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sábado, 17 de março de 2018

A natureza de Deus


A NATUREZA DE DEUS

Pupul Jyakar (PJ): Podemos, por favor, discutir e investigar a natureza de Deus?

Jiddu Krishnamurti (K): Você pergunta o que é a criação, ou se a Realidade, a Verdade, é Deus?

PJ: Por trás dessa palavra “Deus” se encontra milênios de busca humana em prol de algo absoluto, algo incontaminado...

K: Sim, de algo universal.

PJ: Se podemos discutir tudo o demais, por que não é possível investigar a natureza “daquilo”, chame-se Deus ou criação, ou base da existência?

K: Penso que é possível se se pode liberar a mente de todas as crenças e de todas as consequências e implicações tradicionais da palavra “Deus”. Podem o cérebro e a mente estar completamente livres para investigar aquilo que os israelitas chamam “o inominável” e os hindus chamam “brahman” ou o “princípio supremo?” Todo mundo crê na palavra Deus. Podemos deixar de lado todas as crenças? Porque só então será possível investigar.

PJ: Mas, sendo uma palavra, é um depósito de um milhão de anos de conteúdo. Portanto, quando a mente diz que está livre da crença, que quer dizer exatamente?

K: Uma pessoa disse: “Creio em Deus; Deus é onipotente e onipresente. Existe em todas as coisas”. Essa é a aceitação tradicional dessa palavra com todo seu conteúdo. Pode-se estar livre dos muitos milhares de anos dessa tradição? Pode-se, tanto consciente como inconscientemente, estar livre dessa palavra, palavra que tem julgado um papel tremendo no mundo islâmico e no cristão?

PJ: Em certo nível, é possível dizer que se está livre, como, por exemplo, se você me perguntara se eu creio em Deus, se creio em Krishna, Rama ou Siva. Mas aí não termina tudo.

K: Não.

PJ: Há um sentimento de Deus que vai muito mais além de tudo isto. Parece estar integrado no fato da vida mesma. Veja, existe um sentimento de que sem “isto” nada poderia existir, o sentimento de que “isto” é a base da existência.

K: Discutiremos isso, a base da qual tudo se origina? Como descobre-se acerca dessa base? Como disse, se pode descobrir só quando é absolutamente livre. Geralmente, nosso ser inconsciente está carregado, completamente afetado com esta...

PJ: Existe a possibilidade de um estado de ser onde acabe excluído qualquer movimento mental como a crença, e onde é negada a crença em qualquer Deus particular.

K: A nega-se a verbalmente ou a fundo, quer dizer, na raiz mesma de nosso ser? Pode-se dizer “Não sei nada” e deter-se aí?

PJ: Eu não posso dizer “Não sei nada”. Mas posso dizer que o movimento do pensar que implica a crença num Deus determinado, não aparece na mente. Portanto, não há nada externo que deva negar como crença. Mas sigo sem conhecer o estado “Não sei nada”, muito diferente do movimento externo da crença.

K: Poderíamos, então, investigar isso?

PJ: Como se procede?

K: Pode-se negar, completamente, todo o movimento do conhecer? Não o conhecimento tecnológico, é claro. Pode negar o sentimento de que se conhece, de que sabe? Profundamente dentro de nós se acha a experiência do homem, a qual diz que Deus existe. Desde logo, tem havido profetas e visionários que tem dito que não há tal coisa como Deus, mas suas palavras só se agregam às crenças do homem, aos seus conhecimentos.

PJ: Deixe-me expressá-lo deste modo. Compreendeu-se a maneira de negar o movimento que surge...

K: O movimento do pensar que surge com a crença?

PJ: Sim, mas no fundo, o latente, os milhares de anos que formam a matriz de nosso ser, como se alcança isso?

K: Isso é o que se tem que fazer.

PJ: Sim, mas, como o alcança?

K: Poderíamos começar investigando se Deus existe, senão investigando, por que a mente humana tem trabalhado, tem lutado para o vir a ser, um vir a ser que se baseia no conhecimento, no movimento constante, não só externamente senão também internamente?

PJ: Estão ambos relacionados?

K: Quais ambos?

PJ: Começamos com uma investigação na natureza de Deus, e logo seguimos falando da matriz e do vir a ser. Estão relacionados?

K: Não estão relacionados? Penso que o estão. Assim que consideremo-los. Veja. Nosso ser se baseia essencialmente nesse sentimento que jaz no mais fundo de nós, de que há algo extraordinário, incrivelmente imenso; falo acerca dessa parte de nosso ser, esse conhecimento, essa tradição, que é a matriz, o solo sobre o qual nos achamos parados. Enquanto isso, se encontra aí, não se é verdadeiramente livre. Podemos investigar isso?

Interlocutor (I): Há, em cada ser humano, um movimento inerente para algum ser desconhecido? Em outras palavras, existe uma inerente busca de algo que está mais além do que se tem sido ensinado, mais além do que se reconhece de sua herança? Isso é genético?

K: A genética está implicada no tempo.

PJ: Na genética está a matriz.

K: Nela está envolvido o tempo, e o processo de crescimento, evolução. Correto?

I: Sim, um movimento biológico.


K: Nisso que eu queria chegar. Ainda assim se trata de algo inerente, pode-se esvaziar completamente seu ser de tudo isso? Esvaziá-lo da acumulação de um milhão de anos? Examinemos.

Pode-se esvaziar seu ser daquilo que pode haver sido implantado desde a infância? Pode esvaziá-lo dos séculos de crença acerca de que há algo mais além de tudo isso? Creio que essa é a crença mais profundamente arraigada. É algo que se acha no inconsciente — sempre estão aí as coisas profundas. E penso que, se queremos investigar, também essa crença deve desaparecer.

PJ: Pode-se ir até o último movimento da mente inconsciente? Senhor, é possível que a crença chegue a seu fim, que seja exposto o inconsciente? Como é possível experimentar aquilo que não se pode formular, aquilo que se encontra mais além de tudo quanto contém o conhecimento de qualquer pessoa?

K: Entendo.

PJ: Posso examinar a fundo a totalidade de meu conhecimento e, sem dúvida, este não conterá aquilo.

K: Não. Mas, não alcança você a ter nisto um discernimento direto, a saber, que deve existir a negação completa de tudo quanto o homem produziu com seu pensamento?

I: Você nos pede que neguemos, que recusemos tudo, ainda nossos pequenos discernimentos que nos atraíram até este ponto, ou seja, o ponto onde nos damos conta de que há “algo” no que nos está dizendo.

K: Pupulji formula uma pergunta completamente diferente, senhor. Ela pergunta se podemos investigar, explorar isso que chamamos Deus, a origem, o princípio de todas as coisas.

I: Mas você não disse que, inclusive para começar, temos que colocar de lado todas as coisas, todas as crenças, de fato, colocar de lado o solo mesmo no qual nos achamos parados? Pergunto-me se nossos pequenos discernimentos e nossas percepções não se mesclam com isso.

PJ: Agora entendo. Sim, o que nós consideramos como discernimentos têm que desaparecer.

I: Então, como se começa a investigar? Você nega inclusive a base para perceber algo.

PJ: Não. Mas o discernimento findou. Portanto, já forma parte do passado, como qualquer outro recordação. Eu compreendo a negação de tudo o que surge no cérebro. Mas, as capas do inconsciente, o solo sobre o qual estamos parados, posso negar isso? Quem sabe formulo a pergunta equivocada. Quem sabe jamais possa haver uma negação disso.

K: Espere um momento. O homem tem tentado negar tudo de diversas maneiras. Tem jejuado, tem torturado a si mesmo, mas sempre tem permanecido ancorado em algo.

PJ: Sim.

K: Como os grandes místicos cristãos; estavam ancorados a Jesus, e se moviam a partir daí.

PJ: Posso perguntar-lhe algo? Pensa que estamos ancorados em você?

K: Quem sabe, mas isso é irrelevante.

PJ: Isso é irrelevante.

I: Não estamos ancorados em nossas poucas percepções?

K:  Sim, estão, desenganche-se; levantem ancoras...

I: Pode-se liberar-se de estar ancorado à maioria das coisas, mas posso estar com respeito a pergunta?

K: Oh, sim, sim.

I: Em outras palavras, todas as respostas acerca de Deus, da Realidade, etc., estão profundamente arraigadas dentro de nós. Isso talvez possa ser negado, mas...

K: Eu não formularia essa pergunta: “Que é Deus?” Porque então meu cérebro começaria a criar um montão de palavras.

I: A mim me parece que já temos formulado a pergunta e temos ido mais além das respostas. Mas atrás de tudo isso persiste a investigação.

K: O que você quer dizer com “persiste a investigação”?

I: Quero dizer que a pergunta acerca de se há algo mais, parece encontrar-se de maneira inata dentro de nós. Em outras palavras, o movimento para esse interrogante parece ser inato em nós.

K: Se minha investigação é um movimento para a compreensão do que chamamos Deus, esse movimento e, em si, uma escravidão.

I: Por quê?

K: O que quer dizer o seu “por quê”? Obviamente, movimento significa mover-se para algo. E uma ação, um movimento, implica tempo. Por que você introduz tudo isto?

I: Trato de penetrar no que você está dizendo.

K: Não usemos palavras que contém implicações de tempo, implicações de “ir para algo”. Ir para algo, tratar de encontrar algo, implica tempo, e isso deve cessar.

I: Então, como Pupul pode formular essa pergunta?

K: Essa é toda a questão. Nos perguntamos, em primeiro lugar, se se pode fazer tal coisa. Isso é possível? Ou seja, é possível estar totalmente em e com o não movimento? Porque do contrário, estaremos sempre com o movimento, o qual é tempo e pensamento e tudo isso.

Antes de tudo, por que queremos encontrar o significado que há por trás de tudo isto?

PJ: Existe uma parte de nós que segue...

K: ...Que segue buscando, indagando, exigindo. Existe?

PJ: Olhe, senhor, no escutar do ouvido, no ver do olho, na palavra pronunciada, não se encontra, por acaso, todo o conteúdo do que é Deus? Não é necessário eliminar a matriz?

K: Oh, sim.

PJ: Não deveria o ouvido escutar-se?

K: Você pode eliminar a matriz?

PJ: Não sei.

K: O que quer dizer isso? Quando você usa a palavra “matriz”, o que entende por essa palavra?

PJ: Só sei que mais além do horizonte de minha mente, mais além das crenças óbvias...

K: Exclua tudo isso; é superficial.

PJ: ... há em minhas profundezas e profundezas. Você geralmente usa, aqui e ali, uma frase muito significativa: “Joguem com o profundo”. Por conseguinte, também aponta às profundidades que se acham por debaixo da superfície. Esta profundidade, se encontra dentro da matriz?

K: Não, não, não se pode encontra-se ali. Minha pergunta é: Por que desejamos averiguar se há algo mais além de tudo isto?

PJ: Porque, Krishnaji, não posso fazer nada com respeito a essa matriz.

K: Pergunto-me o que você chama de matriz.

PJ: Refiro-me com isso a esta profundidade que não posso trazer à superfície, à luz natural da consciência, da percepção, da atenção. Entendo por “matriz” aquilo que não entra na esfera da ação de meus olhos e ouvidos, mas que segue estando aí. Sei que está aí. Sou “eu mesma”. Ainda quando não seja capaz de vê-lo, de tocá-lo, tenho um sentimento de que quem sabe, se houvesse um adequado escutar a verdade...

K: Então, por que usa a palavra “profundidade”? Porque “profundidade” está necessariamente lidada ao mensurável.

PJ: Uso a palavra “profundidade” para implicar aquilo que está mais além de meu conhecimento. Veja, se está dentro dos contornos de meu horizonte, se é acessível aos meus sentidos, então é mensurável. Mas se não é acessível, nada posso fazer a respeito. Não tenho o instrumento para chegar a isso.

K: Como sabe que tudo isso não é imaginação? O conhece como uma experiência?

PJ: Sim.

K: Ah! Cuidado, cuidado.

PJ: O problema é que sinto que se se diz “se”, é uma armadilha, e ainda se diz “não”, é uma armadilha.

K: Quero ter muito claro, Pupul, que ambos entendemos o significado da palavra. Eu falo de um sentir.

PJ: Certamente, senhor, uma palavra pode ser pronunciada com ligeireza, desde a superfície da mente, e também pode ser pronunciada com uma grande profundidade atrás dela. Eu estou dizendo que existe esta base que contém toda a história do homem. Há vida nessa expressão; ela tem grande peso e profundidade. Não se pode perceber essa profundidade? Não posso, pois, investigá-la sem que você me pergunte se não é tudo um assunto de imaginação? Porque, se é assim, então não há nada que se fazer, senão tão só olhar e escutar. Não há pergunta alguma que se possa formular.

K: Compreendo, Pupul, mas essa profundidade, é a profundidade do silêncio? O silêncio significa que a mente, o cérebro, está totalmente quieto; não é algo que vem e vai.

PJ: Como posso responder a isso?

K: Penso que se pode se não há um sentimento de apego a isso, nem há envolvida nenhuma recordação. Comecemos de novo.

Todo o mundo crê em Deus. No Ceilão se transtornavam muito quando eu dizia que a palavra “Deus” é criada pelo pensamento. Estão de acordo? Desafortunadamente, eu não sei o que é Deus. Comecemos com isso. Realmente, não sei o que é Deus. Provavelmente, jamais o descobrirei, e não estou interessado em descobri-lo. O que me interessa é se a mente, o cérebro, pode estar completa e totalmente livre de toda a experiência acumulada do conhecimento. Porque se não está, funcionará sempre dentro de seu campo. Este poderia expandir-se enormemente, mas está sempre confinado a essa área. Veja, não importa quanto se acumule, porque isso estará sempre dentro dessa área, e se a mente se afasta dessa área e diz: “Devo descobrir”, continuará com o mesmo movimento. Não sei se me exponho com clareza.

Meu interesse radica em saber se o cérebro, a mente, pode estar completamente livre da contaminação do conhecimento. Para mim, isso é extraordinariamente significativo, porque se não o está, jamais poderá achar-se fora dessa área. Jamais.

Qualquer movimento da mente fora dessa área, segue estando ancorado no conhecimento; será, então, só uma busca de conhecimento acerca de Deus. O que me interessa, pois, é se a mente, o cérebro, pode permanecer completamente imóvel.

Quando você se enfrenta com um interrogante desta classe, se nega tanto a possibilidade como a probabilidade disso, então, que resta? Me segue?

Eu poderia ter uma percepção direta, a profundidade de percepção no movimento do conhecer, de modo tal que essa percepção detenha o movimento? É a percepção direta, o discernimento instantâneo, o que detém o movimento; não sou eu que o detenho, nem o cérebro o detém. Quando esse movimento se detém, isso implica o findar do conhecimento e o conhecimento de outra coisa. Em consequência, isso é só o que me interessa: o findar consciente, profundo, do conhecimento.

Existe este sentir imenso que advém quando nos damos conta de que somos todos um. O sentir que surge da unidade, de uma harmoniosa unidade, é extraordinário, mas se se o estimula, carece de valor, porque então só está se perpetuando a si mesmo. De acordo?

I: O “eu” que tem sido formado por todas as relações do mundo, que tem criado toda a beleza, toda a cultura, toda a arte do mundo, esse “eu”, não tem absolutamente nenhuma relação com o que chamamos Deus?

I2: Poderíamos falar um pouco mais acerca deste questionamento que parece tão completo? Poderíamos discutir o não ter âncoras? O não ter âncoras, implica, por acaso, descartá-lo totalmente?

K: Você não vê a importância disso? E, se a vê, se pergunta se esse ver é tão só intelectual?

I2: Sim, senhor, vejo realmente a importância disso; mas, ao que parece, isso não é suficiente.

PJ: De algum modo, há algo que estamos passando por alto.

K: Olhe, Pupul, suponha que esta pessoa — K — não estivesse aqui. Como voe abordaria este problema? Como encararia o problema de Deus, o problema da crença? Como o encararia, de fato, sem nenhuma referência de ninguém?

Afastemo-nos daí. Veja, cada um de nós é totalmente responsável. Não estamos nos referindo a autoridades passadas, aos santos. Cada um é totalmente responsável em sua resposta a este interrogante. Você tem que responder.

PJ: Por que deveria ter que responder?

K: Direi-lhe por que. Você tem que responder por que forma parte da humanidade, e a humanidade está se formulando esta pergunta. Cada santo, cada filósofo, cada ser humano, em alguma parte de suas profundezas, se formula esta pergunta.

I: Senhor, esta pergunta, não é, em certo sentido, errônea?

K: Isso é o que disse. Mas você tem que responder a ela sem nenhuma referência ao que K tenha dito ou não tenha dito. Eu venho a você com estas perguntas. Para mim, como ser humano, estas perguntas são tremendamente importantes.

PJ: Posso perguntar-lhe algo? Como se recebe uma pergunta como esta e a deixa na consciência?

K: Pupul, ou você refletiu sobre ela e reuniu uma enorme informação dos livros, ou jamais pensou para nada nesta pergunta. Esta pode ser a primeira vez está se enfrentando com ela, assim que vá devagar, muito devagar.

PJ: Senhor, você tem uma maneira de receber uma pergunta de formulá-la e, depois, permanecer com ela.

K: Sim, isso é certo.

PJ: Quando nós formulamos uma pergunta assim, há um movimento da mente para ela. Com você, quando tal pergunta é formulada, não há movimento algum.

K: Tem razão. Agora você está perguntando “como” se alcança este estado?

PJ: Sei que não posso alcançá-lo.

K: Não, mas está correto ao formular essa pergunta. Compreende, senhor, o que Pupul disse? Se pergunto a você como ser humano, tal como os seres humanos o têm feito durante um milhão de anos: O que é Deus? Eu venho e lhe formulo esta pergunta. Está pronto para respondê-la, ou contém silenciosamente a pergunta? A contém, compreende? Porque desde esse conter mesmo — esse conter no que não há reação nem réplica alguma — surge a resposta.

I: Você poderia dizer algo acerca da natureza desse conter?

K: Falo de um conter em que não há nenhuma onda, nenhum motivo ou movimento, um conter sem vestígio algum de tentar achar a resposta.

I: Com quase todos nós ocorre que podemos não tentar achar a resposta, podemos, a principio, permanecer silenciosamente com uma pergunta não respondida, mas cedo ou tarde surge uma resposta a partir dos poços profundos do inconsciente, resposta que ascende para preencher esse espaço.

K: Eu sei. Agora, espere um momento. Formulo-lhe uma pergunta: Você crê em Deus? Você pode dizer: “Não sei”. Ou imediatamente diz: “Não creio”, “Creio”, “Quem sabe exista”, etc. Pode olhar a pergunta, tão só olhá-la, sem dizer absolutamente nada? Pode? Veja, se essa pergunta é feita a um devoto cristão, ele imediatamente diria: “É claro que creio em Deus”. Obterá também uma reação imediata se fizer a pergunta a um hindu; é como apertar um botão. Porém eu não sei realmente se há ou não há Deus.

PJ: Então não há nada que a mente possa fazer.

I: Você está dizendo, senhor, que o “conter” é algo que ocorre fora desta área?

K: Desde já.

I: No conter, não há uma investigação?

K: Não, veja, a menos que você compreenda isto, pode conduzi-lo a muitíssimos mal-entendidos. Senhor, os computadores podem ser programados por dez professores diferentes, todos os quais possuem conhecimentos extraordinários, uma enorme informação. Bem, agora, o computador analisa todas as perguntas que lhe são formuladas, faz uma síntese e contesta. Nossos cérebros também trabalham desse modo. Temos sido programados durante milhões de anos, e o cérebro reage imediatamente. Se o cérebro não está programado, observa, vê. Bem, agora, podem nossos cérebros permanecer sem uma só programação?

I: Mas esta atividade de observar não é o conter, verdade? Você pode dizer algo acerca do conter?

K: Diga você.

I: Eu não tenho nada que dizer.

K: Force; tem que força, pressionar.

I: Você tem falado de um vaso que contém a água, e da terra que contém o lago. Há algo em que contém, tal como o vaso e a terra contém?

K: Não, não, estamos nos afastando. Pupulji formulou-me uma pergunta, uma pergunta que tem grande profundidade. Você escutou essa pergunta, a recebeu: foi sua resposta a ela?

I: Qual pergunta, senhor?

K: Ela esteve falando da profundidade, da base. Qual foi a sua reação a isso?

I: Só estive escutando; só procurava compreender.

PJ: Veja, senhor, no geral, quando à mente é formulada uma pergunta, é como quando deixamos cair ao solo um grão de açúcar: as formigas correm para ele de todas as partes. De maneira similar, quando plantamos uma pergunta, se despertam todos os movimentos, todas as reações, e se orientam para a pergunta.

Então, pode a pergunta ser formulada sem os movimentos?

K: Sem as formigas, sim. Me disseram que, quando o cérebro não está trabalhando, quando está quieto, tem um movimento próprio. Nós nos referimos ao cérebro que se acha num constante movimento, cuja energia é o pensamento. O problema é que o pensamento se aquiete. Como você aborda esse problema? Pode questionar completamente o pensamento? Não responda de imediato. Olhe a pergunta, contemple-a. Isto não é um exame. Você pode ter uma mente capaz de não reagir de imediato a uma pergunta? Pode haver uma ação dilatória, quem sabe, um conter a pergunta indefinidamente?

Retrocedamos, Pupul. Pode-se, absolutamente, não ter âncoras, nem o conhecimento, nem a crença? Posso ver que ambos carecem de significado? Penso que é absolutamente essencial não conceder significação a nada.

Esse estado da mente, se encontra fora do tempo? É um estado de verdadeira e profunda meditação, uma meditação na qual não há sentido algum de realização, nada? O estado de meditação em que o meditador não é o fundamento, a origem de todas as coisas.

PJ: Você está dizendo, pois, que o meditador não é a base sobre a qual se apoia a meditação?

K: Obviamente, não o é.

PJ: Pode essa base de apoio existir sem o meditador?

K: Se há um meditador, não existe a base.

PJ: Mas, pode haver meditação sem o meditador?

K: Estou falando de uma meditação sem o meditador.

PJ: A meditação, não é um processo humano?

K: Não.

PJ: Investiguemos se isso é possível. A meditação não pode achar-se livre do ser individual. Não pode haver meditação sem o meditador. Você poderá dizer que o meditador não é a base da meditação, mas...

K: Não, espere um momento. Enquanto eu esteja tratando de meditar, a meditação não existe.

PJ: de acordo.

K: Portanto, só há um cérebro, uma mente, que se encontra em estado de meditação.

PJ: Sim.

K: Então, essa é a base. O universo se encontra num estado de meditação. E essa é a base, essa é a origem de tudo; e isso é possível unicamente quando não existe o meditador.

PJ: E quando não há âncoras...

K: Absolutamente. Isso ocorre quando há uma liberdade total com respeito ao sofrimento. O estado de meditação advém com a completa terminação do “eu”.

Sabe, Pupul?, o começo pode ser o processo eterno; quem sabe haja um eterno começo.

Veja, pergunta-se se é totalmente possível para um cérebro, para um ser humano, estar completamente, absolutamente livre do meditador. Isto é essencial, correto? O meditador trata de meditar a fim de chegar a alguma parte, a fim de ocultar algo, a fim de colocar sua vida em ordem. Qualquer que seja o modo em que o expresse, seja que medite para colocar sua vida em ordem, ou ponha sua vida e ordem e depois medite, segue operando o meditador. A questão é se é possível a liberdade a respeito do meditador. Se tal liberdade fosse possível, não se suscitaria ao interrogante acerca da existência ou não existência de Deus, porque então essa meditação é a meditação do universo.

É possível uma liberdade tão absoluta? Faço essa pergunta. Não conteste; contenha-a. Vê o que quero dizer? Deixá-la atuar. Ao contê-la, a energia se acumula, e essa energia atuará — não você —. Compreende? (Larga pausa).

Então, temos compreendido a natureza de Deus?

Brockwood Park
27 de maio de 1981

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill