Durante anos, no passado, haveis
vindo ao Acampamento e a estas Reuniões que precedem o Acampamento, ou com
muitas ideias confusas. De todas as partes do mundo um enorme corpo de pessoas
se havia reunido em redor de certa outra pessoa. Essa grande corporação que
havia sido organizada, foi pelo mesmo modo dissolvida. Desde que haviam sido
atraídas por uma personalidade, antes do que por uma realidade central, dessa ampla corporação de pessoas um número cada
vez maior desertará naturalmente e cada vez em menor número se concentrarão
aqueles que lhe prestem plena atenção. Não vos digo isto como uma ameaça. É
natural que seja assim. Somente haverá uns poucos concentrados que darão
voluntariamente suas vidas inteiras, seu entusiasmo todo, todo o seu interesse,
a essa coisa única, a qual eles reconhecem como sendo a força central, dinâmica
na vida.
A esta realidade não se chega
pela razão, mas pela experiência. Quando ela se atinge pela estrada da
experiência, há um contínuo ajuste, um constante localizar do pensamento e da
emoção, um constante separar do não-essencial. Ora, no que a mim pessoalmente
concerne, realizei isto, porém é muito difícil descrever aquilo que é somente
realizável. É, naturalmente, sutil, pois que é o conjunto da vida. Podemos discuti-lo,
podemos disseca-lo, podemos reduzi-lo a pedaços; porém essa realidade central
que, para mim, é absoluta e ilimitada, dela somente podemos acercar-nos
mediante o desejo de compreender com afeto. Vós, porém, de tal vos deveríeis aproximar
com desprendimento, no que concerne à pessoa que está falando, como às vossas
próprias ilusões.
Ora, toda a vez que há luta
contra a ignorância, a qual é a mistura do essencial e do não-essencial, e
quando quer que exista luta contra a limitação da emoção, do pensamento e da
razão, advém, por meio dessa luta, a descoberta da individualidade — o sentido
da separatividade desperta, pois que este não existe na Natureza inconsciente,
porém, somente no homem que se apercebe de sua luta contra a ignorância, contra
a limitação. Portanto, no homem existe por esse fato, essa dualidade do “tu” e
do “eu”. Quando vós, como indivíduo que conhece a
separação, houverdes vencido a separação, toda a ilusão cessará. Nesse conflito
da individualidade desperta que conhece a separação nessa luta, nesse embate,
tem que haver engano, pois que o engano é criado por meio do desejo de
conforto.
O desejo de conforto é a
resultante do medo. Quando vos achais amedrontados, buscais abrigo ao conflito
com a vida e procurais amoldar a vossa conduta — e, portanto, à vós próprios —
segundo um padrão, uma amostra, um sistema. Um outro engano é ainda pela
continuidade de nossa individualidade e as inúmeras questões que surgem dessa
ânsia: unir-nos-emos após a morte aos seres amados? Que acontece a quem morre?
Continuar-se-á a existir e não se voltará em um outro corpo? E se assim é, por
qual maneira? Estas coisas não são mais que a ânsia pela continuação de nossa
individualidade no tempo. Toda a vez que há ilusão, há busca de conforto,
busca em prol da persistência da existência individual.
Precisa-se chegar à verificação
de que este apegar-se às pessoas pelo desejo, aos desdobramentos de nossa
própria personalidade, à continuidade do “eu”, é um engano; e quando se houver
feito isto, em seu lugar nascerá a fé. Por fé, não entendo eu, fé em outra
pessoa, por altamente evoluída, por superior que ela seja, porém sim fé na realidade que existe dentro de nós mesmos. Isto
é o que eu chamo verdadeira fé, a verificação de que dentro de vós reside a
potencialidade do conjunto e que a vossa tarefa é alcançar, e chegar a essa
realidade. Quando possuirdes uma tal fé, então haverá certeza do propósito
individual, o anseio concentrado de estar unido à totalidade na qual não existe
separação, na qual não há distinção de “objeto” e “sujeito”. Disto provém o
apercebimento, o constante acautelamento que é a concentração em tudo quanto
estiverdes fazendo. Mais tarde, este apercebimento tornar-se-á espontâneo; pois
que é o vosso próprio desejo que continuamente vos estará impelindo a purificar
a vossa conduta cada vez mais e, para este fim, a purificar as vossas emoções e o vosso pensamento. Será o vosso próprio
desejo surgindo de um claro entendimento do propósito da vida individual.
A conduta que nasce da pureza da
emoção, do pensamento e do entendimento intuitivo, não embaraçará, não atuará
como uma gaiola, porém sim como um instrumento de realização. A conduta é a
maneira de viver, o caminho para essa suprema, serena realidade, a qual cada um
— em quem a vida é potente, posto que mantida em cativeiro — tem de realizar.
Para isto não é necessário haver discussões sobre metafísica.
Onde quer que haja tristeza, essa
tristeza será a resultante da luta para distinguir o essencial e o
não-essencial. Apercebemo-nos da felicidade, da dor e do prazer; e em nos
ajustarmos a nós mesmos a esta variante contínua de mutações, está a tristeza.
Assim, surge daí o desejo de combater a tristeza, de fugir à tristeza, e de
tratar a tristeza como sendo uma coisa terrível; ao passo que tristeza e prazer
são ambas o solo onde se cresce, no qual vos é possível
diminuir esse sentimento de separatividade — que representa o verdadeiro
crescimento.
Em cada qual deve nascer esta fé
proveniente da certeza. Ela não se produz por meio da razão, porém sim, pelo
contínuo esquadrinhar, pela experiência, impelida pelo desejo em sua busca pela
realidade última. Como frequentemente o tenho dito, a realização espiritual é
para todos, pois que esta realidade existe dentro de cada um. Não obstante, são
somente uns poucos os que podem se concentrar, os que a todo o instante podem
estar apercebidos, ajustando-se a si mesmos com vigilância contínua e com
infatigável seleção sobre o que é essencial e que, assim, chegam a realizar
cada vez mais essa existência isenta de esforço, esse ser sem esforço que é
sereno, supremo.
Krishnamurti em Reunião de Verão, 25 de julho de 1930