Durante este acampamento
esforçar-me-ei por tornar certas generalidades perfeitamente claras, e, quando
houverdes compreendido estas generalidades, podereis traduzi-las na prática por
vós mesmos. Haveis de verificar ser este método muito mais útil, muito mais
real do que se eu vos estivesse indicando em detalhe como devereis viver.
A memória é o resultado de uma
ação incompleta; isto é, se não viverdes plenamente no presente,
concentradamente, completamente, dar-se-á a resistência da memória, a reflexão
sobre o passado e o pensar sobre o futuro. Assim, a mente cria por si própria
um sistema que a todo o instante busca seguir e perde, por esse modo, a
concentração acurada, a vigilância da liberdade.
A realização da Verdade não pode
ser buscada por meio da evolução, ou pela ideia de progresso. Se houver o
desejo de conseguir algo, vosso esforço se desperdiçará, e somente estareis
progredindo no sentido da aquisição, o que nada mais é do que desejo. É somente
penetrando as camadas do eu-consciência, as camadas do desejo, que podeis
chegar à plenitude da Vida, a essa beatitude da Verdade.
Pergunta: Parece que nos falais de intuição como sendo um sinônimo
da Vida. No geral, julgamos a intuição como a verificação de um fato, de uma
verdade, sem o processo de raciocínio — algo que sabemos, dentro de nós
próprios, ser verdade. Entendeis ser isto meramente a intuição pessoal, não a
intuição da Vida? Que é a intuição da Vida em si mesma?
Krishnamurti: Tomemos
como exemplo a intuição daquilo que chamais reencarnação. Intuitivamente sentis
que deve ser assim, que vida após vida haveis de voltar à terra afim de colher
mais experiências, maior compreensão, mais sabedoria, até chegardes à perfeição
da própria Vida. Haveis ouvido referências ou tendes lido coisas a respeito
desta ideia e pelo fato de ela corresponder ao vosso interior, dizeis ser a voz
da intuição, quem vo-lo afirma. Porém, isto não é intuição. Ponderai e
verificareis que nada mais é do que a satisfação pessoal do prolongamento de
vós próprios. Isto vos proporciona felicidade, o pensar que na próxima vida
voltareis à existência; isto vos lisonjeia, isto vos dá uma solução, um
confortável adiamento das coisas e por isso a aceitais. Eu não me preocupo
sobre se a reencarnação é ou não um fato; para mim, isso não tem importância. A
satisfação pessoal que denominais intuição, absolutamente, não é intuição. A
intuição, a percepção instantânea das coisas não é, em tempo algum, coisa
pessoal. Para conhecer a própria essência da Vida, a mente necessita de estar
liberta de todos os desejos, portanto, liberta de toda personalidade, do ego,
da individualidade. Esta penetração, esta compreensão instantânea do valor
supremo, é intuição, que não deve ser confundida com impulso pessoal.
Intuição é o intenso
apercebimento emocional, no qual o pensamento se completa. Ora, se descobrirdes
o desejo, camada após camada, se perfurardes a individualidade — o que não é a
vã consecução do êxito, porém uma continua penetração do pensamento na
plenitude da emoção — então chegareis àquilo que pode ser denominado intuição,
e que não é a mera aceitação de uma ideia atraente. Em toda a questão que
profundamente vos perturbe, o que é que fazeis? Não consultais pessoas, jogando
com ideias, ponderais vosso problema até que o pensamento se complete pela
emoção e esta seja a vossa solução. Essa determinação não é vontade. A vontade
é pessoal. Quando o desejo impele a mente para a consecução transforma-se em
vontade. Vontade nada mais é do que o reconhecimento consciente do ego que
causa a resistência. Na intuição, não há em absoluto resistência nem vontade,
porém sim, essa capacidade de percepção instantânea que é sabedoria.
Intuição é o apercebimento no
qual cessa toda a distinção, portanto, toda resistência. O entendimento instantâneo
que é sabedoria, só advém quando a mente começa a repelir uma por uma as
camadas da eu-consciência, da individualidade. Existe a Vida e existe a ilusão
do eu-consciência; quando houverdes atravessado a ilusão, então vivereis esta
Vida. Nesse viver, não mais existe esforço contínuo, consecução ou progresso. Quisera
que experimentásseis isto e vísseis como opera automaticamente, porém, para
isso perceberdes, tendes que sofrer uma mudança completa, tendes que ficar
inteiramente sós, completamente vós mesmos. O entendimento da Vida eterna não é
um feitio intelectual ou um artifício que possais aprender de outrem ou de mim.
É somente quando começais a expulsar, camada por camada, dos muitos desejos que
possuis, que se manifesta o contentamento da sabedoria.
Pergunta: Falais de apercebimento emocional. Também dizeis que
pensamento e amor são uma coisa só e vós próprios não sabeis se estais pensando
quando amais ou amando quando pensais. Porque, pois, fazeis distinção entre
apercebimento emocional e apercebimento mental?
Krishnamurti: Vós pensais
separadamente da emoção; não pensais com sentimento. A reação vos faz pensar,
porém, não ousais pensar por completo nesse apercebimento emocional de que
falo, porque, se o fizésseis, serieis forçados a afrouxar todos as amarras que
vos prendem. Tendes que vos tornar perfeitamente simples, inteligentes.
Quando estiverdes inteiramente
livres da distinção entre pensamento e emoção como sendo funções separadas,
então não haverá apercebimento mental nem emocional; será o apercebimento
perfeito no qual a mente e o coração estarão em unidade como um só. No apercebimento, cessa toda distinção. A
distinção pessoal na ação, somente desaparece pelo pensamento no completar-se a
si próprio pelo apercebimento emocional; isto é, por meio da perfeita harmonia
da mente e do coração.
Krishnamurti, Acampamento de Ojai, 3 de julho de 1932