HÁ UM TEMPO DE NÃO MOVIMENTO?
Jiddu Krishnamurti: Esta tarde, durante o almoço, estávamos falando não só
a respeito do tempo, senão também a respeito da natureza do diálogo. Até onde o
entendo, um diálogo é uma conversação entre duas pessoas. Um diálogo pode ser
uma discussão muito, muito superficial. Também pode ser uma conversação que tem
lugar entre duas pessoas muito religiosas, religiosas não no sentido habitual
dessa palavra, senão no sentido de que se acham completamente livres de toda
tradição, de todos os sistemas e de toda autoridade.
Estamos
falando a respeito deste tipo de diálogo, um diálogo que não é simplesmente uma
conversação entre duas pessoas, senão um perguntar e responder, onde a resposta
mesma provoca uma nova interrogação e assim sucessivamente. Neste tipo de
diálogo, as duas pessoas, você e eu, desaparecem completamente e só permanecem
a pergunta e a resposta. Estamos de acordo com isso?
PUPUL JAYAKAR (PJ): Busquei a palavra “diálogo” no dicionário e encontrei
que pode ser uma conversa entre um grupo de pessoas. Não se limita,
necessariamente, a duas pessoas.
K: Sim.
PJ: Mas a natureza essencial de um diálogo consiste em sondar algo. Bem,
agora, me parece que todos os problemas da mente...
K: Do cérebro, atenhamo-nos a só
essa palavra.
PJ: Muito bem. Gostaria de começar com isto, ou seja, que todos os
problemas do cérebro nascem do tempo.
K: Se originam no processo do tempo.
PJ: Os problemas surgem porque o cérebro transforma “o que é”, em algo
diferente, e o movimento do cérebro que quer transformar “o que é” em outra
coisa, cria tempo.
K: Poderíamos dizer isto muito simplesmente? Existem os dois tempos: o
tempo físico e o tempo psicológico. Um momento, Pupul; deixe-me investigá-lo um
pouco mais. O tempo físico se move daqui para lá; cobre certa distância de um
ponto a outro ponto. O tempo físico é o do nascer e do por do Sol. Todo
movimento é uma questão de tempo, não é verdade?
PJ: Sim.
K: Bem, agora; existe assim mesmo o tempo psicológico, um tempo de chegar
a ser alguma coisa: “Sou isto, serei aquilo”.
PJ: Sim.
K: Também está todo este processo da evolução, tanto psicológica como
física. Tudo isto é bastante simples e claro, e todos o aceitamos. Concorda?
Agora, minha pergunta é: Existe um movimento fora deste movimento que
conhecemos e ao que chamamos tempo? Ou seja, há um tempo de não movimento?
Examinemos
isto devagar. O tempo, tal como o conhecemos, é um movimento. A divisão ou a
brecha entre uma ação e a outra, entre uma compreensão e outra, é tempo. O medo é um movimento no tempo. O tempo
é também esperança. Todo o movimento desde o passado ao presente e ao futuro se
conhece, geralmente, como tempo. Correto? O movimento — da evolução, do
conhecimento da conquista, da realização, do “chegar a ser” — implica tempo. O
intervalo entre o ver algo, pensar a respeito e atuar, é tempo.
E
eu me pergunto se existe um tempo — estou usando essa palavra no momento, até
que encontremos outra — que não pertença a esta categoria em absoluto.
PJ: Quando você usa a palavra “tempo” e diz que este “tempo” não pertence
à categoria do movimento, pertence à categoria da matéria?
K: A matéria, segundo entendo — tenho discutido a respeito da matéria com
o Dr. Bohm e outros — é energia solidificada, é energia manifesta. O corpo é
energia manifesta.
PJ: Veja, senhor, o cérebro é matéria.
K: Sim, o cérebro é matéria. E o pensamento é um processo material.
PJ: Deixemos de lado o pensamento por agora, e consideremos o cérebro. O cérebro é matéria. Bem,
agora, nessa matéria a evolução deve
existir.
K: É claro. Em um tempo fomos macacos. Gradualmente, através de um milhão
de anos de evolução, nos convertemos em Homo
Sapiens, no que somos agora.
PJ: Sim, mas nós vinculamos essa evolução com o conteúdo que retém as
células cerebrais.
K: Não entendo bem isto (Se volta
para outros que assistem à reunião). Venham e unam-se a nós. Venham e
discutam.
PJ: Permita-me expressá-lo deste modo: Você aceita que o cérebro é matéria.
Portanto, deve aceitar que a evolução é inerente ao cérebro mesmo, devido a que este é matéria.
K: Um momento! Quero ser claro nisto. O cérebro é matéria. Essa é uma
declaração. Qual a próxima declaração?
PJ: O próximo passo é que há um conteúdo nas células cerebrais.
K: O qual é a memória.
PJ: Sim. Bem, agora, nós vinculamos a evolução que está no cérebro, com a
evolução da memória.
K: Vejo aonde quer chegar. A memória é um processo de evolução?
PJ: Eu digo que é um processo de
evolução. Digo que o problema surge porque aplicamos à memória as mesmas regras
que existem para a matéria.
K: Não entendo.
PJ: Senhor, você disse que o cérebro é uma coisa material.
K: Nisso estamos todos de acordo.
PJ: Portanto, a evolução deveria ser nele algo inerente.
K: Eu questiono que a evolução seja inerente à matéria.
PJ: Como você pode questionar isso?
K: Lamento, não entendo bem o que aponta.
PJ: O cérebro do macaco tem evoluído até o cérebro do ser humano. Em
consequência, a evolução é inerente ao cérebro material.
K: Muito bem, entendo. O cérebro, que é matéria, tem evoluído...
PJ: Dentro desse cérebro está o conteúdo de um milhão de anos.
K: Sim, milhões de anos de memória. Só atenha-se a isso. A memória, ou
seja, o conhecimento, a experiência, o processo acumulativo, é um processo de
tempo?
PJ: Sim. Mas por que introduz o tempo neste movimento?
K: Pensava que estamos discutindo toda a ideia de...
PJ: Por isso, Krishnaji, que o problema consiste em que, ao considerar o
conteúdo do cérebro, que é memória, sentimos que há uma entidade capaz de
transformar esse conteúdo do cérebro. Todo o processo do vir a ser é isso; isso
é o tempo interno, e o tempo externo.
K: Sim. O tempo como vir a ser; o tempo como acumulação de mais
conhecimentos, avançando mais e mais...
PJ: E melhorando.
K: Entendo que tudo isso está contido no tempo.
PJ: Aplicamos, ao conteúdo do cérebro, o processo de evolução que existe no
cérebro. Minha pergunta é: Há evolução no tempo?
K: A evolução é tempo.
PJ: Se a evolução é tempo, então, por que não deveria ser aplicável ao vir
a ser?
K: Vá devagar, por favor, talvez eu esteja embotado esta tarde, mas não
entendo o que você quer dizer. O vir a ser implica tempo. Correto? “Sou isto,
serei aquilo”.
PJ: Senhor, estou dizendo que o cérebro tem evoluído através do tempo.
Minha pergunta é: O conteúdo do cérebro, que não é senão uma acumulação de
experiências e conhecimentos, é idêntico à natureza do cérebro em si?
K: Entendo.
PJ: Veja, todos sabemos que o vir a ser é uma ilusão. Isso é muito simples
de entender. Mas há algo muito mais que isso, e o “muito mais que isso” é que
você declara que existe um tempo externo do relógio e um tempo interno do vir a
ser. Depois pergunta: “Existe outro tempo que não pertença a estas duas
categorias?”
K: Essa é a minha pergunta.
PJ: Bem, agora, tempo e espaço são só uma coisa; o tempo e a matéria são
uma só coisa.
K: O tempo é matéria. O tempo é
energia manifesta. A manifestação mesma é um processo de tempo.
PJ: O tempo não pode existir sem a manifestação.
K: Isso é o que quero investigar. Existe um tempo não manifesto?
PJ: Este tempo interno do qual você fala...
K: Vá devagar...
PJ: ...quando diz que não é o resultado da manifestação, por que usa,
então, a palavra “tempo”?
Sunanda Patwardhan (SP): Você está dizendo que a palavra mesma a partir da qual
surge a manifestação é outro tempo?
K: Em parte. Provavelmente. É o que estou investigando... Poderíamos
mover-nos para outra coisa? O amor não pertence ao tempo.
PJ: Perdoe-me por dizer isto, senhor, mas tão logo você usa a palavra
“amor”, derruba o solo sob nossos pés.
K: Por quê?
PJ: Porque se trata de uma declaração absoluta. E com as declarações
absolutas não há discussão possível.
K: Espere, Pupul. Essa é uma afirmação muito exagerada. Estamos tratando
de descobrir o que é a eternidade. Tratamos de descobrir uma realidade que não
pertence ao tempo. Sabemos que o que é mortal, cresce e morre. Nos perguntamos
se existe um estado ou um movimento que não pertença ao tempo e que esteja mais
além do tempo. Compreende?
PJ: Compreendo, senhor.
K: O qual implica: Há uma atividade atemporal, uma atividade infinita e
incomensurável? Você vê, usamos palavras para medir o incomensurável, e nossas
palavras se tornaram tempo. Capta o que estou dizendo? Prossigamos devagar.
Nossas palavras são tempo, e com essas palavras medimos um estado que não é
mensurável; e o que não é mensurável não pertence ao tempo.
PJ: Agora o investiguemos. Nós conhecemos o tempo como presente, como
passado e como futuro. Projetamos o futuro. Qual é a natureza, ou, em outras
palavras, qual é a percepção desse instante que é a realidade única?
K: Espere. Examinemos isso: o ver e o fazer, o “eu devo fazê-lo”. Está o
ver que é o futuro: “devo fazer esta coisa”, “chegarei a ser isto ou aquilo”.
Bem, agora, o futuro é o passado que se modifica a si mesmo. Isso é tempo.
Também existe uma ação atemporal, uma ação que é percepção-ação. Na ação atemporal, ou seja, na percepção-ação, não há intervalo. Correto? Vá muito devagar se quer
compreender isto.
PJ: Antes que eu possa investigar isso, quero examinar o que é esta
“modificação no presente”.
K: O que é esta modificação no presente? Isso é muito simples.
PJ: Qual é o instante real de...?
K: Pensamento? Tenho medo do passado e me enfrento com o presente. O
pensamento se modifica a si mesmo e continua, mas segue sendo “medo”.
PJ: Mas podemos examinar esse instante a partir de onde tem lugar esta
modificação?
K: Sim. Amedronta-me o que poderia ocorrer amanhã, mas o amanhã está
tanto no hoje como no ontem. Um momento, Pupul; deixemos bem claro. O presente,
o “agora”, é o passado e o futuro. O presente contém isso.
PJ: Mas uma percepção no presente
nega tanto o passado como o futuro.
K: Isso é o que estou dizendo. Mas a
percepção requer um estado de liberdade com relação ao passado. A percepção
é atemporal. Disso que se trata.
Eu
percebo: Estou cheio de preconceitos, conhecimentos, conclusões, convicções,
crenças; e com isso observo o presente. E esse presente é modificado pelo
desafio — é possível que eu mude certas crenças, mas seguirei estando dentro do
mesmo campo. O presente se modifica, e assim o futuro é a modificação.
PJ: Sim, mas este é um estado de onde o ponto de percepção...
K: Não há ponto de percepção aqui.
PJ: Quando você fala de um tempo que não pertence nem ao passado nem ao
futuro, esse é, obviamente, o elemento essencial desta percepção com relação ao
“agora”.
K: Sim, e essa percepção não pertence ao tempo, porque essa percepção não
contém o passado.
PJ: O que é o “agora”?
K: O “agora” é o passado e o presente.
PJ: É realmente isso?
K: Sim, isso é o “agora”.
PJ: Quero questionar isso.
K: O “agora” é a totalidade do tempo: é o tempo passado, o tempo futuro e
o tempo presente.
PJ: Veja, você pode experimentar o tempo passado, e pode experimentar o
tempo futuro porque o projeta, mas o que é a experiência da “totalidade do
tempo”?
K: Você não pode “experimentá-la”.
PJ: Sem dúvida, isto é exatamente ao que quero chegar: você pode
experimentar o passado...
K: Você pode projetar o futuro e experimentá-lo sem passar por ele.
PJ: Sim, mas esta experiência da “totalidade do tempo” não é uma
experiência.
K: Não; isso é o que estou dizendo. A experiência implica o
experimentador que está experimentado. O experimentador é do tempo.
PJ: Portanto, quando você diz que o “agora” contém o passado e o futuro, o
que isso significa exatamente? Como se entra em contato com isso? O que trato
de dizer é que, para descrever isto, podemos usar palavras.
K: Captei o que quer dizer.
PJ: Mas, há alguma vez um verdadeiro contato com isso?
K: Aja! (Negando). Você usa a
palavra “contato” no sentido de contatar eu,
de contatar você.
PJ: Não, não é assim. Digo que isso não pode ser contatado, nem por mim
nem sem mim.
K: Não, não, não.
PJ: Só vejo isto, senhor, por favor. Você disse que o passado e o presente
estão ambos contidos no “agora”. Eu pergunto: O que é este “agora”?
K: Lhe direi o que é o “agora”.
SP: Posso dizer algo?
K: É claro, todos podem.
SP: Pupul, “o que é” é o presente. Permita-me expressá-lo assim: O medo é
“o que é”; é o “agora”. Ainda que é “o que é”, a totalidade está no “o que é”.
PJ: Mas, o que é “o que é”?
K: Pupul pergunta: Como você vê ou afirma que o passado está contido no
presente? Você experimenta isto realmente, o vê como um fato, ou é uma teoria?
SP: Eu creio...
K: Escute primeiro a pergunta.
SP: A compreendo.
K: Espere, seja cuidadosa, não diga “compreendo”, examine um pouco mais.
Pupul pergunta: O que lhe faz estar seguro de que o passado está contido no
presente? Isso é uma ideia, é uma teoria, ou você vê tudo o que isso implica?
Tem um discernimento direto nisso?
SP: Normalmente, não alcançamos tal discernimento.
K: Então está falando teoricamente.
PJ: Krishnaji pergunta se existe um tempo que não seja o tempo linear do
externo nem o tempo do vir a ser. Formula uma pergunta: Há um tempo
independente destes dois tempos?
K: Isso é tudo.
PJ: A única percepção — ao menos para mim — de onde pode dar-se isto ou discernimento direto nisto, se acha no
presente. Então, como chego a este “agora” da existência?
K: Não pode chegar a ele.
PJ: Sim. Não se pode chegar a ele. Então?
K: Você não pode experimentá-lo; não pode imaginá-lo.
PJ: Concordo.
K: Veja o que tem ocorrido. Pupul, veja o que tem ocorrido. Você não pode
experimentá-lo, mas seu cérebro está condicionado para a experiência. Seu
cérebro está condicionado o conhecimento, condicionado para a meditação em
palavras. Mas isto não pode ser
abordado desse modo. E nisto é onde se encontram as mentes religiosas — me
segue? —, porque tem eliminado as teorias, tem eliminado as ideias e os
conceitos. Tratam com a natureza do real. E aqui é onde começa a investigação
religiosa. Mas vocês indagam a respeito de teorias e, portanto, nisso perderam
infinitamente o tempo.
PJ: É possível investigar este tempo que não pertence a...?
K: Sim, é possível. Possível no sentido de que se pode usar palavras, mas
as palavras não são a coisa. Você não pode medir isto com palavras.
PJ: Devido a que não há palavras, no momento em que as palavras cessam...
K: Não, não; cuidado, cuidado. A interrogação permanece.
PJ: Isto é algo sumamente extraordinário, porque sim a interrogação
permanece, mas os interrogadores não permanecem...
K: Sim. A interrogação permanece e os interrogadores não existem.
Radhira Herzberger (RH): Então, é de algum modo uma interrogação verbal?
K: Não.
Asit Chandmal (AC): Sobre o que opera a interrogação?
K: Eu disse: A percepção significa que não há percebedor. Veja a
implicação que isso tem. O percebedor é o passado e o futuro. Mas a percepção é
o agora. Portanto, é atemporal, tal como a ação é atemporal.
PJ: Portanto, nessa percepção, o passado e o futuro estão totalmente
aniquilados.
SP: Quero fazer uma pergunta: Que relação há entre a percepção e o
percebedor?
K: Não há relação alguma.
PJ: Foi feita uma pergunta: O que é o “agora”? Krishnaji começou dizendo
que o “agora” contém o passado, o presente e o futuro. Logo, a pergunta
seguinte foi: Como entre em contato com ele? A essa pergunta, Krishnaji
respondeu: O agora não pode ser contatado;
só pode haver percepção. Bem, agora, o escutar que tem lugar nesse estado
de percepção, nesse estado de diálogo — por isso introduzi o diálogo — termina
com este...
K: Você vê o que está ocorrendo agora? O escutar não é do tempo. Se
escuto é agora. Compreende, senhor?
AC: Compreendo isso, senhor.
K: A atenção, pois, não contém tempo. Portanto, não há tempo linear ou
horizontal.
AC: Compreendo. Nesse estado, a respeito de que há percepção? Quem ou o que
escuta ou indaga nesse estado? Como se pode formular uma pergunta?
K: Pode fazê-lo. Vou mostrar isso dentro de um momento.
PJ: Isso é possível. A partir do escutar mesmo surge a pergunta.
AC: A pergunta surge de si mesma?
K: Cuidado, Pupul, cuidado. Não teorize, por favor.
PJ: Não estou teorizando, senhor.
K: Não digo que esteja teorizando. Só digo que seja muito cuidadosa; a
teoria e a especulação não serve para nada nisto. Eu digo que a percepção é
atemporal.
PJ: Sim, e então faço uma pergunta: É possível investigar?
K: Sim, eu disse que sim. Mas, por favor, dê-se conta do que tem
ocorrido, antes de que investiguemos. A mente se libertou de todos os
conceitos, de todas as teorias, de todas as esperanças, de todos os desejos.
Agora se acha num estado de clareza. Correto? Então, nesse estado, pode-se
investigar não verbalmente. A isso quero chegar.
AC: Não entendo.
K: Olhe, senhor, eu lhe digo — só escute — que o amor não pertence ao
tempo. Correto? Digo-lhe isso. Como você o escuta? Qual é a sua resposta para
isso? Primeiro ouve as palavras; as palavras têm certo significado e são
interpretadas por você conforme o seu fundo psicológico, a sua capacidade
intelectual, a sua capacidade emocional, ao seu sentimento de afeto, etc. Você
ouve tudo isto. Mas, você pode escutar, escutar a verdade disso? Compreende o
que estou dizendo?
AC: Eu não creio que possa escutar. Escuto as palavras. Como posso separar
as palavras, de tudo o mais?
K: Oh, sim, você pode. A palavra não é a coisa.
AC: Isso não pode ter nenhum significado.
K: Então, tenha um diálogo comigo. Não afirme categoricamente que isso
não tem nenhum significado.
AC: Senhor, a pergunta seguinte é: O eu você entende por “amor”? O que
entende por...?
K: Podemos examinar tudo isso. Mas devemos recordar que a descrição verbal
não é o fato.
PJ: Pergunto: Como você escuta isso? Não é essa a pergunta crucial?
SP: Não, esta pergunta não pode responder-se.
PJ: Eu responderei a esta pergunta. Como se escuta? Escuta sem transferir
tudo à memória.
Eu
digo que em um diálogo com Krishnaji, pode-se escutar sem que opere o
pensamento e, não obstante, compreender plenamente o que Krishnaji disse.
Quando se escuta a tais profundidades, então a declaração, a pergunta, “o que
é” se abre para nós e nos é revelada; não há outra ação.
SP: Pupulji, o que é compreender a declaração: “O amor não pertence ao
tempo?”
PJ: Não há compreensão...
K: O amor não pertence ao tempo.
PJ: Você percebe um perfume.
K: Espere, espere. Eu não posso explicar isso. Mantenhamos um diálogo em
relação a isso. Aqui há uma declaração que K faz: “O amor não pertence ao
tempo”. Compreende a beleza, a profundidade disso? Dialoguemos a respeito.
SP: Eu compreendo que o amor não é apego. Compreendo que onde há ciúmes,
não há amor.
K: Isso é analisar.
SP: Não, eu já sei. Mas, apesar de todo nosso diálogo, este estado de amor
que não pertence ao tempo...
PJ: Sunanda, você jamais pode usar palavras para que esta declaração se
abra e se revele. Perdoe-me por dizê-lo.
K: Vocês estão utilizando seus intelectos. Não usam uma capacidade
completamente diferente. Todos temos sido educados para ser altamente
intelectuais. Um pobre homem, que não é tão brilhante, que não tenha passado
por exames, nem tenha conseguido um cargo de professor, compreenderá uma declaração
simples como esta. Ao menos, penso
que a compreenderá.
AC: Senhor, posso voltar atrás? Como é possível investigar o estado de percepção?
K: Só escute, lhe mostrarei. Eu lhe digo: “O amor não pertence ao tempo”.
Para mim, esse é um fato extraordinário; é a verdade. Você diz: “Realmente, não
lhe compreendo”. E eu lhe respondo: “Você não compreenderá isso de maneira como
deseja compreendê-lo, porque deseja compreendê-lo mediante o processo
intelectual”. Captou o que estou dizendo?
Não
o compreenderá, porque quer compreendê-lo através do intelecto: mediante
argumentos, mediante um processo de reação, mediante um constante ir e vir de
palavras. Digo que não compreenderá desse modo. Você quem sabe sustente que
esse é o único instrumento que possui —, e eu responderei: “Observe, há um
instrumento totalmente diferente. Direi-lhe o que é esse instrumento se você
pode deixar de lado o enorme peso do conhecimento, o qual pertence ao tempo”.
AC: Você deixa de lado seu instrumento, em lugar do conhecimento?
K: Não, é claro que não. Disse conhecimento. O conhecimento é evolução.
AC: Entendo isso; implica, segundo você, que o instrumento intelectual...
K: Isto me interessa. Há uma compreensão, um discernimento, uma percepção
imediata sem palavra, sem análise, sem que se introduza nisso todo seu
conhecimento? Oh, sim, senhor!
AC: Compreendo isso, senhor.
K: Então, se compreende que existe um estado onde as palavras tenham
perdido sua significação, mas onde há
percepção pura de algo, você investigará essa percepção. Vou mostrar.
AC: Como posso investigar nesse estado?
K: Vou mostrar.
PJ: Pode-se discutir isso?
K: Não se pode discuti-lo.
AC: Sim, não pode, porque, como se investiga sem a palavra? Veja, este
estado, para mim, é o final da investigação, não o começo.
K: Muito bem, se é o final da investigação, você se detém aí? O cérebro, vê
isto? Então se terminou. Está seguindo isso?
AC: Si, o sigo.
K: O capta?
AC: Sim.
K: O capta? Capta que o cérebro disse: “Sim, isso se terminou”?
AC: Não, o cérebro não o disse. A energia decai. O cérebro não pode sustentar
esse nível de energia; está decai.
K: Ao contrário.
AC: Senhor, enquanto há energia, não há mais um indagar ou um questionar.
K: Concordo.
Madrás
28 de dezembro de 1985
Fogo na mente
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