso é tudo. Não há mais o que dizer.

Fritz Wilhelm: Eu tenho uma objeção a fazer. Ainda que o cérebro inteiro seja usado em plenitude, ele seguirá sendo a consciência, uma consciência tremendamente ampliada.

Krishnamurti: Depende se existe um centro.

Deshpande: Se há um centro, então você não está usando o outro.

Fritz Wilhelm: Nós temos estado operando somente dentro do limitado. Agora, se você se move no outro, como sabe que essa consciência não tem uma direção localizada em um centro?

Krishnamurti: A localização tem lugar quando o pensamento opera como dor, desespero, sucesso, quando o pensamento funciona como “eu”. Quando o “eu” se acha em silêncio, onde está a consciência?

Fritz Wilhelm: Depois disso, tudo se torna conjecturas. Você presume que o único fator que pode projetar o centro é uma desilusão, uma ferida. O pensamento é limitado. Portanto, se projeta a si mesmo. Por que deve a localização depender da limitação?

Krishnamurti: A localização em um centro tem lugar quando o pensamento está funcionando.

Pupul Jayakar: Se o pensamento cessa com sua palavra e seu significado, qualquer coisa que esteja operando então, não é reconhecível como palavra e significado.

Fritz Wilhelm: Você estreita o campo. Eu ainda questiono legitimamente que a frustração seja o único ponto de localização.

Krishnamurti: Eu inclui tudo, não só a frustração senão tudo quanto se encontra no campo do tempo. Agora vejo que as células cerebrais tem operado em um campo muito pequeno, e que esse pequeno campo com sua energia limitada tem criado toda adulteração. O velho cérebro se aquieta. O que temos chamado quietude, é a limitação que se aquieta. O ruído disso se acabou e esse é o silêncio da limitação. Quando o pensamento se dá conta disso, então o próprio cérebro, todo o cérebro, se aquieta.

Pupul Jayakar: Sem dúvida, registra.

Krishnamurti: Certamente. O ruído prossegue.

Pupul Jayakar: A existência continua.

Krishnamurti: A existência sem nenhuma continuidade. O que ocorre, então? Todo o cérebro se aquieta, não a parte limitada.

Fritz Wilhelm: Para nós é a mesma coisa.

Pupul Jayakar: Se não se conhece o outro e o outro não é manipulável, o que para nós se aquieta é só a limitação.

Krishnamurti: Portanto, essa quietude não é quietude.

Pupul Jayakar: Você está introduzindo algo novo...

Deshpande: O que lhe faz dizer que nós não empregamos todo o cérebro?

Fritz Wilhelm: Eu digo que todo meu cérebro está funcionando, mas que não sou consciente dele porque fecho a mim mesmo dentro do campo limitado.

Krishnamurti: Por favor, primeiro detenha o movimento do pensar, depois veja o que ocorre.

Deshpande: Quando o pensamento se detém, as coisas ocorrem por si mesmas; é necessário então pesquisar no que ocorre?

Pupul Jayakar: Quero fazer aqui uma pergunta. Você tem dito que o cessar da limitação do “eu” como pensamento não é o silêncio.

Krishnamurti: Essa é a beleza disso.

Pupul Jayakar: Deixe-me pegar o sentimento disso. Tenha a bondade de repeti-lo.

Krishnamurti: Disse que quando o pensamento com suas limitações diz que está em silêncio, não está em silêncio. O silêncio tem lugar quando toda a condição do cérebro está silenciosa; a coisa total, não só uma parte dela.

Fritz Wilhelm: Por que todo o cérebro deve cair em silêncio?

Krishnamurti: O cérebro total sempre tem estado silencioso. O que eu chamo de silêncio é o cessar do “eu”, do pensamento que tagarela constantemente. O constante tagarelar é o pensamento. Esse tagarelar se deteve completamente. Quando o tagarelar chega a seu fim, há uma sensação de silêncio, mas isso não é silêncio. O silêncio tem lugar quando a mente total, o cérebro — ainda que registrando — está completamente quieto, porque a energia está quieta. Ela pode emergir explosivamente, mas a base da energia é quietude.

Bem, agora, a paixão existe somente quando não há movimento da dor. Você compreende o que eu disse? A dor é energia. Quando há dor, existe o movimento de fuga através de compreender essa dor, de suprimi-la. Mas quando não há movimento algum na dor, se produz uma explosão na paixão. A mesma cosia ocorre quando não há movimento — externo ou interno —, quando não há movimento do silêncio que o “eu” tenha criado por si mesmo com sua limitação, para conquistar algo mais. Quando há absoluto silêncio, silêncio total e, portanto, não há movimento de nenhum tipo, quando tudo está completamente quieto, há um tipo completamente diferente de explosão que é...

Pupul Jayakar: ...Deus.

Krishnamurti: Nego-me a usar a palavra “Deus”, mas este estado não é uma invenção. Não é uma coisa produzida pelo pensamento astuto, porque o pensamento se acha completamente imóvel. Por isso é importante explorar o pensamento, e não “o outro”.

Bombaim, 9 de fevereiro de 1971
Tradição e Revolução
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill