Pode o intelecto penetrar de
verdade em regiões que até aqui lhe estavam vedadas? Pode ajudar-nos a penetrar
na consciência fundamental e derradeira? Oculta ele um poder de percepção
desconhecido? Problema algum é obscuro a ponto de não poder ser esclarecido ou
resolvido pela luz de uma concentração persistente em torno dele. O problema do
eu do homem também pode ser solucionado em função de uma persistente
concentração da mente em torno dele — e é o que acontece. Já disse que esse
caminho começa por uma busca intelectual dirigida para dentro, pelo emprego de
um intelecto aguçado mas auto-absorvido. Reflexões analíticas como as aqui
citadas não apenas fornecem uma prova genuína da natureza espiritual do ego,
como também propiciam um caminho que levará a mente reflexiva à compreensão da
sua realidade oculta.
Devemos primeiro situar
corretamente o intelecto na nossa natureza; ele é a ferramenta do eu, o meio através
do qual o eu entra em contato com o mundo da matéria. O olho seria incapaz de
ver se a mente não estivesse por detrás dele para vitalizar o seu
funcionamento. O intelecto é a fase mais baixa e a razão a fase mais elevada de
uma mesma mente. A matéria mental é na verdade um meio, o ele intermediário
entre o eu e o corpo material, e, através deste elo do eu com o mundo material.
Essa posição central entre ambas
as esferas confere-lhe a sua importância e mostra o valor de se poder dominá-la
por completo. Sem a matéria mental não poderíamos tomar consciência do
meio ambiente, pois nesse caso o nosso corpo seria um cadáver inerte e inconsciente
com todos os cinco sentidos fora de funcionamento.
Se, por essa razão, o poder do
intelecto de propensão espiritual de conduzir o homem rumo à verdade é aqui
louvado, deve-se compreender que o que se quer dizer é que tal poder pode indicar
ao homem a direção certa no caminho da verdade.
Um pensamento dessa ordem não
cairá num circulo vicioso mas ajudará verdadeiramente o estudante a chegar às
fronteiras do Eu Superior, da mesma forma pela qual o roçar de uma corda
acabará por sulcar a face de um parapeito de pedra. É preciso uma mente bem
treinada e vigorosa para alcançar estas verdades. Os adolescentes mentais não
poderão fazê-lo, mas há caminhos religiosos mais fáceis à sua disposição.
A mente, tal qual a conhecemos,
isto é, a mente que cuida da existência rotineira, que nos capacita a calcular,
organizar, dispor, escrever, trabalhar num escritório, ler os jornais e
expressar nossos pontos de vista, ou até mesmo analisar compostos químicos, é
capaz de atender a esses assuntos cotidianos com relativa eficiência, mas sai
das suas profundezas quando tenta resolver problemas fora de seu âmbito.
Contudo, em virtude do seu orgulho e arrogância inatos, ela se recusa a
reconhecer suas limitações e exara opiniões sobre problemas espirituais e
psíquicos (vale dizer extraordinários) que são inteiramente destituídos de
fundamento e valor. Se tivesse humildade suficiente, compreenderia que se faz
necessária uma certa dose de atividade mental para enfrentar devidamente esses
problemas transcendentais, e se dedicaria primeiro a encontrar e desenvolver tal
capacitação para depois atrever-se a opinar. Para tingir essa capacitação é
preciso usar corajosamente a razão, não deter-se senão diante da Verdade Derradeira
e seguir a trilha dos pensamentos desconhecidos até o extremo de suas
conclusões desconhecidas. Mais do que isso, exige-se uma isenção de
preconceitos e um desinteresse mundano difíceis de encontrar. E, por fim,
exige-se uma capacidade de concentração e agudez intelectual que permitam lidar
com as mais sutis abstrações. O valor das técnicas da Ioga convencional é que
elas nos ajudam a desenvolver parte dessas qualidades, incrementando a
impessoalidade, a tranquilidade mental, o poder de concentração e a capacidade
de manter à distância as ideias, emoções e distrações aleatórias de todo tipo,
de modo que a verdade acerca do assunto meditado se mostre com maior clareza.
Mas tais técnicas não desenvolvem uma razão mais atilada e arguta nem a
capacidade de uma reflexão analítica prolongada, e aqui um adestramento
científico, matemático ou filosófico assume o valor máximo. É na junção dos
métodos de aquietação e apuro da mente que florescem as qualidades certas para a
descoberta da Verdade. Cada qual desses métodos é incompleto sem o outro, e,
por isso, só pode levar à verdade parcial. O sistema aqui apresentado objetiva
combinar a ambos.
Assim, através de um processo de
descasque e despojamento, por assim dizer, a análise do eu chegou ao ponto de
reconhecer a existência do ego como uma entidade cujas manifestações encerram
misteriosa transitoriedade, e como uma entidade capaz de viver, mover-se e SER
independentemente do corpo físico, das emoções e do intelecto, quando estes são
encarados do ponto de vista do eu destituído de qualquer conteúdo ou expressão.
Ainda que a investigação o tenha eliminado das suas supostas moradas, ainda que
o eu pesquisado continue a nos enganar, ainda assim sabemos que ele existe;
SENTIMOS QUE NOSSA EXISTÊNCIA É REAL, muito mais real do que qualquer outra
coisa.
É preciso agora levar o nosso
pensamento ainda além do âmbito das experiências costumeiras e começar a
encarar a possibilidade de examinar esse ego tal qual ele realmente é,
desembaraçado dos pensamentos e sentimentos e sem as peias do invólucro carnal.
Poucos, se é que alguém o faz, chegam a tentar essa possibilidade, e, no
entanto, é esse o caminho ao longo do qual podemos encontrar a verdade real
acerca de um homem, bem como o alívio para numerosos fardos que nos afligem a
alma em decorrência da ignorância da
nossa verdadeira natureza íntima.
O efeito de tais reflexões
analíticas, quando trazidas a este plano e amplamente compreendidas, é criar
uma espécie de amanhecimento revolucionário na mente, promover a passagem da
noite escura para a luminosa alvorada. Pois o mistério do eu principia agora a
estender-se até horizontes ilimitados. As possibilidades de uma vida mais
espaçosa que parecem abrir-se produzem uma sensação semelhante a um frêmito de
medo e expectativa. Via de regra a mente está presa ao corpo e somente quando
libertada de seu cativeiro pode esperar a aurora de uma vida mais elevada.
Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior