Tenho estado a cogitar sobre o porquê
a ideia da verdade se apresenta tão complicada à mente da maioria das pessoas.
A verdade, em si mesma, é a essência da simplicidade.
Porém, dá-se que cada qual se
aproxima da Verdade a partir do ponto de vista de seus próprios gostos e
desgostos, a partir de seu ponto de vista pessoal, e por essa maneira, atribui
à verdade certas qualidades definidas que foi a própria pessoa quem
desenvolveu. O místico atribui à verdade as qualidades místicas que alcançou e
o ocultista vê a verdade somente em coisas não visíveis para os olhos físicos.
Se, porém, tiverdes a verdade como não possuindo qualquer das qualidades
definidas da mente humana, verificareis que ela, em absoluto, não pode ter
facetas. É semelhante a uma joia. A beleza da joia reside nela mesma e não nas
facetas que nela recortais. Podem elas adornar a joia, porém a beleza da joia
está na joia, não nas facetas.
Para mim, a verdade não tem
facetas. Não tem lados múltiplos. A multiplicidade de aspectos existe somente
quando contemplais a verdade do exterior, não quando dentro dela estais formados.
Quando estiverdes vivendo nessa realidade, nessa verdade, as facetas não mais
existem. Pois que então, olhareis para ela a partir do interior para o exterior
e não do exterior para o interior. Assim, pois, apegai-vos a ideia de que a
verdade não possui multiplicidade de aspectos, embora possais expressá-la de
muitas maneiras — que ela é, em sua quintessência, uma. Se duas pessoas
pintarem a mesma cena na tela, não encontrareis unidade nas pinturas; se,
porém, forem além de mera expressão existente sobre a tela, encontrareis aquilo
que ambas se tenham esforçado por expressar. A verdade é o todo, no qual tudo
está consumado e estabelecido, em o qual tudo perdura. Por isso é que eu sustentei
e sustento ainda que a verdade é um país
para onde não há caminhos e se dela vos aproximardes por um caminho especial,
estareis criando divisões nascidas do engano. Acomodais a verdade às
conveniências do vosso progresso. A verdade, para mim, é vida, a vida de tudo,
desde o mais elevado ao mais baixo, tanto o animado como o inanimado. Posto que
a vida se expresse em uma árvore, em um homem, em uma flor, em um pássaro no voo,
ainda que as expressões da vida possam estar divididas, no entanto a vida não
tem divisão. Quando houverdes descoberto essa vida dentro de vós mesmos, quando
vos unirdes a essa vida, sabereis que ela não possui facetas especiais, que não
tem multiplicidade de aspectos. Ela é a totalidade, a consumação de todas as
experiências, de todas as facetas.
Assim, pois, se encarardes a
verdade, a vida, deste ponto de vista, assimilareis todas as expressões dela
por meio de experiência e assim chegareis a essa simplicidade que é a
espiritualidade verdadeira. Por simplicidade não entendo eu a simplicidade da
rudeza, da vulgaridade, porém, a simplicidade que é a quintessência de todo o
pensamento, de toda a emoção — que brota da origem de todas as coisas. Quando
tocais essa origem, sois essa simplicidade, sois essa vida. A simplicidade é
beleza e grandeza. Todas as coisas grandes possuem essa qualidade da simplicidade,
a qual é apenas um processo de assimilação contínua e de contínua eliminação,
até que tenhais chegado à plena realização dessa verdade que é vida, na qual
não há divisão de partes múltiplas, nem distinção de muitas facetas. Estas são
apenas ilusões da mente ignorante. Assim, pois, tendes que vir à Verdade com
plena simplicidade da grande experiência, e então podeis discernir as
qualidades refinadoras da verdade por todo o mundo, seja qual for a maneira
pela qual ela se expresse. Vós sereis parte dessa Verdade. Então, não
dividireis a vida em misticismo ou ocultismo, em Puritanismo ou Catolicismo
Romano, em beleza e feiura. A Verdade está no conjunto e o reconhecimento disso
exige completa naturalidade, essa naturalidade que se acha desprovida de todas
as qualidades sub-humanas, na qual existe espontaneidade de ação, de pensamento
e emoção, pelo fato de haverdes tocado a pura fonte das coisas todas. Se assim
encarardes a verdade e por ela tiverdes amor em si mesma, por ser ela
simplicidade, então estabelecereis dentro de vosso coração e mente essa
realidade que é a resultante do ser positivo, desprovido de todo apego, de toda
dúvida, de toda a incerteza, de todo o argumentar sobre o que é bem e, o que é
mal. Quando houverdes tocado essa fonte da realidade, sereis semelhantes ao
deserto — vasto, ilimitado e indiviso.
Como disse outro dia, é pelo perquirir,
pela vigilância continuada, pelo observar, que chegais à plena realização
daquilo de que falo. Assim, pois, necessitais
perguntar, precisais reduzir a
pedaços as coisas, afim de lhes encontrardes o significado e não meramente
viver sentimentalmente em uma crença vaga. Chega-se à verdade mediante um
processo de exame contínuo, de contínuo ajuste e seleção. A verdade é muito
dura se ser abordada; porém uma mente determinada e um coração positivo, cheios
de grande afeto, podem assimilá-la e podem atingir a tranquilidade perdurável e
a serenidade do ser.
Krishnamurti em Acampamento da estrela de Ommen, 4 de agosto de 1930
(Camp Fire)