Pelas perguntas que me têm sido
feitas por todo o mundo, verificar-se-á quão poucas pessoas realmente desejam
compreender e atingir a verdadeira liberdade da vida. Fazem citações de antigas
escrituras e de autoridades eruditas e colocam-me em confronto com elas,
imaginando por esse modo haverem posto em solução seus próprios problemas. Porém,
aqueles que quiserem compreender a vida, precisam de procurar a verdade fora
desses muros tradicionais, longe dos ditames dos antigos, por eruditos, por
sábios que possam ser.
Meu ensino não é místico nem
oculto, pois sustento que tanto o misticismo como o ocultismo são limitações do
homem postas à verdade. A vida é mais importante do que quaisquer crenças ou
dogmas e, para se permitir à vida a sua plena fruição, tendes que libertá-la
das crenças, da autoridade e da tradição. Aqueles, porém, que estão ligados por
essas coisas, encontrarão dificuldade no entender a verdade.
Minhas respostas a todas as
perguntas que me foram feitas não se acham baseadas na autoridade de livros
eruditos, em opiniões já firmadas. Encontrei a libertação e entrei nesse reino
onde existe a eterna felicidade e por isso quisera ajudar a outros a
compreenderem as coisas sob este ponto de vista.
Assim como eu estou liberto de
tradições e crenças, quisera libertar a outras pessoas dessas mesmas crenças,
dogmas, credos e religiões que condicionam a vida. É somente sob esse ponto de
vista que eu falo e não pelo desejo de infiltrar uma nova doutrina ou de impor
uma nova autoridade. Por ter fugido a toda a limitação, é meu desejo libertar a
todos os homens.
Não sou oráculo para solver todos
os problemas. Quero fazer que as pessoas pensem por si mesmas. Desejo que
duvidem das próprias coisas que têm por mais caras e preciosas, de modo a, após
haverem feito convite à duvida, somente aquilo que seja de valor eterno
permaneça.
Pergunta: Que provas podem ser apresentadas a uma alma de haver passado
por certas experiências ou estágios?
Krishnamurti: Não pode
haver prova a não ser a própria experiência. Se uma vez vos houverdes queimado,
não mais necessitareis de provas para saber que o fogo queima. Tereis a
capacidade de reter o conhecimento que a queimadura vos trouxe. Se uma
experiência vos advier e não houverdes colhido todas as suas lições, tendes que
novamente passar por ela. Ninguém vos pode dar prova de que haveis passado por
ela senão vós mesmos.
Pergunta: Dizeis que não devemos buscar conforto. Qual é, pois, vossa
ideia a respeito da compaixão?
Krishnamurti: Tendes buscado
o conforto por tantos anos, por tantas gerações, por tantos séculos, e haveis
encontrado assim o afeto perdurável? Se não haveis encontrado esse entendimento
que é perdurável, deixai de lado o conforto e não mais vos abrigueis à sua
sombra. Para possuirdes real compaixão deveis assemelhar-vos a um médico, um
grande cirurgião que conhece o perigo de uma moléstia e deseja cortá-la pelo
seu entendimento. Quão felizes serieis se eu vos proporcionasse mais abrigos,
mais conforto! Vós me fazeis esta pergunta porque em vossa mente e coração
imaginais que eu estou falando à compaixão. Amigo, a verdade não é compaixão e
nem ódio — é todas as coisas.
A verdade é cruel para a treva;
onde quer que exista entendimento ela proporciona compaixão, desabrocha como
uma flor desabotoa abrindo sua glória para a luz. Vós quereríeis antes um
médico que momentaneamente vos curasse as vossas dores, do que um cirurgião que
destruísse a causa de vossa doença. Preferiríeis de muito um propinador de
confortos para o vosso pequeno entendimento, antes do que alguém que destruísse
todos os vossos confortos e vos mostrasse o caminho para essa eterna compaixão
que é a verdade. Pelo fato de haverdes tomado abrigo nos confortos da
decadência, os confortos que podem ser destruídos em tempos de tristeza, ides
para outros abrigos, para outras moradas onde reside a treva e o engano; e
rejeitais a quem vos quisera levar para o ar livre e para as frescas brisas,
que vos hão de proporcionar a verdade perdurável, que é o entendimento da vida.
Krishnamurti, 1930