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sexta-feira, 23 de março de 2018

O primeiro passo é o último passo


O PRIMEIRO PASSO É O ÚLTIMO PASSO

Interlocutor P: Ontem você disse que o primeiro passo é o último passo. Para poder compreender esta afirmação, eu penso que deveríamos investigar o problema do tempo, e se é que existe uma coisa como o estado final de iluminação. A confusão surge porque nossas mentes estão condicionadas para pensar na iluminação como um estado final. É a compreensão ou iluminação um estado final?

KRISHNAMURTI: Veja, quando dissemos que o primeiro passo é o último passo, não estávamos pensando no tempo como um movimento horizontal ou vertical? Não pensávamos em um movimento ao longo de um plano? Dizíamos ontem que se pudéssemos descartar completamente o vertical e o horizontal, estaríamos capacitados para observar este fato de que onde quer que nos encontremos, a qualquer nível de condicionamento, de existência, a percepção da verdade, o fato, nesse instante é o último passo.

Tomemos um escrevente em um pequeno escritório, com toda a infelicidade que isso implica; o escrevente escuta e percebe. O homem escuta, e nesse momento realmente vê. Esse ver e essa percepção são o primeiro e o último passo. Porque nesse instante ele tocou a verdade e vê algo muito claramente.

Mas o que ocorre depois é que ele deseja cultivar esse estado. Deseja perpetuá-lo, converter a percepção em um processo, a libertação e a mesma percepção que produz a libertação. Como consequência, fica preso e perde completamente a qualidade da percepção.

O que dizemos, pois, é que qualquer processo envolve uma finalidade. E por isso pensamos que a percepção, a libertação, é uma finalidade, um ponto que carece de movimento. Depois de tudo, os métodos, as práticas, os sistemas, implicam um processo para uma finalidade.

Se não existisse uma ideia conceitual de finalidade, não haveria processo.

P: Toda a estrutura do pensamento está edificada sobre o movimento horizontal e, portanto, qualquer postulado de eternidade tem que achar-se sobre o plano horizontal.

KRISHNAMURTI: Estamos habituados a ler um livro horizontalmente. Tudo é horizontal, todos nossos livros.

P: Tudo tem um princípio e um final.

KRISHNAMURTI: E pensamos que o primeiro capítulo deve conduzir inevitavelmente ao último capítulo. Sentimos que todas as práticas se dirigem a uma finalidade, a um desenvolvimento. Tudo isso constitui uma leitura horizontal. Nossas mentes, olhos e atitudes estão condicionados para funcionar no horizontal, e como conclusão assiste uma finalidade. Esse livro se encerrou. Você pergunta se a verdade e a iluminação é uma realização final, um ponto decisivo mais além do qual nada há?

P: Um ponto a partir do qual não é possível deslizar para trás. Eu posso perceber por um instante, e compreender a qualidade disso. Um pouco depois volta a surgir o pensamento. E digo-me: “estou de volta ao velho estado”. Pergunto-me se esse “contato” tem em absoluto alguma validade. Eu coloco uma distância, um bloqueio entre mim e este estado; digo que se ele fora verdadeiro, não haveria surgido o pensamento.

KRISHNAMURTI: Já vejo. Percebo algo que é extraordinário, algo que é verdadeiro. Quero perpetuar essa percepção, dar-lhe continuidade, de modo que essa percepção-ação prossiga ao longo de toda minha vida. Creio que ao é onde reside o erro. A mente tem visto algo verdadeiro. Isso é o suficiente. Essa mente é uma mente muito clara, inocente, que não tem sido ferida. O pensamento deseja continuar essa percepção através dos atos cotidianos. A mente tem visto algo com muita clareza. Deixe-o aí. O seguinte passo é o passo final. O deixá-lo é o passo seguinte, o passo final. Por causa de que minha mente já está fresca para dar o próximo passo final, no movimento diário do viver, ela não leva consigo coisa alguma. A percepção não se converte em conhecimento.

P: É o eu que tem que cessar — o eu é como o ator com relação ao pensamento —, ou é o ver?

KRISHNAMURTI: Morra para a coisa que é verdadeira. De outro modo ela se converte em recordação, o que então se torna pensamento, e o pensamento pergunta: como hei de perpetuar esse estado? Se a mente vê com clareza — e só pode ver com clareza total quando o ver é o cessar disso —, então a mente está em condições de iniciar um movimento onde o primeiro passo é o último passo. Nisto não há envolvido nenhum processo. Não existe o elemento do tempo. O tempo se introduz quando havendo visto claramente o fato, havendo-o percebido, há um carregar com isso para aplicá-lo no acontecimento seguinte.

P: O carregar com isso é o não ser, é o não perceber.

KRISHNAMURTI: De modo que todos os enfoques tradicionais que oferecem um processo, devem ter um ponto, uma conclusão, uma finalidade. E tudo aquilo que tem uma finalidade, um ponto final, não é absolutamente uma coisa viva. É como dizer que há muitos caminhos para a estação. A estação está fixa. E a verdade uma finalidade que quando alcançada se termina com tudo; a ansiedade, os medos, etc.? Ou isso funciona de um modo completamente diferente? Quero dizer que uma vez que me encontro no trem, e nada pode ocorrer-me? Significa que espero que o trem me conduzirá  para meu destino? Todos estes são movimentos horizontais.

É assim que um processo implica um ponto fixo. Todos os sistemas, métodos, práticas, oferecem um ponto fixo, e prometem ao homem que quando ele o alcançar, terminarão todas as dificuldades. Existe algo que seja verdadeiramente atemporal? Um ponto fixo está no tempo. Está no tempo porque você o tem postulado, porque tem havido um pensar em um ponto final, e o pensar sobre isso está no tempo. Pode-se dar com isto que deve estar isento de tempo, que não tem processo, nem sistema, nem método, nem direção alguma? Pode esta mente que de tal modo se acha condicionada no horizontal, sabendo que vive horizontalmente, pode perceber aquilo que não é horizontal nem vertical? Pode ela perceber por um instante?

Pode a mente perceber que o ver a tem purificado, e assim terminar com isso? Nisto se encontra o primeiro e o último passo, porque a mente tem visto de um modo novo. Você pergunta: uma mente assim, está sempre livre da inquietude? Creio que é uma pergunta equivocada. Você ainda está pensando em termos de finalidade quando formula esta pergunta. Chegou a uma conclusão, e, por conseguinte se voltou outra vez ao processo horizontal.

P: A sutileza disso é que a mente tem que formular perguntas fundamentais, mas nunca o “como”.

KRISHNAMURTI: Terminantemente. Eu tenho visto com muita clareza, percebo. A percepção é luz. Quero levá-la comigo como recordação, como pensamento, e aplicá-la ao viver de todos os dias; portanto, introduzo nisso a dualidade, o conflito, a contradição. De modo que digo: como hei de estar fora disto? Todos os sistemas oferecem um processo, um ponto fixo e o fim para todas as dificuldades.

O ato de perceber é a luz para a mente. Ela não se interessa mais na percepção porque se se interessa, essa percepção se converte em recordação. Pode a mente que vê algo com absoluta clareza, terminar com essa percepção? Então, aqui o primeiro passo é o último passo. A mente está fresca para observar. Para uma mente assim, terminam-se as dificuldades? Eu não formulo uma pergunta semelhante. Quando isso suceda, verei. O que ocorre então? Quando pergunto: “terminará isto com todas as dificuldades?”, já estou pensando no futuro e, por conseguinte, estou preso ao tempo.

Mas isso não me interessa. Percebo. Acabou-se. Vejo algo muito claramente — a claridade da percepção. A percepção é luz. Coisa terminada. Portanto, a mente jamais está presa ao tempo. Porque tenho dado o primeiro passo e também tenho dado, a cada vez, o último passo.

Vemos então que todos os processos, todos os sistemas, devem ser descartados totalmente, porque eles perpetuam o tempo. Através do tempo você espera chegar ao atemporal.

P: Eu vejo que os instrumentos empregados no que você disse são o ver e o escutar. Estes são os movimentos sensoriais. É também através de movimentos sensoriais que surge o condicionamento. O que é que faz que um dos movimentos dissolva o condicionamento, e o outro o reforce?

KRISHNAMURTI: Como escuto esta pergunta? Em primeiro lugar, não sei; vou aprender. Se aprendo com o fim de adquirir conhecimentos, a partir dos quais atuarei, essa ação se torna mecânica. Mas quando aprendo sema cumular — o que significa perceber, escutar sem adquirir —, a mente está sempre vazia. Qual é então a pergunta?

Pode a mente vazia estar alguma vez condicionada, e se é assim, por que se condiciona? Uma mente que em verdade está escutando, pode alguma vez ser condicionada? Sempre está aprendendo, sempre se acha em movimento. Não é um movimento de algo para algo. Esse movimento não pode ter um começo e um final. É algo vivo, jamais condicionado. Uma mente que adquire conhecimento para de funcionar, é uma mente condicionada por seu próprio conhecimento.

P: É o mesmo instrumento que opera em ambos os casos?

KRISHNAMURTI: Não o sei. Realmente, não o sei. A mente que se acha repleta de conhecimentos, vê de acordo com esses conhecimentos, de acordo com esse condicionamento.

P: Senhor, ver é como ascender a luz. Em si mesmo, carece de condicionamento.

KRISHNAMURTI: A mente está cheia de imagens, palavras, símbolos. Ela pensa que através de tudo isso, vê.

P: Vê?

KRISHNAMURTI: Não. Eu tenho uma imagem de você, e olho através dessa imagem. Isso é distorção. A imagem é meu condicionamento. O vaso com todas as coisas dentro segue sendo o mesmo vaso quando nada contém. O conteúdo do vaso é o vaso. Quando não há conteúdo, o vaso não tem forma.

P: Então pode receber “o que é”.

KRISHNAMURTI: A percepção só é possível quando não há imagem. Isso é muito simples. A percepção é possível unicamente quando não há símbolo, nem ideia, nem palavras — tudo o qual é imagem. Então a percepção é luz. Não é que eu vejo a luz, a percepção mesma é a luz. Por onde, a percepção é ação. E uma mente que está cheia de imagens, não pode perceber. Vê através das imagens e em consequência, está deformada.

O que temos dito é verdadeiro. Logicamente é assim. Tenho escutado isto. No fato de escutar não há “eu”. No fator de carregar com isto, há “eu”. O “eu” é tempo.

Nova Delhi
19 de dezembro de 1970
Tradição e Revolução

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill