[...] Há muita gente que irá
asseverar que um tal domínio sobre o pensamento é impossível e que essas ideias
de uma vida mais divina para o homem são ilusórias. Suas asserções são bastante
acuradas do restrito ponto de vista, mas por que devemos aceitar tais
limitações? Por que ficar numa prisão quando nos colocam nas mãos uma chave que
abrirá a porta da mente, fazendo-nos entrar nos espaços mais amplos da
liberdade? O homem não se deve deixar hipnotizar pelas doutrinas correntes.
Ideias hoje em voga amiúde caem em descrédito amanhã, e somente aqueles que se
emanciparam antes da sua época podem ajudar os outros a fazer o mesmo.
A mente humana se revoltaria
contra si mesma se atingisse uma compreensão completa e não apenas parcial da
natureza das coisas. A habitual atitude egocêntrica é natural, mas não é o
derradeiro posto de observação à disposição do homem. A Eternidade está aberta
apenas a um eu mais elevado. O preço que temos de pagar para encontra-la é
abandonar o eu inferior — esse que conta os segundos e meses e se identifica
inteiramente com o corpo. A tranquilidade mental é o meio para lá chegar. A
raiz desse eu mais elevado está dentro de nós; também o obstáculo íntimo está
dentro de nós.
“Não se pode falar do oceano para
um sapo do brejo — criatura de uma esfera mais acanhada. Não se pode falar de
um estado isento de pensamento para um pedagogo; sua visão é demasiado restrita”,
queixava-se o preclaro chinês Chuang Tzu.
A tentativa de insinuar a
possibilidade de uma existência intemporal e livre de pensamentos junto a seres
destituídos de noção e experiência fora dos limites do tempo está cheia das
maiores dificuldades. Um tal mundo é na verdade inconcebível para o homem médio
que, de forma singular, porém natural, acredita que, porque ele pertence a uma maioria
enganadora, é também o homem normal, o homem que vai de encontro aos desejos da
Natureza. Contudo, a tentativa não deixa de ter o seu valor, pois atrai aqueles
que a acolhem para as regiões adormecidas da sua mente; os próprios esforços no
sentido de compreender — de início aparentemente tão fúteis e vãos — geram uma
intuição incipiente. Pois carregamos dentro de nossa própria natureza tanto os
laços que nos mantêm presos a opiniões incompletas ou falsas quanto aos meios
de rompermos tais laços. Aquele que se esforça seriamente para apanhar todas as
implicações destas declarações constatará, no devido tempo, que seus esforços
possuem um valor mágico: ajudam a abrir para ele um novo sentido.
Repetindo: a eternidade existe,
mas o preço de tomar consciência dela é o domínio das sempre fluentes correntes
do pensamento. O intelecto cria o tempo, o Eu Superior o absorve sempre que
absorve o intelecto.
É preciso começar a adquirir uma
nova forma de ver as coisas e um novo hábito, o do repouso intemporal interior. É
preciso aprender a distinguir entre as sensações efêmeras e a vida duradoura, mesmo quando ambas coexistem em nós. É
preciso libertar a mente do trabalho de olhar retrospectivamente para o passado
empoeirado e antecipar o hermético futuro, como também é preciso livrá-la de
ser arrebatada pelo momento que passa e fazê-la compreender o legítimo
pensamento intuitivo, que se resume em perceber a voz interior do Absoluto.
Embora não possamos captar diretamente com o intelecto o conceito de eternidade
e precisamos apelar para a metáfora, podemos, contudo, compreendê-lo
indiretamente, usando o intelecto como trampolim. Quando o salto é bem sucedido
a eternidade permanecerá fixa no coração, pois nos teremos tornado unos com
ela.
Devemos alcançar essa perspectiva
mais alta e viver no eterno, essa serenidade interior que é a mesma ontem, hoje
e sempre, e não se deixa afetar pelas vicissitudes. Isto não significa
recusar-se a tirar proveito das lições do passado, nem caminhar com indiferença
pelo presente. Significa uma estabilidade básica perpétua no centro do nosso
ser consciente, a qual nem as recordações passadas nem os acontecimentos
presentes de uma existência evanescente podem abalar — uma estabilidade que
pode alimentar reminiscências ou previsões sem render-se a qualquer delas. Porém,
na maior parte dos casos, deixamos de pensar nos acontecimentos tão logo eles
ocorrem; as impressões mentais são varridas da nossa mente com grande rapidez.
Pois é melhor ser indiferente ao futuro se a recompensa for a vida eterna; é
mais proveitoso esquecer o passado se a mesma recompensa vier depois. Assim
poderemos continuar sem ser influenciados pela autocensura e sem ser excitados
pelos desejos especulativos.
Dessa maneira o estudo de nós mesmos
resume-se afinal no estudo do nosso intelecto, e o estudo do intelecto resume-se
depois no estudo da consciência e a consciência, por sua vez, descobre-se ser a
seráfica e secreta exploração do Presente, a fusão de cada momento com a
eternidade. Essa é a vida divina que nos leva além do tempo.
Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior