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quarta-feira, 21 de março de 2018

Por onde começo?


POR ONDE COMEÇO?

Pupul Jayakar (PJ): Se você recorda, Krishnaji, há três dias começamos a discutir qual é a base de uma mente a partir da qual emerge uma mente nova. Enquanto o discutíamos, você disse que, a partir de uma base que é conflito, medo, ira, o novo não pode jamais emergir; disse que algo inteiramente novo é indispensável. Também falou a respeito dos sentidos operando simultaneamente em sua máxima capacidade. Eu desejo começar com uma pergunta: Sou um recém chegado às suas palestras; escuto isto. Por onde começo?

Jiddu Krishnamurti (K): Provavelmente, de princípio não encontrará nem pé nem cabeça. Não saberá do que K está falando. Teremos, pois, que estabelecer o significado linguístico, semântico, e também estar atentos a nossa relação com a natureza. Sim, eu começaria com isso.

Perguntaria por que não há aqui, em absoluto, animais selvagens. Investigaria isso, porque perdemos contato com a natureza, da qual formamos parte, perdemos contato com a humanidade, com nossos semelhantes. Eu começaria por aí, com minha relação com a natureza, com minha relação para a beleza de tudo isso.

Pupul, como você olha a natureza? Como olha essas colinas que se supõe estão entre as colinas mais antigas do mundo? Como olha essas pedras, esses cantos rodados, essas árvores, aqueles rios secos, aquelas torrentes? Como olha a esses pobres meninos aldeões que caminham doze milhas por dia para ir a uma escola? Como olha a essa pobre gente que carece da comida indispensável para subsistir?

PJ: Você está dizendo, senhor, que o ponto de partida da investigação está no externo?

K: Totalmente. Veja, Pupul, se não tenho critérios óbvios do sentido comum, como posso, então, ter uma percepção clara de mim mesmo? Compreende?

PJ: Sim, compreendo.

K: Porque o externo é uma manifestação de mim mesmo. Eu formo parte da natureza. Sem compreender a beleza da terra, dos rios e de cada porção deste extraordinário mundo em que vivemos, deste brutal mundo em que vivemos, com toda sua crueldade, seu terrorismo, etc., como posso, de algum modo, ter uma clara percepção de mim mesmo? Qual é a minha relação com tudo isso? Estou cego, mudo a respeito? Ou tenho certas conclusões que me dominam? As conclusões são um produto do pensamento; a natureza não o é.

PJ: Senhor, todos pensamos que olhamos a natureza, que olhamos às árvores, as flores e as pedras. Sentimos que olhamos. Sentimos que, como temos olhos, olhamos. Mas há algo no olhar e na relação, algo ao que se refere, que não é, evidentemente, o olhar ao qual estamos acostumados.  

K: Como você olha a natureza? A mira com seus olhos? A percepção das largas sombras do entardecer e da pequenina sombra do Sol do meio-dia, é tão só uma percepção visual? Ou seja, olha essas maravilhosas sombras somente com seus olhos? Ou as vê com a totalidade de seu ser, com a totalidade dos sentidos? Como vê tudo isso? Como o percebe? O percebe como se fosse algo externo a você, ou como algo de que você forma parte?

PJ: Creio que se pode dizer realmente que um olhar no qual não existe “aquele que olha”. Mas não quero partir daí. Por isso venho a você como uma principiante, uma principiante que diz: “Wu olho com meus olhos”. Quero começar a partir daí.

K: Eu contestaria isso: Você só olha? Ou também ouve; ouve o som do sussurro entre as sombras profundas das árvores, o som da brisa e das águas que correm? Minha pergunta é: Escuta, vê se sente?

PJ: Senhor, se você está vendo, escutando, sentindo, então, esse é um estado no qual tudo existe. Mas eu não sei nada a respeito. Por isso, gostaria de abordá-lo do ponto de vista de uma principiante, antes de que qualquer outro ponto de vista.

K: Estaria de acordo de que os seres humanos tem perdido contato com a natureza?

PJ: Sim, completamente; porque quando veem, seus olhos passam por cima das coisas. Jamais olham diretamente. Jamais olham; ponto. Consideram isso demasiado trivial.

K: Exatamente, Consideram demasiado trivial a contemplação da natureza. Consideram a natureza como algo que pode ser explorado. 

PJ: Veja, senhor, a mente tem se dividido. Considera como algo sem importância olhar uma flor ou o movimento de uma folha; para ela, o importante é o vasto.

K: Comecemos, pois, O que é importante? Para o homem comum, para a pessoa corrente, o que é importante? Comida, roupa, moradia; isto é tudo o que interessa.

PJ: Não, senhor. Mas além disso está o sagrado, o divino, Deus.

K: É claro, mas chegarei a isso depois. Limito-me a começar com as necessidades: comida, roupa, moradia. Quando o homem tem isso, então começa a pensar em Deus como algo extraordinário.

PJ: E quer imaginá-lo em um imenso...

K: Vê o céu do entardecer e o Sol nascente e a imensidade deste mundo maravilhoso, e diz: “Quem criou tudo isto?” Correto?

PJ: A capacidade de ver o pequeno e o imenso se acham no mesmo nível de importância...

K: Sim, não há tal coisa como imenso e pequeno.

Interlocutor (I): Meus sentidos tem estado profundamente dominados por meu pensar. Vejo por mim mesmo que, quando saio para dar um passeio, não estou realmente olhando, escutando. Estou todo o tempo pensando e, a partir desse pensar, ocasionalmente, lanço uma olhada a uma coisa ou outra. Portanto, em certo sentido, não há um olhar, um ver a realidade de uma árvore.

PJ: Se você tratasse de conseguir que alguém olhasse uma folha, uma simples folha, descobriria a dificuldade que resulta. Mas, por que tomar alguma outra pessoa? Quando si mesmo o faz, se dá conta do difícil que é olhar algo.

I: Como o disse, o lançamos uma olhada e nos afastamos.

K: Você culparia a religião? Culparia as religiões ortodoxas, estabelecidas, que tem impedido ao homem de considerar a natureza como parte de si mesmo? Você vê, as religiões tem dito: “Reprima todos teus sentidos”. Não olhe para fora; olhe sempre dentro de ti”.

I: Krishnaji, você não diria que o homem moderno da cidade está altamente influenciado pelas religiões?

K: Não, não estamos falando de um homem da cidade nem de um homem do campo — de alguém que vive em uma grande cidade ou em um pequeno povo ou em uma aldeia. Falamos de um homem comum que tenha visto aos sanyasis, aos monges, aos trapistas que jamais falam. E todas essas pessoas, assim chamadas religiosas, tem sustentado que devemos reprimir o desejo, que é preciso reprimir os sentidos porque nos distraem.

I: Sim, isto o tem sustentado não só as religiões, senão também a sociedade.

K: É claro. Como se vê, os líderes religiosos não tem dito: “Olhe todas as maravilhas deste mundo. Contempla sua beleza, percebe-a, absorva-a, seja parte dela”. O que fazem é criar imagens, imagens elaboradas pela mão e pela mente. E as imagens elaboradas pela mente são mais importantes que as outras. Senhor, vocês têm um templo próximo daqui, em Turupati. Acodem lá mil pessoal, gastam-se milhões nele; por quê?

Bem, agora, se eu fosse um homem comum e escutará tudo isto, como assinalou Pupul, por onde começaria?

I: Mas, você não diria, Krishnaji, que inclusive para formular-se esta pergunta, o homem comum tem que ter visto em alguma parte, de algum modo, que este mundo é limitado?

K: Sim, ele conhece a morte.

I: E já tem que estar um pouco descontente de seu Deus, de sua...

K: Eu questiono isso, senhor. Ponho em dúvida que ele esteja descontente ou seja cético com respeito a seus deuses.

I: Então, que o faz formular-se a pergunta: “Por onde começo?”

K: Ele não formula esta pergunta.

PJ: O faz. O faz quando há dor, quando está sofrendo; quando há morte.

K: O faz quando há dor, o faz quando há morte. O faz quando vê passar a seu lado um homem rico em um automóvel maravilhoso e ele tem que caminhar dez milhas para ir a esse mesmo lugar. Então é quando começará a perguntar-se: “O que é tudo isto? Por que não deveria eu ser tão rico como esse homem?”

I: Mas isso não é formular a mesma pergunta.

K: Forma parte disso.

PJ: Do contrário, como se começa?

I: Mas você vê, senhor, há numerosas pessoas que, no geral, vivem vidas muito felizes. Não conhecem a dor — não ao menos a dor que é comum à maioria das pessoas: pobreza, má saúde, falta de educação, etc. Sem dúvida, se encontram com estas perguntas e as investigam muito, muito seriamente.

K: Você fala de pessoas excepcionais. Nós começamos perguntando: “Se fosse um homem comum, por onde começaria?” Digamos que sou um homem comum, bastante educado, e estou rodeado por muitos complexos problemas da existência: sofrimento, pena, ansiedade, e todas as demais atividades do pensamento; por onde começaria para compreender a muito complexa sociedade em que vivo? Essa é uma pergunta verdadeira, e é a pergunta com que começou Mrs. Jayakar.

PJ: Vela, nós tomamos por certo, quando escutamos a Krishnamurti, que e começo deve partir do interno. Todos o temos interpretado deste modo, ou seja, que temos de começar com o interno, com o descobrimento de “o que é”. Jamais temos olhado o externo e o temos visto como o mesmo movimento que o movimento interno. Portanto, a insensibilidade, a corrupção...

K: Por que temos descuidado ou descartado ou desdenhado todas as coisas da natureza?

PJ: Porque dividimos. Dividimos o mundo externo como o mundo do desejo, e o mundo interno como o mundo real.

K: E também porque, tanto para os budistas como para os hindus, o mundo externo é maya, uma ilusão. Sem dúvida, K contraria isso. Por isso sinto que é importante compreender a nossa relação com a natureza, com o mundo exterior; que é indispensável compreender nossa relação com este mundo no qual a infelicidade, a confusão, a brutalidade e a corrupção avançam sem cessar. Olhar isso primeiro e, depois, a parir do externo, mover-se para o interno. Mas se você começa e termina no interno, não terá medida. Se detém na adoração; segue a Jesus ou a algum guru. Isso é o que vocês chamam de religião. Correto? Os rituais, os objetos de culto... isso é para vocês a religião.

Eu sinto, pessoalmente, que devemos começar com o que vemos, com o que ouvimos e percebemos do externo. A pergunta é: Como olho minha esposa, a meus filhos, a meus pais, e a todas as demais pessoas que são exteriores a mim mesmo?

Tomemos a morte.  Quando vejo alguém que carrega um corpo morto — neste país isso é muito simples; só duas ou três pessoas levando um cadáver —, começo a perguntar-me: “O que é a morte?” A morte está lá, fora de mim mesmo, mas começo a inquirir. Posso, simplesmente, ir-me só à montanha, e dentro de uma caverna inquirir o que é a morte ou o que é Deus. É claro, posso imaginar um montão de coisas, mas se não tenho estabelecido uma correta relação com a natureza, com outra pessoa: esposa, marido, quem quer que seja, como posso estabelecer jamais a correta relação com a imensidade do universo?

I: Krishnaji, você está dizendo que observar o externo estimula ao cérebro?

K: Sem dúvida; se torna mais sensível.

I: E, portanto, pode observar o interno sem distorção alguma.

K: Sim, sem distorção.

I: Mas, senhor, a metade do mundo — o Ocidente — sempre tem considerado o externo como muito, muito concreto. Todas suas energias tem se movido para fora. Mas isso tampouco parece haver dado origem à espiritualidade.

K: Chegamos, pois, a uma pergunta muito mais séria. O que faz com que um homem mude? Você começaria com isso? Sou invejoso, brutal, violento, me sinto inseguro, confuso e ciumento. Há ódio em mim. Sou o resultado de milhares de anos de evolução. Por que não tenho mudado? Essa é uma das perguntas básicas.

I: Não é demasiado cedo para formular essa pergunta?

K: Sim, não é.

I: Mas você disse que, apesar de tudo, temos que chegar a ela.

K: Tenho passado por tudo isto e tenho chegado nela. E, também, aprecio a natureza, com a qual estou em contato constante. Assim que começo: observo. Mas, sendo eu um ser humano, um ser humano que sofre, que tem medo e se debate na confusão exatamente igual ao resto da humanidade, finalmente devo perguntar-me: “Por que não me transformei de maneira radical?” Essa é minha pergunta.

I: É interessante que o homem comum esteja muito mais preocupado por alcançar o objeto de sua cobiça ou por escapar do objeto de seu medo, que formular-se a pergunta: “Por que sou cobiçoso?” ou “Por que tenho medo?”

K: Qual é sua pergunta, senhor?

I: É esta pergunta que você levantou: Por que não tenho me transformado?

K: Pergunte a si mesmo, senhor, pergunte a si mesmo. Com isto não estou mostrando-me pessoal ou desrespeitoso ou atrevido. Pergunte-se a si mesmo por que, depois de trinta ou quarenta anos, está exatamente onde estava — modificado, é claro, mas sem nenhuma transformação radical. Por quê? Sugiro que qualquer pessoa racional e reflexiva se formularia essa pergunta.

Senhor, você compreende o que entendo por “transformação”?

I: Não, senhor, não compreendo.

K: Por “transformação” não entendo, digamos, a recusa do hinduísmo e a aceitação di budismo, ou vice-versa. Porque isso seria tão só repetir o mesmo padrão uma e outra vez.

I: Sim, senhor, mas nós não vemos isso como o mesmo padrão; o vemos como um padrão diferente.

K: Tomemos a inveja. É um fator comum para todos e tem produzido muitíssimo infortúnio no mundo. Vocês veem as consequências da inveja, mas seguem sendo invejosos. Por que não a eliminam radicalmente de seus cérebros? Por favor, não converta isto em algo complexo. Por que não tem sido possível observar ao cérebro quando é invejoso, e erradicar a inveja? Por que não o tem feito? Falam interminavelmente disso.

I: Senhor, aparentemente, há uma espécie de paradoxo porque, em meu sentir, o sofrimento parece ser, em certos casos, necessário para esta transformação “radical” do qual você fala. Sem dúvida, quando se sofre e continua sofrendo, isso tem um efeito embotador sobre o indivíduo que sofre. Então, para onde nos movemos a partir daí?

K: Antes de tudo, senhor, não há divisão entre o externo e o interno; são uma só coisa. Você vê isso? Vê realmente o fato de que o externo, ou seja, a sociedade em que vivemos e a que temos criado, e o interno, o “eu”, são a mesma coisa? Eu fomo parte da sociedade. A sociedade não é diferente de mim. Esse é um dos fatos mais fundamentais. Você reconhece, realmente, esse fato, e não se limita a estar de acordo com o que se disse?

Em primeiro lugar, há uma divisão entre você e eu. Você pertence a um grupo ou a uma comunidade ou a uma religião, etc., e eu pertenço a outro grupo, a outra comunidade, a outra religião, etc. Esta divisão é criada pelo pensamento e, em consequência, é tremendamente complexa.

Bem, agora, você diz: “Eu sofro, tu sofres, o resto da humanidade sofre”. Mas jamais se pergunta: “Pode este sofrimento terminar?”

I: Senhor, você diria que ambas as perguntas: “Pode o sofrimento terminar?” e “Por que não terminou?”, são a mesma coisa?

K: O são.

I: A resposta para ambas perguntas, é que não temos energia suficiente?

K: Eu não diria que você não tem energia suficiente. Quando você quer fazer algo, tem plenitude de energia. Correto? Quando quer fazer dinheiro, trabalha tremendamente para obtê-lo. Não creio, pois, que seja uma questão de energia.

I: É que não desejamos transformar por completo nosso ser? Por que o desejo de “não sofrer”, ou o desejo de “transformar radicalmente” — como você o expressa — se dissipa com facilidade?

K: É porque não há nenhuma ganância nisso? Nós somos motivados pela ganância, não é assim? Sempre desejamos uma recompensa. Nossos cérebros estão condicionados à recompensa e o castigo. Concorda? Trabalhamos como um raio se ao final podemos ter uma recompensa: dinheiro, posição, status, felicidade... o que for.

PJ: Senhor, penso que nos afastamos ligeiramente. Estamos falando dos sentidos e de seu funcionamento, e...

K: Sim.

PJ: Y bem, os sentidos são energia. O que está fora é energia.

K: Você tem visto como o capim cresce através do cimento?

PJ: Mas o que é exerce um bloqueio sobre a energia dos sentidos? O que é que interfere com sua verdadeira capacidade?

K: É nosso condicionamento? É nossa educação? Porque, como você sabe, sempre nos é dito para que nos controlemos.

PJ: Sim, senhor, penso que tem que haver alguma semente, algum discernimento, que tenha sido responsável deste ensinamento, ou seja, que devemos não só ser muito cuidadosos com nossa energia, senão também que devemos canalizá-la apropriadamente. Sinto que toda a vida e toda a educação são tão só uma canalização desta energia e, portanto, talvez seja este, em si mesmo, um enfoque incorreto.

K: Sim.

PJ: Porque o que se necessita é a conservação da energia. Bem, agora, como se conserva a energia? Como gerar energia?

K: Você quer conservar energia? Ou é que quanto mais energia emprega, mais há?

PJ: Mas também se pode deixar que a energia se dissipe.

K: Disso que se trata, justamente. Veja, para uma pessoa como “K”, não há distração ou atração.

PJ: Isto é mágico. Para “K” não há distração na mente; não há trivialidade.

I: Tampouco há preocupação.

K: Isso é certo.

I: No fato mesmo de dizer: “Conservarei energia”, há uma canalização da energia.

PJ: Não. O que eu disse foi a partir de um ponto de vista diferente. Nós vemos que a energia se dispersa. Seja qual for a energia de um ser humano, a está desperdiçando a todo tempo. Tem que haver algo na raiz disso.

K: Não, Pupul, só observe. Estamos condicionados desde a infância a esta ideia de recompensa e castigo. Correto? Nossa mãe disse: “Se fizer isto, te darei um doce. Se não fizer aquilo, te castigarei”. Quando ingressamos na escola, continua o mesmo princípio: melhores notas nos exames, etc. Está me seguindo? Nossos cérebros estão condicionados para a recompensa e o castigo. Concorda? Por conseguinte, gastamos toda a nossa energia em evitar o castigo e ganhar uma recompensa. E a recompensa lhe dá uma energia extraordinária.

PJ: Mas, senhor, de uma qualidade diferente.

K: Espere, espere. Digo que a recompensa me dá uma energia extraordinária para trabalhar, trabalhar, trabalhar. E vem você e me diz que isto da recompensa e o castigo é um condicionamento e que nisso não há liberdade. Que o céu não é uma recompensa; que a iluminação não é uma recompensa. Mas fui educado desde a infância para buscar recompensas. Há, pois, uma batalha e eu desperdiço minha energia nessa batalha. Desejo a felicidade; desejo a paz. E faço de tudo para apressar a obtenção disso.

PJ: Senhor, a vida é tão complexa que, se alguma vez trato de resolvê-la, jamais o realizarei. Mas você nos tem dado uma chave. A chave é este funcionamento total dos sentidos. Podemos explorar e investigar isso?

K: Sim, o façamos. (K ri). Não o estamos fazendo?

PJ: Porque isso elimina o problema, e não há nada que deva fazer-se.

K: O ver e o ouvir, estão separados ou são uma só coisa? Compreende minha pergunta? Quando você percebe algo, por exemplo, esta pergunta, o ver isso, o ouvir, estão separados, e há também um pensar a respeito? Tão logo pensa nisso, não está escutando a pergunta.

A questão é se você vê, quer dizer, se percebe e ouve ao mesmo tempo, e não como duas coisas separadas. Olhe, o ano passado estive falando com um cientista, um biólogo interessado na natureza e demais. Perguntou-me: “Você ouve o som de uma árvore? Ou ouve não quando a árvore é movida pelo vento, senão quando está absolutamente quieto, por exemplo, cedo pela manhã ou quando o sol está se pondo? Tem ouvido uma árvore quando não ocorre nenhuma brisa? Uma árvore tem uma qualidade peculiar de som”. E ele contestou: “Sim, uma árvore tem uma qualidade peculiar de som”. E agora lhe pergunto: Você pode ouvir e ver ao mesmo tempo? Ou os divide? Entendo o que estou dizendo?

PJ: Entendo, senhor.

K: O som é uma coisa extraordinária em si mesma, mas não quero entrar nisso agora.

A interrogação é se você pode ver algo sem divisão. Isso é tudo quanto pergunto. Ver, ouvir, tocar, cheirar, saborear; tudo isso sem divisão alguma. É como se você estivesse completamente mergulhado nisso.

I: Senhor, você tem dito com frequência que a meditação é um sexto ou sétimo sentido, e que se você carece dela, está perdendo muitíssimo. Segundo você, qual é, exatamente, a natureza essencial da meditação?

K: A natureza essencial da meditação é não ter consciência jamais de que você está meditando. Compreende o que eu digo? Se você tenta meditar — sentar-se em certa postura, relaxar-se tranquilamente, respirar e os demais truques que vocês praticam —, então é como qualquer outro negócio. Você tão somente deseja conquistar algo. E a meditação não é uma conquista. Se você medita conforme um sistema, um método, etc., então isso é uma conquista. Ao final de tudo isso — de seu esforço e demais — diz: “Ah! Finalmente tenho paz!”. (Risos). É o mesmo que dizer: “Ao fim tenho um milhão de dólares o banco”. No mundo dos negócios vocês fazem isto, isso e aquilo para obter dinheiro, mas nada podem fazer para obter a meditação. Para K, a meditação é algo que não pode ser realizado conscientemente.

PJ: Está separada do estado de ver-escutar?

K: Isso é, em si mesmo, meditação?

I: Você fala de um “contato com a natureza”. A mim me parece que a meditação ocorre de uma maneira muito sensível quando há um contato com a natureza, especialmente o tipo de contato que você descreve. Desafortunadamente, muitas pessoas, por mais inteligentes que possam ser, sentem que uma postura ou um determinado enfoque são muito relevantes para a meditação.

PJ: Eu sei.

I: De modo que quando você fala a respeito da meditação, uma meditação na qual todas as coisas caem eliminadas, você está perdido.

K: Esteja perdido!

I: Mas não estamos perdidos na maneira que você o entende.

K: Esteja perdido, esteja perdido.

I: Estamos perdidos na confusão.

K: Senhor, fazer tudo isto que fazem é confusão!

I: Como você nos guiaria adiante, de maneira tal que essa meditação chegasse a ser uma realidade?

K: Não sei o que você entende por “meditação” e por “realidade”. O sinto, não é minha intenção ser engraçado, mas não sei realmente o que você quer dizer com essas duas palavras. Além do mais, creio que estamos nos afastando daquilo que Pupul começou.

I: Eu formulei a pergunta em relação com o funcionamento total dos sentidos, porque tal qualidade é muito diferente da atitude cientifica, tecnológica. O cientista ou o técnico se interessa unicamente no externo.

K: Não, senhor. Eles também formulam estas perguntas. Como lhe disse outro dia, fomos visitar em Los Álamos, que é o Laboratório Nacional da América do Norte. Estão interessados não só na meditação, mas também no que é a criatividade na ciência. Segue-me? Vão mais além de um enfoque meramente tecnológico da vida.

PJ: Senhor, não pode haver outra base para o criativo; os sentidos operando são em si mesmo a base do criativo.

K: Quando você observa todo o universo... quando você observa, sem buscar uma recompensa nem fugir de um castigo, senão que observa, por exemplo, o sofrimento desses aldeões, ou a esses pequenos meninos que caminham doze milhas por dia para ir a escola, nesse observar mesmo existe esta qualidade de amor, de afetuosa solicitude.

PJ: Sim. Agora estamos chegando a isso.

K: Sim.

PJ: O que se desperta? Penso que há uma possibilidade de observar — falo por mim mesma — com todos os sentidos...

K: O despertar de todos os sentidos e a plenitude disso, contém em si a qualidade de algo completamente diferente.

PJ: Tem que haver algo que passamos por alto porque — deixe-me expressá-lo em outras palavras — porque essa explosão do coração...

K: É uma boa frase: “explosão do coração”.

PJ: Isso não ocorre, senhor. A explosão do coração não tem lugar. Esse é o ponto crucial.

K: Você diria que o cérebro é o centro de todas nossas respostas elétricas, nervosas? Ele é o centro de todo o pensar. É o centro de toda a confusão, de toda a dor, da pena, da ansiedade, da depressão, das aspirações, das realizações, etc. Há no cérebro uma grande atividade de confusão e contradição.

O amor não é isso. Portanto, tem que haver algo exterior ao cérebro. Só siga isto logicamente. E nós olhamos a natureza, ou a outros seres humanos...

PJ: ...partindo do interior do cérebro.

K: Sim, olhamos partindo do interior do cérebro. Ontem passeávamos com algumas das pessoas daqui; reinava um completo silêncio, ainda quando se viam carretas de bois, crianças em bicicletas, você sabe, estavam todos os outros ruídos. Não existia nada, só um imenso silêncio. E não era o silêncio dali de fora. Era silêncio; o mundo inteiro estava silencioso. E você mesmo estava silencioso. E sentia toda a Terra como formando parte de você.

PJ: Veja, senhor, esta é sua declaração e eu estou escutando.

K: É claro, pode ser uma tonta insensatez.

PJ: Mas o fato é que eu não enxugo as lágrimas de outro ser humano.

K: Não.

PJ: Os sentidos trabalhando simultaneamente dão ao cérebro uma grande clareza, uma grande vitalidade, uma criatividade germinativa, mas isso não enxuga as lágrimas de outro.

K: Não.

PJ: Estou interessada em descobrir o que é que enxuga as lágrimas do outro. Porque a menos que isso esteja aí...

K: Um momento. Pode o cérebro — essa é a minha pergunta — estar tão quieto que a atividade do pensamento tenha cessado por completo nesse segundo ou nesse período?  Ou o cérebro está sempre tagarelando?

PJ: Senhor, é que a única coisa legítima é estar totalmente desperto, quer dizer, que os sentidos operam plenamente e, então, jamais se levanta sequer uma interrogação sobre o outro?

K: É claro. Você nem sequer conhece o outro. Como pode perguntar-se...?

PJ: O que há fora do crânio...?

K: Sim. Tudo o que conheço está dentro do crânio. Correto? E você vem e diz: “Enquanto você esteja ali dentro, não resolverá nada”. Você me assinala isto. E eu lhe escuto porque vejo a lógica de tudo isto, o sentido comum de tudo isto, e digo: “Muito bem”. Quero saber, pois, o que é que há de aquietar ao cérebro — ainda que este tenha seus próprios ritmos. Temos tentado de tudo, mas o cérebro jamais tem chegado a estar quieto.

A meditação que se pratica não é quietude. Você trata de gerar quietude mediante o controle, mediante todo tipo de truques. Mas essa não é a quietude e a beleza do silêncio. Então, onde viemos parar?

PJ: Você vê, senhor, que tudo o mais é de feitura humana. Só isso é divindade e, desafortunadamente, não sabemos como alcançá-lo, como entrar em contato com isso.

K: Outro dia conheci a um homem. É um grande pintor. Disse-me: “O que o ser humano tem feito é o mais belo que há”. Para ele, essa era a finalidade de tudo. Então apontei-lhe uma árvore e disse: “Ninguém tem feito isso”, e ele começou a ver. “Sim”, disse, “isso é interessante”.

Rishi Vale
19 de dezembro de 1984
Fogo na mente
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill