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sexta-feira, 13 de abril de 2018

Sobre a solidão e a vontade de Deus


Sobre a solidão e a vontade de Deus

A maioria de nós nos sentimos sós, e sabemos o que esta palavra significa. Sabemos — ou pelo menos pensamos saber — o que é esse estado de solidão. Nós o reconhecemos por meio da palavra? E se não existisse a palavra, quando tivéssemos um certo sentimento poderíamos reconhecê-lo como “solidão”? Em geral, somos tão escravos das palavras que não temos capacidade de olhar o fato.

Há um estado de solidão; e podeis olhar esse estado sem a palavra?[...]

Senhor, o “dar nome”, o verbalizar, é um processo muito complexo. Quando compreendeis que a palavra não é a coisa, estais então em contato com a coisa, não por meio da palavra, mas direta e vitalmente. E que acontece então?[...]

Enquanto passardes pelo mecanismo de reconhecimento, que é olhar para a coisa nova traduzindo-a nos termos do que antes existiu, é inevitável o conflito; por conseguinte, não há renovação, não há nada novo. Isso é um fato psicológico. Se penetrardes fundo em vós mesmo, vereis tudo isso num clarão; não precisais escutar a mim ou a outro qualquer. Ao lançardes fora a carga das palavras, ao vos libertardes de toda essa estrutura de símbolos, ideias, para olhardes diretamente a coisa em si, encontrareis rejuvenescimento, frescor; algo totalmente novo acontece.

Mas vede quanto é difícil a um cristão abandonar o símbolo da Cruz, ou a vós abandonar a palavra “inglês”. E deveis abandonar o símbolo, deveis libertar-vos da palavra. Deveis libertar-vos da palavra “Deus”, a fim de descobrirdes o que realmente é.

[...]O “dar nome”, que implica todo o mecanismo de acumulação de conhecimento, é realmente pernicioso. Isso não significa que não devais ter o conhecimento mecânico — porque, do contrário, não saberíeis aonde ir, daqui a um minuto. O conhecimento ou a experiência se torna prejudicial quando só há reconhecimento nessa base. Só quando cessa o mecanismo de reconhecimento, há observação; e dessa observação resulta um movimento vital.

[...] Tememos o vazio e desejamos preenchê-lo. Temos medo de nossa esgotante solidão, e procuramos fugir dela. É o fugir que gera o medo; mas o fugir nos põe ativos e, por isso, quando fugimos, pensamos que estamos sendo muito positivos. Quando tiverdes compreendido essa solidão, depois de atravessá-la e ultrapassá-la, descobrireis por vós mesmo o que há quando o “eu” já não existe. Mas, como em tudo mais, senhor, deveis começar pelo vazio. A taça só é útil quando vazia. Mas, para compreender esse vazio, é preciso atravessá-lo num clarão, por assim dizer, e lançar a base correta. Então, vós sabereis; nunca mais perguntareis o que há além daquele vazio.

[...] A taça só pode ser útil quando vazia. Podeis então enchê-la com o de que gostais. Mas, se vossa taça já está cheia — cheia de sofrimento, aflição, conflito — que utilidade tem ela? Senhor, que utilidade tem nossa vida, tal como é: competição, guerras, conflitos internacionais, divisão entre Oriente e Ocidente, entre esta e aquela religião? Que utilidade tem isso?

[...] Todo político, todo negociante, todo general preparador de guerras, fala sobre “a vontade de Deus”. O comunista também fala da “vontade de Deus”, mas no seu caso se trata da “vontade do Estado”, etc., etc.. Que é “a vontade de Deus”? Só podereis averiguar isso quando estiverdes vazio, quando já não estiverdes buscando, já não estiverdes pedindo, quando já não pertencerdes a nenhum grupo separado, quando já não tiverdes medo, quando vos achardes num estado de completa incerteza — que não significa demência. Nesse estado, o pensamento já não busca um pouso seguro. Então, talvez, aquilo que se pode chamar “Deus” — ou outro nome qualquer — começará a atuar.

Krishnamurti, Londres, 14 de junho de 1962,
O homem e seus desejos em conflito



quarta-feira, 28 de março de 2018

Deus


DEUS

Pupul Jayakar: Krishnaji; em um nível, seu ensinamento é muito materialista, porque se nega a aceitar nada que não tenha um ponto de referência. Está baseado em “o que é”. Você inclusive tem ido tão longe como para dizer que a consciência são as células cerebrais, e que não há outra coisa. E que o pensamento é matéria, e nada mais.

Bem, agora, nestes termos, qual é a sua atitude em relação a Deus?

Krishnamurti: Eu não sei o que você entende por materialista, e o que entende por Deus.

Pupul Jayakar: Você tem dito que o pensamento é matéria, que as próprias células cerebrais são a consciência. Pois bem, estas são coisas materiais, mensuráveis, e nesse sentido, sua suposição seria parte da posição materialista, na tradição dos “Lokaiatas”. Que lugar ocupa Deus nos termos de seus ensinamentos? Deus é matéria?

Krishnamurti: Você entende claramente a palavra “material”?

Pupul Jayakar: Material é aquilo que se pode medir.

Fritz Wilhelm: Não há tal coisa como o material, Pupul.

Pupul Jayakar: O cérebro é matéria.

Fritz Wilhelm: Não, é energia. Tudo é energia, mas essa energia não é observável. Você somente pode ver os efeitos dessa energia, aos quais chama de “matéria”. Os efeitos da energia aparecem como matéria.

Deshpande: Quando ela disse matéria, provavelmente, quer dizer energia. Energia e matéria são convertíveis entre si, mas seguem sendo mensuráveis.

Krishnamurti: Isso é, você disse que a matéria é energia e que a energia é matéria. Não se pode separá-las para dizer, isto é energia pura e isto é matéria pura.

Deshpande: O material é a expressão ou aparência da energia.

Fritz Wilhelm: O que chamamos de matéria não é senão energia. Nada mais é que energia apreendida pelos sentidos da percepção. Não há tal coisa como a matéria. É só um modo de falar.

Pupul Jayakar: Você vê, Krishnaji, se investigamos qualquer aspecto de seu ensinamento, ele está baseado no observável. Os instrumentos para ouvir, para ver, estão dentro do campo da capacitação sensorial. Ainda quando você possa falar de não nomear, o que é observável, o é através dos instrumentos do ver, do escutar. Os instrumentos dos sentidos são os únicos que temos para observar.

Krishnamurti: Nós conhecemos o ver sensorial, o ouvir, o tocar sensorial, e o intelecto que é parte de toda a estrutura. Qual é agora a pergunta?

Pupul Jayakar: Nesse sentido, o ensinamento é materialista em oposição ao metafísico. Sua posição é uma posição materialista.

Fritz Wilhelm: Se se quer ater-se aos fatos, o único instrumento que temos é o cérebro. Bem, agora, é o cérebro todo, ou é um instrumento nas mãos de alguma outra coisa? Se você diz que só existe o cérebro, essa seria uma posição materialista. Se diz que o instrumento é material, então o ensinamento não é materialista.

Pupul Jayakar: A posição tântrica e d antiga alquimia são em um sentido, similares ao posicionamento de Krishnaji. Tudo tem que ser observado. Nada deve ser aceito, que não se tenha visto com os olhos do observador. Vendo isto, agora pergunto: qual é a sua visão de Deus? Eu sinto que esta é uma pergunta muito legitima.

Fritz Wilhelm: Você pode explicar o que é Deus?

Krishnamurti: O que você entende por Deus? Temos explicado a energia e a matéria, e agora você pergunta o que entendemos por Deus. Eu jamais emprego a palavra “Deus” para indicar algo que não seja Deus. O que o pensamento tem inventado não é Deus. Se ele foi inventado pelo pensamento, continua dentro do campo do tempo, dentro do campo do material.

Pupul Jayakar: O pensamento diz que eu não posso ir mais longe.

Krishnamurti: Mas ele pode inventar a Deus devido a não poder ir mais longe. O pensamento conhece suas limitações, por isso trata de inventar o ilimitado ao que chama Deus. Essa é a situação.

Pupul Jayakar: Quando o pensamento vê suas limitações, ele ainda está consciente de uma experiência que está mais além dele mesmo.

Krishnamurti: Ele inventou o pensamento. É possível ir mais além somente quando o pensamento toca a seu fim.

Pupul Jayakar: Ver as limitações do pensamento não é conhecer o pensamento.

Krishnamurti: Portanto, devemos investigar o pensamento e não a Deus.

Deshpande: Quando o pensamento vê sua própria limitação, praticamente a desmascara.

Krishnamurti: O pensamento se dá conta de que é limitado, ou é o pensador quem se dá conta de que o pensamento é limitado? Veja o ponto. É o pensador — que é produto do pensamento — quem se dá conta disso?

Pupul Jayakar: Por que você traz a distinção?

Krishnamurti: O pensamento criou o pensador. Se o pensamento não existisse, não haveria um pensador. É o pensador o que observando as limitações diz: “eu sou limitado”, ou o pensamento mesmo se dá conta de suas limitações, a qual implica em duas posições diferentes? Sejamos claros em tudo isto. Estamos explorando. Há os dois, o pensamento e o pensador; o pensador, observando o pensamento, vê mediante o raciocínio — que é o material, que é energia — que a energia é limitada. O pensador pensa isto no reino do pensamento.

Deshpande: Quando o pensador diz que o pensamento é limitado, ambos — pensamento e pensador — se tornam sinais de interrogação.

Krishnamurti: Não, ainda não. O pensamento é memória, é a resposta do conhecimento. O pensamento tem produzido esta coisa chamada o pensador. O pensador se separa então do pensamento; ao menos, pensa que está separado do pensamento. O pensador, observando o intelecto, à capacidade de raciocínio, vê que esta é muito limitada. Portanto, o pensador condena a razão; o pensador diz que o pensamento é muito limitado, o que é condenar. Então diz que deve haver algo mais que o pensamento, algo fora deste limitado campo. É isso o que fazemos. Agora tomamos as coisas tais como são. É o pensador quem pensa que o pensamento é limitado, ou o pensamento mesmo se dá conta de que é limitado? Não sei se você vê a diferença.

Fritz Wilhelm: O pensamento é anterior ao pensador.

Pupul Jayakar: O pensamento pode terminar, mas, como pode o pensamento sentir que é limitado?

Krishnamurti: Esse é o ponto. O pensador vê que é limitado, ou é o pensamento quem diz: “é impossível ir mais além”? Vê o problema?

Fritz Wilhelm: Por que você separa o pensador do pensamento? Há muitos pensamentos, entre os quais o pensador é também outro pensamento. O pensador é o que guia, o que ajuda, o que censura; ele é a coisa que mais domina.

Krishnamurti: O pensamento tem passado por tudo isto, e tem estabelecido um centro a partir do qual opera o observador; e o observador, observando o pensamento, diz que o pensamento é limitado.

Deshpande: De fato, ele só pode dizer: “não sei”.

Krishnamurti: Ele não diz isso. Você está introduzindo um fato não observável. Em primeiro lugar, o pensamento, que é a resposta do conhecimento, ainda não se deu conta de que é muito limitado. O que tem feito com o fim de ter segurança, é reunir vários pensamentos que tem se convertido no observador, o pensador, o experimentador. Então formulamos a pergunta: o pensador se dá conta de que é limitado, ou é o próprio pensamento o que se dá conta disso? Ambas as coisas são completamente diferentes.

Fritz Wilhelm: Nós só conhecemos um estado onde o pensador pensa pensamentos.

Krishnamurti: Isso é tudo o que conhecemos. Portanto, o pensador diz invariavelmente que devemos ir mais além do pensamento, e é assim que pergunta: “pode-se anular a mente? Deus existe?”

Fritz Wilhelm: Você está concedendo existência ao pensador em lugar do pensamento.

Krishnamurti: O pensador está modificando, adicionando. O pensador não é uma entidade permanente, como tampouco o pensamento o é. Mas o pensador acomoda, modifica a todo tempo; isso é importante, eu posso estar equivocado. É importante descobrir se o pensador vê que é limitado ou se é o pensamento como ideia — sendo a ideia, pensamento organizado — o tal que pensa que é limitado.

Bem, quem é o que o diz? Se o pensador diz que é limitado, então o pensador diz que deve fazer algo mais; diz que deve haver Deus, que deve haver algo mais além do pensar, correto? Se o próprio pensamento se dá conta de que não pode ir mais além de sua amarra, mais além de suas arraigadas células cerebrais — as células cerebrais como o material, como a raiz do pensar — se o pensamento se dá conta disso, então, o que ocorre?

Pupul Jayakar: Você vê, senhor, essa é toda a questão. Se em seu ensinamento você não passasse desse ponto, eu o compreenderia. Se você deixasse as coisas aí; no ponto em que o próprio pensamento vê isto, em que as próprias células cerebrais o veem, e ficam nesse ponto, então haveria uma total coerência e lógica; mas você sempre está se movendo, vai mais além disto e aí não é possível usar palavra alguma. Portanto, chame-o como queira, mas se introduziu o sentimento de Deus.

Krishnamurti: Não aceitarei a palavra “Deus”.

Pupul Jayakar: Por meio da razão, da lógica, você nos conduz até um ponto. Mas não deixa isso aí.

Krishnamurti: Certamente que não.

Pupul Jayakar: Esse é o verdadeiro paradoxo.

Krishnamurti: Recuso-me a aceitá-lo como um paradoxo.

Fritz Wilhelm: A matéria de algo e seu significado não são intercambiáveis. Pupul está misturando ambas as coisas.

Krishnamurti: O que ela disse é bastante simples. “O pensador e o pensamento; nós podemos ver toda a lógica disso — do que você disse — mas você não o deixa aí. Segue adiante”.

Pupul Jayakar: Penetra numa abstração. Eu digo que o pensamento e o pensador são essencialmente uma mesma coisa, mas que o homem os tem separado para sua própria proteção, permanência, segurança. Nós perguntamos: o pensador que pensa pensamentos é limitado e, por isso, postula algo que está mais além, por que deve ter segurança? Ou é o próprio pensamento o que diz que qualquer que seja o movimento, por sutil, óbvio ou racional que seja, o pensamento segue sendo limitado? Mas Krishnaji vai mais além que isso e penetra em abstrações.

Krishnamurti: Eu dou-me conta de que o pensador e o pensamento são muito, muito limitados, e não me detenho aí. De fazer isso, isso seria uma filosofia claramente materialista. A isso é que têm chego muitos intelectuais no Oriente e Ocidente. Mas eles estão sempre amarrados, e estando amarrados se estendem, mas permanecem amarrados a um poste por suas experiências, suas crenças.

Bem, agora, o que ocorre se posso responder a pergunta a respeito de se o próprio pensamento se dá conta de suas limitações? O pensamento sabendo que ele é energia, que é memória, sofrimento... percebe então que qualquer movimento do pensar é consciência, que é o conteúdo da consciência e que sem o conteúdo não há consciência. O que ocorre então? O pensamento se cala completamente — este é um fato observável, comprovável. O silêncio que advém não é resultante de disciplina. O que ocorre, então?

Pupul Jayakar: Senhor, deixe-me fazer uma pergunta. Nesse estado continua o registro de todos os ruídos. O que é a máquina que registra?

Krishnamurti: O cérebro.

Pupul Jayakar: O cérebro é o material. Portanto, este registro continua.

Krishnamurti: Continua a todo tempo, tanto se se é consciente como se não se é consciente disso.

Pupul Jayakar: Você pode nomeá-lo, mas o sentido da existência prossegue.

Krishnamurti: Não. Você emprega a palavra “existência”, mas é o registro o que prossegue. Quero aqui estabelecer a diferença.

Pupul Jayakar: Não nos afastemos. Não é que toda a existência se apagará, como ocorrerá se o pensamento terminar.

Krishnamurti: Ao contrário.

Pupul Jayakar:  Existência: o sentido da existência, “é”.

Krishnamurti: A vida prossegue mais sem o “eu” como observador. A vida continua, o registro continua, a memória continua, mas o “eu” criado pelo pensamento, o “eu” que é o conteúdo da consciência, esse “eu” desaparece; obviamente, porque esse “eu” é o limitado. Portanto, o pensamento — como o “eu” — diz: “eu sou limitado”. Isso não significa que o corpo não continue, mas o centro que é a atividade do “si mesmo” como “eu”, isso não continua. E novamente isso é lógico, porque o pensamento diz: “sou limitado, não criarei o “eu” que é uma limitação adicional”. O pensamento percebe isso, e isso desaparece.

Pupul Jayakar: Se tem dito que o pensamento criando ao “eu”, é a limitação...

Krishnamurti: O pensamento cria ao “eu” e o “eu” se dá conta de que é limitado; assim, o “eu” deixa de ser.

Fritz Wilhelm: Quando isto ocorre, por que nomeá-lo como “pensamento”?

Krishnamurti: Eu não estou nomeando nada. Dou-me conta de que o pensamento é a resposta do passado. O “eu” está constituído pela soma de diferentes pensamentos: estes têm criado o “eu” que é o passado; o “eu” é o passado, e o “eu” projeta o futuro.

Agora todo o fenômeno é um assunto insignificante. Isso é tudo. Qual é então a seguinte pergunta?

Fritz Wilhelm: O que esse estado de desesperança tem que ver com Deus?

Krishnamurti: Não é um estado de desesperança. Ao contrário, você introduziu a qualidade de desesperança porque seu pensamento tem dito que não pode ir mais além de si mesmo e, portanto, está desesperado. O pensamento se dá conta de que qualquer movimento que faça, segue estando dentro do campo do tempo, seja que o chame de desespero, realização, prazer, medo.

Pupul Jayakar: O dar-se conta das limitações é então, um estado de desesperança.

Krishnamurti: Não. Você introduz a desesperança. Eu só digo que a desesperança é parte do pensamento. A esperança é parte do pensamento, e esse pensamento diz que qualquer que seja o movimento que faça, seja desesperança, prazer, medo, apego ou desapego, é um movimento do pensar. Quando o pensamento se dá conta de que tudo isto é um movimento dele mesmo, em diferentes modos, quando se dá conta disso, se detém. Agora, sigamos em frente.

Pupul Jayakar: Quero perguntar-lhe algo. Você disse que a existência continua sem o “eu”. Quem é que segue adiante?

Krishnamurti: Afastamos-nos da palavra “Deus”.

Pupul Jayakar: Se falo uso da palavra “Deus”, está no campo do pensamento, então, descarto-a. Portanto, digo que se o pensamento — como “eu” — tenha cessado, qual é o instrumento de investigação?

Krishnamurti: Chegamos num ponto em que não há movimento do pensar. Ao investigar dentro de si mesmo tão profundamente como o estamos fazendo agora, tão completamente, tão logicamente, o pensamento se deteve. Agora pergunto: Qual é o novo fator que surgiu e que irá investigar? Ou melhor, qual é o novo instrumento da investigação? Já não é o velho instrumento, estão de acordo? O intelecto, sua agudeza de pensamento, a própria qualidade do pensamento, a objetividade, o pensamento que tem criado tremenda confusão, tudo isso tem sido negado.

Pupul Jayakar: O pensamento é a palavra e o significado. Se na consciência há um movimento em que não existe a palavra e o significado, há alguma outra coisa que está operando. O que é esta coisa?

Krishnamurti: Temos dito que o pensamento é o passado, o pensamento é a palavra, o pensamento é o significado, o pensamento é o resultado do sofrimento. E o pensamento diz que eu tenho tratado de investigar e que minha investigação, tem me levado a ver minhas próprias limitações. Qual é agora a seguinte pergunta?O que então a investigação? Se você vê claramente as limitações, o que é que está ocorrendo?

Pupul Jayakar: Só existe o ver.

Krishnamurti: Não. O ver é visual, e o ver sensorial depende da palavra, do significado.

Pupul Jayakar: Depois do que temos dito, só está operando o ver.

Krishnamurti: Quero ser claro. Você disse que aí está o ver com sua percepção sensorial. Temo ido mais além disso.

Pupul Jayakar: Quando você usa a palavra “ver”, esse é um estado em que estão funcionando todos os instrumentos?

Krishnamurti: Sim, categoricamente.

Pupul Jayakar: Portanto, se só funciona um instrumento por vez, então, este se acha preso ao pensamento. Quando há um ver e não um escutar, esse ver está preso ao pensamento. Mas quando todos os instrumentos sensoriais estão funcionando, então nada há suscetível de achar-se preso. Essa é a única coisa que se pode conhecer. Essa é a existência. De outro modo, a morte é o que haveria.

Krishnamurti: Estamos de acordo. Qual é então a pergunta seguinte? O que é então a percepção? Que lugar ocupa a investigação? O que há que investigar aí, o que há para explorar? Correto? O que você tem a dizer? Ficaram todos em silêncio?

Pupul Jayakar: Quando o pensamento cessa, não há nada mais que investigar.

Krishnamurti: Quando o pensamento cessa, o que mais há para investigar então? Quem é então o investigador? Ou melhor, quem ou o que é o instrumento que investiga?

Pupul Jayakar: Sempre se tem considerado a investigação como um movimento para um ponto.

Krishnamurti: É um movimento para frente?

Pupul Jayakar: Estamos tratando de investigar a Deus, a verdade, mas como o pensamento cessou, não existe um ponto para o qual possa haver um movimento.

Krishnamurti: Vá devagar, não afirme categoricamente. Tudo quanto você pode dizer é que não há movimento, não há movimento para frente. O movimento para frente implica pensamento e tempo. Isso é tudo quanto estou tratando de averiguar. Quando você realmente nega isso, quando nega o movimento externo ou interno, o que é que ocorre?

Agora começa uma investigação de um tipo completamente diferente. Em primeiro lugar, o cérebro, se dá conta de que necessita de ordem, segurança, que necessita estar a salvo para funcionar sadiamente, felizmente, facilmente. Essa é a sua máxima exigência; agora o cérebro se dá conta de que qualquer movimento que venha dele mesmo está no campo do tempo e, portanto, no campo do pensamento. Então, há movimento em absoluto? Ou existe um tipo completamente diferente de movimento, qualitativamente diferente, que não tem relação com o tempo, com o processo, com o movimento para frente ou para trás? Agora nossa pergunta é: existe algum outro tipo de movimento? Há algo que não esteja relacionado com o tempo?

Qualquer movimento, até onde o cérebro esteja envolvido, se acha no campo do tempo — seja esse movimento externo ou interno. Veja isso. O cérebro se dá conta de que ainda quando possa pensar que se estende infinitamente, segue sendo muito pequeno.

Bem, existe u movimento que não esteja relacionado com o pensar? Esta pergunta é feita pelo cérebro, não por alguma entidade superior. O cérebro se dá conta de que qualquer movimento no tempo é dor. Portanto, naturalmente se abstém de todo movimento. Então se pergunta se há algum outro movimento que ele realmente não conheça, que ele nunca tenha experimentado.

Isso significa que se deve retroceder à questão da energia. Há energia humana e energia cósmica. Tem-se estado sempre considerando a energia humana como separada, limitada, incompleta, dentro de seu campo limitado. Agora a batalha chegou ao fim, entende o que quero dizer? Percebe? Você tem considerado sempre que o movimento da energia estava dentro do campo limitado, e a separava da energia cósmica, universal. Agora o pensamento se deu conta de sua limitação e em consequência, a energia humana se converteu em algo completamente diferente. A divisão — o cósmico e o humano — é criada pelo pensamento. A divisão cessa e outro fator entra em jogo. Para uma mente que não se acha centrada em si mesma, a divisão não existe. O que há que investigar então? Ou, qual é o instrumento da investigação? Há uma investigação, mas não é a investigação a qual estou acostumado: o exercício do intelecto, o raciocínio e tudo isso. E esta investigação não é intuição. Agora o cérebro se dá conta de que nele não há divisão alguma. Portanto, não está dividido como algo cósmico, humano, sexual, cientifico. A energia não tem divisões.

O que ocorre então? Começamos perguntando se o pensamento é materialista. O pensamento é material porque o cérebro é material. Evidentemente, o é. São poucos os que têm ido mais além.

Fritz Wilhelm: A residência tem um significado porque Pupul mora nela.

Krishnamurti: Vive nela com seus móveis, seus medos, esperanças, disputas.

Fritz Wilhelm: Você disse que a consciência é o conteúdo, mas eu pergunto mais. Qual é o significado, não a descrição?

Krishnamurti: Fritz quer dizer o significado de minha existência. Nenhum, em absoluto...

Fritz Wilhelm: Não é questão de que se queira ter um significado? Qual é o significado de Krishnamurti? Pode-se negar o ser? Então, se está aniquilado. Dentro está o indivíduo, o censor, a existência, a consciência, o corpo; e há muito mais — a alma abstrata; finalmente, uma alma ao redor da qual tudo tropeça. Pode-se negar isso?

Krishnamurti: A alma é o “eu”.

Pupul Jayakar: É aí onde mora a dificuldade. A pergunta de Fritz é válida porque a consciência de si mesmo é a cosia mais difícil de ser negada. Se se tenta negar o “ego” e o “si mesmo”, nunca poderá fazê-lo. Mas se procede como acabamos de fazê-lo, isso é tudo quanto se necessita.

Fritz Wilhelm: Qual é o significado de tudo isto? Por que o “eu” deve terminar? O significado dos átomos é o organismo, o significado do organismo é a consciência, por que isso deve se deter aí?

Krishnamurti: Não se detém aí. Detém-se aí somente quando o pensamento se da conta de suas limitações. Voltemos. Que instrumento é que vai investigar? — instrumento no qual não há separação, no qual não existe o investigador e o investigado. Eu vejo que o pensamento realmente não tem sentido. Só o tem dentro de seu limitado campo. Agora ele pergunta — não como descobridor que descobre algo —, o que é que há para ser descoberto.

Que movimento é esse que não é nem interno e nem externo? Por acaso é a morte? É a completa negação de tudo? O que ocorre então? O que é a investigação? Quando termina o pensamento, nesse fato incluímos a tudo; incluímos o significado, a consciência, o conteúdo da consciência, o sucesso, o fracasso. Tudo está dentro desse campo. Quando isso termina, o que ocorre então? O cérebro existe, existe o ato de registrar — a parte que está registrando. O registro continua. Tem que continuar; de outro modo, o cérebro enlouqueceria. Mas está a totalidade, que se acha completamente quieta. Já não está envolvido o pensamento. O pensamento não penetra para nada nesse campo. O pensamento interfere em um campo muito pequeno do cérebro.

Pupul Jayakar: É um fato o de que usamos uma ínfima parte de nosso cérebro.

Krishnamurti: Há a outra parte.

Fritz Wilhelm: Não há razão alguma para supor que o remanescente do cérebro que usamos, possa chegar a ser algo mais que outra parte da consciência.

Krishnamurti: Não, observe bem isso.

Fritz Wilhelm: Ainda a partir do ponto de vista biológico, você não está certo. A dimensão do cérebro que se pode usar determina a extensão da consciência. Se você a usa mais, a consciência será maior.

Krishnamurti: O velho cérebro é muito limitado. O cérebro inteiro é o novo que não havia sido usado. A qualidade total do cérebro é nova; o pensamento, que é limitado, funciona em um campo limitado. O velho cérebro não está ativo porque o limitado deixou de ser.

Pupul Jayakar: Então, você diz que se uma pequena parte do cérebro é vista como limitada, acaba-se a limitação, é assim?

Krishnamurti: Não, a limitação continua.

Pupul Jayakar: Mas devido a que ela não abarca a totalidade do cérebro nem coloca limites a si mesma, o resto não utilizado do cérebro se torna operável. Então, esta é outra vez uma posição totalmente materialista.

Krishnamurti: Concordo. Continue, avance mais.

Pupul Jayakar: Isso é tudo. Não há mais o que dizer.

Fritz Wilhelm: Eu tenho uma objeção a fazer. Ainda que o cérebro inteiro seja usado em plenitude, ele seguirá sendo a consciência, uma consciência tremendamente ampliada.

Krishnamurti: Depende se existe um centro.

Deshpande: Se há um centro, então você não está usando o outro.

Fritz Wilhelm: Nós temos estado operando somente dentro do limitado. Agora, se você se move no outro, como sabe que essa consciência não tem uma direção localizada em um centro?

Krishnamurti: A localização tem lugar quando o pensamento opera como dor, desespero, sucesso, quando o pensamento funciona como “eu”. Quando o “eu” se acha em silêncio, onde está a consciência?

Fritz Wilhelm: Depois disso, tudo se torna conjecturas. Você presume que o único fator que pode projetar o centro é uma desilusão, uma ferida. O pensamento é limitado. Portanto, se projeta a si mesmo. Por que deve a localização depender da limitação?

Krishnamurti: A localização em um centro tem lugar quando o pensamento está funcionando.

Pupul Jayakar: Se o pensamento cessa com sua palavra e seu significado, qualquer coisa que esteja operando então, não é reconhecível como palavra e significado.

Fritz Wilhelm: Você estreita o campo. Eu ainda questiono legitimamente que a frustração seja o único ponto de localização.

Krishnamurti: Eu inclui tudo, não só a frustração senão tudo quanto se encontra no campo do tempo. Agora vejo que as células cerebrais tem operado em um campo muito pequeno, e que esse pequeno campo com sua energia limitada tem criado toda adulteração. O velho cérebro se aquieta. O que temos chamado quietude, é a limitação que se aquieta. O ruído disso se acabou e esse é o silêncio da limitação. Quando o pensamento se dá conta disso, então o próprio cérebro, todo o cérebro, se aquieta.

Pupul Jayakar: Sem dúvida, registra.

Krishnamurti: Certamente. O ruído prossegue.

Pupul Jayakar: A existência continua.

Krishnamurti: A existência sem nenhuma continuidade. O que ocorre, então? Todo o cérebro se aquieta, não a parte limitada.

Fritz Wilhelm: Para nós é a mesma coisa.

Pupul Jayakar: Se não se conhece o outro e o outro não é manipulável, o que para nós se aquieta é só a limitação.

Krishnamurti: Portanto, essa quietude não é quietude.

Pupul Jayakar: Você está introduzindo algo novo...

Deshpande: O que lhe faz dizer que nós não empregamos todo o cérebro?

Fritz Wilhelm: Eu digo que todo meu cérebro está funcionando, mas que não sou consciente dele porque fecho a mim mesmo dentro do campo limitado.

Krishnamurti: Por favor, primeiro detenha o movimento do pensar, depois veja o que ocorre.

Deshpande: Quando o pensamento se detém, as coisas ocorrem por si mesmas; é necessário então pesquisar no que ocorre?

Pupul Jayakar: Quero fazer aqui uma pergunta. Você tem dito que o cessar da limitação do “eu” como pensamento não é o silêncio.

Krishnamurti: Essa é a beleza disso.

Pupul Jayakar: Deixe-me pegar o sentimento disso. Tenha a bondade de repeti-lo.

Krishnamurti: Disse que quando o pensamento com suas limitações diz que está em silêncio, não está em silêncio. O silêncio tem lugar quando toda a condição do cérebro está silenciosa; a coisa total, não só uma parte dela.

Fritz Wilhelm: Por que todo o cérebro deve cair em silêncio?

Krishnamurti: O cérebro total sempre tem estado silencioso. O que eu chamo de silêncio é o cessar do “eu”, do pensamento que tagarela constantemente. O constante tagarelar é o pensamento. Esse tagarelar se deteve completamente. Quando o tagarelar chega a seu fim, há uma sensação de silêncio, mas isso não é silêncio. O silêncio tem lugar quando a mente total, o cérebro — ainda que registrando — está completamente quieto, porque a energia está quieta. Ela pode emergir explosivamente, mas a base da energia é quietude.

Bem, agora, a paixão existe somente quando não há movimento da dor. Você compreende o que eu disse? A dor é energia. Quando há dor, existe o movimento de fuga através de compreender essa dor, de suprimi-la. Mas quando não há movimento algum na dor, se produz uma explosão na paixão. A mesma cosia ocorre quando não há movimento — externo ou interno —, quando não há movimento do silêncio que o “eu” tenha criado por si mesmo com sua limitação, para conquistar algo mais. Quando há absoluto silêncio, silêncio total e, portanto, não há movimento de nenhum tipo, quando tudo está completamente quieto, há um tipo completamente diferente de explosão que é...

Pupul Jayakar: ...Deus.

Krishnamurti: Nego-me a usar a palavra “Deus”, mas este estado não é uma invenção. Não é uma coisa produzida pelo pensamento astuto, porque o pensamento se acha completamente imóvel. Por isso é importante explorar o pensamento, e não “o outro”.

Bombaim, 9 de fevereiro de 1971
Tradição e Revolução
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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Deus não é uma pessoa

Deus não é uma pessoa. Isto é provavelmente o mais longo mal entendido da história. Sempre que uma mentira é repetida por séculos ela parece verdade, mas não é.

Deus é presença, não uma pessoa. É por isso que toda adoração é sem sentido. O espírito de oração é necessário, a oração não. Não existe ninguém para rezar, não existe possibilidade de diálogo entre você e Deus. Diálogo é possível apenas entre duas pessoas, e Deus não é uma pessoa mas uma presença - como a beleza, a alegria... o amor..

Deus simplesmente significa piedade.

Por causa disso é que Buda negou a existência de Deus. Ele quis enfatizar que Deus é uma qualidade, uma experiência - como o amor. Você não pode falar sobre o amor, você precisa vivê-lo. Você não precisa criar templos ao amor, você não precisa criar estátuas ao amor, e se prostrar aos pés dessas estátuas, isso é um contra-senso. (...)

O homem tem vivido sob a pressão de um Deus enquanto pessoa, e duas calamidades tem surgido em função disso: Uma é o chamado homem religioso, que acredita que Deus está em algum lugar no céu e você precisa rezar para ele, para persuadi-lo a realizar seus desejos e a saciar suas ambições , para lhe dar prosperidade neste mundo e no outro mundo também. E isso é puro desperdício.

(Osho)

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Krishnamurti fala sobre o Deus real

Porque a Verdade - o Deus real, o verdadeiro, e não o "deus" feito pelo homem - não quer uma mente que é destruída, que é mesquinha, superficial, estreita, limitada.

[...] A Verdade precisa de uma mente lúcida, capaz de apreciá-la, de uma mente rica - não de conhecimentos, mas de inocência - uma mente em que a experiência nunca deixe a mais leve cicatriz, uma mente liberta do tempo. Os deuses que inventamos para nosso conforto, aceitam a tortura; aceitam uma mente que vamos tornando embotada. Mas a Realidade não quer isso; quer um ser humano total, completo, de coração pleno, rico, límpido, capaz de sentir intensamente, capaz de ver a beleza de uma árvore, o sorriso de uma criança, e a agonia da mulher que nunca teve comida suficiente para matar a fome. Cada um precisa de ter essa extraordinária sensibilidade, de ser sensível a tudo - ao animal, ao gato que passa sobre o muro, à miséria, à sordidez; à degradação do ser humano que vive na pobreza, no desespero. Temos de ser sensíveis, ou seja, temos de sentir intensamente, não apenas numa determinada direção. Sensibilidade que não é a emoção que vem e desaparece, mas uma sensibilidade de todo o nosso ser, de todo o nosso corpo - dos nervos, dos olhos, dos ouvidos, da voz. Se assim não for, não haverá inteligência. E a inteligência vem com a sensibilidade e a observação. A sensibilidade não é fruto da infinita acumulação de conhecimento e de informação. Podíamos conhecer todos os livros do mundo, lê-los, devorá-los; podíamos estar familiarizados com todos os autores, conhecer todas as coisas que tem sido ditas; mas isso não traz inteligência. O que traz inteligência é a sensibilidade, a sensibilidade total da mente - consciente e inconsciente e do coração, com as suas extraordinárias capacidades de afeição, de simpatia, de generosidade. E com isso vem aquela intensa sensibilidade, sensibilidade à folha descorada que cai da árvore, e à miséria de uma rua degradada - temos de ser sensíveis a ambas as coisas; não se pode ser sensível a uma e insensível à outra. Ser sensível - mas não apenas a isto ou àquilo. E quando há essa sensibilidade unida à observação, há a inteligência necessária para observar - para ver as coisas como são, sem nenhuma fórmula, sem nenhuma opinião; para ver a nuvem como nuvem; para ver os nossos íntimos pensamentos, os nossos secretos desejos, como realmente são, sem os interpretar, sem os aceitar ou rejeitar - para observar, apenas, escutar, apenas, esses desejos secretos; e para observar, quando vamos no autocarro, o passageiro ao nosso lado, os seus modos, a sua maneira de falar - observar, apenas. Então, dessa observação vem a clareza. Tal observação expulsa todas as formas de confusão. E assim, com a sensibilidade e a observação surge aquela extraordinária qualidade da inteligência.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Encontrei a verdade, Deus, ou que lhe quiserem chamar

Pergunta: Segue Maomé, ou Cristo?

Krishnamurti: Posso perguntar porque é que alguém deve seguir outro? Afinal, a verdade ou Deus não se encontra imitando outro: nessa altura tornar-nos-emos apenas máquinas. Precisamos de fato, nós, como seres humanos, de pertencer a qualquer seita, seja o Maometismo, o Cristianismo, o Hinduísmo ou o Budismo? Se instituírem uma pessoa como vosso Salvador, como vosso guia, então tem que haver exploração; tem que haver uma modelação do mundo a uma determinada seita tacanha. Ao passo que, se realmente não instituirmos ninguém como autoridade, mas descobrirmos o que eles dizem, o que qualquer ser humano diz, então compreenderemos algo que é duradouro; mas apenas seguir outro não nos levará a lado nenhum. Presumo que sejam todos Cristãos, e que dizem que seguem Cristo. Seguem-no? Os seres humanos, quer pertençam ao Cristianismo ou ao Maometismo ou ao Budismo, seguem realmente os seus líderes? É impossível. Não o fazem. Portanto porquê chamarem a si próprios nomes diferentes e separarem-se? Ao passo que, se tivéssemos realmente alterado o meio em que nos tornamos assim escravos, nessa altura seríamos realmente Deuses em nós mesmos, não seguiríamos ninguém. Pessoalmente, não pertenço a nenhuma seita, grande ou pequena. Encontrei a verdade, Deus, ou que lhe quiserem chamar, mas não a posso transmitir a outro. Apenas se pode descobrir através da inteligência consumada, e não através da imitação de certos princípios, crenças ou personagens.

Jiddu Krishnamurti em Auckland, Nova Zelândia, palestra a homens de negócios 6 de abril, 1934.

Eu afirmo que há algo como Deus

Pergunta: Que significado inteligível, se é que posso perguntar, atribui à ideia de um Deus masculino como postulado por praticamente todo o clero Cristão, e arbitrariamente imposto às massas durante a Idade Média e até ao momento presente? Um Deus imaginado em termos de gênero masculino tem, por todos os cânones sãos e razoáveis da lógica, que ser pensado, rezado, importunado e adorado em termos de personalidade. E um Deus pessoal – pessoal como nós seres humanos necessariamente somos – tem que estar limitado no tempo, no espaço, no poder e na finalidade, e um Deus tão limitado não pode ser um Deus. Precisamente em face desta colossal imposição, arbitrariamente imposta às massas, é para admirar que encontremos o mundo na sua presente situação catastrófica? Deus para ser Deus tem, numa realidade soberana e sensata, que ser a totalidade absoluta e infinita de toda a existência, tanto negativa como positiva. Não é assim?

Krishnamurti: Senhor, porque quer saber se Deus é masculino ou feminino? Porque questionamos? Porque tentamos descobrir se há um Deus, se é pessoal, se é masculino? Não será porque sentimos a insuficiência de viver? Sentimos que se pudéssemos descobrir o que é esta imensa realidade, então poderíamos moldar as nossas vidas de acordo com essa realidade; começamos assim a preconceber o que essa realidade tem que ser ou deve ser, e moldamos essa realidade de acordo com as nossas fantasias e caprichos, de acordo com os nossos preconceitos e temperamentos. Então começamos a edificar uma série de contradições e oposições, uma ideia do que pensamos que Deus deveria ser; e, para mim, um Deus assim não é Deus nenhum. É um meio humano de evasão das constantes batalhas da vida, desta coisa a que chamamos exploração, das inanidades da vida, da solidão, dos sofrimentos. O nosso Deus é apenas um meio de escape destas coisas; ao passo que, para mim, há algo muito mais fundamental, real. Eu afirmo que há algo como Deus; não nos interroguemos sobre o que é. Vocês descobrirão se começarem realmente a compreender o próprio conflito que está a estropiar a mente e o coração: esta luta contínua pela auto-segurança, este horror da exploração, as guerras e as nacionalidades, e os absurdos da religião organizada. Se os enfrentarmos e os compreendermos, então descobriremos o verdadeiro significado em vez de especular; o verdadeiro significado da vida, o verdadeiro significado de Deus.

Jiddu Krishnamurti em Auckland, Nova Zelândia, palestra a homens de negócios 6 de abril, 1934.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Posso encontrar Deus numa trincheira?

[...] Interlocutor: Posso encontrar Deus numa trincheira?

Krishnamurti: Um homem que procura Deus não estará numa trincheira. Quão falsos são os modos do nosso pensamento. Criamos uma falsa situação e nela esperamos encontrar a verdade; no falso tentamos encontrar o real. Feliz daquele que vê o falso como falso e aquilo que é verdadeiro como verdadeiro.

Tornamo-nos pervertidos nos nossos modos de pensar-sentir. Na infelicidade desejamos encontrar a felicidade; só abandonando a causa da infelicidade é que há alegria, Você e o soldado criaram uma cultura que os força a matar e a serem mortos, e no meio desta crueldade desejam encontrar o amor. Se está à procura de Deus não estará numa trincheira, mas se lá estiver e o procurar, saberá como atuar. Justificamos o homicídio e no próprio ato de matar tentamos encontrar o amor. Criamos uma sociedade essencialmente baseada no valor sensorial, na mundaneidade, que necessita de trincheiras. Justificamos e consentimos a trincheira e depois, na trincheira ou no bombardeiro, esperamos encontrar Deus, o amor. Sem alterarmos fundamentalmente a estrutura do nosso pensamento-sentimento, o Real não é encontrado. Sendo invejosos, gananciosos e ignorantes, queremos ser pacíficos, tolerantes e sensatos; com uma mão assassinamos e com a outra pacificamos. É esta contradição que tem que ser compreendida; não pode ter ambas, ganância e paz, a trincheira e Deus; não pode justificar a ignorância e contudo esperar por iluminação.

A própria natureza do ego é estar em contradição; e só quando o pensamento-sentimento se liberta dos seus próprios desejos contraditórios pode haver tranquilidade e alegria. Esta liberdade com o seu júbilo chega com a consciência profunda do conflito da ânsia. Quando se tornar consciente do processo dual do desejo e estiver passivamente alerta, haverá a alegria do Real, alegria essa que não é o produto da vontade ou do tempo.

Não pode fugir da ignorância em qualquer altura, ela tem que ser dissipada através do seu próprio despertar; ninguém o pode despertar, salvo você mesmo. Através da sua própria auto-consciência é que o problema da sua criação cessa de ser.[...]

Jiddu Krishnamurti em Ojai - 5ª Palestra - 24/06/1945

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Meu Deus! Não há nenhum Deus!

Entrevistador: Você se considera um Deus?

Osho: Meu Deus! Não há nenhum Deus, como posso considerar a mim mesmo um Deus? Deus é a maior mentira inventada pelo homem. 

Entrevistador: Porque?

Osho: Porque o ser humano se sente desamparado, com muito medo da morte, muito sobrecarregado com os problemas da vida. Porque ele foi criado por um pai, por uma mãe, e aqueles foram dias maravilhosos; nenhuma responsabilidade, nenhuma preocupação, alguém estava tomando conta dele. Essa infância psicológica é projetada em todas as religiões: Deus se torna o pai. E existem algumas religiões nas quais Deus se torna a mãe. Isso é uma simples projeção psicológica de uma criança, Não tem nenhuma base na realidade. E sempre que você está com medo, sempre que está com problemas, você começa a procurar por ajuda. A ajuda nunca chega. 

Mesmo Jesus na cruz esperava que a ajuda chegasse, e finalmente ficou desapontado e exclamou: "Pai, você me abandonou? Uma grande dúvida deve ter surgido nele, uma grande questão. Nada está acontecendo, e ele acreditava por todos esses anos que Deus viria salvá-lo, seu único filho amado. Ninguém apareceu. Jesus Cristo deve ter morrido completamente desiludido. 

Eu não tenho nenhuma ilusão, eu não posso ser desiludido.

O S H O 

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Você não é uma pessoa

Deus não é uma pessoa. Mil e uma dificuldades surgiram porque o homem sempre considerou Deus como uma pessoa. Todos os problemas com os quais a teologia se preocupa são apenas exercícios fúteis — basicamente porque Deus é tomado como uma pessoa. 

Deus não é uma pessoa e não pode ser — permita que isso penetre o mais fundo possível em você, pois está será uma porta, uma abertura. É difícil principalmente para os que foram educados como judeus, cristãos e muçulmanos conceber Deus como qualquer coisa que não seja uma pessoa — isso se torna um fechamento. 

(...) Deus como pessoa é uma tolice, o conceito inteiro é tolo. E Ele não pode ser uma pessoa porque tem de ser todas as pessoas — como Ele pode ser uma pessoa? Não pode ser alguém porque é todos, e não pode estar num lugar determinado porque está em toda a parte. Não se pode defini-Lo, e a personalidade é uma definição. Não se pode limitá-Lo, e como uma pessoa Ele se torna limitado. A personalidade é como uma onda que vai e vem, e Ele é como o oceano. É imenso — Ele permanece. Personalidades vão e vêm, elas são formas; estão presentes e logo depois não estão mais. As formas mudam; as formas mudam constantemente para os opostos e Deus é a ausência de forma. Não pode ser definido, não se pode dizer quem Ele é. Ele é tudo. Mas no momento em que você diz: "Ele é tudo", cria um problema: como se comunicar? Não há necessidade; não é possível comunicar-se com Ele como pessoa. Você tem de se comunicar com Ele nua dimensão totalmente diferente — a dimensão da energia, a dimensão da consciência, não dá personalidade.

Deus é energia. É consciência absoluta. Deus é graça, é êxtase; indefinível, ilimitado; não tem começo nem fim; para todo o sempre, eterno, atemporal, além do espaço — porque Deus significa totalidade. 

(...) Por causa do conceito de Deus como pessoa, tivemos de criar um Demônio contraposto a Deus, devido a todas as negatividades! —onde você as colocaria? Você tem de criar alguém sobre quem seja possível jogar todas as negatividades. Então o seu Deus torna-se falso, e o seu Demônio também torna-se falso, pois o negativo e o positivo coexistem, não estão separados. Mas tudo o que você gosta põe do lado de Deus, e tudo o que não gosta põe do lado do Demônio. A divisão é sua. 

Deus não pode ser dividido — Ele é indivisível. 

Primeira coisa: Deus não é uma pessoa. E lembre-se: você também não é uma pessoa. Isso é ignorância, é auto-ignorância: é por isso que você parece ser uma pessoa. Se você for mais fundo, logo a personalidade começará a ficar embaraçada; chegará um momento no qual você não saberá quem é. Você já deve ter observado isso: às vezes, quando alguém o desperta subitamente, acontece de, de repente, você não saber onde está — se é de manhã ou de noite, se está em sua casa ou em algum outro lugar, que cidade é; por um momento tudo fica confuso, não tem noção de espaço, não tem noção de tempo, e você não sabe quem você é. Por que isso acontece? Porque dormindo profundamente você se move para o centro, é claro inconscientemente, mas no centro não existe personalidade — existe uma energia impessoal. E se de repente alguém o desperta, você tem de se mover do centro para a periferia tão depressa, que simplesmente não há tempo para recobrar a personalidade. Nessa pressa você simplesmente perde a identidade — e essa é a sua realidade, é isso o que de fato você é. 

Em profunda meditação, cada vez mais você se tornará consciente do indefinível, do ilimitado. No começo se parecerá com um fenômeno anuviado, e você poderá sentir medo, ficar assustado. O que está lhe acontecendo? Está perdendo a cabeça? Está ficando louco? Se você sentir medo, perderá. Não se preocupe, é natural — você está se movendo do definido ao indefinido; no meio haverá um terreno onde tudo será confuso. 

(...) Deus é energia e se você não estiver preparado ela pode ser destrutiva. Deus é uma energia tão infinita e vital que, se o seu veículo não estiver pronto, você simplesmente quebrará. Portanto, a questão não é apenas conhecer Deus. A questão mais profunda é estar pronto antes de poder dizer: "Agora venha", antes de poder convidá-Lo — pois você é tão pequeno e Ele é tão vasto. É como se uma gota de água convidasse o oceano para entrar. O oceano pode vir a qualquer momento, mas o que acontecerá à gota? Ela tem de atingir uma capacidade, uma receptividade infinita, a ponto do oceano se abandonar e desaparecer dentro da gota sem que ela seja esfacelada. Esta arte é grandiosa, esta arte é Religião, Yoga, Tantra, ou seja qual for o nome que você queira dar.

O S H O 

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill