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sexta-feira, 23 de março de 2018

Pode o cérebro libertar-se de sua própria limitação?


PODE O CÉREBRO LIBERTAR-SE DE SUA PRÓPRIA LIMITAÇÃO?

Jiddu Krishanamurti (K): Como Asit está comprometido na fabricação de computadores, ele e eu, cada vez e donde quer que nos temos encontrado em diferentes partes do mundo, temos falado a respeito da relação entre a mente humana e o computador. Temos tentado descobrir o que é a inteligência e se há uma ação que o computador não possa realizar — alguma aça muito mais penetrante que qualquer coisa que o homem possa fazer externamente

Asit Chandmal (AC): Veja, senhor, os norte-americanos estão desenvolvendo supercomputadores. Agora nós, como seres humanos, temos que ser, em certo sentido, muito mais inteligentes que a tecnologia dos norte-americanos, se temo de contestar a ameaça dessa tecnologia. E a tecnologia não se limita aos computadores, senão que se estende também à engenharia genética, à bioquímica, etc. Eles estão tratando de controlar completamente as características genéticas. Estou seguro de que é só uma questão de tempo antes de que sejam criadas as interfaces computador-cérebro. Além do mais, na Rússia, se está investigando muitíssimo a capacidade de ler pensamentos e transmiti-los a alguma outra pessoas.

Gostaria de especular um pouquinho. Uso a palavra “especular” no sentido de considerar hoje certos problemas que serão solucionados tecnologicamente nos próximos anos. Penso que é importante fazer isto, por que você não está falando só para nós, senão que também fala para aqueles que virão nos séculos futuros e para quem tudo isto será uma realidade. Por exemplo, consideremos o papel do professor, hoje em dia. Você pode adquirir um pequeno computador, lhe colocar uma cinta magnética, e o computador se comunicará com você em francês. Se introduzir outra cinta, se comunicará fluida e instantaneamente em árabe, japonês ou o idioma que for. Suponhamos que a cinta pudesse ser colocada no cérebro humano; o problema é tão só a interface entre o cérebro e a cinta, por que o cérebro funciona como um circuito elétrico. A pergunta é: O que ocorre, então, com o papel do professor?

O seguinte ponto é que, nas sociedades ricas, devido ao tremendo acréscimo dos artefatos materiais como os automóveis ou lavadoras, o corpo tem se deteriorado. Bem, agora, visto que mais e mais funções mentais vão ser assumidas pelo computador, a mente sofrerá uma deterioração não só no nível do que você fala, mas sim, inclusive, em seu funcionamento corrente. Vejo isto como um enorme problema. Como se pode fazer frente a este problema no mundo que se move nessa direção?

K: Se a aprendizagem pode ser instantânea, digamos, por exemplo, se posso ser um poliglota quando desperto pela manhã, então, qual é a função do cérebro? Qual é a função do ser humano?

Pupul Jayakar (PJ): O problema, não é o caso, saber em que consiste a qualidade do humano? Separado de tudo isto, o que vai ocorrer com o ser humano?

K: Aparentemente, um ser humano tal como é, consiste em uma massa de conhecimentos acumulados e em reações de acordo com esses conhecimentos. Vocês estariam de acordo com isso? Se a máquina, ou o computador, vai se encarregar de tudo isso, o que vai ser,  então, o homem, o ser humano? E, qual é, então, a função de uma escola? Por favor, pensem a fundo sobre isto. Não é algo que requeira uma resposta rápida. Isto é tremendamente sério. O que é um ser humano se seus medos, seus sofrimentos, suas ansiedades, se eliminam mediante substâncias químicas ou implantando-lhe algum circuito elétrico? Então, que sou eu? Não creio que captemos isto em sua totalidade.

PJ: Se você toma um forte tranquilizante, suas ansiedades desaparecem temporariamente. Isso é indiscutível. Mas se se pode reproduzir por clonagem, pode se fazer de tudo. Em tudo isto há algo que estamos passando por cima. Parece-me que não estamos chegando a questão central. Há algo mais envolvido em tudo isto.

K: Olhe Pupul, se minhas ansiedades, se meus medos e meus sofrimentos podem ser aliviados e pode meu prazer ser aumentado, pergunto: O que é, então, um ser humano? O que é nossa mente?

Achyut Patwardhan (AP): Entendo se digo que, enquanto por um lado o homem tem desenvolvido estas capacidades extraordinárias, há também um processo correspondente de deterioração mental, o qual é um efeito secundário da supermecanização?

AC: Se você possui um automóvel e por isso deixa de caminhar, seu corpo se deteriorará. De igual modo, se o computador se ocupa das funções mentais, a mente se deteriorará. Isso é, exatamente, o que quero dizer.

K: Não creio que compreendamos a profundidade do que está ocorrendo. Discutimos sobre se isso poderia ocorrer. Isso vai ocorrer. Então, o que somos nós? O que é um ser humano? E depois, quando o computador — uso a palavra “computador” para incluir os produtos químicos e tudo mais — se ocupar completamente de nós e já não exercitarmos nossos cérebros, estes se deteriorarão fisicamente. A pergunta é: Como impediremos isso? O que faremos? Devemos exercitar nossos cérebros. Atualmente, o cérebro se exercita por causa da dor, do prazer, do sofrimento, da ansiedade e de todas essas coisas. Funciona por meio delas. Mas quando a máquina e os produtos químicos se ocuparem, o cérebro deixará de trabalhar. E se não trabalha, se deteriorará.

Podemos começar com a hipótese de que estas coisas vão acontecer, gostemos ou não? De fato, estão acontecendo justamente agora. A menos que estejamos cegos ou desinformados — e o estamos — sabemos a respeito. Investiguemos, pois, se a mente pode, em modo algum, sobreviver privando-a de seus problemas, seja quimicamente ou por meio do computador.

AP: Há um ponto que não tenho claro. Em cada ser humano existe um sentimento de um vazio que é necessário ser preenchido.

K: Será preenchido pelos produtos químicos.

AP: Não pode ser preenchido; não, senhor.

K: Oh, sim, pode sê-lo.

AP: Eu questiono isso. Há um vazio estranho em todos os seres humanos.

Radha Burnier (RB): O que disse Krishnaji é que haverá outras formas de LSD, outras drogas sem os efeitos secundários, as que preencheram essa brecha.

K: Tome uma pílula e jamais sentirá o vazio.

AP: Você tem que ver que, em algum ponto, há algo que permanecerá intacto.

AC: O que ocorre se você não encontra isso?

AP: Antes de chegar a isso, de encontrá-lo, se deve ao menos postular uma necessidade a respeito.

K: Estou postulando uma necessidade.

AP: Qual é a necessidade?

K: Necessidade de produtos químicos, necessidade de computadores, e tanto um como o outro vão destruir-me, vão destruir meu cérebro.

AC: Eu digo algo ligeiramente distinto, e é que, se continua esta tecnologia, não haverá nenhum vazio em nenhum ser humano, porque finalmente eles — os seres humanos — podem extinguir-se como espécie. Ao mesmo tempo, como ser humano, sinto que há alguma outra coisa que não conheço, mas que desejo descobrir. Existe algo diferente, algo que necessita ser preservado? Posso compreender a inteligência? Como vou preservar isso contra todos estes perigos?

K: Asit, talvez não se trate em absoluto de preservação. Olhe, senhor, demos por certo que os produtos químicos e os computadores vão substituir ao homem. E se o cérebro não se exercita tal como se está exercitando com os problemas, as ansiedades, os medos, etc., então se deteriorará inevitavelmente. E a deterioração significa que, pouco a pouco, o homem irá se convertendo em um robô. Então, como ser humano que tem sobrevivido durante vários milhões de anos, pergunto-me: O homem vai terminar nisto? Pode ser, e provavelmente assim terminará.

AC: A mim me parece que o movimento desta tecnologia é a muito ruim, porque há certa bondade que está sendo destruída.

K: Concordo.

AC: A tecnologia é criada pelos seres humanos. Parece ser um movimento de mal, e essa coisa maligna vai assumir o controle.

K: Por que o chama de mal?

AC: É o mal porque está destruindo o mundo.

K: Mas nos estamos destruindo a nós mesmos. A máquina não está nos destruindo. Nós no destruímos.

AC: A pergunta é, então: Como o homem pode criar a tecnologia e, no entanto, não ser destruído por ela?

K: Isso é correto. A mente se deteriora porque não permitirá que nada penetre em seus valores, em seus dogmas. Está presa aí. Se tenha uma forte convicção ou opinião, estou deteriorando. E a máquina vai ajudar-nos a que nos deterioremos mais rapidamente. Isso é tudo. Então, o que há de fazer um ser humano? E me pergunto: O que é um ser humano privado de tudo isto? Em outras palavras: Se ele não tem problemas e só persegue o prazer, o que é? Penso que essa é a raiz do problema. Isto é o que hoje busca o homem: prazeres em diferentes formas. E ele não será nada. Só estará comprometido na perseguição do prazer.

AC: E o computador e a televisão promoverão o prazer diretamente em sua casa. Senhor, agora mesmo há, não só cientistas em computação, senão também cientistas em genética, assim como multinacionais, comprometidos em criar entretenimentos eletrônicos; todos vão convergir em um ponto onde o homem terminará destruindo a capacidade do cérebro humano ou, como ser humano, viverá em um estado constante de prazer sem nenhum tipo de efeitos secundários. E o prazer será obtido por meio dos computadores e os produtos químicos. E uma relação direta com outros seres humanos, irá desaparecendo gradualmente.

K: Talvez nenhum experimento químico ou em computadores tenha chegado tão longe, mas nós devemos nos adiantar a eles. Isso é o que sinto. O que é, então, o que o homem tem perseguido através de toda sua existência? Qual é a corrente que tem perseguido sempre através de toda sua existência? O prazer.

AC: O prazer, sim, mas também o término da dor.

K: Não, o prazer. Evita o outro, mas, em essência, persegue o prazer.

AC: Persegue o prazer e, em certo ponto, vê a necessidade não tão só de prazer senão, em sentido negativo, de terminar com o sofrimento.

K: O que implica prazer.

K: É prazer a terminação do sofrimento?

K: Não. Você não entende meu levantamento. Eu desejo ter prazer a qualquer preço, e o sofrimento é, para mim, uma indicação de que não estou tendo prazer. Discute-o; não o aceite.

AC: O que eu digo é que, historicamente, o homem sempre tem perseguido o prazer.

K: E o que significa isso? Prossiga, analise-o.

AC: O “eu” o tem perseguido.

AP: Quando você diz o “eu”, está falando do “eu” físico ou do “eu” psicológico?

K: De ambos, não é verdade? Eu quero sobreviver física e psicologicamente, e para sobreviver tenho de fazer certas coisas; e para que faça certas coisas, estas devem ser prazerosas. Senhor, por favor, examine isto muito cuidadosamente. No fundo, o que o homem deseja é prazer. A busca de Deus é prazer. Correto? Isso é o que vai ser estimulado pela máquina, pelas drogas? E o homem, será tão só uma entidade interessada no prazer? O conflito consiste em encontrar um equilíbrio entre o bem e o mal?

Não creio que compreendam o significado disto. O conflito entre o bem e o mal tem existido desde tempos imemoriais. O problema é encontrar um equilíbrio ou um estado onde este conflito não exista — o qual é prazer. E o prazer é a coisa mais destrutiva em nossa vida. Concorda?

AP: Do ponto de vista do que você está dizendo, a investigação para liberar a mente de sua escravidão, cai no reino do prazer?

AC: Na realidade, o reduzimos tudo a isso: isso é o que os seres humanos têm feito. O apego, a escravidão mental, geram sofrimento. Por isso desejamos a liberdade. Podemos ver que toda ação humana termina finalmente em desejar a felicidade ou o prazer, e que ambos desejos são enormemente destrutivos? Vieram a parar em uma tecnologia que é também uma perseguição do prazer e que resulta autodestrutiva. Tem que haver algum outro movimento da mente, outro movimento que não consista em buscar o prazer, que não seja autodestrutivo. Não sei se existe, mas tem que existir.

K: Asit, tenhamos isto claro entre nós, entre você e eu. É um fato que os seres humanos, historicamente, sempre tem estado em conflito; sempre tem existido o conflito entre o bem e o mal; as pinturas antigas indicam uma luta. Estão cheias do espírito de conquista, o qual termina em prazer. As tenho contemplado, e ao contemplá-las me dou conta instantaneamente de que todo o movimento do homem tem sido isto. Não creio que alguém possa discuti-lo. Digo que a totalidade disso, não só a autoconservação física senão também a psicológica, formam parte desse movimento. Isso é um fato. É isso o que se mostra destrutivo da mente, do cérebro?

RB: Senhor, o que você entende por “bem” e que entende por “mal”, quando disse que o prazer não é outra coisa que a intenção de equilibrar o bem e o mal?

K: Você tem visto essas pinturas nas cavernas da França e Espanha. Tem milhares de anos de antiguidade. E nessas antigas pinturas se vê ao homem lutando contra o toro.

RB: Sim, em uma forma ou outra, isso existe em todas as partes.

K: Sim. Este conflito entre ambos — o que chamamos “bem” e o que chamamos “mal” — tem existido desde tempos imemoriáveis. Correto? O homem tem inventado o bem e o mal. Observe-o, observe sua própria mente. Não teorize. Observe-se a si mesma se pode, e veja o que são o bem e o mal. O fato jamais é “mal”. Estão de acordo? A ira é ira. Mas eu digo que é má e que, portanto, devo livrar-me da ira. Mas a ira é um fato. Por que necessita ser chamada “boa” ou má”?

RB: Chame-a ou não de má, pode ser terrivelmente destrutiva.

K: Pode ser muito destrutiva, mas tão logo a tenha chamado “má”, é algo que deve ser evitado, não é assim? E então começa o conflito. Mas a ira é um fato. Por que lhe dou qualquer outro nome?

PJ: Consideremos a magia negra. Você diria ou não que a busca disso é, por sua própria natureza, o mal?

K: A que você chama “magia negra”?

PJ: A magia negra é a busca de algo com a intenção de destruir outra pessoa.

K: Que é o que estamos fazendo, ainda que possamos não chamá-lo de magia negra. Veja, Pupul, o que é, no fim das contas, a guerra?

PJ: Deixe-me ir devagar; você não está apreciando. Do que eu falo é de colocar em funcionamento, supostamente, poderes que não são poderes físicos.

K: Fazem alguns anos, tenho visto aqui, no Vale de Rishi, cravada debaixo de uma árvore, uma figura de um homem, ou uma mulher, na qual haviam introduzido alfinetes. Perguntei de que se tratava, e me o explicaram. Bem, agora, existia a intenção de causar danos a alguém. Entre isso e a intenção de ir a guerra, qual a diferença?

Vocês perdem, passam por alto, uma quantidade impressionante de coisas. O que há de mal com todos vocês é que são sumamente prontos. A luz não é boa nem má. O que significa isso? Olhe, senhor, o computador, os produtos químicos, estão tomando o lugar do homem. Isto não é bom nem mal; está ocorrendo. Certamente, há crueldade; certamente, há bondade. Isso é óbvio. Há a mãe dando umas palmadas no menino, e há a que, compassivamente, diz: “Não cause dano a ninguém”, há uma diferença, é evidente. Por que chamam a isso de bom ou mal? Por que chamam a algo de “mal”? Estou rebatendo a palavra, isso é tudo.

Podemos passar a outra coisa? O prazer está sempre no conhecido. Não tenho prazer hoje, mas passado amanhã, isso poderia chegar a ocorrer. Gosto de pensar que ocorrerá. Não sei se veem o que quero dizer. O prazer é um movimento no tempo. Há prazer que não esteja baseado no conhecimento? Toda minha vida é o conhecido. Projeto o conhecido para o  futuro. O futuro é o presente modificado, mas segue sendo o conhecido. Não tenho prazer no desconhecido. E o computador, etc., estão no campo do conhecido. A verdadeira pergunta é, então, se a partir do conhecido há liberdade. Essa é a verdadeira pergunta, porque o que há é prazer, sofrimento, medo. Todo o movimento da mente é o conhecido. E a mente que pode projetar o desconhecido, pode teorizar, mas isso não é um fato. De modo que os computadores, os produtos químicos, a engenharia genética, a clonagem, tudo isso é o conhecido. Pode, pois, haver liberdade com relação ao conhecido? O conhecido está destruindo o homem. Os astrofísicos se projetam ao espaço a partir do conhecido. Perseguem a investigação dos céus, do cosmos, por meio de aparatos construídos pelo pensamento, e observam através desses aparatos e descobrem o universo, o observam, mas tudo isso segue sendo o conhecido.

PJ: A mente do homem se vê hoje ameaçada e está sendo destruída, por causa do modo como está funcionando. Algo muito interessante tem me impactado já faz um tempo: a afirmação de que o atual funcionamento da mente — tal como a conhecemos — será destruído, seja pela máquina que a substituirá ou por outro, quer dizer, pela liberdade com relação ao conhecido. Assim que eu vejo, senhor, o desafio é muito mais profundo.

K: Sim. Isso é o que eu disse. Você o captou. O que Pupul disse é, se o entendo corretamente, que o conhecido, dentro do qual funcionam nossas mentes, está nos destruindo. O conhecido é também o que se projeta ao futuro, tal como as máquinas, as drogas, a genética, a clonagem; tudo isso tem sua origem no conhecido. De modo que ambas coisas estão nos destruindo.

AC: Ela também disse que a mente do homem tem se movido sempre no conhecido, na perseguição do prazer. O resultado disso tem sido a tecnologia que destruirá a mente. Depois ela disse que o outro movimento, que é a liberdade a respeito do conhecido, também destruirá a mente tal como agora a conhecemos.

K: O que você está dizendo?

AC: Ela disse que há dois movimentos. O movimento do conhecido está nos conduzindo a uma destruição cada vez maior da mente. A saída é liberar-se do conhecido, e isso também destrói o movimento do conhecido.

K: Espere. A liberdade não é libertar-se de algo. A liberdade é um findar. Entende?

AC: Você disse, senhor, que esta liberdade com relação ao conhecido é de tal natureza que não se destrói este movimento? Disse que nesta liberdade com relação ao conhecido, o pensamento tem seu lugar, a mente tem seu lugar? Você disse que nisto há liberdade?

K: Digo que só há liberdade, mas não que se liberta do conhecido.

PJ: Eu quero dizer que o que chamamos mente, opera, funciona, de uma maneira particular. Essa mente humana é colocada sob pressão pelos avanços tecnológicos. Este outro, quer dizer, a liberdade com relação ao conhecido, é também totalmente destrutivo desta função da mente. Portanto, uma mente nova — seja ela nascida da tecnologia ou uma que esteja livre do conhecido — é inevitável. Essas são as únicas duas coisas; a situação presente está excluída.

K: Sejamos claros. Ou tem que haver uma mente nova, ou o que hoje ocorre vai destruir a mente. Correto? Mas a mente nova só pode existir de fato, não teoricamente, quando cessa o conhecimento. O conhecimento tem criado a máquina e nós vivemos com base no conhecimento. Somos máquinas; mas agora estamos separando ambas as coisas. A máquina está nos destruindo. A máquina é o produto do conhecimento. Em consequência, o que nos destrói é o conhecimento, não a máquina. De modo que a interrogação é, então, se o conhecimento pode terminar, e não se podemos nos libertar do conhecimento.

AC: A pergunta é: Pode o conhecimento terminar? Ou a ação nascida do conhecimento? A ação que procede do conhecimento pode terminar. O conhecimento não pode terminar.

K: Pode. Veja, a ação é liberdade com relação ao conhecimento.

AC: O conhecimento não pode terminar.

K: Sim, senhor.

PJ: O que você quer dizer quando sustenta que todo o conhecimento chega a seu fim?

K: O conhecimento é o conhecido. Pode terminar o conhecimento? Agora não estamos falando do conhecimento tecnológico. Quem vai terminar com o conhecimento? A pessoa que termina com o conhecimento segue fazendo parte do conhecimento. Não há, pois, uma entidade separada do conhecimento, que possa terminar com o conhecimento. Por favo, vejam devagar.

AC: Só há conhecimento?

K: Só existe o conhecimento, não o findar do conhecimento. Não sei se estou me expressando com clareza.

AC: Então, senhor, há a tremenda força de conservação própria e só há conhecimento. E você pergunta: Pode o conhecimento terminar? O qual implica autoaniquilação.

K: Não; entendo o que você disse. Deixo, então, por hora, o findar do conhecimento. Estou dizendo que ambos — o computador e minha vida — se baseiam no conhecimento. Não há, pois, divisão entre ambos.

AC: Isso eu entendo.

K: Isto é algo extraordinário. E enquanto estejamos vivendo com base no conhecimento, nossos cérebros vão ser destruídos pela rotina, pela máquina, etc. De modo que a mente é conhecimento. Não é questão de dizer que ela deve libertar-se do conhecimento. Veja isso. Só existe a mente que é conhecimento.

Vou dizer-lhe algo. Veja, você tem se bloqueado a si mesmo. Não diga que isso é impossível. Se você houvesse dito que isso é impossível, não poderia ter inventado computadores. Mova-se a partir daí. Qualquer coisa que a mente faz — inclusive dizer que deve ser livre — estará sempre dentro do campo do conhecimento. Qual é, então, o estado da mente que se dá conta completamente, ou sabe, que é inteiramente conhecimento?

Movi-me. Não vê?O que ocorreu agora? Ao que parece, o conhecimento é movimento. O conhecimento foi adquirido por obra do movimento. De modo que é movimento. Assim, pois, o tempo e tudo isso, é movimento.

AC: Você está falando do estado da mente quando o tempo se detém.

K: Isso é liberdade. O tempo é movimento. O que isso implica? É muito diferente, senhor. Unamos isto: A mente inventou o computador. Tenho usado a palavra “computador” para incluir toda a tecnologia: a genética, a clonagem, os produtos químicos, etc. Tudo isso tem sua origem no conhecimento que o homem tem adquirido. Segue sendo o conhecido, o produto do conhecido, com suas hipóteses, suas teorias e refutações, etc. O home também tem feito exatamente a mesma coisa que a máquina. Não há, pois, divisão entre ambos. A mente é conhecimento — seus deuses, seus templos tem nascido do conhecimento. O conhecimento é um movimento. Pode esse movimento se deter?

Isso é realmente liberdade. Quer dizer que a percepção está livre do conhecimento, e a ação não surge da percepção baseada no conhecimento. Quando percebemos a serpente, essa percepção se baseia em séculos de condicionamento com respeito à serpente. A percepção de que sou hindu, com tudo o que tem ocorrido em nome disso ao longo de três mil anos, é o mesmo movimento. E nós estamos vivendo nesse campo todo o tempo. Isso é o destrutivo, não a máquina. A menos que a máquina da mente se detenha — não o computador — vamos destruir a nós mesmos.

Existe, pois, uma percepção que não tenha sua origem no conhecimento? Porque quando este movimento chega a seu fim, tem que haver ação.

AC: Em outras palavras, isso é atuar no mundo, mas sem que nada nos afete, sem deixar nenhuma pegada. Nada deixa raízes.

K: E o que isso significa? Uma percepção que não pertence ao conhecimento. Existe uma percepção assim? Certamente, há uma percepção que não pode ser computadorizada. Esta investigação, se origina no instinto de prazer? Todos estamos investigando.

PJ: Não sei se é por prazer ou por algo diferente.

AC: Não importa se o computador pode fazê-lo ou não. O essencial é que nós o façamos.

PJ: O qual nos conduz à situação de que há algo que deve ser investigado.

K: Vocês já veem quão profundamente arraigado isso está!

AC: A pergunta é esta: Qual é o mecanismo da mente, a estrutura da mente que opera com a percepção, com o discernimento instantâneo, e sem que haja acumulação alguma?

K: Mas considerem o que temos feito, vejam quanto tempo tem levado para chegar a esse ponto que é a percepção sem registro algum! Por quê? Porque funcionamos no tempo.

AC: Em outras palavras, o que você disse é que não se tem que passar por esse processo. Se nós temos chegado a este ponto e não atuamos, isso é muito perigoso, muito mais perigoso que não ter nenhuma discussão a respeito.

K: Isso é o que estou dizendo. É um tremendo perigo. Vocês têm chegado a um ponto onde veem o que a mente tem inventado: a máquina que é o computador, as drogas, os produtos químicos, a clonagem, tudo isto? E vem que isso é a mesma coisa que nossas mentes? Nossas mentes são tão mecânicas como isso. E estamos atuando sempre nessa área. Portanto, estamos nos destruindo a nós mesmos. Não é a máquina o que nos destrói.

PJ: Você pode dizer, ao final disso, sacrifício, sacrifício, sacrifício. Quer dizer que não temos feito nossos deveres.

K: Não estou seguro se não você não retrocedeu no tempo. Veja, um pianista disse uma vez: “Se você pratica, está praticando o indevido”.

PJ: Isto não é uma questão de prática.

K: Pupulji, todos os professores estão sentados ali. O que vão fazer? Colocar aqui uma bomba? Entende o que quero dizer? Estamos manipulando uma bomba, e pode explodir a qualquer momento. Não sei se se dão conta disto. É algo tremendo.

AC: É muito mais perigoso.

K: Isto é realmente alarmante. Pergunto-me se o advertem. O que farão? Esta é a verdadeira revolução.

AC: E não só para os professores e os estudantes.

K: Certamente, certamente.

AC: Eu queria perguntar-lhe: A mente que o tenha acompanhado até um ponto, a mente que alcança este ponto, se torna muito mais vulnerável ao mal?

K: Compreendo o que você quer expressar.  Não o discutiremos agora. De modo, senhor, que o problema é deter o movimento, colocar-lhe fim, e não colocar fim ao conhecimento. Esse é o verdadeiro problema.

Rishi Vale
4 de dezembro de 1980
Fogo na Mente

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill