Não me preocupo com a invenção de novas teorias, de novas filosofias, de novos sistemas ou combinações destas coisas — porém integralmente com ideias, pensamentos e sentimentos que possam ser vividos — que devem ser vividos. Achei aquilo que, para mim, ´absoluta certeza, aquilo que, para mim, é a realidade absoluta — não a relativa, porém a absoluta. Quero, portanto, demonstrar que aquelas ideias por mim encontradas podem ser vividas por todos e precisam ser vividas por todos. Elas não são para os especialmente privilegiados. A perfeição não é uma excentricidade, porém uma coisa natural. É o resultado do esforço constante, da constante vigilância, apercebimento, auto-recolhimento. É a resultante do continuo focalizar dos nossos esforços na direção dessa realidade que não pode ser afetada por nenhumas circunstâncias exteriores, por nenhumas externas autoridades, por quaisquer influências, tristezas ou prazeres externos.
Se concordais com aquilo que vos estou dizendo, deveríeis fazer um esforço para vos desembaraçardes de todas as circunstâncias externas.
Aquilo que eu atingi, precisa ser atingido por todos. Não é privilégio de uns poucos, é a flor de toda a humanidade, do mundo dos mortais. Assim como cada qual no mundo é colhido pela roda do tempo, do espaço, do sofrimento, da tristeza, da dor, do prazer, do desejo que todos se retirem dessa roda, a roda do transitório, do não-essencial, do irreal, do ilusório, e mediante este retirar estabeleçam por si mesmos uma certeza absoluta que não possa ser contestada.
A maioria de vós tem-me escutado durante três anos consecutivos e, apesar disso ainda não podem sustentar sua opinião com segurança seja contra quem for. Estais incertos, não sabeis se o que vos digo é real. Quanto ao que a mim se refere, apenas citais aquilo que eu digo — se o fazeis ou não com acerto, é coisa de pouco valor. Não vos podereis manter firmes perante os outros sem estremecer, enquanto não conquistardes essa certeza, enquanto não sentirdes que haveis obtido êxito, enquanto não souberdes que o que vos estou dizendo é a realidade e em virtude de vos haverdes tornado fortes. É isto, porém, que desejo que façais. Não pretendo pessoas que meramente concordem com aquilo que eu digo. Porém, se concordais, então deveis fazê-lo tão imediatamente, que vos oponhais a tudo mais, que sejais uma chama que tudo mais destrua. Tendes que ser ou uma coisa ou a outra, não podeis permanecer neutros. Se fordes essa chama, então vosso ser inteiro, vosso semblante, vossa atitude, vosso afeto, vossos pensamentos, vosso ambiente psíquico, tudo , em vós, deverá ser a expressão deste fato. Se, porém, não concordais, ide-vos embora, e sede contra com tanta violência como serieis a favor. É assim que eu entendo as coisas, porque, o caminho que ides trilhando não produz coisa alguma. De que me serve a vossa concordância? De nada! Até que ponto haveis modificado a gente do exterior, até que ponto haveis alterado as vossas próprias circunstâncias, as vossas próprias vidas? Vossa concordância não produziu mudança alguma e, portanto, na realidade não concordais. Achai-vos tão atemorizados, como as pessoas ordinárias, sois tão fracos, tão timoratos, quanto às superstições, autoridades, convencionalismo como os de fora. Vossa concordância não produziu homens fortes, gente indiferente a tudo, porém segura de sua própria força.
Pois não deves? Não podeis ter ambas as coisas, não podeis ser cultuadores de uma imagem e ao mesmo tempo falar de liberdade; não podeis ser adoradores de quadros e a despeito disso falar da realidade. Não podeis ser escravos e ao mesmo tempo falar da emancipação que vem da interna certeza, do verdadeiro entendimento que nasce da pesquisa. Não podeis ser aderentes a sistemas e ao mesmo tempo falar da verdade de toda a vida. Deveis ser ou uma coisa, ou a outra; sede quentes ou frios. Se fordes quentes então precisais incinerar todas as coisas externas, destruir todas as ervas daninhas, as superstições, os temores, os deuses, as irrealidades, as coisas não-essenciais da vida. Se fordes frios, então deixai de parte o que vos estou dizendo, sede egoístas, estreitos, temíveis.
Por favor não alimenteis temores a este respeito. Certificai-vos de uma coisa ou de outra. Não há vantagem em a todo instante estar a esforçar-se para alcançar uma coisa e depois de a ter obtido, deturpá-la para a adaptar a outra. Não a podereis torcer, não podereis conciliar as duas, a antiga e a nova. Por esse meio só criais maiores tristezas, maiores desentendimentos, maiores lutas.
Não me estou esforçando para vos estimular a uma coisa ou à outra:
Não me importa se concordais ou não comigo. Oportunamente hei de encontrar uns poucos, um, dois, ou meia dúzia será o bastante — tão sinceros neste assunto que lutem contra o mundo inteiro.
Portanto, não importa que concordeis comigo ou não — oportunamente haveis de concordar. Se não for agora, fa-lo-eis dentro de uma centena de milhões de anos. Pois eu falo daquilo que é a flor do mundo, a fragrância, a formosura de toda a humanidade.
Não pretendo hipnotizar-vos, quero, que vós próprios vejais com clareza.
Não podeis ao mesmo tempo pertencer à luz e às trevas, à certeza e à incerteza, ao essencial e ao não-essencial. Se vossos pensamentos, vossas emoções, vossas ideias pertencerem ao domínio do transitório, então, jamais encontrareis aquilo de que vos estou falando. Para descobrirdes se tais coisas as sementes que hão de produzir a flor do eterno, tendes que passar por um processo de eliminação, de completo desapego, de todas as coisas que houverdes adquirido.
Vossas ideias não tem suas raízes no eterno, porque ainda não haveis descoberto aquilo que é eterno. Uma vez que o tenhais descoberto, vosso ideal naturalmente tomará a forma dessa imortalidade dessa certeza de que falo.
Falo acerca dessa vida que é a vida de todos, que é mutante e imutável, constante e variável, à qual todo o ser humano, todas as vidas individuais no mundo tem de chegar, pois que a imperfeição cria a individualidade; e a perfeição que é a Vida, que é a Verdade — absoluta, não a relativa, não a condicionada — a Verdade não tem caminhos. O oceano recebe todos os rios. Um rio pode atravessar um país, outro rio passar por outro, experimentando diferentes climas nutrindo árvores diversas, diferentes raças, tipos de pessoas diversas, ou correr através das areias desertas: e contudo todos eles vão para o mesmo mar. Semelhante ao Oceano, sem caminhos, sem rotas fixas é a Verdade.
A Vida é livre, incondicionada, ilimitável e, para atingi-la, é preciso não trilhar um caminho qualquer que ele seja, limitado, restrito. Pois a Verdade é o todo e não a parte. A ela não podereis chegar com mentes não adestradas, apenas meio evoluídas e com semi-evoluídas emoções pois que ela é a perfeita harmonia, o perfeito equilíbrio da mente e do coração, que é Vida. Todo o homem, toda a mulher, toda a coisa na vida está buscando, esmiuçando, lutando, na tristeza, na dor e no êxtase, impôs essa liberdade que não pode ser perturbada que é a perfeição, o preenchimento de toda a vida.
Necessitais ser livres. Não deveis pertencer a Deus algum, a religião, à seita alguma; não vos inclineis ante autoridade alguma, passada ou presente, pois toda a autoridade é destrutiva.
Se a vossa mente e o vosso coração estiverem estrangulados pelo culto, pela prece, pelo medo, pela incerteza, então vossas ideias não poderão ter sua raiz no eterno, nessa imortalidade que é perfeição. Destacai-vos de todas essas coisas. Atentai, eu tenho em vista significar exatamente tudo o que eu digo; não vos afasteis depois dizendo: "Ele não quer dizer exatamente isto; ele quer dizer que devemos trabalhar por esta igreja particular ou por esta particular religião ou coisa". Isso são desculpas em vista de não poderdes encontrar aquilo que é real. Sois escravos de todas essas coisas, viveis à sua sombra; e como pois podereis entender a luz do sol? Ninguém vos pode levar para o sol, a não ser que o façais por vós próprios. É bem infantil o falar em salvação por intermédio de outrem. Ninguém vos pode salvar. Vós próprios tendes que fazer o esforço formidável para sair da sombra. Se nela permanecerdes, então dizei: "Agito-me nas trevas e nelas me regozijo". Tendes pleno direito a fazer isso. Se, porém, quiserdes gozar da luz, da sua claridade, da sua pureza, da sua serenidade, então tendes que sair da treva.
Krishnamurti, 11 de julho de 1929, Reunião de Verão no Castelo de Eerde