Vou tentar explicar o que me
parece ser a mais natural e importante atitude perante a vida. Vossos pensamentos
e vossas ações acham-se presentemente condicionados, limitados por ideias
sociais, econômicas e religiosas e vós haveis vos tornado meros dentes de
engrenagem numa máquina vastíssima. Não estais seguros e nem sois responsáveis
e, dessa incerteza e irresponsabilidade, surgem vossas ações desarmoniosas e em
conflito. Onde há conflito no pensar e sentir e, portanto, na ação, segue-se a
tristeza e, a maioria das pessoas no mundo, tanto os irrefletidos como os
espertos se acham colhidos pela tristeza.
Para libertar-se desta tristeza é
preciso tornar-se consciente de que se está apenas imitando, que os pensamentos
e sentimentos são contorcidos pelo contínuo conformar-se a ideais preestabelecidos
e padrões que cegamente seguis. Em virtude disso, vosso verdadeiro instinto, a
integridade de vosso próprio pensamento e sentimento perverteu-se.
Presentemente não podeis confiar em vosso instinto, porque através de múltiplos
séculos vosso instinto tem sido pervertido pela opinião pública, pela tradição,
pela autoridade espiritual. Vosso instinto, que é vosso verdadeiro guia, foi
assim rudemente pervertido e daí haverdes perdido, naturalmente, toda confiança
nele. Portanto, afim de uma vez mais descobrirdes vosso instinto puro, necessitais começar a verificar como vossos
pensamentos e sentimentos estão condicionados pelo medo e por causa da
imitação; e, no verdadeiramente defrontar essas limitações, impostas pela
sociedade e pela religião, pelos múltiplos padrões e ideais, dareis liberdade à
inteligência natural que é a
intuição, a qual é verdadeiro instinto.
O que estou dizendo não é de modo
algum filosófico, nem tampouco é o pensamento ocidental ou oriental expresso de
modo a acomodar-se às mentes modernas; isto porque, para mim, a filosofia, um
sistema de pensar, somente limita a liberdade de sentir e produz a
conformidade, que é uma imitação. Não estou de modo algum oferecendo-vos uma panaceia
para as doenças atuais do mundo, nem dando-vos um sistema mediante o qual
possais encontrar a felicidade.
No mundo inteiro todos buscam a
felicidade, a felicidade que perdura, porém uma tal felicidade não se encontra
pela conformidade, seja de que espécie for. A conformidade, que é imitação,
principia na infância, por meio da educação, pelo choque com a sociedade e com
as circunstâncias externas. Por esse modo tendeis a fazer que vossos
pensamentos e sentimentos correspondam à opinião pública e se tornem subservientes
às ideias religiosas e às autoridades espirituais. Se refletirdes sobre
qualquer religião ou filosofia, nela encontrareis um método estatuído mediante
o qual podeis chegar à realização da verdade ou Deus. Tudo que fazeis é conformar-vos,
imitar e forçar vosso pensar e sentir segundo o molde determinado desse
sistema, e por essa maneira apenas vos tornais dentes de engrenagem numa
máquina social ou religiosa. Todo o edifício da civilização moderna se acha
baseado inteiramente na conformidade e ajustamento a padrões que foram estatuídos
por uma autoridade, a autoridade da opinião pública ou de um instrutor
espiritual. E o que se dá com religião, sociedade e ideias, dá-se com a
educação; a conformidade contínua resulta na sufocação do pensamento
individual.
O que acontece na vida atual?
Tendes uma experiência, tal como a morte ou a falência num negócio ou uma
grande desilusão, e esta experiência vos faz sofrer forçando-vos a pensar. Em
face do conflito, da confusão e da desgraça, rompeis com a conformidade, com a
imitação, na qual reside a insinceridade, a falsidade, e começais a pensar por
vós próprios, acrescentando assim o conflito. Ora, quando isto acontece, que é
que fazeis? Buscais uma maneira de sobrepujar este conflito, para vencer essa
tristeza, não por compreender-lhe a causa, porém sim procurando uma evasão, e estabeleceis
um ideal, esperando por meio desse ideal esquecer o conflito.
Assim, da conformidade,
desperteis para o conflito, escapais para a satisfação, a qual mais uma vez é
limitação, e assim vos amarrais a este processo de contínua fuga do presente,
no qual unicamente está a imortalidade. Eu digo que há entendimento no
presente, não no conformar-se à memória do passado ou na persecução de um ideal
para o futuro, porém sim, no contínuo apercebimento que revela todos os
conflitos. Vós compreendeis fazendo face aos vossos conflitos, não tentando
deles escapar. Fazer-lhes frente é tornar-se apercebido de que o sofrimento
existirá enquanto houver a persecução do anseio. É na intensidade do viver no
presente, sem o embaraço da conformidade ou da fuga, que advêm um êxtase, uma
perpétua felicidade que para mim é a beatitude da verdade.
Krishnamurti, palestra pelo rádio em 1932