PODE O CÉREBRO LIBERTAR-SE DE SUA PRÓPRIA
LIMITAÇÃO?
Jiddu Krishanamurti (K): Como Asit está comprometido na fabricação de
computadores, ele e eu, cada vez e donde quer que nos temos encontrado em
diferentes partes do mundo, temos falado a respeito da relação entre a mente
humana e o computador. Temos tentado descobrir o que é a inteligência e se há
uma ação que o computador não possa realizar — alguma aça muito mais penetrante
que qualquer coisa que o homem possa fazer externamente
Asit Chandmal (AC): Veja, senhor, os norte-americanos estão desenvolvendo
supercomputadores. Agora nós, como seres humanos, temos que ser, em certo
sentido, muito mais inteligentes que a tecnologia dos norte-americanos, se temo
de contestar a ameaça dessa tecnologia. E a tecnologia não se limita aos
computadores, senão que se estende também à engenharia genética, à bioquímica,
etc. Eles estão tratando de controlar completamente as características
genéticas. Estou seguro de que é só uma questão de tempo antes de que sejam
criadas as interfaces computador-cérebro. Além do mais, na Rússia, se está investigando
muitíssimo a capacidade de ler pensamentos e transmiti-los a alguma outra
pessoas.
Gostaria
de especular um pouquinho. Uso a palavra “especular” no sentido de considerar hoje
certos problemas que serão solucionados tecnologicamente nos próximos anos.
Penso que é importante fazer isto, por que você não está falando só para nós, senão
que também fala para aqueles que virão nos séculos futuros e para quem tudo isto
será uma realidade. Por exemplo, consideremos o papel do professor, hoje em
dia. Você pode adquirir um pequeno computador, lhe colocar uma cinta magnética,
e o computador se comunicará com você em francês. Se introduzir outra cinta, se
comunicará fluida e instantaneamente em árabe, japonês ou o idioma que for. Suponhamos
que a cinta pudesse ser colocada no cérebro humano; o problema é tão só a
interface entre o cérebro e a cinta, por que o cérebro funciona como um
circuito elétrico. A pergunta é: O que ocorre, então, com o papel do professor?
O
seguinte ponto é que, nas sociedades ricas, devido ao tremendo acréscimo dos
artefatos materiais como os automóveis ou lavadoras, o corpo tem se
deteriorado. Bem, agora, visto que mais e mais funções mentais vão ser
assumidas pelo computador, a mente sofrerá uma deterioração não só no nível do
que você fala, mas sim, inclusive, em seu funcionamento corrente. Vejo isto
como um enorme problema. Como se pode fazer frente a este problema no mundo que
se move nessa direção?
K: Se a aprendizagem pode ser instantânea, digamos, por exemplo, se posso
ser um poliglota quando desperto pela manhã, então, qual é a função do cérebro?
Qual é a função do ser humano?
Pupul Jayakar (PJ): O problema, não é o caso, saber em que consiste a
qualidade do humano? Separado de tudo isto, o que vai ocorrer com o ser humano?
K: Aparentemente, um ser humano tal como é, consiste em uma massa de
conhecimentos acumulados e em reações de acordo com esses conhecimentos. Vocês
estariam de acordo com isso? Se a máquina, ou o computador, vai se encarregar
de tudo isso, o que vai ser, então, o
homem, o ser humano? E, qual é, então, a função de uma escola? Por favor,
pensem a fundo sobre isto. Não é algo que requeira uma resposta rápida. Isto é tremendamente
sério. O que é um ser humano se seus medos, seus sofrimentos, suas ansiedades,
se eliminam mediante substâncias químicas ou implantando-lhe algum circuito
elétrico? Então, que sou eu? Não creio que captemos isto em sua totalidade.
PJ: Se você toma um forte tranquilizante, suas ansiedades desaparecem
temporariamente. Isso é indiscutível. Mas se se pode reproduzir por clonagem,
pode se fazer de tudo. Em tudo isto há algo que estamos passando por cima.
Parece-me que não estamos chegando a questão central. Há algo mais envolvido em
tudo isto.
K: Olhe Pupul, se minhas ansiedades, se meus medos e meus sofrimentos
podem ser aliviados e pode meu prazer ser aumentado, pergunto: O que é, então, um
ser humano? O que é nossa mente?
Achyut Patwardhan (AP): Entendo se digo que, enquanto por um lado o homem tem
desenvolvido estas capacidades extraordinárias, há também um processo
correspondente de deterioração mental, o qual é um efeito secundário da
supermecanização?
AC: Se você possui um automóvel e por isso deixa de caminhar, seu corpo se
deteriorará. De igual modo, se o computador se ocupa das funções mentais, a
mente se deteriorará. Isso é, exatamente, o que quero dizer.
K: Não creio que compreendamos a profundidade do que está ocorrendo. Discutimos
sobre se isso poderia ocorrer. Isso vai
ocorrer. Então, o que somos nós? O que é um ser humano? E depois, quando o
computador — uso a palavra “computador” para incluir os produtos químicos e
tudo mais — se ocupar completamente de nós e já não exercitarmos nossos cérebros,
estes se deteriorarão fisicamente. A pergunta é: Como impediremos isso? O que
faremos? Devemos exercitar nossos cérebros. Atualmente, o cérebro se exercita
por causa da dor, do prazer, do sofrimento, da ansiedade e de todas essas coisas.
Funciona por meio delas. Mas quando a máquina e os produtos químicos se
ocuparem, o cérebro deixará de trabalhar. E se não trabalha, se deteriorará.
Podemos
começar com a hipótese de que estas coisas vão acontecer, gostemos ou não? De
fato, estão acontecendo justamente agora. A menos que estejamos cegos ou
desinformados — e o estamos — sabemos a respeito. Investiguemos, pois, se a
mente pode, em modo algum, sobreviver privando-a de seus problemas, seja
quimicamente ou por meio do computador.
AP: Há um ponto que não tenho claro. Em cada ser humano existe um
sentimento de um vazio que é necessário ser preenchido.
K: Será preenchido pelos produtos químicos.
AP: Não pode ser preenchido; não, senhor.
K: Oh, sim, pode sê-lo.
AP: Eu questiono isso. Há um vazio estranho em todos os seres humanos.
Radha Burnier (RB): O que disse Krishnaji é que haverá outras formas de
LSD, outras drogas sem os efeitos secundários, as que preencheram essa brecha.
K: Tome uma pílula e jamais sentirá o vazio.
AP: Você tem que ver que, em algum ponto, há algo que permanecerá intacto.
AC: O que ocorre se você não encontra isso?
AP: Antes de chegar a isso, de encontrá-lo, se deve ao menos postular uma
necessidade a respeito.
K: Estou postulando uma necessidade.
AP: Qual é a necessidade?
K: Necessidade de produtos químicos, necessidade de computadores, e tanto
um como o outro vão destruir-me, vão destruir meu cérebro.
AC: Eu digo algo ligeiramente distinto, e é que, se continua esta
tecnologia, não haverá nenhum vazio em nenhum ser humano, porque finalmente
eles — os seres humanos — podem extinguir-se como espécie. Ao mesmo tempo, como
ser humano, sinto que há alguma outra coisa que não conheço, mas que desejo
descobrir. Existe algo diferente, algo que necessita ser preservado? Posso
compreender a inteligência? Como vou preservar isso contra todos estes perigos?
K: Asit, talvez não se trate em absoluto de preservação. Olhe, senhor,
demos por certo que os produtos químicos e os computadores vão substituir ao
homem. E se o cérebro não se exercita tal como se está exercitando com os
problemas, as ansiedades, os medos, etc., então se deteriorará inevitavelmente.
E a deterioração significa que, pouco a pouco, o homem irá se convertendo em um
robô. Então, como ser humano que tem sobrevivido durante vários milhões de
anos, pergunto-me: O homem vai terminar nisto? Pode ser, e provavelmente assim
terminará.
AC: A mim me parece que o movimento desta tecnologia é a muito ruim,
porque há certa bondade que está sendo destruída.
K: Concordo.
AC: A tecnologia é criada pelos seres humanos. Parece ser um movimento de
mal, e essa coisa maligna vai assumir o controle.
K: Por que o chama de mal?
AC: É o mal porque está destruindo o mundo.
K: Mas nos estamos destruindo a nós mesmos. A máquina não está nos
destruindo. Nós no destruímos.
AC: A pergunta é, então: Como o homem pode criar a tecnologia e, no
entanto, não ser destruído por ela?
K: Isso é correto. A mente se deteriora porque não permitirá que nada
penetre em seus valores, em seus dogmas. Está presa aí. Se tenha uma forte
convicção ou opinião, estou deteriorando. E a máquina vai ajudar-nos a que nos
deterioremos mais rapidamente. Isso é tudo. Então, o que há de fazer um ser
humano? E me pergunto: O que é um ser humano privado de tudo isto? Em outras
palavras: Se ele não tem problemas e só persegue o prazer, o que é? Penso que
essa é a raiz do problema. Isto é o que hoje busca o homem: prazeres em
diferentes formas. E ele não será nada. Só estará comprometido na perseguição
do prazer.
AC: E o computador e a televisão promoverão o prazer diretamente em sua
casa. Senhor, agora mesmo há, não só cientistas em computação, senão também
cientistas em genética, assim como multinacionais, comprometidos em criar
entretenimentos eletrônicos; todos vão convergir em um ponto onde o homem
terminará destruindo a capacidade do cérebro humano ou, como ser humano, viverá
em um estado constante de prazer sem nenhum tipo de efeitos secundários. E o
prazer será obtido por meio dos computadores e os produtos químicos. E uma
relação direta com outros seres humanos, irá desaparecendo gradualmente.
K: Talvez nenhum experimento químico ou em computadores tenha chegado tão
longe, mas nós devemos nos adiantar a eles. Isso é o que sinto. O que é, então,
o que o homem tem perseguido através de toda sua existência? Qual é a corrente
que tem perseguido sempre através de toda sua existência? O prazer.
AC: O prazer, sim, mas também o término da dor.
K: Não, o prazer. Evita o outro, mas, em essência, persegue o prazer.
AC: Persegue o prazer e, em certo ponto, vê a necessidade não tão só de
prazer senão, em sentido negativo, de terminar com o sofrimento.
K: O que implica prazer.
K: É prazer a terminação do sofrimento?
K: Não. Você não entende meu levantamento. Eu desejo ter prazer a
qualquer preço, e o sofrimento é, para mim, uma indicação de que não estou
tendo prazer. Discute-o; não o aceite.
AC: O que eu digo é que, historicamente, o homem sempre tem perseguido o
prazer.
K: E o que significa isso? Prossiga, analise-o.
AC: O “eu” o tem perseguido.
AP: Quando você diz o “eu”, está falando do “eu” físico ou do “eu”
psicológico?
K: De ambos, não é verdade? Eu quero sobreviver física e psicologicamente,
e para sobreviver tenho de fazer certas coisas; e para que faça certas coisas,
estas devem ser prazerosas. Senhor, por favor, examine isto muito
cuidadosamente. No fundo, o que o homem deseja é prazer. A busca de Deus é
prazer. Correto? Isso é o que vai ser estimulado pela máquina, pelas drogas? E
o homem, será tão só uma entidade interessada no prazer? O conflito consiste em
encontrar um equilíbrio entre o bem e o mal?
Não
creio que compreendam o significado disto. O conflito entre o bem e o mal tem
existido desde tempos imemoriais. O problema é encontrar um equilíbrio ou um
estado onde este conflito não exista — o qual é prazer. E o prazer é a coisa
mais destrutiva em nossa vida. Concorda?
AP: Do ponto de vista do que você está dizendo, a investigação para
liberar a mente de sua escravidão, cai no reino do prazer?
AC: Na realidade, o reduzimos tudo a isso: isso é o que os seres humanos
têm feito. O apego, a escravidão mental, geram sofrimento. Por isso desejamos a
liberdade. Podemos ver que toda ação humana termina finalmente em desejar a
felicidade ou o prazer, e que ambos desejos são enormemente destrutivos? Vieram
a parar em uma tecnologia que é também uma perseguição do prazer e que resulta
autodestrutiva. Tem que haver algum outro movimento da mente, outro movimento
que não consista em buscar o prazer, que não seja autodestrutivo. Não sei se
existe, mas tem que existir.
K: Asit, tenhamos isto claro entre nós, entre você e eu. É um fato que os
seres humanos, historicamente, sempre tem estado em conflito; sempre tem
existido o conflito entre o bem e o mal; as pinturas antigas indicam uma luta.
Estão cheias do espírito de conquista, o qual termina em prazer. As tenho
contemplado, e ao contemplá-las me dou conta instantaneamente de que todo o
movimento do homem tem sido isto. Não creio que alguém possa discuti-lo. Digo
que a totalidade disso, não só a autoconservação física senão também a
psicológica, formam parte desse movimento. Isso é um fato. É isso o que se
mostra destrutivo da mente, do cérebro?
RB: Senhor, o que você entende por “bem” e que entende por “mal”, quando
disse que o prazer não é outra coisa que a intenção de equilibrar o bem e o
mal?
K: Você tem visto essas pinturas nas cavernas da França e Espanha. Tem
milhares de anos de antiguidade. E nessas antigas pinturas se vê ao homem
lutando contra o toro.
RB: Sim, em uma forma ou outra, isso existe em todas as partes.
K: Sim. Este conflito entre ambos — o que chamamos “bem” e o que chamamos
“mal” — tem existido desde tempos imemoriáveis. Correto? O homem tem inventado
o bem e o mal. Observe-o, observe sua própria mente. Não teorize. Observe-se a
si mesma se pode, e veja o que são o
bem e o mal. O fato jamais é “mal”.
Estão de acordo? A ira é ira. Mas eu digo que é má e que, portanto, devo
livrar-me da ira. Mas a ira é um fato. Por que necessita ser chamada “boa” ou
má”?
RB: Chame-a ou não de má, pode ser terrivelmente destrutiva.
K: Pode ser muito destrutiva, mas tão logo a tenha chamado “má”, é algo
que deve ser evitado, não é assim? E então começa o conflito. Mas a ira é um
fato. Por que lhe dou qualquer outro nome?
PJ: Consideremos a magia negra. Você diria ou não que a busca disso é, por
sua própria natureza, o mal?
K: A que você chama “magia negra”?
PJ: A magia negra é a busca de algo com a intenção de destruir outra
pessoa.
K: Que é o que estamos fazendo, ainda que possamos não chamá-lo de magia
negra. Veja, Pupul, o que é, no fim das contas, a guerra?
PJ: Deixe-me ir devagar; você não está apreciando. Do que eu falo é de
colocar em funcionamento, supostamente, poderes que não são poderes físicos.
K: Fazem alguns anos, tenho visto aqui, no Vale de Rishi, cravada debaixo
de uma árvore, uma figura de um homem, ou uma mulher, na qual haviam
introduzido alfinetes. Perguntei de que se tratava, e me o explicaram. Bem,
agora, existia a intenção de causar danos a alguém. Entre isso e a intenção de
ir a guerra, qual a diferença?
Vocês
perdem, passam por alto, uma quantidade impressionante de coisas. O que há de
mal com todos vocês é que são sumamente prontos. A luz não é boa nem má. O que
significa isso? Olhe, senhor, o computador, os produtos químicos, estão tomando
o lugar do homem. Isto não é bom nem mal; está ocorrendo. Certamente, há
crueldade; certamente, há bondade. Isso é óbvio. Há a mãe dando umas palmadas
no menino, e há a que, compassivamente, diz: “Não cause dano a ninguém”, há uma
diferença, é evidente. Por que chamam a isso de bom ou mal? Por que chamam a
algo de “mal”? Estou rebatendo a palavra, isso é tudo.
Podemos
passar a outra coisa? O prazer está sempre no conhecido. Não tenho prazer hoje,
mas passado amanhã, isso poderia chegar a ocorrer. Gosto de pensar que
ocorrerá. Não sei se veem o que quero dizer. O prazer é um movimento no tempo.
Há prazer que não esteja baseado no conhecimento? Toda minha vida é o
conhecido. Projeto o conhecido para o
futuro. O futuro é o presente modificado, mas segue sendo o conhecido.
Não tenho prazer no desconhecido. E o computador, etc., estão no campo do
conhecido. A verdadeira pergunta é, então, se a partir do conhecido há
liberdade. Essa é a verdadeira pergunta, porque o que há é prazer, sofrimento,
medo. Todo o movimento da mente é o conhecido. E a mente que pode projetar o
desconhecido, pode teorizar, mas isso não é um fato. De modo que os
computadores, os produtos químicos, a engenharia genética, a clonagem, tudo
isso é o conhecido. Pode, pois, haver liberdade com relação ao conhecido? O conhecido está destruindo o homem. Os
astrofísicos se projetam ao espaço a partir do conhecido. Perseguem a
investigação dos céus, do cosmos, por meio de aparatos construídos pelo
pensamento, e observam através desses aparatos e descobrem o universo, o
observam, mas tudo isso segue sendo o conhecido.
PJ: A mente do homem se vê hoje ameaçada e está sendo
destruída, por causa do modo como está funcionando. Algo muito interessante tem
me impactado já faz um tempo: a afirmação de que o atual funcionamento da mente
— tal como a conhecemos — será destruído, seja pela máquina que a substituirá
ou por outro, quer dizer, pela liberdade com relação ao conhecido. Assim que eu
vejo, senhor, o desafio é muito mais profundo.
K: Sim. Isso é o que eu disse. Você o captou. O que
Pupul disse é, se o entendo corretamente, que o conhecido, dentro do qual
funcionam nossas mentes, está nos destruindo. O conhecido é também o que se
projeta ao futuro, tal como as máquinas, as drogas, a genética, a clonagem;
tudo isso tem sua origem no conhecido. De modo que ambas coisas estão nos
destruindo.
AC: Ela também disse que a mente do homem tem se movido
sempre no conhecido, na perseguição do prazer. O resultado disso tem sido a
tecnologia que destruirá a mente. Depois ela disse que o outro movimento, que é
a liberdade a respeito do conhecido, também destruirá a mente tal como agora a
conhecemos.
K: O que você está dizendo?
AC: Ela disse que há dois movimentos. O movimento do
conhecido está nos conduzindo a uma destruição cada vez maior da mente. A saída
é liberar-se do conhecido, e isso também destrói o movimento do conhecido.
K: Espere. A liberdade não é libertar-se de algo. A liberdade é um findar.
Entende?
AC: Você disse, senhor, que esta liberdade com relação ao
conhecido é de tal natureza que não se destrói este movimento? Disse que nesta
liberdade com relação ao conhecido, o pensamento tem seu lugar, a mente tem seu
lugar? Você disse que nisto há liberdade?
K: Digo que só há liberdade, mas não que se liberta do conhecido.
PJ: Eu quero dizer que o que chamamos mente, opera,
funciona, de uma maneira particular. Essa mente humana é colocada sob pressão
pelos avanços tecnológicos. Este outro, quer dizer, a liberdade com relação ao
conhecido, é também totalmente destrutivo desta função da mente. Portanto, uma
mente nova — seja ela nascida da tecnologia ou uma que esteja livre do
conhecido — é inevitável. Essas são as únicas duas coisas; a situação presente
está excluída.
K: Sejamos claros. Ou tem que haver uma mente nova, ou o
que hoje ocorre vai destruir a mente. Correto? Mas a mente nova só pode existir
de fato, não teoricamente, quando cessa o conhecimento. O conhecimento tem
criado a máquina e nós vivemos com base no conhecimento. Somos máquinas; mas
agora estamos separando ambas as coisas. A máquina está nos destruindo. A
máquina é o produto do conhecimento. Em consequência, o que nos destrói é o
conhecimento, não a máquina. De modo que a interrogação é, então, se o
conhecimento pode terminar, e não se podemos nos libertar do conhecimento.
AC: A pergunta é: Pode o conhecimento terminar? Ou a ação
nascida do conhecimento? A ação que procede do conhecimento pode terminar. O
conhecimento não pode terminar.
K: Pode. Veja, a ação é liberdade com relação ao
conhecimento.
AC: O conhecimento não pode terminar.
K: Sim, senhor.
PJ: O que você quer dizer quando sustenta que todo o
conhecimento chega a seu fim?
K: O conhecimento é o conhecido. Pode terminar o
conhecimento? Agora não estamos falando do conhecimento tecnológico. Quem vai
terminar com o conhecimento? A pessoa que termina com o conhecimento segue
fazendo parte do conhecimento. Não há, pois, uma entidade separada do
conhecimento, que possa terminar com o conhecimento. Por favo, vejam devagar.
AC: Só há conhecimento?
K: Só existe o conhecimento, não o findar do
conhecimento. Não sei se estou me expressando com clareza.
AC: Então, senhor, há a tremenda força de conservação
própria e só há conhecimento. E você pergunta: Pode o conhecimento terminar? O
qual implica autoaniquilação.
K: Não; entendo o que você disse. Deixo, então, por
hora, o findar do conhecimento. Estou dizendo que ambos — o computador e minha
vida — se baseiam no conhecimento. Não há, pois, divisão entre ambos.
AC: Isso eu entendo.
K: Isto é algo extraordinário. E enquanto estejamos
vivendo com base no conhecimento, nossos cérebros vão ser destruídos pela rotina,
pela máquina, etc. De modo que a mente é conhecimento. Não é questão de dizer
que ela deve libertar-se do conhecimento. Veja isso. Só existe a mente que é
conhecimento.
Vou dizer-lhe algo. Veja, você tem se bloqueado a si
mesmo. Não diga que isso é impossível. Se você houvesse dito que isso é
impossível, não poderia ter inventado computadores. Mova-se a partir daí.
Qualquer coisa que a mente faz — inclusive dizer que deve ser livre — estará
sempre dentro do campo do conhecimento. Qual é, então, o estado da mente que se
dá conta completamente, ou sabe, que é inteiramente conhecimento?
Movi-me. Não vê?O que ocorreu agora? Ao que parece, o
conhecimento é movimento. O conhecimento foi adquirido por obra do movimento.
De modo que é movimento. Assim, pois,
o tempo e tudo isso, é movimento.
AC: Você está falando do estado da mente quando o tempo se
detém.
K: Isso é liberdade. O tempo é movimento. O que isso
implica? É muito diferente, senhor. Unamos isto: A mente inventou o computador.
Tenho usado a palavra “computador” para incluir toda a tecnologia: a genética,
a clonagem, os produtos químicos, etc. Tudo isso tem sua origem no conhecimento
que o homem tem adquirido. Segue sendo o conhecido, o produto do conhecido, com
suas hipóteses, suas teorias e refutações, etc. O home também tem feito
exatamente a mesma coisa que a máquina. Não há, pois, divisão entre ambos. A
mente é conhecimento — seus deuses, seus templos tem nascido do conhecimento. O
conhecimento é um movimento. Pode esse movimento se deter?
Isso é realmente liberdade. Quer dizer que a percepção
está livre do conhecimento, e a ação não surge da percepção baseada no
conhecimento. Quando percebemos a serpente, essa percepção se baseia em séculos
de condicionamento com respeito à serpente. A percepção de que sou hindu, com
tudo o que tem ocorrido em nome disso ao longo de três mil anos, é o mesmo
movimento. E nós estamos vivendo nesse campo todo o tempo. Isso é o destrutivo,
não a máquina. A menos que a máquina da mente se detenha — não o computador —
vamos destruir a nós mesmos.
Existe, pois, uma percepção que não tenha sua origem
no conhecimento? Porque quando este movimento chega a seu fim, tem que haver
ação.
AC: Em outras palavras, isso é atuar no mundo, mas sem
que nada nos afete, sem deixar nenhuma pegada. Nada deixa raízes.
K: E o que isso significa? Uma percepção que não
pertence ao conhecimento. Existe uma percepção assim? Certamente, há uma
percepção que não pode ser computadorizada. Esta investigação, se origina no
instinto de prazer? Todos estamos investigando.
PJ: Não sei se é por prazer ou por algo diferente.
AC: Não importa se o computador pode fazê-lo ou não. O
essencial é que nós o façamos.
PJ: O qual nos conduz à situação de que há algo que deve
ser investigado.
K: Vocês já veem quão profundamente arraigado isso está!
AC: A pergunta é esta: Qual é o mecanismo da mente, a
estrutura da mente que opera com a percepção, com o discernimento instantâneo,
e sem que haja acumulação alguma?
K: Mas considerem o que temos feito, vejam quanto tempo
tem levado para chegar a esse ponto que é a percepção sem registro algum! Por
quê? Porque funcionamos no tempo.
AC: Em outras palavras, o que você disse é que não se tem
que passar por esse processo. Se nós temos chegado a este ponto e não atuamos,
isso é muito perigoso, muito mais perigoso que não ter nenhuma discussão a
respeito.
K: Isso é o que estou dizendo. É um tremendo perigo. Vocês
têm chegado a um ponto onde veem o que a mente tem inventado: a máquina que é o
computador, as drogas, os produtos químicos, a clonagem, tudo isto? E vem que isso
é a mesma coisa que nossas mentes? Nossas mentes são tão mecânicas como isso. E
estamos atuando sempre nessa área. Portanto, estamos nos destruindo a nós mesmos.
Não é a máquina o que nos destrói.
PJ: Você pode dizer, ao final disso, sacrifício, sacrifício, sacrifício. Quer dizer que não temos feito nossos
deveres.
K: Não estou seguro se não você não retrocedeu no tempo.
Veja, um pianista disse uma vez: “Se você pratica, está praticando o indevido”.
PJ: Isto não é uma questão de prática.
K: Pupulji, todos os professores estão sentados ali. O que
vão fazer? Colocar aqui uma bomba? Entende o que quero dizer? Estamos manipulando
uma bomba, e pode explodir a qualquer momento. Não sei se se dão conta disto. É
algo tremendo.
AC: É muito mais perigoso.
K: Isto é realmente alarmante. Pergunto-me se o advertem.
O que farão? Esta é a verdadeira revolução.
AC: E não só para os professores e os estudantes.
K: Certamente, certamente.
AC: Eu queria perguntar-lhe: A mente que o tenha acompanhado
até um ponto, a mente que alcança este ponto, se torna muito mais vulnerável ao
mal?
K: Compreendo
o que você quer expressar. Não o discutiremos
agora. De modo, senhor, que o problema é deter o movimento, colocar-lhe fim, e não
colocar fim ao conhecimento. Esse é o verdadeiro problema.
Rishi Vale
4 de dezembro
de 1980
Fogo na Mente
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