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sexta-feira, 23 de março de 2018

A chama da dor


“A mente é o vaso do movimento, e quando o movimento não tem forma, quando não há “Eu”, nem visão, nem imagem, a mente está completamente quieta... Nela não há memória. Então, as células cerebrais experimentam uma transformação... As células cerebrais estão acostumadas a moverem-se no tempo. São o resultado do tempo, e o tempo é movimento, um movimento dentro do espaço que ela cria a medida que se move... Quando não há movimento, há uma concentração de energia... De modo que a mutação é a compreensão do movimento e o cessar do movimento nas próprias células cerebrais”.
A CHAMA DA DOR


Passeávamos pelos jardins públicos, próximo de um imenso hotel. O céu do oeste tinha um tom azul dourado e os ônibus e automóveis passavam ruidosamente. Havia nesse jardim jovens plantas cheias de promessas; eram regadas todos os dias. Ainda estavam construindo, criando os jardins, e um pássaro vibrava no céu agitando rapidamente as asas antes que se precipitasse para a terra; e neste se somava a lua cheia. A beleza não estava em nenhuma destas coisas senão no imenso vazio que parecia conter a terra. A beleza era o pobre homem que com a cabeça abaixada levava uma pequena botija de azeite.

KRISHNAMURTI: Que significado tem a dor neste pais? Como o povo deste país encara a dor? Fogem da dor mediante a explicação do Karma? Como a mente indiana opera quando se enfrenta com a dor? Os budistas a encaram de um modo, os cristãos de outro. Como a encara a mente hindu? Resiste a dor ou dela escapa? Ou a mente hindu a racionaliza?

Interlocutor P: Existem realmente muitos modos de encarar a dor? Dor é sofrimento — o sofrimento de alguém que morre, o sofrimento da separação. É possível enfrentá-lo de diversos modos?

KRISHNAMURTI: Existem diversas vias de fuga, mas só há um modo de enfrentar-se a dor. As fugas com as quais todos estamos familiarizados são na realidade maneiras de iludir a grandeza da dor. Como vê, encaramos a dor com explicações, mas estas explicações não são uma resposta ao problema. O único modo de entender-se com a dor é fazê-lo sem resistência, sem um só movimento, externo ou interno, para fugir; há que permanecer totalmente com a dor, sem desejar achar-se fora dela.

P: Qual é a natureza da dor?

KRISHNAMURTI: Há a dor pessoal, a dor que vem com a perda de alguém a que se ama, a solidão, a separação, a ansiedade pelo outro. Com a morte está também o sentimento de que o outro cessou de existir e que havia tanto que ele gostaria de fazer. Tudo isso é dor pessoa; Logo há esse homem mal vestido, sujo, que abaixa a cabeça; ele é ignorante, ignorante não só em conhecimentos livrescos, senão real e profundamente ignorante. O sentimento que se tem pelo homem não é de piedade, nem há uma identificação com esse homem; não se trata de que por encontrar-se em uma posição melhor experimente piedade por ele, senão que dentro de si há o sentimento da carga atemporal da dor no homem. Nada há de pessoal na relação com esta dor. Ela existe.

P: Enquanto você falava, o movimento da dor tem estado operando dentro de mim. Não há uma causa imediata para esta dor, mas ela parece ser como uma sombra que sempre acompanha ao homem. O homem vive, ama, estabelece vínculos e tudo isso termina. Qualquer que seja a verdade do que você diz, há tanta infinitude de dor nisto! Como isso pode terminar? Parece não haver resposta. Outro dia você disse que na dor está contida todo o movimento da paixão. O que isso significa?

KRISHNAMURTI: Existe uma relação entre a paixão e a dor? Pergunto-me o que é a dor. Há uma tal coisa como a dor sem causa? Nós conhecemos a dor que tem causa e efeito. Morre meu filho; nisso está envolvida minha identificação com o filho, meu desejo de que ele seja algo que eu não fui, minha busca de continuidade através dele. E quando ele morre, tudo isso é negado, e eu me encontro completamente vazio de toda esperança. Nisto há autopiedade, medo. Nisto há uma pena que é a causa da minha dor. Esta é a parte que a todos nos toca. Isto é o que entendemos por dor.

Logo, há a dor do tempo, a dor da ignorância, não a ignorância com relação aos conhecimentos, senão a ignorância com relação ao próprio condicionamento destrutivo; a dor de não conhecer-se a si mesmo, de não conhecer a beleza que está nas profundidades do próprio ser, e mais além.

Vemos que ao escapar da dor mediante diversos tipos de explicações, na realidade desperdiçamos pouco a pouco um fato extraordinário?

P: Então, o que é que se há de fazer?

KRISHNAMURTI: Você não respondeu a minha pergunta: “Existe uma dor sem causa e efeito?” Nós conhecemos a dor e o movimento para fugir da dor.

P: Você fala da dor livre de causa e efeito. Existe um estado semelhante?

KRISHNAMURTI: O homem tem vivido com a dor desde tempos imemoriáveis. Nunca soube como entender-se com a dor. Por isso, lhe tem rendido culto ou tem escapado dela. Ambas as coisas são o mesmo movimento. Minha mente não faz nem um nem outro, e tampouco utiliza a dor como um recurso para despertar. O que ocorre então?

P: Todas as outras coisas são o produto de nossos sentidos. A dor é mais que isto. É um movimento do coração.

KRISHNAMURTI: Eu lhe pergunto qual é a relação que há entre a dor e o amor.

P: Ambos são movimentos do coração.

KRISHNAMURTI: O que é o amor e o que é a dor?

P: Os dois são movimentos do coração; um se identifica como felicidade e outro como sofrimento.

KRISHNAMURTI: O prazer é amor? Você diria que a felicidade e o prazer são a mesma coisa? Sem compreender a natureza do prazer, a felicidade carece de profundidade. Você não pode convidar à felicidade, ela ocorre. O sucesso pode transforma-se em prazer. Quando esse prazer é negado, começa a dor.

P: Em um nível é assim, mas não em outro nível.

KRISHNAMURTI: Como dissemos, a felicidade não é algo que possa ser convidado. Acontece. Eu não posso convidar ao prazer, posso perseguir o prazer. Se o prazer é amor, então o amor pode cultivar-se.

P: Sabemos que o prazer não é amor. O prazer pode ser uma manifestação do amor, mas não é o amor. Ambos, tanto a dor como o amor, emergem da mesma fonte.

KRISHNAMURTI: Eu perguntei que relação há entre a dor e o amor. Pode haver amor se há dor? (sendo a dor, todas as coisas que temos falado).

P: Eu diria “Sim”.

KRISHNAMURTI: Na dor há um fator de separação, de fragmentação. Não existe uma grande dose de autopiedade na dor? Qual é a relação de tudo isso com o amor? Há dependência no amor? O amor tem a qualidade do “eu” e do “tu”?

P: Mas você fala de paixão...

KRISHNAMURTI: Há amor quando não existe o movimento para escapar da dor. A paixão é a chama da dor, e essa chama só pode despertar-se quando não há fuga nem resistência. Isso significa que a dor não tem em si a qualidade da divisão.

P: Em tal sentido, há alguma diferença entre esse estado de dor e o estado de amor? A dor é sofrimento. Você disse que quando nesse sofrimento não há resistência, nem há um movimento para escapar, emerge a chama da paixão. Estranhamente, nos textos antigos se diz que Kama (amor), agni (fogo) e yama (morte), são o mesmo; são colocados no mesmo nível, são completamente idênticos; criam, purificam e destroem para voltar a criar. Tem que haver um fim.

KRISHNAMURTI: Como vê, é assim. Qual a relação de uma mente que tenha compreendido a dor, e, portanto, tenha cessado com a dor? Qual é a qualidade da mente que já não teme o fim, o qual é morte?

Quando a energia não se dissipa mediante a fuga, essa energia se converte na chama da paixão. Compaixão significa paixão por tudo. A compaixão é a paixão por tudo.

Nova Delhi
12 de dezembro de 1970          
Tradição e Revolução

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill