Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

sexta-feira, 23 de março de 2018

A contenção do mal


A CONTENÇÃO DO MAL

Interlocutor P: Um dos problemas mais vitais que tem preocupado ao homem é a necessidade de colocar um freio ao mal. Isso parece como se em certos períodos d história, devido a diversas circunstâncias, o mal dispôs de um campo mais vasto no qual operar. As manifestações do mal são tão amplas, os problemas do mal são tão complexos; que o indivíduo não sabe como se entender com eles.

Qual diria você que é o modo de encarar o mal? Existe uma coisa como o mal independente do bem?

KRISHNAMURTI: Pergunto-me o que é que você quer significar. O arbusto está com muitos espinhos — chama isso de mal? O mal é para você uma serpente venenosa? Nenhum animal selvagem é mal — em o tubarão nem o tigre. O que é então o que você entende com a palavra “mal”? Algo danoso? Algo que pode ocasionar tremenda aflição, um grande sofrimento? Algo capaz de destruir ou impedir a luz da compreensão? Você chamaria a guerra de mal? Você diria que os generais, os governantes, os almirantes são o mal porque ajudam a produzir guerras, destruição?

P: Podemos chamar o mal àquilo que deforma e destrói a natureza das coisas.

KRISHNAMURTI: O homem é cruel. Acaso ele é mal?

P: Se está obstruindo, se através de uma intenção maligna faz que certas coisas se desviem...

KRISHNAMURTI: Perguntava-me simplesmente o que significa essa palavra “mal”. Que significado tem o mal para uma mente dotada de inteligência, uma mente que se dá conta de todos os horrores do mundo?

P: O mal é aquilo que degrada a consciência, que traz escuridão.

KRISHNAMURTI: Isso o faz o medo, a dor, o sofrimento. Você diria que o mal é estimulado pelo medo? É o mal um meio para fomentar a dor? O mal é o condicionamento social ou ambiental que perpetua as guerras?  Todas estas coisas limitam a consciência e criam escuridão e dor. O mal, conforme a ideia cristã, é o demônio. Tem o hindu alguma ideia a respeito do mal? Se é que a tem, qual seria? Pessoalmente, eu nunca penso no mal.

Você diria que no florescer da bondade o mal não existe em absoluto, que tal estado não conhece o mal? Ou o mal é uma invenção da mente que engendra o medo e cria o bem?

P: Posso dizer algo? Se penetra-se profundamente nos recônditos rincões da mente humana, na história da humanidade, sempre tem existido o feiticeiro que transtorna as leis da natureza, que provoca o medo e traz a escuridão. É este um dos mais estranhos elementos da mente humana. É a causa deste terrível pavor ao desconhecido — essa escuridão sem limites, sem fim —, que reina ao longo de toda a história do homem, que tem estado proferindo, em busca de proteção, um grito que repercute através da consciência humana. Isto é o desconhecido, a incomoda matriz do medo. Não basta sugerir que isso é o medo. É tudo isso e muito mais.

KRISHNAMURTI: Você disse que muito profundamente no homem, nos lugares mais recônditos da mente, existe o medo ao desconhecido, a algo que o homem não pode alcançar ou imaginar? Que estando tão profundamente amedrontado, reclama a proteção dos deuses, e que a qualquer coisa que desperte esse perigo, a qualquer insinuação dessa coisa oculta, ele a chama de mal?

P: Essa escuridão existe profundamente na consciência humana todo o tempo.

KRISHNAMURTI: O mal é o oposto do bem, ou é completamente independente do bem?

P: É independente do bem.

KRISHNAMURTI: Você disse que é independente. Portanto, é o mal algo que em si mesmo não tem relação alguma com a beleza, com o amor? Contra o mal, o homem sempre tem buscado proteção, como o faria contra um animal. Existe este escuro perigo oculto. O homem é consciente deste perigo, tem medo e mediante encantamentos, rituais, pregações, etc., busca afugentá-lo e precaver-se contra ele. O arbusto que está tão cheio de espinhos se protege contra o animal e o animal, como não pode alcançar as folhas, chamaria isso de mal. Existe uma força semelhante, uma personificação semelhante do mal que esteja completamente afastada do bem, e da beleza?  Existe toda essa ideia de que o mal está combatendo o bem. Este mal se vê personalizado nas pessoas, e assim o mal está sempre lutando contra o bom e o generoso. Eu pergunto: é o mal algo completamente independente do bem? Você deve ser muito cauteloso para não se tornar supersticioso.

P: O “medo” é oposto à bondade. Mas os medos mais escuros não são com relação a “alguma coisa”.

S: Não é só proteção e medo, e o medo que envolve o mal, senão a proteção com o fim de progredir.

P: A exigência de proteção: os mantras como feitiços, as mandalas como diagramas mágicos, e os mudras como gestos mágicos, tinham como objetivo proporcionar proteção contra o mal.

KRISHNAMURTI: Veja, quando você penetra profundamente dentro da consciência, alcança um ponto de onde o desconhecido aparece como o escuro, e aí você se detém porque está amedrontado. A mente penetra fundo até um ponto, e abaixo desse ponto está o sentimento do tenebroso vazio. Devido a escuridão, você tem as rezas, os encantamentos, e por causa do medo à escuridão você roga por proteção.

Pode a mente travessar a escuridão? Vale dizer, pode a mente não experimentar o medo? Pode ela operar de tal modo que a escuridão se converta em luz? Você pode penetrar a escuridão que tanto teme, e ao que tem designado como “o mal”? Você pode penetrar isso tão completamente que a escuridão não exista? Então, o que é o mal?

P: Quando se desenha o ritual mandala, a entrada na mandala se faz por meio do feitiço e o mudra. Neste penetrar dentro da escuridão, qual é o feitiço que abrirá as portas?

KRISHNAMURTI: A consciência como pensamento se investiga a si mesma — sua profundidade. Quando penetra se encontra com esta escuridão. Esta investigação não é um processo de tempo. E você pergunta qual é o feitiço ou a energia que haverá de penetrar até o fundo mesmo da escuridão, qual é essa energia e como há de surgir.

A mesma energia que começou a investigar está ainda aí, mais forte, mais vital e medida que avança, que penetra. Por que você pergunta se há necessidade de uma energia maior?

P: Porque a energia se esgota. Penetramos até um ponto e não vamos mais longe.

KRISHNAMURTI: Por causa do medo, da apreensão por algo que não conhecemos, dissipamos a energia ao invés de concentrá-la. Eu quero penetrar em mim mesmo. Vejo que o penetrar em mim mesmo é um movimento igual ao externo. Implica penetrar no espaço. Ao penetrar no espaço há certa exigência de energia. Essa energia deve estar livre de todo esforço, de toda distorção. A medida que penetra, a energia vai reunindo impulso. Se não tem um desvio pelo qual escapar, não há distorção. Se torna mais profunda, mais ampla, mais forte. Então se alcança um ponto onde está a escuridão. E como se penetra nessa escuridão com esta tremenda energia? (Pausa).

P: A primeira questão com que começamos era: como pode colocar-se freio ao mal. Você tem dito que a medida em se penetra no mar da escuridão, a escuridão deixa de existir; existe a luz. Mas quando o mal está nos seres humanos, em certas situações, em certos acontecimentos, há alguma ação que possa conter, frear esse mal?

KRISHNAMURTI: Eu não colocaria desse modo. A resistência ao mal reforça o mal. Por isso, se a mente vive na bondade, não há resistência e o mal não pode alcançá-la. De modo que não há contenção do mal.

P: Então só há bondade?

KRISHNAMURTI: Temos que retroceder a outra coisa — a mente tem penetrado na escuridão, e terminou com a escuridão. Mas há um mal que seja independente de tudo isso? Ou o mal faz parte da bondade?

Você vê que na natureza, o grande vive do pequeno, e o maior vive do grande. Eu não chamaria a isso de “mal”. Há o deliberado desejo de causar dano aos outros; isso é parte de mal? Eu desejo ferir a outro, isso é parte do mal? Eu quero ferir a você porque você me disse algo, isso é o mal?

P: Isso é parte do mal.

KRISHNAMURTI: Então isso implica em vontade. Você me fere, e porque sou orgulhoso quero vingar-me. O desejo de vingança é uma ação da vontade. Seja vontade de reagir ou vontade de fazer o bem, ambas são o mal.

P: Voltado a mandala; o mal pode penetrar quando as entradas não estão protegidas. Aqui, os olhos e os ouvidos são as entradas.

KRISHNAMURTI: Você diz então que quando os olhos veem claramente, quando os ouvidos ouvem claramente, o mal não podem entrar. Retrocedamos: o propósito deliberado, o conjunto de propósitos, o pensar sobre isso, tudo o qual constitui a profunda intenção de causar dano, é parte da vontade. Eu penso que é nisso onde radica o mal — no deliberado ato de ferir. Você me fere, eu o firo, peço desculpas e isso se encerra. Mas se me aferro a isso, se o retenho, se o fortaleço deliberadamente, se sigo um plano de ação para feri-lo — o qual é parte da vontade que o homem tem de causar dano ou de fazer o bem —, então isso é o mal.

Há, pois, um modo de viver sem executar a vontade? No momento em que resisto, de um lado tem que estar o mal e do outro o bem, e ambos estão relacionados entre si. Quando não há resistência, não há relação entre ambos. E o amor é então um espaço aberto, sem palavras, sem nenhum tipo de resistência. O amor é a ação que surge deste vazio. Tal como o descrevemos ontem, quando os elementos masculinos se voltam deliberadamente afirmativos, exigentes, possessivos, dominantes, o homem convida o mal. E a mulher, submetendo-se, submetendo-se, submetendo-se deliberadamente com o fim de dominar com a submissão, também convida o mal.

De modo que onde está a astuta perseguição do domínio — que é a operação da vontade —, ali está o principio do mal.

Contra esse mal tratamos de nos proteger. Nós mesmos criamos o mal e sem dúvida desenhamos um círculo, um diagrama ao redor do umbral da casa para buscar proteção contra esse mal, e no interior a serpente do mal está operando.

Mantenha limpa sua casa e esqueça todos os mantras; nada poderá feri-lo. Pedimos proteção aos deuses que temos crido. É realmente algo bem fantástico.

Todas as guerras, todos os ódios raciais, os ódios acumulados que o homem tem estado armazenando, isso deve constituir-se em uma coleção de ódio, em um estoque de mal. Os Hitlers, os Mussolinis, os Stalins, os campos de concentração, os Atilas, tudo isso deve acumular-se, deve ter corpo em alguma parte. Assim também o sentimento de “não mate, seja bondoso, seja amável, seja compassivo”, isso também deve acumular-se em alguma parte.

Quando as pessoas tratam de proteger-se Cintra um dos dois — o mal —, assim mesmo estão se protegendo contra o bem, porque o homem tem criado ambos. Pode, pois, a mente, penetrar na escuridão? No mesmo ato de penetrar nela, a escuridão se dissipa.

Nova Delhi
15 de dezembro de 1970
Tradição e Revolução
______________________________________
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill