Pergunta: Haveis dito que “ser”, não implica vir, como um exército sob
uma direção qualquer, a um mundo de “caos”. Aplicar-se-á isto às situações
práticas criadas pela vida diária? Por exemplo: o alivio de uma calamidade tal
como o incêndio, a fome, etc., ou de abusos como a pena de morte, a escravidão,
a tortura e o extermínio de animais selvagens por divertimento, por moda, etc.?
Podem tais fatos ser dados como exemplo para indivíduos isolados cujas ações
somente são percebidas por aqueles que imediatamente os rodeiam?
Krishnamurti: Certamente
que não. Não me haveis compreendido se aplicais aquilo que eu digo em um
sentido tão estreito, tão limitado. Por estardes incertos, duvidosos, por vos
sentirdes torturados, tateando, por não conhecerdes o propósito da existência
individual, apenas criais um caos maior. Muitas pessoas cheias de incerteza
atuando em conjunto não podem criar por esse modo a certeza. Isto é o que todos
vós estais fazendo. Se, porém, vierdes em grupo, como indivíduos inteligentes,
entendendo plenamente o propósito da vida, então, mediante a vossa força
integral — pelo fato de vos haverdes expurgado desses desejos decorrentes da
moda, do acumulo de coisas, da cobiça, que são qualidades sub-humanas — quando
aqui vos reunirdes atuareis com intenção pura. Isto não implica esperardes até
haverdes chegado à meta. Não desentendais a ideia da vida. Não é o mesmo que
chegar a uma estação, subitamente entrando nela. Chega-se à verdade pela
continua seleção, pelo esforço contínuo, pelo contínuo ajuste, pela observação
constante. Esta reunião podeis realiza-la em qualquer ocasião. Aqui vos reunis
ano após ano. Por que não agis por maneira amistosa uns para com os outros,
amistosamente, não no sentido da mera-cordialidade, — que não é senão a polidez
que a sociedade exige — e sim, na da amizade real, animada de descortino
realmente impessoal? Porque todos vos encontrais torturados pela incerteza,
todos vós duvidais e com toda a razão.
Para a extinção de incêndios é
preciso que haja uma corporação de pessoas. Isto não exige certeza. Podeis destruir
uma forma de crueldade, tal como a da aquisição de peles para a moda e assim
por diante; se, porém, a crueldade existir em vosso coração, vós a apresentareis
sob uma outra modalidade. Podeis ser muito bondosos para com os animais e
desmedidamente maus para com o vosso próximo. É fácil ser bom para os animais;
se os amardes eles correspondem ao vosso afeto. Porém um ser humano é entidade
aparte: ele pode repelir o vosso amor, pode fazer coisas contrárias as vossas
ideias, portanto, vós o conservais à distância. Conheço muitas pessoas que não
podem suportar seres humanos, e porém, amam a Natureza, amam os animais. Fazem
isto porque, naturalmente lhes é muito mais fácil.
Vossa bondade superficial não tem
valor, se existir a crueldade em vossas mentes e corações, se houver cobiça de
posses ou de distinções em espiritualidade. Todas essas coisas são ilusões vãs.
Se realmente estiverdes vivendo de modo impessoal, sem estar condicionados por
um objeto qualquer, conhecereis a verdadeira felicidade. Um tal homem será
bondoso para com todos os seres, sem
ter em vista se eles são seus vizinhos ou se são estrangeiros. Então cessará a
guerra e cessará a explosão. Assim, pois a questão importante é esta: Haveis
vós, como indivíduos, expulsado completamente a crueldade de vossos corações?
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 1 de agosto de 1930