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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Relato de um derrame de lucidez em Krishnamurti

Surgindo por detrás das colinas, a lua rodeada por uma nuvem serpentina transformou-se em uma forma fantástica. Ela projetava uma claridade luminosa sobre as colinas, a terra e as pastagens verdejantes, desaparecendo imediatamente por entre espessas nuvens escuras que anunciavam chuva.
Durante o passeio, a meditação surgia em plena conversação e no meio da beleza noturna. De uma profundidade incrível, ela circulava interior e exteriormente; ela explodia em expansão.
Estávamos conscientes; aquilo chegava; não se pode dizer que estávamos fazendo a experiência, pois toda experiência é limitada; aquilo simplesmente surgia. Não havia nenhuma participação nisso; o pensamento não podia aí tomar parte, pois o pensamento é tão fútil e mecânico que a emoção não podia estar a isso associada; era verdadeiramente muito vivo e ao mesmo tempo perturbador para os dois. Aquilo surgiu de uma profundidade de tal modo desconhecida que não havia nenhum meio de medi-la. Mas havia um grande silêncio. Era absolutamente surpreendente e completamente incomum.
As folhas brilhavam intensamente sob a ação da lua que, em seu movimento em direção do oeste, inundava de luz o quarto. Até mesmo os latidos altos dos cães não perturbavam o silêncio absoluto da noite. Ao acordar, aquilo se encontrava lá, de uma maneira clara e precisa, e era o despertar que se revelava necessário e não o sono; estava bem decidido que era preciso estar consciente do que se passava, atento com plena consciência de todos os acontecimentos. Adormecido, poder-se-ia confundir tudo aquilo com um sonho, uma ilusão do inconsciente, um ardil do cérebro; mas completamente desperto, essa alteração estranha e desconhecida era uma realidade palpável, um fato e não uma ilusão ou um sonho. Aquilo tinha a qualidade, se é que podemos nos exprimir assim, de imponderabilidade e de força impenetrável.
E no repentino despertar, aquilo lá estava. E juntamente com aquilo surgiu um êxtase inesperado, uma alegria irracional; não havia nenhuma causa para isso, pois isso jamais fora objeto de uma pesquisa ou de uma busca. Aquele êxtase estava presente no novo despertar à hora habitual; ele estava lá e continuou durante um tempo bastante longo.

Krishnamurti’s Notebook, Victor Gollanez, Londres, 1976

(Embora seja originário da Índia, o caráter universal de seu ensinamento não permite classificá-lo em nenhuma das tradições espirituais, o que explica o porquê de o situarmos entre os ocidentais contemporâneos.)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Relato de uma experiência culminante


Em algum lugar do passado...

A depressão iniciática havia atingido seu ponto culminante, fazendo com que a mente entrasse em total colapso. Não mais dispunha ela da energia pendular necessária para dar continuidade a sua tentativa de solucionar o conflito — por ela mesmo criado — de forma totalmente dual (faço, não faço... largo, não largo...). Já não havia mais energia para sustentar a resistência diante do forte impulso criado pela mente para a concretização da ideia de cometer suicídio. De repente, deu-se a instalação de um estado de total rendição, de total prostração e impotência diante do poderoso fluxo de conflituosos pensamentos. O corpo se encontrava curvado, quase que em posição fetal. Com o sentimento resultante da rendição, deu-se a constatação dos nervos do corpo se soltando, liberando assim, toda a tensão que causava a dispersão de energia vital. Deu-se a percepção de todo fluxo de energia, antes preso no processo de tensão, sendo direcionado de forma abrupta em direção ao centro da mente, ocasionando algo semelhante a uma explosão silenciosa, seguida de de uma impactante fala, surgida na parte posterior da caixa craniana, bem próximo das primeiras vértebras do pescoço. A impactante fala limitou-se à expressão: "Eu Sou O Que Sou". Instantaneamente, todo conflito, toda confusão, toda tensão, todo labirinto de questionamento, dissolveu-se de tal maneira, que só pode ser simbolizada com a palavra "milagrosa". Uma possante carga de energia apoderou-se do corpo, mente e coração, energia essa que tinha seu centro de origem na região superior do cérebro, dando a impressão de que a mesma partia de um local externo do corpo, algo como um palmo acima da cabeça. Essa energia era profundamente calorosa e o corpo parecia envolto por uma brisa benfazeja, algo como uma Presença Invisível, amorosamente acolhedora. Havia o sentimento de estar seguro sobre a ação dessa Presença. Não existia o sentido de tempo e espaço, observador e coisa observada; tudo parecia ser parte de "Algo" único, dotado de cores e formas, cuja intensidade, torna-se impossível a descrição. Era possível a percepção da energia, dos pensamentos e sentimentos que moviam os seres, bem como os ambientes. Uma capacidade de leitura vibratória, instalou-se juntamente com a potencialização da sensibilidade. Uma Realidade nunca antes imaginada tomou conta de todo o ser, na verdade, não havia separação entre o ser e a Realidade. Essa Realidade se expressa num ritmo próprio, dotado de profunda calma e compaixão. Aliás, o próprio ritmo da respiração podia ser sentido como a Pura Compaixão. Não havia qualquer manifestação de ansiedade, medo ou a necessidade de movimento, de ação por parte do corpo. Era um estado de contemplativa compaixão, o qual trazia consigo, uma percepção imediata, sem espaço para a medição da mente. Nesse estado, não havia passado, nem futuro e, em consequência, nenhum sentido de apego, inclusive no que se refere ao corpo. Havia uma tal clareza de percepção que a mesma chegava a causar dores no ser — mas que não tem nenhuma relação com as dores criadas pelo conteúdo da mente. Enquanto nesse estado, até o entendimento de línguas e símbolos que não faziam parte do conteúdo da mente, eram lidos de imediato, sem esforço, o que para a mente lógica, racional, cartesiana, soa como algo completamente destituído de sentido. Não se tratava de um processo alucinógeno, aliás, apesar da intensidade do processo depressivo, a mente e o corpo não se encontravam sobre a influência de nenhum tipo de droga receitada ou não. Uma intuição premonitória, elevada a níveis indizíveis, apontava a direção e trazia a ação imediata que não era resultante de um processo de ideação, ação imediata esta que causava conflito com outras mentes, que de forma codependente, se alimentavam do antigo estado de ser. Foi no choque com essa mentes controladoras e autocentradas que insistiam dizer que tudo aquilo não passava de um perigoso surto psicótico à ser imediatamente clinicado, que o medo encontrou espaço para a identificação e, por meio dela, deu-se a instalação do processo de "queda do paraíso". Esse estado de bem-estar e bem-aventurança deve ter levado algo próximo a sete dias; não há como precisar. No choque com a antiga realidade, instalou-se novamente um profundo quadro depressivo, no entanto, este já não apresentava mais o anterior impulso para o suicídio, mas sim, um forte impulso para a busca daquele estado de compaixão contemplativa, em cuja totalidade do ser, grafou como que com fogo, a pedra de seus mandamentos. À partir de então, toda relação que não apontasse para a potencialização do Ser e que, ao contrário, forçava ao ajustamento servil, por não servir de ponte, era deixada pelo caminho. Nenhuma verbalização tem o poder de alcançar e registrar o conteúdo do que aconteceu nesse processo iniciático de abertura e limpeza do coração. A tentativa de verbalização pela mente lógica, racional, tem tanta vida e frescor como folhas secas, soltas ao vento outonal.

Derrame de lucidez





A Imensidão não pode ser pensada e "experimentada" pela mente


Áudio da reunião de estudos deste tema, pelo Paltalk, na noite de 13/08/2012.
Para saber como participar, clique aqui.


Embaixo e ao longe se avistava o vale, cheio de atividades próprias dos vales em geral. O sol se punha naquele momento atrás das montanhas longínquas, e as sombras eram escuras e longas. Era uma tarde serena e uma brisa soprava do mar. As laranjeiras, alinhadas em fileiras sucessivas, pareciam quase negras e sobre a longa estrada reta que percorria o vale, viam-se ocasionais lampejos, quando a luz do sol poente se refletia nos carros que passavam. Era uma tarde de paz e encantamento.
A mente parecia abarcar a amplidão do espaço e a distância infinita; ou melhor, a mente parecia expandir-se infinitamente e, acompanhando a mente, mas fora dela, algo existia que continha em si todas as coisas. A mente lutava, na penumbra do subconsciente, procurando reconhecer e lembrar aquilo que não fazia parte dela própria, detendo a sua habitual atividade; mas não podia apreender o que era estranho à sua própria natureza; e logo todas as coisas, inclusive a mente, estavam engolfadas naquela imensidão. Caiu a noite, e o longínquo latir dos cães não perturbava de maneira nenhuma aquela existência que escapava a toda percepção. Ela não pode ser pensada e "experimentada" pela mente.
Mas que foi, então, que percebeu e se tornou cônscio de uma coisa tão diferente das "projeções" da mente? Quem é que a experimenta? Não foi, por certo, a mente constituída das lembranças, reações e impulsos de cada dia. Existe outra mente, ou há uma parte da mente que permanece adormecida e só pode ser despertada por Aquilo que existe acima e além da mente? Se assim é, existe então, sempre, dentro da mente aquela coisa que transcende todo pensamento e o tempo. Todavia, não pode ser assim, pois isso é apenas pensamento especulativo e portanto outra das muitas invenções da mente. 
Uma vez que aquela imensidão não nasce do processo do pensamento, que é então que se torna cônscio dela? A mente, como "experimentador", se torna cônscia dela, ou é aquela imensidão que está cônscia de si mesma, porque não existe mais "experimentador"? Não havia "experimentador", na hora em que aquilo aconteceu, ao descermos a montanha e, todavia, o percebimento da mente era de todo diferente, tanto em qualidade como em intensidade, daquela coisa imensurável. A mente não estava funcionando; achava-se vigilante e passiva e, embora cônscia da brisa a brincar entre as folhas, não havia movimento de espécie alguma, nela própria. Não havia "observador", medindo ou avaliando a coisa observada. aquilo existia e era aquilo que estava cônscio de si mesmo e sua imensurabilidade. Aquilo não tinha começo, nem nome
A mente está cônscia de não poder captar, pela experiência e pela palavra, aquilo que permanece sempre, atemporal e imensurável.     

Krishnamurti - Reflexões sobre a Vida

Uma experiência de bem-aventurança

A imaginação perverte o percebimento de o que é; no entanto, como nos orgulhamos de nossa imaginação e de nosso especular. A mente especulativa, com seus pensamentos complicados, não é capaz de transformação fundamental; não é uma mente revolucionária. Vestiu-se como deveria ser e está seguindo o padrão de suas próprias projeções limitadas, confinantes. O que é bom não está no que deveria ser, mas na compreensão do que é. A mente tem de por de lado toda imaginação e especulação para que o Real tenha existência.
Ele era moço ainda, mas chefe de família e conceituado homem de negócios. Parecia muito preocupado e atribulado, e ansioso por dizer alguma coisa. 
"Há tempos ocorreu-me uma experiência verdadeiramente extraordinária, e como nunca relatei a ninguém não sei se sou capaz de a descrever com clareza para você; espero que sim, pois não há ninguém mais a quem possa me dirigir. Essa experiência arrebatou-me completamente o coração; entretanto, foi-se e dela só me resta a vã lembrança. Talvez você possa ajudar-me a captá-la novamente. Vou relatar-lhe com a possível exatidão o que foi esse estado abençoado. Tenho lido a respeito dessas coisas, mas tudo o que li não passava de vãs palavras, que só me falavam aos sentidos; o que me aconteceu foi uma coisa fora da esfera do pensamento, da esfera da imaginação e do desejo, e eu a perdi. Rogo-lhe para que me ajude a recuperá-la". Calou-se por um instante, e continuou:
"Uma certa manhã despertei muito cedo; a cidade ainda dormia e seus rumores ainda não haviam começado. Senti-me impelido a sair; vesti-me rapidamente e saí para a rua. Nem sequer o caminhão do leite havia começado a circular. A primavera estava em início e o céu era de um azul pálido. Apoderou-se de mim um forte sentimento de que deveria ir ao parque, distante cerca de uma milha. Desde o instante em que transpus a porta da rua, veio-me um estranho sentimento de leveza, como se estivesse caminhando no ar. O edifício fronteiro, um desgracioso conjunto de apartamentos, perdera toda sua fealdade; até os tijolos pareciam mais vivos e luminosos. Todo objeto insignificante, que eu de ordinário não teria sequer notado, parecia dotado de uma qualidade extraordinária, peculiar e, coisa estranha, tudo parecia parte de mim mesmo. Nada estava separado de mim; com efeito, o "eu", como observador, como percipiente, tinha-se ausentado, se você percebe o que quero dizer. Não havia "eu" separado daquela árvore ou do jornal jogado na sarjeta ou das aves que chamavam umas às outras. Era um estado de consciência que eu nunca antes experimentara."
"No caminho do parque", prosseguiu, "havia uma loja de flores. Centenas de vezes passei por ali e de cada vez não dava mais do que um simples relance de olhos para as flores. Mas naquela manhã parei diante da loja. A vitrine estava ligeiramente embaçada, do calor e da umidade interiores, mas isso não me impedia de ver as diversas variedades de flores. Enquanto ali estava, a contempla-las, comecei a sorrir e a rir, possuído de uma alegria nunca experimentada anteriormente. As flores estavam a falar-me e eu a falar com elas; sentia-me misturado com elas, elas faziam parte de mim mesmo. Ao dizer-lhe isso poderei dar-lhe a impressão de que me achava num estado histérico, ligeiramente privado de razão; mas não era assim. Vestira-me com muito cuidado, perfeitamente cônscio dos meus atos, escolhendo peças limpas de vestuário, consultando o relógio, vendo os letreiros das lojas, inclusive o de meu alfaiate, e lendo os títulos dos livros expostos na vitrine de uma livraria. Tudo era vivo e eu amava todas as coisas. Eu era o perfume daquelas flores, mas não havia "eu" a cheiras as flores, se você entende o que quero dizer. Não havia separação entre elas e mim. Aquela loja de flores apresentava um fantástico espetáculo de cores, de uma beleza que parecia extasiante, pois o tempo e sua medida haviam cessado. Devo estar ali mais de vinte minutos, mas garanto-lhe que não tinha noção nenhuma de tempo. Foi-me difícil partir de perto daquelas flores. O mundo de luta, de dor e sofrimento era inexistente naquela hora. Com efeito, num tal estado as palavras são sem significação. As palavras são descritivas, discriminativas, comparativas, mas naquele estado não existiam palavras. "Eu" não estava experimentado; só havia um estado — a experiência. O tempo cessara: não havia passado, presente ou futuro.  Só havia — Oh! Não sei expressá-lo por palavras, mas não importa. Havia uma Presença — não, não é esta a palavra. Era como se a Terra, com tudo o que nela e sobre ela existe, tivesse recebido uma benção dos céus, e eu, dirigindo-me para o parque, fazia parte dela. Ao aproximar-me do parque, fiquei completamente fascinado pela beleza daquelas árvores familiares. Do amarelo pálido ao verde mais escuro, as folhas dançavam cheias de vida. Cada uma das folhas destacava-se, separadamente, e toda a riqueza da Terra se concentrava numa única folha. Senti o coração acelerar-se; tenho um coração robusto, mas mal podia respirar, ao entrar no parque, e pensei desmaiar. Sentei-me num banco, as lágrimas rolavam-me pelas faces. Rodeava-me um silêncio verdadeiramente intolerável. Mas esse silêncio estava purificando todas as coisas, lavando-as da dor e do sofrimento. Ao internar-me mais no parque, havia música no ar. Fiquei surpreso, pois não havia vasas nas imediações e por certo ninguém teria levado um rádio para o parque àquela hora da madrugada. A música fazia parte daquela totalidade. Toda a bondade, toda a compaixão do mundo estava presente naquele parque, Deus estava ali."
"Não sou teólogo nem muito menos religioso", continuou, "já entrei pelo menos uma dúzia de vezes numa igreja, mas isso nunca teve muita significação para mim. Não suporto o amontoado de absurdos que se presencia numa igreja. Mas naquele parque estava presente um Ser, se se pode empregar tal palavra, no qual todas as coisas viviam e agiam. As pernas me tremiam, forçando-me a sentar-me novamente, recostado numa árvore. O tronco era uma entidade viva como eu, e eu fazia parte daquela árvore, daquele Ser, do mundo. Devo ter desmaiado. Aquilo fora excessivo para mim: as cores intensas e vivas, as folhas, as pedras, as flores, a incrível beleza de todas as coisas. E, por sobre tudo aquilo, a benção de..."
"Quando tornei a mim já era nado o sol. Em geral, levo uns vinte minutos, a pé, até o parque; mas já fazia quase duas horas que eu saíra de casa. Fisicamente, sentia-me sem forças para voltar a pé; e, assim, deixei-me ficar ali, sentado, reunindo as forças e sem ousar pensar. Ao voltar para casa, lentamente, levava comigo, toda inteira, aquela experiência; durou ela dois dias e, tão subitamente como viera, desapareceu. Começou então o meu tormento. Durante uma semana inteira não cheguei, sequer, às proximidades do meu escritório. Queria de volta aquela experiência extraordinária, viva, queria tornar a viver, e para sempre, naquele mundo beatífico. Tudo isso aconteceu há dois anos. Andei pensando seriamente em ir-me para um recanto solitário do mundo, mas o coração me dizia que não a recuperaria dessa maneira. nenhum mosteiro pode oferecer-me aquela experiência; não a encontrarei em nenhuma igreja cheia de velas acesas e onde só nos oferecem a morte e a escuridão. Pensei em partir para a Índia, mas abandonei também tal idéia. Experimentei então uma certa droga; ela me fez mais vívidas as coisas, etc., mas não é de narcóticos que eu preciso. Isso é querer comprar muito barato o "experimentar"; e o que se tem é uma ilusão e não uma coisa real". 
"Aqui estou, pois", concluiu. "Tudo eu daria, minha vida e todos os meus haveres, para viver de novo naquele mundo. Que devo fazer?"
Ele veio a você, sem você o ter chamado, senhor. Você nunca o procurou. Enquanto você estiver procurando, não o terá nunca. Justamente o desejo de tornar a viver aquele estado extático, está impedindo a vinda do novo, a experiência nova daquela suprema felicidade. Veja o que aconteceu: você teve aquela experiência e está vivendo agora da lembrança morta de ontem. "O que foi" está impedindo a vinda do novo.
"Você quer dizer que devo pôr fora e esquecer tudo o que foi e ir arrastando de dia em dia minha insignificante existência, interiormente esfomeado?"
Se você não continuar a relembrar e a pedir mais — o que constitui um verdadeiro esforço — será então possível que aquela mesma coisa que escapa inteiramente ao nosso controle, atue por sua vontade própria. A avidez, mesmo com um alvo sublime, só pode gerar sofrimento; a ânsia de mais abre a porta do desejo. Aquela bem-aventurança não pode ser comprada com nenhum sacrifício, nenhuma virtude, e nenhuma droga. Ela não é uma recompensa, um resultado. Vem espontaneamente; não a busque. 
"Mas aquela experiencia foi real, veio da esfera do Sublime?"
Sempre queremos que outra pessoa confirme um fato ocorrido, nos dê certeza a respeito dele, para ficarmos abrigados nesta certeza. Tornar-se certo ou seguro em relação ao que foi, ainda que tenha sido o Real, significa fortalecer o irreal e gerar a ilusão. Trazer para o presente o que passou — agradável ou desagradável — é fechar a porta ao Real. A Realidade não tem continuidade. Ela existe momento por momento; é atemporal, imensurável.

Krishnamurti - Reflexões sobre a vida

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Teorias e especulações nada significam diante do que é

18 de agosto de 1961

Chovera quase toda a noite e esfriara muito; caíra neve sobre os montes e colinas. Soprava um vento cortante. Os prados verdes, de um verde surpreendente, estavam extraordinariamente brilhantes. E choveu também praticamente todo o dia e, somente ao entardecer, começou a clarear e o sol despontou entre as montanhas. Estávamos seguindo por um caminho que ia de aldeia a aldeia, caminho que circundava fazendas entre esplêndidas campinas verdejantes. Os postes que sustinham os pesados cabos de eletricidade erguiam-se de forma impressionante contra o céu do entardecer e era belo, havia força, quando se admirava aquelas imponentes estruturas de aço contra as nuvens que passavam céleres. Ao cruzarmos uma ponte de madeira, vimos o riacho transbordando de tanta chuva; ele corria depressa com a força e a energia que só os riachos das montanhas têm. Ao olharmos o riacho de cima abaixo, contido entre barrancos firmes de pedras e árvores, nos conscientizamos do movimento do tempo: passado, presente, futuro. A ponte era o presente e toda a vida passava e vivia através do presente.

Mas, além de tudo isso, existia ao longo daquela senda lamacenta e varrida pela chuva, uma outra coisa, um mundo que não poderia jamais ser alcançado pelo pensamento, pelas atividades e pelos eternos pesares do ser humano. Esse mundo não resultava nem de esperança nem de fé. Não estávamos plenamente conscientes dele, naquele momento, pois havia muito a observar, sentir e cheirar: as nuvens, o céu pálido azul das montanhas, o sol no meio delas e a luz do entardecer pairando sobre o campo iluminado, e ainda o perfume dos currais e das flores escarlates ao redor das casas das fazendas. Este outro mundo estava lá cobrindo tudo, sem deixar nada de fora e quando nos deitamos, ele chegou de mansinho, enchendo nossas mentes e corações. Ficamos então conscientes de sua beleza sutil, de seu amor e de sua paixão. Não amor entronizado nas imagens, evocado nos símbolos, nos quadros e nas palavras, nem o que se encarapuça na inveja e no ciúme, mas o que está livre do pensamento, do sentimento, como um movimento em curva, perene. Sua beleza participa do auto-abandono da paixão. Não existe paixão por essa beleza se não houver austeridade. Austeridade não é um produto da mente, cuidadosamente alcançada à custa de sacrifícios, supressão e disciplina. Tudo isso precisa acabar naturalmente, pois, para essa outra coisa, não tem sentido. Ela foi se infiltrando, com sua incomensurável, desmedida riqueza. Este amor não tinha nem centro nem periferia e era tão completo, tão invulnerável que nele não havia sombra nem jamais possibilidade de destruição.

Sempre olhamos de fora para dentro; partindo do conhecimento prosseguimos rumo a novos conhecimentos, sempre acrescentando, sendo que no caso, a própria subtração é uma outra forma de adição. E nossa consciência é composta de milhares de lembranças e de reconhecimentos, estando ciente do farfalhar das folhas, da flor, do transeunte, da criança que corre pelos campos; ciente da pedra, do riacho, da luminosa flor vermelha, do cheiro ruim de um chiqueiro. A partir dessas lembranças e reconhecimentos, a partir dessa reações externas, tentamos nos conscientizar dos recessos interiores, dos motivos e necessidades profundas, mergulhando mais e mais nas vastas profundezas da mente. Todo esse processo de desafios e respostas, de experimentar e reconhecer as atividades claras e ocultas, tudo isso é consciência vinculada ao tempo.

A taça não é só forma, cor, desenho, mas também o vazio dentro dela. A taça é o vazio contido dentro da forma; sem esse vazio não existiria nem taça, nem forma. Reconhecemos a consciência por outros indícios, por suas limitações, em altura e profundidade, de pensamento e sentimento. Mas tudo isso constitui a forma externa da consciência – a partir do exterior procuramos atingir o interior, do conhecido sondamos, esperando encontrar o desconhecido. É possível sondar do interior para o exterior? O aparelho que sonda de fora para dentro, já conhecemos, mas existe um aparelho que parta do desconhecido para o conhecido? Existe? E como pode existir? Não pode existir. Se existe, ele é reconhecível e sendo reconhecível pertence ao campo de conhecido. Essa estranha benção chega quando quer, mas como cada visita ocorre, bem lá no fundo, uma transformação: tudo muda.

Krshnamurti – Sobre Deus

O pensamento não pode pensar a respeito do estado além do tempo

O dia estava nublado, carregado de nuvens escuras. Chovera pela manhã e, de repente, esfriara. Após uma caminhada, conversáramos, mas admirávamos, sobretudo, a beleza do lugar, as casas, as árvores. 

Inesperadamente, prorrompeu um relâmpago, uma faísca dessa força, desse poder inacessível que abala fisicamente. O corpo tornou-se gelado e tivemos de fechar os olhos para não desmaiar. Provocou, realmente, um abalo, e tudo que existia pareceu não existir. E a imobilidade dessa força, aliada à energia destrutiva que a acompanhava, aboliu os limites da visão e dos sons. Era algo indescritivelmente grande, cuja altura e profundidade não podem ser conhecidas. 

Nesta manhã, bem cedo, assim que despontou a aurora, sem uma nuvem no céu e apenas visíveis as montanhas cobertas de neve, acordei com aquela sensação de impenetrável força nos olhos e na garganta; parecia um estado palpável, algo sempre ali presente. Esse estado durou uma hora e durante todo esse tempo o cérebro permaneceu vazio. Não era uma coisa que pudesse ser captada pelo pensamento e armazenada na memória para ser relembrada. Estava ali e todo pensamento morto. O pensamento é uma coisa funcional, útil somente nesse reino; O pensamento não poderia pensar a respeito porque pensamento é tempo e aquele estado situava-se além do tempo, além do limitado. O pensamento, a vontade não poderiam desejar sua continuação ou sua repetição, porque tanto o pensamento como a vontade estavam totalmente ausentes. Então, o que é que restou para que isso possa ser escrito? Apenas um registro mecânico, mas o registro, a palavra, não é a coisa. 

Krishnamurti - O Diário de Krishnamurti - 18 de agosto de 1961      

O pensamento é uma coisa tão banal, necessária, mas banal

O quarto encheu-se dessa benção. Agora, o que se seguiu, é quase impossível descrever; palavras são uma coisas tão morta, dotadas de conceitos definidos, e o que ocorreu supera todas as palavras e descrições. Era o centro de toda criação; uma circunspecção purificadora que varria do cérebro todo pensamento e sensação; circunspecção que era como um raio que queima e arrasa; de profundidade imensurável. Estava presente, imóvel, impenetrável, uma solidez que era tão leve como o firmamento. Estava nos olhos, no alento. Estava nos olhos e os olhos podiam ver. Os olhos que viam, que enxergavam, eram olhos totalmente diferentes do órgão da visão e eram, no entanto, os mesmos olhos. Olhos que viam além do tempo e do espaço, apenas viam. Existia uma dignidade impenetrável e uma paz que constituía a essência de todo movimento, de toda ação. Nenhuma virtude a tocava, pois ela se situava além de toda virtude e sansões humanas. Havia amor, que era extremamente perecível e que tinha, também, a delicadeza de todas as coisas novas, vulneráveis, destrutíveis e que, no entanto, estava além de tudo isso. Estava lá, imperecível, inominável — o desconhecido. Nenhum pensamento poderia, jamais, penetrá-lo; nenhum gesto, jamais, alcançá-lo. Era "puro", intocado e tão perecivelmente belo. 

Tudo isso parecia afetar o cérebro; ele não era como antes. (O pensamento é uma coisa tão banal, necessária, mas banal). Devido a isso, as relações parecem ter mudado. Como uma tremenda tempestade, um terremoto destruidor, imprimem um novo curso aos rios, transformam a face da terra, abrem crateras no solo, assim nivelou os contornos da mente, alterou a forma do coração. 

Krishnamurti - O Diário de Krishnamurti - 20 de julho de 1961    

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A Busca do homem

Através das idades veio o homem buscando uma certa coisa além de si próprio, além do bem-estar material — uma coisa que se pode chamar verdade, Deus ou realidade, um estado atemporal — algo que não possa ser perturbado pelas circunstâncias, pelo pensamento ou pela corrupção humana. O homem sempre indagou: Qual a finalidade de tudo isto? Tem a vida alguma significação? Vendo a enorme confusão reinante na vida, as brutalidades, as revoltas, as guerras, as intermináveis divisões dá religião, da ideologia, da nacionalidade, pergunta o homem, com um profundo sentimento de frustração, o que se deve fazer, o que é isso que se chama viver e se alguma coisa existe além de seus limites.
E, não podendo encontrar essa coisa sem nome e de mil nomes que sempre buscou, o homem cultivou a fé — fé num salvador ou num ideal, a fé que invariavelmente gera a violência.
Nesta batalha constante que chamamos "viver", procuramos estabelecer um código de conduta, conforme a sociedade em que somos criados, quer seja uma sociedade comunista, quer uma pretensa sociedade livre; aceitamos um padrão de comportamento como parte de nossa tradição hinduísta, muçulmana, cristã ou outra. Esperamos que alguém nos diga o que é conduta justa ou injusta, pensamento correto ou incorreto e, pela observância desse padrão, nossa conduta e nosso pensar se tornam mecânicos, nossas reações, automáticas. Pode-se observar isso muito facilmente em nós mesmos.
Durante séculos fomos amparados por nossos instrutores, nossas autoridades, nossos livros, nossos santos. Pedimos: "Dizei-me tudo; mostrai-me o que existe além dos montes, das montanhas e da Terra" — e satisfazemo-nos com suas descrições, quer dizer, vivemos de palavras, e nossas vidas são superficiais e vazias. Não somos originais. Temos vivido das coisas que nos tem dito, ou guiados por nossas inclinações, nossas tendências, ou impelidos a aceitar pelas circunstâncias e o ambiente. Somos o resultado de toda espécie de influências e em nós nada existe de novo, nada descoberto por nós mesmos, nada original, inédito, claro.
Consoante a história teológica garantem-nos os guias religiosos que, se observarmos determinados rituais, recitarmos certas preces e versos sagrados, obedecermos a alguns padrões, refrearmos nossos desejos, controlarmos nossos pensamentos, sublimarmos nossas paixões, se nos abstivermos dos prazeres sexuais, então, após torturar suficientemente o corpo e o espírito, encontraremos uma certa coisa além desta vida desprezível. É isso o que tem feito, no decurso das idades, milhões de indivíduos ditos religiosos, quer pelo isolamento, nos desertos, nas montanhas, numa caverna, quer peregrinando de aldeia em aldeia a esmolar, quer em grupos, ingressando em mosteiros e forçando a mente a ajustar-se a padrões estabelecidos. Mas, a mente que foi torturada, subjugada, a mente que deseja fugir a toda agitação, que renunciou ao mundo exterior e se tornou embotada pela disciplina e o ajustamento — essa mente, por mais longamente que busque, o que achar será em conformidade com sua própria deformação.
Assim, para descobrir se de fato existe ou não alguma coisa além desta existência ansiosa, culpada, temerosa, competidora, parece-me necessário tomarmos um caminho completamente diferente. O caminho tradicional parte da periferia para dentro, para, através do tempo, da prática e da renúncia, atingir gradualmente aquela flor interior, aquela íntima beleza e amor — enfim, tudo fazer para nos tornarmos estreitos, vulgares e falsos; retirar as camadas uma a uma; precisar do tempo: amanhã ou na próxima vida chegaremos — e quando, afinal, atingimos o centro, não encontramos nada, porque nossa mente se tornou incapaz, embotada, insensível.
Após observar esse processo, perguntamos a nós mesmos se não haverá outro caminho totalmente diferente, isto é, se não teremos possibilidade de "explodir" do centro.
O mundo aceita e segue o caminho tradicional. A causa primária da desordem em nós existente é estarmos buscando a realidade prometida por outrem; mecanicamente seguimos todo aquele que nos garante uma vida espiritual confortável. É um fato verdadeiramente singular esse, que, embora em maioria sejamos contrários à tirania política e à ditadura, interiormente aceitamos a autoridade, a tirania de outrem, permitindo-lhe deformar a nossa mente e a nossa vida. Assim, se de todo rejeitarmos, não intelectual, porém realmente, a autoridade dita espiritual, as cerimônias, rituais e dogmas, isso significará que estamos sozinhos, em conflito com a sociedade; deixaremos de ser entes humanos respeitáveis. Ora, um ente humano respeitável nenhuma possibilidade tem de aproximar-se daquela infinita, imensurável realidade.
Começais agora por rejeitar uma coisa que é totalmente falsa — o caminho tradicional — mas, se o rejeitardes como reação, tereis criado outro padrão no qual vos vereis aprisionado como numa armadilha; se intelectualmente dizeis a vós mesmo que essa rejeição é uma idéia importante, e nada fazeis, não ireis mais longe. Se entretanto a rejeitardes por terdes compreendido quanto é estúpida "e imatura, se a rejeitais com alta inteligência, porque sois livre e sem medo, criareis muita perturbação dentro e ao redor de vós, mas vos livrareis da armadilha da respeitabilidade. Vereis então que cessou o vosso buscar. Esta é a primeira coisa que temos de aprender: não buscar. Quando buscais, agis, com efeito, como se estivésseis apenas a olhar vitrinas.
Krishnamurti

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O Despertar da Inteligência

O Despertar da Inteligência

A maioria das pessoas se satisfaz com uma definição do que é inteligência. (…) A mente inteligente é aquela que investiga, (…) observa, aprende, estuda. E isso significa o quê? Que só há inteligência quando não há medo, quando você está disposto a se rebelar contra toda a estrutura social, a fim de descobrir o que é Deus, (…) a verdade relativa a qualquer coisa. (1)

Inteligência não é sapiência. Se você pudésse ler todos os livros do mundo, isso não lhe daria inteligência. A inteligência é coisa muito sutil; ela não tem ancoradouro. Surge quando você compreende o processo total da mente (…). A inteligência, pois, surge com a compreensão de você mesmo; e você só pode compreender-se em relação com o mundo das pessoas, das coisas, e das idéias. Inteligência não é coisa adquirível, como a sapiência; ela surge (…) quando não há medo; quando há sentimento de amor, (2) 

Compreender o falso como falso, perceber o verdadeiro no falso, reconhecer o verdadeiro como verdadeiro, eis o começo da inteligência. (3)

Vamos investigar juntos o que é a inteligência. (…) Um dos fatores da inteligência é o de investigar e descobrir; explorar a natureza do falso, porque na compreensão do falso, no descobrimento do que é ilusão, está a verdade, que é inteligência. (4) 

Que é inteligência? Inteligência é perceber o ilusório, o falso, o irreal e descartá-lo; não afirmar meramente que é falso e continuar no mesmo, sem descartá-lo por completo. (…) Ver, por exemplo, que o nacionalismo, com todo o seu patriotismo, seu isolamento, sua estreiteza de idéias é destrutivo, (…). E ver a verdade disso, é descartar o falso. Isso é inteligência. (…) Inteligência não é a engenhosa busca de argumentos, de opiniões contraditórias que se opõem umas às outras. (…) A inteligência está mais além do pensamento. (5)
  Não desejo ser parcialmente inteligente, mas inteligente de maneira integral. Quase todos nós somos inteligentes “em camadas”, vocês provavelmente num sentido, e eu em outro. Alguns de vocês são inteligentes nas atividades comerciais, outros nas (…) de escritório, etc. As pessoas são inteligentes de diferentes maneiras, mas não somos integralmente inteligentes. Ser integralmente inteligente significa existir sem o “eu”. (6)

Inteligência não é acumulação de experiências e de conhecimento. Inteligência é o mais alto grau de sensibilidade. Ser sensível a todas as coisas, aos pássaros, à sordidez, à pobreza, à beleza de uma árvore, à formosura de um rosto, ao ocaso, às cores, (…) ao sorriso de uma criança, às lágrimas, ao riso, à dor, à agonia, à angústia, às desditas (…) - ser totalmente sensível a tudo significa ser inteligente. E não podemos ser inteligentes se cuidamos apenas de reprimir ou de ceder. Só podemos ser sensíveis quando há compreensão. (7)

Que é inteligência? Um homem que está assustado e ansioso; que é invejoso e ávido; cuja mente está copiando, imitando, cheia de saber e da experiência de outros; cuja mente é limitada, controlada, moldada pela sociedade, pelo ambiente - esse homem é inteligente? Você o chama inteligente, mas não o é. (8)

Estar consciente de tudo isso, sem opção, sem ser tragado pela complexidade das questões vitais, sem resistir ao fluxo avassalador da vida, é ser inteligente. Implica também não depender das circunstâncias e, portanto, estar apto a compreender e a libertar-se da influência e das condições ambientais. (…) Mas, a inteligência supera todas as barreiras, livre de qualquer objetivo de ganho individual ou coletivo. (…) A capacidade de destruir o passado psicológico é a essência da inteligência, (…). O sofrimento é a negação da inteligência. (9)

Tem o amor uma causa? Dissemos que a inteligência não tem causa - é inteligência, (…) é luz. Quando há luz, não é minha luz ou a luz de vocês. O sol não é o sol de vocês ou meu sol; é a claridade da luz. Tem o amor uma causa? Se não tem, então o amor e a inteligência caminham juntos. (10)

Devemos discutir também a natureza da inteligência. A compaixão tem sua própria inteligência, o amor tem sua inerente inteligência. Vamos investigar o que é inteligência. Certamente, não pode ser ela encontrada em livros. Conhecimento não é inteligência. Onde há amor, compaixão, há a beleza de sua própria inteligência. A compaixão não pode existir se você é hindu, católico, protestante, budista ou marxista.

O amor não é produto do pensamento. No entendimento da natureza do amor, compaixão, que é negar tudo aquilo que não é, ver o falso no falso é o início da inteligência. (…) Ver a natureza da desordem, e terminá-la, não continuá-la dia após dia, mas cessá-la - o fim é percepção imediata, que é inteligência. (11)

Estamos perguntando o que é inteligência. Esperteza não é inteligência. Ter grande quantidade de conhecimento sobre vários assuntos - matemática, história, ciência, poesia, pintura - não constitui atividade da inteligência. O investigador do átomo pode ter extraordinária capacidade de concentração, imaginação, investigação, discussão, formulação de hipóteses e mais hipóteses, teorias e mais teorias, mas tudo isso não é inteligência. (12)

Inteligência, para mim, não é o conhecimento tirado dos livros. Vocês podem ser muito eruditos e, apesar disso, estúpidos. Podem haver lido muitas filosofias e, apesar disso, desconhecer a beatitude do pensamento criativo, o qual somente pode existir quando a mente e o coração começarem a se libertar (…) pelo constante apercebimento das coisas estúpidas (…). Somente então virá à existência o êxtase do que é verdadeiro. (13)

Que é conhecimento? (…) A inteligência utiliza-se dos conhecimentos, pois ela é a capacidade de pensar com clareza, objetividade, sensatez, naturalidade. Conseqüentemente, é isenta de emoção, preconceito, preferências ou inclinações pessoais. Inteligência é a capacidade de compreensão direta. (…) Inteligência é a qualidade característica da mente sensível, viva, consciente. Ela não se prende a nenhum juízo ou avaliação pessoal, e faculta imparcialidade e lucidez ao pensamento. A inteligência em nada se deixa envolver. (14)

Inteligência não é inventividade, memória, ou mero exercício verbal. É muito mais do que isso. Por bem informados e talentosos que sejamos, em certo aspecto da existência, somos ignorantes em outros sentidos. O acúmulo de conhecimentos não reflete, necessariamente, uma mente inteligente. Tampouco a capacidade e o talento. Mas a sensível percepção da vida, de seus problemas, (…) contradições, (…) aflições e alegrias, revela sabedoria. (15)

A maioria pensa que inteligência é resultado da aquisição de conhecimento, informação, experiência. Por ter grande soma de conhecimento e experiência, acreditamos ser capazes de fazer face à vida com inteligência. Mas a vida é uma coisa extraordinária, nunca é estacionária; como o rio, está fluindo constantemente, nunca pára. (16)

A inteligência só é possível quando há liberdade real em relação ao ego, (…) ao “eu”, isto é, quando a mente já não seja o centro da busca de “mais e mais”; quando ela já não está subjugada pelo desejo de experiência maior, mais vasta, mais expansiva. (…) A compreensão de todo esse processo é o autoconhecimento. Quando alguém se conhece tal como é, sem um centro acumulador, desse autoconhecer provém a inteligência capaz de fazer face à vida; e essa inteligência é criativa. (17)

A dimensão diferente só pode operar através da inteligência; se não há essa inteligência, ela não pode operar. Dessa forma, na vida diária ela só pode operar quando a inteligência está funcionando. A inteligência não pode operar quando o velho cérebro está ativo, quando há qualquer forma de crença e aderência a qualquer fragmento particular do cérebro. Tudo isso é falta de inteligência. (…) Quando se descobre a limitação do velho, esta mesma descoberta é inteligência. (18)

Para mim, inteligência é a mente e o coração em plena harmonia; e então verificarão, por si mesmos (…), o que é essa realidade. (19)

A inteligência é a essência mesma da divindade; mas é evidente que a inteligência tanto pode criar como destruir, que ela governa e dirige as emoções - é o impulso que nos propele para o nosso alvo. (20)

A inteligência pode e deve encontrar por si mesma a Verdade, deve aprender a viver sua própria vida no Reino da Felicidade. Sem um espírito cultivado e uma inteligência inata, não será possível à vocês se aproximarem do alvo. (21)

O êxtase da Realidade encontra-se pela inteligência desperta e no mais alto grau de intensidade. Inteligência não significa cultivo da memória ou da razão, mas, sim, uma percepção da qual é banida a identificação e a escolha. (22)

Uma inteligência desperta tem um discernimento profundo, verdadeiro, em todos os problemas psicológicos, nas crises, nos bloqueios, etc.; não é uma compreensão intelectual, não é um (…) conflito. Ter discernimento é uma questão humana, é despertar esta inteligência; ou, tendo esta inteligência, existe o discernimento (…). Em um discernimento assim, não há conflito; (…) A partir desse discernimento, que é inteligência, surge a ação (…) instantânea. (23)

Porém, se vocês se acham atentos a todas essas coisas e estão insatisfeitos (…) A chama do descontentamento, devido a não haver saída, (…) não haver um objeto no qual satisfazer-se, se converte em uma grande paixão.

(…) Visto que a compaixão está relacionada com a inteligência, não há inteligência sem compaixão. E só pode haver compaixão quando houver amor, o que é completamente livre de todas as recordações, ciúmes pessoais e assim por diante. (24)

Essa paixão é inteligência. Se vocês não se encontram perturbados nestas coisas superficiais (…), essa chama extraordinária se intensifica. Isso produz na mente uma qualidade de profundo e instantâneo discernimento (…), e a ação provém desse discernimento. (25)

Há uma inteligência que seja incorruptível, não baseada em circunstâncias, não pragmática, não egocêntrica, quer dizer: não fracionada, total? Há uma inteligência que seja impecável, sem frestas, que abarque toda a manifestação do homem? Para inquirir sobre isto, deve o cérebro estar livre de qualquer conclusão, (…) de movimento egocêntrico, (…) de medo, de sofrimento. Quando há o fim do sofrimento, há paixão. (…) Não há paixão “por” alguma coisa.

A paixão existe per se, por si mesma (…). Assim, se tem que descobrir (…) como se aproximar dessa paixão, que não é luxúria nem tem nenhum motivo. Há tal paixão? (…) Quando o sofrimento chega ao fim, há amor e compaixão. E quando há compaixão, (…) então essa compaixão tem sua própria quintessência e inteligência. Isto é, não pertence ao tempo nem a teoria alguma, a nenhuma tecnologia, a ninguém; tal inteligência não é pessoal nem universal, nem as palavras a exprimem. (26)

Inteligência é a atividade do todo da vida, e essa inteligência não é sua nem minha. Não pertence a nenhum país ou povo, como o amor não é cristão ou hindu, etc. Portanto, (…) pesquisem sobre tudo isto, porque nossas vidas dependem disso. Somos pessoas desafortunadas e miseráveis, sempre em conflito. (…) Temos aceitado isso como parte da vida. Mas se investigarmos tudo isso, dá-se o despertar daquela inteligência, e, quando ela se acha em operação, ação, só então há correta ação. (27)

Não é a inteligência de um homem engenhoso, não estamos falando disso. Agora opere com essa inteligência, que não é sua nem minha... ou de outra pessoa. Esse discernimento é inteligência universal, inteligência global ou cósmica. Avançando mais nisso, tenha um discernimento na dor que não é a dor do pensamento. Então, nesse discernimento há compaixão. (28)

Agora tenha um discernimento na compaixão. É a compaixão o fim de toda a vida? O fim de toda a morte? Parece sê-lo, porque a mente se esvazia de todas as cargas que o homem se impôs a si mesmo (…). Portanto, você tem esse sentimento extraordinário, tem dentro de si essa coisa tremenda. Aprofunde-se nessa compaixão. E então há algo sagrado, não contaminado pelo homem. E isso pode ser a origem de todas as coisas - que o homem mutilou. Entende? (29)

A mente despida de todas as suas lembranças e óbices, funcionando espontaneamente, plenamente, a mente, vigilante e perceptiva, cria a compreensão, e isso é inteligência, (…); isso para mim é imortalidade, atemporalidade. (30)

Inteligência é o discernimento do essencial, e para discernir o essencial temos de estar livres dos obstáculos que a mente “projeta” (31)

A chama da inteligência, do amor, só pode ser despertada quando a mente está vitalmente apercebida do próprio pensamento condicionado, com seus temores, valores e desejos. (32)

A inteligência pura é aquele estado mental em que há um percebimento isento de escolha, em que a mente está silenciosa. Nesse estado de silêncio só há o ser; nele, surge aquela Realidade (…) maravilhosa atividade criadora, que está fora do tempo. (33)

Por “percebimento”, entendo um estado de vigilância em que não há escolha. Estamos simplesmente observando o que é. Mas ninguém pode observar o que é, se tem alguma idéia ou opinião a respeito do que vê, dizendo-o “bom” ou “mau”, (…) avaliando. (34)

Mas, acontece que a mente da maioria de nós está embotada, semi-adormecida; só certas partes dela se acham ativas - as partes especializadas, pelas quais funcionamos automaticamente, pela associação, pela memória, tal como um cérebro eletrônico. A mente, para ser vigilante, sensível, necessita de espaço, no qual possa olhar as coisas sem nenhum fundo de conhecimentos prévios; (35)

Eu asseguro á vocês que, quando houver completa nudez, (…) falta de esperança, então, num momento assim, de vital insegurança, nascerá a chama da suprema inteligência, a beatitude da verdade. (36) New York City, 1935, pág. 24
 Inteligência é a solução única que produzirá a harmonia neste mundo de conflito, harmonia entre a mente e o coração, na ação. (…) Vocês mesmos, mediante o próprio apercebimento, (…) é que poderão discernir o verdadeiro significado destas múltiplas barreiras limitadoras. Só isso produzirá a inteligência perdurável, que há de lhes revelar a imortalidade. (37)

Isto é, se vocês estiverem plenamente despertos, apercebidos de uma ação que exija o ser inteiro de vocês, então perceberão que todas essas perversões ocultas, inconscientes, virão à tona e lhes impedirão de agir plenamente, de modo completo. Será essa a ocasião, então, de lhes fazer frente e, se a chama do apercebimento for intensa, essa chama consumirá as causas limitadoras. (38)

A compreensão surge somente pelo discernimento do processo do “eu”, com sua ignorância, suas tendências e temores. Onde houver profunda e criadora inteligência, haverá reta educação, reta ação e relações retas com o ambiente. (39)

Pelo discernimento sem escolha desperta-se a intuição criadora, a inteligência, que é a única a poder libertar a mente-coração dos múltiplos processos sutis da ignorância, da carência e do medo. (40) 

Textos de Krishnamurti, extraídos de: Seleta de Krishnamurti
Fontes das citações:

(1) A Cultura e o Problema Humano, pág. 19
(2) A Cultura e o Problema Humano, pág. 19
(3) Reflexões sobre a Vida, 1ª ed., pág. 58
(4) La Llama de la Atención, pág. 113
(5) La Llama de la Atención, pág. 127-128
(6) A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 78
(7) A Suprema Realização, pág. 44
(8) Novos Roteiros em Educação, pág. 152
(9) Diário de Krishnamurti, pág. 81
(10) La Llama de la Atención, pág. 120
(11) Mind Without Measure, pág. 58-59
(12) Mind Without Measure, pág. 59
(13) Palestras em New York City, 1935, pág. 21
(14) Ensinar e Aprender, pág. 19
(15) Diário de Krishnamurti, pág. 81
(16) O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 139
(17) O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 140
(18) The Awakening of Intelligence, pág. 412
(19) Palestras em Auckland, 1934, pág. 112-113
(20) O Reino da Felicidade, pág. 56
(21) O Reino da Felicidade, pág. 56
(22) O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 199
(23) La Totalidad de la Vida, pág. 177
(24) O Futuro da Humanidade, pág. 70
(25) La Totalidad de la Vida, pág. 178
(26) Last Talks at Saanen, 1985, pág. 138-139
(27) Mind Without Measure, pág. 59
(28) La Totalidad de la Vida pág. 131
(29) La Totalidad de la Vida pág. 131
(30) A Luta do Homem, pág. 60
(31) A Educação e o Significado da Vida, pág. 39
(32) Palestras em Nova York, Eddington, Madras, 1936, pág. 80-81
(33) As Ilusões da Mente, pág. 35
(34) Experimente um Novo Caminho, pág. 99
(35) Experimente um Novo Caminho, pág. 99-100
(36) New York City, 1935, pág. 24
(37) New York City, 1935, pág. 27
(38) New York City, 1935, pág. 32
(39) Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 60
(40) Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 55

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Diálogo sobre Experiência Espiritual

A maioria de nós tem tido profundas “experiências” – ou que outro nome lhes queirais dar – temos tido inspirações portadoras de êxtase sublime, de visões grandiosas, de intenso amor. Essas “experiências” nos invadem com a sua luz e alento; mas não perduram: passam, deixando o seu perfume.
Acontece com a maioria de nós que a mente-coração não é capaz de permanecer aberta para tal êxtase. A “inspiração” é acidental, não provocada, grande demais para a nossa mente-coração. A inspiração é maior do que aquele que a experimenta, e por isso procura ele abaixá-la ao seu próprio nível, à órbita de sua compreensão. Sua mente não está tranquila; está ativa, rumorosa, reordenando; tem de ocupar-se de alguma maneira com aquela inspiração; tem de organizá-la, divulgá-la, comunicar a outros a sua beleza. Reduz, por essa maneira, a mente o inexpressível a um padrão de autoridade ou regra de conduta; interpreta e traduz a “experiência”, envolvendo-a, assim, na sua própria trivialidade. Por não saber cantar, a mente-coração persegue o cantor.
O intérprete, o tradutor da inspiração, deve ser tão profundo e vasto quanto ela, se a deseja compreender; não o sendo, deve desistir de interpretá-la, e para desistir ele precisa de estar maduro, de ser judicioso, na sua compreensão. Podeis ter uma “experiência” significativa, mas como a compreendeis, como a interpretais, depende de vós, o seu intérprete; se vossa mente-coração é limitada, acanhada, traduzis a experiência, então, conforme esse condicionamento. O condicionamento é que deve ser compreendido e desfeito, para que possais apreender o pleno significado da “experiência”.
A madureza da mente-coração advém quando ela se liberta de suas próprias limitações e não quando se apega à lembrança de uma “experiência” espiritual. Se se apega à memória, então ela habita com a morte e não com a vida. Uma experiência profunda pode abrir a porta para a compreensão, para o autoconhecimento e o reto pensar, mas, para muitas pessoas ela se torna apenas um estímulo agitante, uma lembrança, perdendo logo o seu significado vital, e impedindo a continuação da “experiência”.
Interpretamos toda inspiração em termos de nosso próprio condicionamento. Quanto mais profunda é a inspiração, tanto mais vigilantes devemos estar para a não interpretarmos erroneamente. São raras as inspirações profundas e espirituais, e quando as temos, nós as rebaixamos ao nível rasteiro de nossa própria mente-coração. Se sois cristão, ou hinduísta, ou incrédulo, traduzis a inspiração de maneira correspondente, abaixando-a ao nível de vosso condicionamento. Se vossa mente-coração é dada ao nacionalismo e à cupidez, à paixão e à malevolência, será, nesse caso, a inspiração utilizada para fomentar a matança de vossos semelhantes; vós a tomais então por guia para bombardeardes vosso irmão; adorar será então destruir ou torturar os que não são vossos compatriotas ou correligionários.
É essencial que estejais cônscios de vosso condicionamento, em vez de procurardes “ocupar-vos” de uma experiência passada; mas a mente-coração apega-se a tais experiências, ficando assim incapacitada para compreender o presente vivo.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Derrame de Lucidez, por Trigueirinho



O despertar da luz espiritual em um ser traz como consequência a depuração da energia dos corpos de que ele dispõe. Traz também a elevação da sua própria vibração e o desabrochar de virtudes que ampliam o grau em que a sua consciência reflete a vida de núcleos.
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Os contatos internos não são um privilégio de poucos, mas o caminho de todos. A mente, com seu discernimento, foi concedida aos homens com o propósito de que com ela construíssem uma ponte com a vida interior.
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O momento em que os contatos internos se revelam à consciência é secreto e desconhecido. É regulado por leis e ciclos que transcendem a percepção humana atual.
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Uma das decorrências fundamentais dos contatos internos autênticos é a aproximação, à vida concreta, das energias e qualidades sublimes da consciência que despertou para o divino, e a transmissão de estímulos para a realização da parte do Plano Evolutivo que cabe à humanidade cumprir.
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O grau evolutivo de um ser não se pode medir e, portanto, não deveria ser objeto de comparações ou de comentários. Todavia, é necessário cautela frente aos que propalam sabedoria sem que esteja firmada nos atos de sua vida.
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A expressão externa de um indivíduo está sempre aquém do nível alcançado por seus núcleos interiores; todavia, o descompasso entre esses níveis de consciência é progressivamente reduzido à medida que o ser cresce em fidelidade e obediência ao que lhe é indicado internamente.
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Se em sua ascensão o ser olhar para trás, desviar-se-á do rumo, afastar-se-á da meta e perderá a clareza que o guiava.
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Uma das provas que sucessivamente, e de modo cada vez mais sutil, é apresentada ao aspirante, ao discípulo ou ao iniciado, é a transcendência da ilusão própria do nível que ele está polarizado.
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Para que as leis de um nível de consciência possam ser apreendidas, é preciso total soltura do que é conhecido e do que já foi adquirido, pois as leis e os seus corolários diferem de um plano para outro, e uma mesma realidade apresenta-se de modo diverso em cada nível em que se exprime.
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Com a ampliação da consciência, o homem aprende a ver com os olhos da alma. Se a esta os frutos do seu labor são oferecidos, ele se torna um servidor do Plano Evolutivo. Deverá, então, alcançar patamares mais altos: será a ígnea percepção do nível monádico que lhe dará de maneira cristalina as chaves de sua tarefa junto à Hierarquia. Mesmo que não s encontre desperto e estável nesse elevado nível, a graça está sempre atuante e, sob a aura do Instrutor interno, ele poderá ser tocado por energias cósmicas.
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A tarefa principal de todos os homens é amar a lei suprema. O único laço a ser neles fortalecido é o que os une a essa incognoscível essência de vida e poder. Nenhuma atividade, nenhum serviço, deve obscurecer o brilho da pura devoção e entrega. A devoção é para ser dirigida ao Infinito. A união, firmada com o Criador e não com as criaturas.
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Como um ator, que representa diferentes personagens e sabe que, na realidade, não é nenhum deles, o servidor do Plano Evolutivo deve atuar: viver no mundo o que lhe estiver destinado, sabendo que a ele não pertence, reconhecendo que sua origem transcende a vida material.
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O caminho breve revela-se à consciência que se deixa atrair pela Vida Inanimada, portal do Absoluto que se encontra no universo interior do próprio ser.
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Nada deste mundo deve retardar os passos do ser humano à superação do ponto evolutivo alcançado. Promessa alguma de bons serviços, de encontro com dádivas sagradas, de contatos com Instrutores e Mestres devem levá-lo a esquecer sua meta mais profunda.
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Na vida do ser, tudo deve estar em função da meta única, e ter o propósito de conduzi-lo pela senda do espírito.
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A realidade dos planos superiores não é construída pelo eu consciente. Existe independentemente da situação material e externa do ser ou do planeta. Espojando-se de si e esvaziando-se de todo o supérfluo, o ser deixa resplandecer a luz da essência: dinâmica, criadora, sem nome e sem forma.
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Na consciência de um ser que responde aos desígnios da Hierarquia deve estar presente uma serena disponibilidade para acompanhar as mudanças trazidas pelos novos ciclos. Qualquer modalidade de serviço deve ser por ele igualmente acolhida sem que nutra apegos, seja essa modalidade de trabalho uma tarefa silenciosa, seja a materialização de realidades sutis.
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A sabedoria dos universos não recomenda confronto direto com obstáculos. Tem em conta que, embora nuvens se coloquem à frente do Sol, ele sempre esparge sua luz; e que, quando o caos material se aguçar tentando impedir a ampliação da vida espiritual nos homens, o estímulo para a ascensão jamais faltará.  
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Quando o ser se dedica à necessidade, silenciam os clamores dos seus corpos, dissipam-se as suas ilusões e ele pode, então, aproximar-se do sagrado auto-esquecimento. Esse é o início da trilha que o conduzirá à verdade.
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O trabalho evolutivo equilibra: ao materialista, traz o imaterial; aos místicos, a realidade concreta.
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Para moldar o ferro é preciso aquecê-lo, mas também é preciso usar a força. Do mesmo modo, para que certos ajustes de vibração possam ocorrer nos corpos materiais de um ser, é necessário, juntamente com o calor do espírito, o ritmo externo que invoca a vontade-determinação.
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Quando uma tarefa de grande importância evolutiva é entregue a um ser, ele já percorreu uma longa trajetória na qual, mesmo sem saber, transpôs inúmeras provas e assim se preparou para etapas de maiores responsabilidades.
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Quando a energia interna consegue tocar de modo mais firme as partículas materiais dos corpos de um ser, imprimindo-lhes serena abertura, ocorrem transformações sem que para isso ele faça qualquer esforço ou se preocupe com o processo de cura em ato.
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A partir do momento em que a compreensão espiritual é atingida, o ser rende-se a ela, com amor e alegria, assumindo os passos que lhe são indicados. Livre de expectativas e temores, e tendo entregue ao Supremo o transcurso da sua existência material, descobre a serenidade.
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O egoísmo é a fone de todos os males do homem. Apesar de a focalização da atenção sobre si mesmo ser, a princípio, utilizada como vórtice atrativo da energia da alma a fim de ancorá-la nos corpos externos e levá-la a buscar experiências os níveis materiais, a partir de certo estágio evolutivo esse autocentramento torna-se nódulo resistente à transcendência, nódulo que precisa ser dissolvido e ter sua essência sintetizada e absorvida num plano superior. Nesse mecanismo está oculto o fundamento do processo de cura.
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Cura e Iniciação traçam o caminho de volta à Origem. Promovem a fusão dos seus vários núcleos de consciência, sua liberação da regência das leis materiais e seu ingresso em mundos sublimes, desconhecidos da mente racional.
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Em certos momentos cíclicos da vida de um indivíduo pode ser necessário um estímulo externo para que transformações importantes se concretizem. Todavia, nenhuma mudança que venha manifestar estados sutis consuma-se nos níveis externos do ser se não houver entrega e prontidão em obedecer à lei superior e, sobretudo, se não houver fé.
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O aforismo “quando o discípulo está pronto o Mestre aparece” é não só uma realidade interna, mas um fato na vida material. Até hoje, na Terra, não tem sido comum o indivíduo conseguir transcender certo estágio sem a ajuda de um ser mais experiente que lhe indique a trilha da observância às leis. Na superfície deste planeta, muitas são as investidas de forças dissuasivas, e sutis suas armadilhas, o que torna essa ajuda necessária. Entretanto, por ela não se entende dependência psicológica.
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Na senda interior o indivíduo estende a mão àquele que está na sua frente e também ao que lhe sucede. Essa senda é composta de uma corrente de seres, vidas e consciências que, em conjunto, se dirigem à libertação.
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É fácil o aspirante deixar-se iludir pelo que se pode chamar de ambição espiritual. Porém, se seus passos são calcados no desapego e na entrega, se a experiência interior fortalece sua humildade, tornando-o compassivo com os demais e sereno diante das provas que lhe são apresentadas, percorrerá essa estreita trilha com segurança e retidão, despertando por fim para a vida imaterial.

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Para que o amadurecimento do ser se aprofunde, ele passa por um estágio no qual reconhece que existe em si uma busca de realização pessoal por meio de contatos internos — e abdica de alimentá-la. Quando a cristalinidade e a pureza são neles firmadas, podem ser-lhe reveladas chispas da luz de núcleos sublimes, origem de toda a sabedoria disponível ao homem.
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quarta-feira, 27 de junho de 2012

Derrame de Lucidez, por Mestre Eckhart

"A semente de Deus está em nós. Sendo-lhe dado um lavrador inteligente e trabalhador, ela medrará e crescerá para tornar-se Deus, cuja semente é; e, consequentemente, seus frutos serão a natureza divina. As sementes de peras crescem e se transformam em pereiras, as sementes das nozes em nogueiras, e a semente de Deus em Deus".

"Quando está um homem em simples compreensão? respondo: 'Quando um homem vê uma coisa separada de outra". E quando está um homem acima da mera compreensão? Isso posso dizer-vos: 'Quando um home vê TUDO em tudo, está além da simples compreensão'".

"O homem precisa tornar-se verdadeiramente pobre e livre da própria vontade de criatura, como era quando nasceu. E eu lhes digo, pela verdade eterna, que enquanto vocês desejarem fazer a vontade de Deus e suspirarem pela eternidade e por Deus, enquanto isso durar, vocês não serão verdadeiramente pobres. Só tem a verdadeira pobreza espiritual o que nada quer, nada sabe, nada deseja."

"Algumas pessoas desejam ver Deus com os próprios olhos, como veem uma vaca, e amá-Lo como amam a vaca — pelo leite, pelo queijo e pelos lucros que ela lhes traz. Isso é o que se dá com pessoas que amam Deus por amor das riquezas exteriores e do conforto interior. Elas não amam Deus como convém quando O amam visando à própria vantagem. Em verdade lhes digo que qualquer objeto que tiverem em mente, por melhor que seja, será uma barreira entre vocês e a Verdade mais profunda".

"Enquanto sou isto ou aquilo, ou tenho isto ou aquilo, não sou todas as coisas nem tenho todas as coisas. Torna-te puro até não seres nem teres isto ou aquilo; será então onipresente e, não sendo nem isto nem aquilo, será todas as coisas"

"Por que tagarelas a respeito de Deus? O que quer que digas sobre Ele é falso."

"De pé portanto, alma nobre! Calça teus sapatos de saltar, que são o intelecto e o amor, e salta por cima do culto dos teus poderes mentais, salta por cima do teu entendimento e precipita-te no coração de Deus, no que ele tem de escondido, onde estarás escondida de todas as criaturas".

Mestre Eckhart  

Derrame de Lucidez, por William Law

"A vida separada peculiar à criatura, enquanto oposta à vida em união com Deus, é apenas uma vida de variados apetites, fomes e necessidades, e é impossível que seja outra coisa qualquer. O mesmo Deus não pode fazer que uma criatura seja por si mesma, ou por sua própria natureza, outra coisa senão um estado de vazio. A vida superior natural e própria da criatura não pode elevar-se mais do que isso; não pode ser mais que uma vida boa e feliz, a não ser graças à vida de Deus que nela habita em união com ela. E essa é a vida dupla que, forçosamente, precisa estar unida em toda criatura boa, perfeita e feliz."


"O amor é infalível; não tem erros, porque todos os erros são falta de amor".

"Não entendo por amor nenhuma ternura natural, que está mais ou menos nas pessoas de acordo com sua constituição; mas entendo um princípio maior da alma, fundado na razão e na piedade, que nos faz ternos, bondosos e gentis para com todos os nossos semelhantes enquanto criaturas de Deus, e por amor dele".

William Law 

Derrame de Lucidez, por Aldous Huxley

"O fim último do homem, a razão final da existência humana, é o conhecimento unitivo do Fundamento Divino — o conhecimento que só pode vir para os que estão preparados para "morrer para o seu eu" e, desse modo, dar lugar, por assim dizer, a Deus. De cada geração de homens e mulheres pouquíssimos realizarão o objetivo final da existência humana; mas a oportunidade de alcançar o conhecimento unitivo, de um modo ou de outro, será oferecida continuamente, até que todos os seres sencientes se deem conta de Quem realmente são."

"O fundamento no qual a psique múltipla e presa ao tempo está enraizada é uma percepção simples e intemporal. Se nos tornarmos puros de coração e pobres de espírito poderemos descobrir essa percepção e identificar-nos com ela. No espírito não somente temos, mas somos, o conhecimento unitivo do Fundamento Divino... É na Divindade que as coisas, as vidas e as mentes têm o seu ser; é por meio de Deus que elas têm o seu tornar-se — um tornar-se cuja meta e propósito consistem em retornar à eternidade do Fundamento."

"Só se obtém o conhecimento direto do Fundamento pela união, e a união só pode ser alcançada pelo aniquilamento do ego voltado para si mesmo, que é a barreira que separa o "tu" do "Aquilo"."

"O fim último do homem, o propósito de sua existência, é amar, conhecer a Divindade imanente e transcendente e unir-se à ela. Essa identificação do eu com o não-eu espiritual só se obtém "morrendo" para a personalidade e vivendo para o espírito". 

"A vontade é livre, e temos a liberdade de identificar o nosso ser, exclusivamente com a nossa persona e seu interesses, havidos por independentes do Espírito que o habita e da Divindade transcendente (e nesse caso seremos condenados passiva ou ativamente demoníacos), ou exclusivamente com o divino dentro e fora de nós (e nesse caso seremos santos), ou, finalmente, com o eu num momento ou num contexto e com o não-eu espiritual em outros momentos e contextos (e nesse caso seremos cidadãos comuns, tão teocêntricos que não poderemos perder-nos totalmente, e tão egocêntricos que não poderemos atingir a iluminação e a libertação total). Como os desejos humanos jamais poderão ser satisfeitos a não ser pelo conhecimento unitivo de Deus, e como o corpo-mente é capaz de enorme variedade de experiências, estamos livres para identificar-nos com um número quase infinito de objetos possíveis — com os prazeres da glutonaria, por exemplo, ou da intemperança, ou da sensualidade; com o dinheiro, o poder ou a fama; com a família, considerada como propriedade ou, na realidade, como extensão ou projeção da nossa própria persona; com nossos bens, passatempos, coleções; com nossos talentos artísticos ou científicos; com algum ramo favorito de conhecimento, com algum fascinante "assunto especial"; com nossas profissões, partidos políticos, igrejas; com nossas dores e enfermidades; com nossas lembranças de êxito ou malogro, nossas esperanças, temores e planos de futuro; e, por fim, com a Realidade Eterna, dentro da qual e pela qual todo o resto tem o seu ser."

O santo é o homem que sabe que todo o momento da nossa vida é um momento de crise; pois a todo momento somos chamados a tomar uma decisão da maior importância — a escolher entre o caminho que conduz à morte e às trevas espirituais, e o caminho que conduz à luz e à vida; entre interesses exclusivamente temporais e a ordem eterna; entre a nossa vontade pessoal, ou a vontade de alguma projeção da nossa personalidade, e a vontade de Deus... Aqui, a meta, em primeiro lugar, é trazer seres humanos a um estado em que, por já não existirem obstáculos capazes de eclipsar Deus entre eles e a Realidade, estão aptos a ter sempre a consciência do seu Fundamento Divino e do de todos os outros seres; em segundo lugar, como meio para esse fim, a meta é enfrentar todas as circunstâncias do viver diário, até as mais triviais, sem maldade, sem cupidez, sem auto-afirmação nem ignorância voluntária, mas coerentemente, com amor e compreensão. Porque os seus objetivos não são limitados, porque, para quem ama a Deus, cada momento é um momento de crise, o treinamento espiritual é incomparavelmente mais difícil e minucioso do que o militar. Existem muitos bons soldados, mas poucos santos."

"'Podemos sempre alcançar os seus cumes'. Para aqueles dentre nós que ainda chafurdam no lodo inferior, a expressão soa um tanto irônica. Entretanto, até a luz do mais distante conhecimento das alturas e da plenitude, é possível compreender o que quer dizer o seu autor. Descobrir o Reino de Deus exclusivamente dentro de nós é mais fácil do que descobri-lo, não somente ali, mas também no mundo exterior de mentes, coisas e criaturas vivas. É mais fácil porque as alturas interiores se revelam aos que estão prontos para excluir do seu campo de ação tudo o que está no exterior. E se bem possa ser a exclusão um processo penoso e mortificante, subsiste o fato de que é menos árduo do que o processo de inclusão, pelo qual chegamos a conhecer a plenitude bem como os cimos da vida espiritual. Onde existe uma concentração exclusiva nos cimos interiores, evitam-se as tentações e distrações e há uma negação e uma supressão gerais. Mas quando acalentamos a esperança de conhecer Deus de maneira inclusiva — compreender o Fundamento Divino assim no mundo como na alma —, não devemos evitar as tentações e distrações, senão nos submetermos a elas e usá-las à guisa de oportunidade de progresso; não se devem suprimir as atividades voltadas para fora, senão transformá-las, de modo que se tornem sacramentais. A mortificação faz-se mais penetrante e mais sutil; há necessidade de uma consciência vigilante e, nos níveis do pensamento, do sentimento e do comportamento, necessidade do contínuo exercício de alguma coisa semelhante ao tato e o bom gosto do artista."

"O mundo habitado por pessoas comuns, bem-comportadas, não-regeneradas, é sobretudo apagado (tão apagado que os habitantes precisam distrair a mente do fato de se darem conta disso por toda sorte de 'divertimentos' artificiais), às vezes breve e intensamente aprazível de vez em quando, ou muito amiúde desagradável e até torturante. Para os que mereceram o mundo depois de se tornarem aptos a ver Deus dentro dele, bem como dentro das próprias almas, ele assume um aspecto muito diverso."

"Só podemos amar o que conhecemos, e nunca podemos conhecer completamente o que não amamos. O amor é um modo de conhecer, e quando é suficientemente desinteressado e intenso, o conhecimento torna-se conhecimento unitivo e, desse modo, adquire a qualidade da infalibilidade. Onde não há amor desinteressado (ou, mais sucintamente, onde não há caridade), só há amor de si mesmo e, consequentemente, mero conhecimento parcial e distorcido assim do eu como do mundo das coisas, das vidas, das mentes e do espírito fora do eu. O homem alimentado de lascívia "escraviza as ordens do Céu" — isto é, subordina as leis da Natureza e o espírito aos seus próprios anseios. O resultado é que ele "não sente" e, por conseguinte, faz-se incapaz de conhecimento. Sua ignorância, afinal de contas, é voluntária; não pode ver porque "não quer ver". Essa ignorância voluntária tem, inevitavelmente, a sua recompensa negativa... às vezes de um modo espetacular, quando o homem cego pelo eu, cai na armadilha montada por sua própria ambição, ou sua possessividade, ou sua vaidade petulante; às vezes, de modo menos óbvio, como nos casos em que o poder, a prosperidade e a reputação duram até o fim, porém,  à custa de uma impermeabilidade cada vez maior à graça e à iluminação, uma incapacidade cada vez mais completa de escapar, agora ou daqui por diante, da prisão sufocante da persona e do estado de separação. "

"A forma mais alta do amor de Deus é uma intuição espiritual imediata, pela qual 'o conhecedor, o conhecido e o conhecimento se tornam um'. Os meios para chegar a esse supremo-conhecimento do Espírito pelo espírito, assim como seus primeiros estágios... consistem em atos da vontade dirigidos para a negação da persona em pensamento, sentimento e ação, para a ausência de desejo e o desapego ou (empregando o termo cristão correspondente) a 'santa indiferença', para a aceitação prazenteira da tribulação sem piedade de si mesmo e sem a ideia de retribuir o mal com o mal e, finalmente, para a atenção vigilante e endereçada a um fim único em relação à Divindade que é, a um tempo, transcendente e, porque transcendente, imanente em todas as almas" 

"'Que o nosso reino se vá' é o corolário necessário e inevitável do 'Venha a nós o Vosso reino'. Pois quanto mais houver do eu, tanto menos haverá de Deus. A plenitude eterna e divina da vida só pode ser alcançada pelos que perderam deliberadamente a vida parcial e separada dos anseios e dos interesses pessoais, do pensamento, dos sentimentos, dos desejos e dos atos egocêntricos. A mortificação ou a morte deliberada para o eu nos é inculcada com intransigente firmeza pelos escritos canônicos do cristianismo, do hinduísmo, do budismo e da maioria das outras religiões maiores ou menores do mundo, e por todos os santos e reformadores espirituais teocêntricos que viveram e expuseram os princípios da filosofia perene. Mas esse 'auto-aniquilamento' nunca é considerado (pelo menos por alguém que conheça aquilo que está falando) como um fim em si mesmo. Possui apenas valor instrumental, como meio indispensável para fazer outra coisa. Segundo as palavras de alguém que já tivemos ocasião de citar com frequência em capítulos anteriores, é necessário para todos nós 'aprender a natureza e o valor verdadeiros de todas as renúncias do eu e de todas as mortificações".

"É perdendo a vida egocêntrica que salvamos a vida até então latente e não descoberta que, na parte espiritual do nosso ser, partilhamos com o Fundamento Divino. A posse dessa vida recém-encontrada, 'mais abundante' do que a outra, e de uma espécie diferente e mais elevada, é a libertação no eterno, e a libertação é a beatitude... A mortificação é dolorosa, mas essa dor constitui uma das primeiras condições da bem-aventurança... Só podemos conhecer a Natureza criada em toda a sua beleza essencialmente sagrada se desaprendermos, primeiro, os expedientes sujos da humanidade adulta. Visto através dos óculos coloridos de esterco do interesse pessoal, o universo se parece singularmente com um monte de estrume; e como, à força de haverem sido usados longamente, os óculos grudaram nos glóbulos oculares, o processo de "limpar as portas da percepção", muitas vezes, pelo menos nas primeiras fases da vida espiritual, é dolorosamente parecido com uma operação cirúrgica. Mais tarde, com efeito, até o aniquilamento do eu pode ser inundado pela alegria do Espírito."

"Os bens do intelecto, as emoções e a imaginação são bens verdadeiros; mas não são o bem final e, quando os tratamos como fins em si mesmos, caímos na idolatria. Não basta a mortificação da vontade, do desejo e da ação; é de mister que haja também a mortificação nos campos do conhecimento, do pensamento, do sentimento e da imaginação.

"Feliz é o homem que, apagando continuamente todas as imagens, pela introversão e pela elevação da mente a Deus, se acaba esquecendo de todos esses obstáculos e deixa-os para trás. Pois somente por esses meios opera interiormente, com suas afeições e seu intelecto nus, puros e simples, em relação ao objeto mais puro e mais simples, Deus. Diligencia, pois, de forma que todo o teu exercício a respeito de Deus dentro de ti dependa, inteira e unicamente, desse intelecto, dessa afeição e dessa vontade nuas. Pois, com efeito, o exercício não pode ser levado a cabo por nenhum órgão do corpo, nem pelos sentidos externos, mas tão-só pelo que constitui a essência do homem — a compreensão e o amor. Se, portanto, desejares uma escada segura e um caminho curto para chegar ao termo da verdadeira bem-aventurança, então, com a mente atenta, deseja com ardor e aspira ao permanente anseio do coração e à pureza da mente. Acrescenta a isso a calma constante e a tranquilidade dos sentidos,  e um recolhimento das afeições do coração, fixando-os de contínuo lá em cima. Pois o que assim sobe e entra vai acima e além de si mesmo, sobe verdadeiramente para Deus. A mente deve subir, então, acima de si mesmo e dizer: 'Aquele de que preciso acima de tudo está acima de tudo o que conheço'. E, assim, carregado para dentro das trevas da mente, juntando nesse bem onissuficiente, ele aprende a ficar  em casa e, com toda sua afeição, apega-se ao bem interior supremo e nele se fixa habitualmente. Continua assim, até te tornares imutável e chegares à verdadeira vida, que é o próprio Deus, perpetuamente, sem nenhuma vicissitude de espaço ou tempo, repousando na mansão interior, secreta e silenciosa, da divindade."  



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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill