Quem ainda não encontrou aqueles momentos de elevação na vida em que ficamos perdidos em nós mesmos, numa vizinhança de imponente esplendor que nos obriga a nos embebermos na sua contemplação sublime? Muito mais gente do que se supõe neste nosso mundano Ocidente passou uma vez por uma experiência emocional — ou mesmo mais de uma vez — que fez a vida assumir durante algum tempo um aspecto totalmente diferente. A alusão é àqueles lampejos de extática iluminação, de contato com uma linda e rósea realidade que abarca o universo material, que aparece de forma inesperada e deixa no seu rastro uma exaltação alegre ou pacífica. Tais momentos podem sobrevir quando estamos sós num convés de navio, à noite, cercados pelo oceano imenso, ou quando contemplamos a rubra aurora sobre os picos de uma montanha, ou também, com súbita incongruência mas com força irresistível, em meio ao barulhento vozerio de um mercado. Eles sobrevêm quando recebemos a Natureza no nosso coração, não como o botânico que disseca uma flor ou arranca sem piedade as pétalas para estudar a estrutura, mas como um amante ardente ou um amigo. Eles sobrevêm quando vemos uma paisagem com olhos de poeta, e quando nos damos conta de que o paraíso pode começar num relvado próximo da nossa casa. Venham como vierem, obrigam-nos a esquecer as preocupações de caráter pessoal e ansiedades, fazendo com que nos alcemos a uma visão impessoal das coisas até ali impossível de obter e mais ainda de conservar. O tempo parece parar, a sensação de que a vida é eterna se infiltra à vontade em nossa mente, o ambiente físico perde um pouco de sua tangibilidade e a sua realidade resvala levemente para uma substância de sonho. Uma paz etérea, não sentida até então, surge no coração e traz consigo uma satisfação intensa que a gratificação de nenhum desejo mortal poderia jamais produzir. Uma compreensão mais clara também desponta; a vida parece clarificada e pressentimos, antes de vermos, um propósito inteligente no coração das coisas. O horror, o caos e o conflito desaparecem durante algum tempo da nossa vista, porque nesta atmosfera divina e em que fomos introduzidos as recordações desagradáveis não podem perdurar. A maravilhosa verdade, tão impalpável e no entanto tão inefável, tocou o coração. A gente SABE... mas, ah!... A experiência retrocede, embora a sua lembrança fique para sempre. Não poderemos esquecê-la ainda que assim desejemos; seu caráter permanecerá e nunca se desgastará como as experiências normais da existência terrena. Mais e mais, a recordação sublime nos segue e nós ansiamos pela renovação de tais momentos divinos. O que significa a lembrança desses raros momentos? Podemos recolhê-los de novo assim como fazemos com as flores perfumadas que colhemos diariamente do seio prolífico da terra?
A resposta a esta pergunta é que por detrás do eu que todos conhecem existe um outro Eu que via de regra passa desapercebido, e que é essa coisa misteriosa e enganosa chamada alma ou espírito. Esse Eu Superior é a parte mais secreta da natureza do homem e, não obstante, a mais fundamental. A bem-aventurança impessoal da qual obtemos esses pequenos fragmentos é INERENTE à natureza daquele eu. As nossas inspirações não passam, portanto, de migalhas que tombam do eterno banquete.
A resposta à pergunta é: “Sim!” Esses maravilhosos estados do sentimento, esse esplendoroso pedaço de tempo podem ser recapturados e prolongados de acordo com o desejado, depois que o método do AUTO-ADESTRAMENTO tiver sido compreendido e suficientemente exercitado, pois a cultura certa de nossos sentimentos mais nobres é parte integrante desse adestramento.
É preciso que nos disponhamos a procurar cultivar certos estados instáveis do coração. Tais estados acontecem na vida da maioria das pessoas em ocasiões diferentes, amiúde por acaso e de forma inesperada, mas via de regra têm curta duração, e, não sendo cultivados, são postos de lado e muito do seu valor se perde. Trata-se de estados evocados o mais das vezes de forma inconsciente através de prazeres estéticos, por meio de coisas como ouvir uma música belíssima, ler uma poesia inspirada e deixar-se penetrar pelas impressões produzidas nos nossos sentidos por cenas naturais de inesquecível grandiosidade: mais raro aparece um estado valioso de profunda veneração e grande apreço provocado pelo encontro de alguém que de alguma forma se tenha identificado com o Eu Superior.
Sempre que esse estado de poderoso encanto, intensa reverência ou paz completa acontece, é necessário que mantenhamos nele toda a nossa mente e o reconheçamos como um importante mensageiro e ouçamos a sua mensagem. Devemos ponderar longa e profundamente nessa mensagem e tentar referi-la à sua origem mais alta; devemos tentar tecer com os seus efeitos o pano do nosso caráter. Porque tais estados não nos vêm rotulados com o nome do país da sua origem mística, nós talvez lhe subestimamos o valor. Eles são quase sempre de curta duração e lhes devemos dar o justo valor e extrair-lhes conscienciosamente a essência íntima, pois, na verdade, tais momentos podem ser tidos em alta conta que ajuda no amor de uma beleza excelsa, que tende a nos influenciar no sentido de uma atitude mais nobre, no sentido de uma consciência mais profunda da vida do que a propiciada pela sequência das modificações simplesmente materiais que compõe a rotina diária, deve, assim, ser aceito e incentivado; a sensibilidade às forças mais nobres, necessária neste caminho, resultará aumentada.
[...] Devemos deixar que essa mensagem entre com toda a sua força no nosso ser, de preferência a tentar entendê-la intelectualmente. Sentados tão quietos quanto possível, com o olhar e o coração concentrados, e com a alma passiva e receptiva, é preciso que deixemos os sentidos da vista e da audição tornarem-se os mediadores de um estado mais elevado. Quando esse novo estado tiver de fato sido produzido, real e intensamente, devemos entregar-nos livremente e permitir que ele viva dentro de nós SEM, CONTUDO, TRANSFORMÁ-LO EM OBJETO DE ANÁLISE INTELCETUAL. Na verdade é de grande importância, no despertar e no cultivo desses estados de emoção mais elevados, não colocar em ação as nossas faculdades críticas, não tentar dissecá-los mentalmente até que se tenham ido de todo; devemos de preferência deixar-nos dissolver suavemente neles. Se interferirmos, acontecerá que atalharemos o novo estado e dissiparemos uma provável preciosa experiência espiritual.
[...] O resultado psicológico nas pessoas é, no entanto, que aquele momento em que primeiro se fixa o olhar remotamente, retira em parte a consciência do corpo físico e liberta a mente do seu costumeiro egocentrismo. Involuntariamente, nós trocamos o pessoal pelo Impessoal com a rapidez do relâmpago, deixamos de estar imersos em constantes agitações, toda a atenção sendo colocada no ato de avistar, e depois voltamos novamente à condição comum. Porém, esse intervalo místico basta para criar o Estado do Eu Superior.
Se pudéssemos, com cuidado e zelo, captar tais momentos divinos e, sem deixar que se dissipassem desapercebidos, alimentá-los bem, saboreando por assim dizer o seu gosto espiritual, poderíamos algum dia abençoado passar toda a consciência para o Eu Superior e retê-la ali algum tempo. Tal dia seria inesquecível, pois seu êxtase seria sublime.
Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior