Esta manhã quero repassar o meu
assunto na integra, por uma forma condensada, de modo que, se usardes vossa
mais acurada inteligência, não haverá possibilidade de desentendimento. É muito
difícil penetrar a ilusão das palavras. Muitos de vós, aqui, entendem inglês e
muitos outros não; porém, mesmo aqueles que entendem inglês, interpretarão as
palavras a seu talante e aí é onde reside a dificuldade. Desejara que, fosse
possível inventar uma nova linguagem! Por favor, prestai-me a vossa atenção
inteligente, analisai, criticai e assentai vossas resoluções. Ou o que eu digo
é inteiramente falso ou é integralmente verdadeiro. Se é falso, então todos vós
deveis derrubá-lo, destruí-lo. Se é verdadeiro, tudo mais deve ser posto de
lado pois que a Verdade não pode coexistir,
não pode ser colocada ao lado da mentira. A Verdade e a mentira não podem morar juntas. Meu propósito esta
manhã é tornar a mim mesmo perfeitamente claro, afim de serdes capazes de
verificar se o que eu digo é verdadeiro. Se o for, então deveis proclamá-lo do
telhado das casa, deveis vive-lo, deve ser a coisa única que para vós tenha
importância. Se, porém, for falso, não sejais transigentes, por debilidade —
lançai-vos à sua destruição. Deveis ser integralmente pela verdade, ou
inteiramente contra ela, não podeis condescender. Não podereis construir por
qualquer outra maneira. Não podeis permanecer na sombra e adorar o sol; tendes
que sair da sombra e deleitar-vos ao sol, regozijai-vos em sua pureza, afim de
que vós próprios vos torneis puros, perfeitos, incorruptíveis. Não podeis
transigir, pois que a Verdade não reside em esperanças mortas.
Na mente da maioria dos que me
escutam, existe uma inclinação a acreditarem que aquilo que eu digo é puramente
destrutivo, e, daí, negativo, que a todo o instante estou derrubando e que,
como nada coloco no lugar daquilo que derrubo, não sou construtivo. O que digo
não é construtivo nem destrutivo, porque eu falo da Vida e na Vida não há nem
destruição nem construção. É insensato o que dividir a Vida em destrutiva e
criativa. Quando, porém, digo que certas coisas, são infantis, desnecessárias,
insensatas, não essenciais, falsas, é porque desejo tornar clara a coisa única essencial, nítida,
positiva, evidente, distinta. De vós, somente, portanto, de todo o indivíduo é
que depende a destruição e a reconstrução. No próprio processo de derrubar
estais construindo. É isto que todos vós não apercebeis. Logo que vos tenhais
afastado de todas as coisas infantis, fúteis, triviais, dentro de vós começa a
crescer essa certeza constante, que é a verdadeira medida do vosso
entendimento. Assim, pois, não é questão de destruição, porém, antes, de desejo
de descobrir por vós próprios o verdadeiro valor, o verdadeiro significado, o
verdadeiro propósito da Vida. Para este descobrirdes, necessitais deixar de
lado toda a coisa de pequeno valor, pois que de outro modo vossa mente
perverter-se-á, vosso julgamento torcer-se-á.
Assim como o rio tem de ir para o
mar, tem que vaguear por muitas terras, propelido pelo grande volume das águas
que se acham por detrás, assim deve todo o indivíduo, pela sua própria
experiência, pelas suas próprias lutas, êxtases e regozijos, entrar nesse mar,
que é ilimitado, sem fim, imensurável, que é a própria Eternidade. O mar não
pode entrar no rio; o rio é muito pequeno, muito limitado. Assim, é o rio que
tem de ir para o mar. De maneira semelhante atingi eu. Todos os vossos cultos,
os vossos temores, as vossas ansiedades, as vossas ambições me fremiram, todas
as vossas esperanças, os vossos gurus,
os vossos discipulados me retiveram, porém, somente pondo de lado tudo isso é
que encontrei. Tendes que vir a esta
Verdade sem fardos, imaculados. A ela não podeis vir com mente prejudicada e
ideias preconcebidas, com falsas esperanças, falsos temores, ambições e glória
pessoal. Pondo de lado todas as coisas que eu tinha por glória antes, achei aquilo que é eterno, incondicionado,
que é a própria Verdade; rompendo inteiramente com o passado rudemente, dentro de mim mesmo,
encontrei aquilo que é perpétuo, que não é passado nem futuro, que não tem
começo nem fim, que é Eterno. Tendo por esse meio encontrado aquilo que é
perdurável — e não existem outros meios — quisera dar aos outros deste
entendimento.
Que é, portanto, que todos vós, que
aqui vos reunis, ano após ano estais buscando? Por favor, quando faço esta
pergunta aplicai a vós mesmos, não a deixeis passar adiante. Que é que todos
estais buscando? Por que assistis a estes Acampamentos? Para gozar o prazer do
encontro? Para passardes alguns dias juntos com aqueles que durante um ano
inteiro não havíeis visto? Para condescenderdes com vossas mesquinhas paixões?
Para ouvir palavras de conforto? Para vos tornardes certos em vossas crenças
duvidosas? Que é que estais buscando? Que é que cada qual de vós deseja? Eu vos
direi o que desejais — não o que vós desejais individualmente, porém, o que o
mundo está buscando.
A ignorância não tem começo nem
fim, e cada qual de vós está buscando acabar com essa ignorância, pois que a
ignorância é uma limitação e causa de tristeza. Estar desapercebido do eu é
ignorância, e o conhecimento é entender o eu plenamente. A ignorância é a entre
mescla do falso e do real. Estando incertos, estando duvidoso, não estais
seguros do que é falso, do que é essencial e do que é transitório, do que é
amargo e do que é doce. O saberdes o que é verdadeiro, saberdes o que é falso,
o reconhecerdes a verdade no verdadeiro e a falsidade no falso, é esse o
verdadeiro conhecimento do eu. Este conhecimento do eu não cria barreiras nem
limitações e, daí, proporciona felicidade perdurável. Por vós mesmos estais
buscando o poder de destruir todas as limitações que foram colocadas sobre vós
mesmos e para por esse meio atingir a
liberdade que é felicidade. O quer que seja que conduza à liberdade, ao
equilíbrio, à infindável, à ilimitada vastidão da Vida, — leva essencialmente à
Verdade. O quer
que seja que atue como uma muleta, que leve a repousar em outrem, é falso, e
não conduz à Verdade. Assim, a entre mescla do verdadeiro ( que é a
escolha do essencial que vos liberta) e o falso (que coloca sobre vós a
limitação e portanto vos liga) à ignorância. As falsidades, as coisas não
essenciais, as infantilidades, as fraquezas de que dependeis, os temores que
abrigais em vosso coração, não vos podem levar à liberdade, portanto, são
falsos, são limitações que têm de ser postas de lado.
Esta luta para discernir entre o
que é real e o que é falso, entre o que é escravidão e o que é liberdade, entre
o que é desgraça e o que é felicidade, esta luta, esta dor, esta batalha
constante prosseguem dentro de cada um. É este problema que precisais prestar
atenção, dar-lhe vossa concentração e não às coisas triviais criadas pelo
homem, não às formas criadas pela vida pervertida. Elas existem, porém são de pequena importância. Aquilo com
que vos deveis preocupar é o como e de que modo haveis de distinguir por vós
próprio, sem a autoridade de outrem, aquilo que é verdadeiro e aquilo que é
falso. Quando por vós mesmos houverdes decidido, não mais deveis brincar,
deveis firmemente ser por uma coisa ou pela outra. Não pode haver transigência,
pois que a
transigência não pode ter lugar na espiritualidade.
Que é isso pelo qual todos no
mundo lutam, tateiam, combatem, clamam? É o assegurarem-se por si mesmos, por
si mesmos saberem, eternamente, adquirir essa paz interior que não pode ser
perturbada, seja pelo falso, seja pelo verdadeiro. Isto é o que todos estão
buscando e é a isto que tendes que dedicar as vossas mentes, os vossos
corações, a vossa inteira concentração. Eu vos digo que a maneira única pela
qual o podeis encontrar, é como eu o encontrei, deixando de lado todas as coisas triviais
— cultos, gurus, temores, caminhos, tudo — para descobrir essa coisa única. Se quiserdes esta
felicidade, tendes que agir de modo semelhante. Não vos estou compelindo a
fazê-lo. Não deve ser a minha autoridade que vos compila. É pelo fato de serdes
infelizes, por vossas faces estarem sombreadas pela desgraça, por haver em vós
lágrimas, e riso limitado pela tristeza, que precisais buscar.
Existem dois elementos em todo o
ser humano — isto não é dogma nem filosofia ou teoria — um eterno, outro
progressivo. Deveis preocupar-vos com transformar o progressivo no eterno. Em
todo o ser humano, em cada um de vós existe este eu progressivo que está
lutando, lutando para avançar para aquilo que é imensurável, ilimitado, eterno.
No tornar este eu progressivo incorruptível pela união com aquilo que é eterno
em vós, reside a aquisição da Verdade. Estou dividindo o eu em eterno e
progressivo, puramente para fins de explanação,
não o traduzias, portanto, com outras palavras, fazendo disto uma teoria, um
dogma, um sistema complicado daí tirado, por esse modo destruindo aquilo que
estais buscando. Todo o processo da existência consiste em mudar o progressivo
no eterno. O eu progressivo que existe em limitação, criada por ele mesmo, é a
causa da tristeza. O eu progressivo, por ser pequeno, por escolher o que não é
essencial, o falso, o limitado, está continuamente criando barreiras. Este eu
progressivo está continuamente afirmando a si mesmo e esta afirmação existirá, deve existir enquanto não se der a
referida união com o eterno.
Este eu progressivo está sempre
buscando essa eternidade que não é a eternidade do indivíduo, porém a do todo,
que não se limita a indivíduos, porém que é a consumação de toda a vida, tanto
individual como universal. O eu progressivo acha-se em processo de avanço, a
todo o instante está subindo, por meio da luta, pela destruição das barreiras,
e nesse avanço, nessa ascensão, ele por meio de sua autoafirmação, está criando
ecos. Esses ecos a elel voltam sob a forma de tristeza, dor e prazer. Esta autoafirmação
do eu progressivo existirá sempre e deve existir, até que vos tenhais tornado
um só com o eterno. A própria existência, isto é, a vida que levais, é autoafirmação
do eu progressivo e esta mesma autoafirmação na limitação cria tristeza, e esta
tristeza perverte o vosso julgamento, complica a vossa vida. Constantemente
sois desviados por coisas que não têm valor, por coisas que não são essenciais,
por coisas que colocam uma limitação maior em vossa busca. Se vossa pesquisa
não for continuamente vigiada, guiada, auxiliada, encorajada, sois colhidos
pelas coisas triviais, absurdas e infantis. Portanto, uma vez mais vos digo que
não podeis escapar a essa autoafirmação que é a causa da tristeza, porém esta
autoafirmação pode ser tornada tão vasta, que se torne ilimitada. Porque,
aquilo que perceberdes, isso desejais. Vosso desejo é transformado por aquilo
que desejardes. Se vossa percepção for estreita, limitada, então vossos desejos
serão pequenos. Porém se vossa percepção da vida for ilimitada, vasta ,
íntegra, completa, então vosso desejo torna-se íntegro, vasto, ilimitado.
A autoafirmação do “EU” que não
tem tristeza, é independente do tempo. O presente, o imediato agora passa
sempre para o passado. A partir do momento que tenhais feito qualquer coisa,
ela já é passada, pertence ao passado, está morta. Toda a ação feita no
presente, transforma-se instantaneamente no passado, e a esse passado pertence
tudo que houverdes compreendido desse eu progressivo. Seja o que for que
tenhais compreendido, que tenhais dominado, conquistado, já passou, está morto,
acabou. Tudo que houverdes compreendido e conquistado, dominado, leva-vos para
mais perto desse futuro que é o AGORA. A esse passado que é o sempre mutante
presente, pertencem o nascimento, a aquisição, a renúncia, e todas as
qualidades que houverdes desenvolvido. A partir do momento que tenhais
entendido algo do eu progressivo, já passou, já finalizou, pertence ao passado.
Está morto, é pó, nada permanece dele a não ser o estardes mais próximos da
eternidade.
Sendo o presente o sempre-mutante
passado, fica o futuro, para o qual olhais com tanto deleite, com tantas
esperanças, com uma variante de anseios, em que criais teorias, filosofias
inúmeras, que têm muito pouco importância, porque, como vo-los demonstrarei, o futuro não é real. A esse futuro, que
é o mistério para o qual olhais com tal deleite, a esse futuro, pertence o que remanesce
do eu progressivo não solvido. O quer que não tenhais solvido do eu
progressivo, é um mistério e, nesse mistério sereis colhidos. Este é o futuro,
porque este é o mistério do eu que não haveis conquistado, que não haveis
ganhando, atingido, solvido. Assi9m, permanece ele um mistério. Ao mistério do
futuro, que é o “Eu” não solvido, pertence a morte, de que tanto vos
atemorizais. Imediatamente compreendereis que não há nascimento nem morte. O
quer que fica para ser entendido, não chegou a um fim. O que não chegou a um
fim, é um mistério, e, nesse mistério colocais a morte. Pelo fato de a não
entenderdes, ela pertence a essa porção não absorvida do “Eu” e desse mistério
insolúvel provém o medo — medo da morte, medo dos embaraços do amor (amor que
não é retribuído, ciúme, inveja), temor da solidão, temor da amizade, temor de
tudo que pertence ao futuro e pertence ao “Eu”. Não deveríeis buscar essa
felicidade que desejais, nem no futuro, nem no passado, porém no agora. De que
serve vir a ser feliz daqui a dez anos? De que vos serve virdes a estar rodeado
de camaradagem, de amizades, daqui a dez anos se estais agora solitários, se
cada momento vos cria lágrimas, tristeza, miséria? Quando estais famintos,
quereis satisfazer vossa fome imediatamente, agora.
Para solver o mistério do “Eu”
não solvido, o mistério do ser, não podeis olhar para o futuro, porque o
futuro, se não o houverdes solvido, é infindável; é contínuo. Porém, para o
homem que compreende, a solução está no ponto onde o passado, o presente e o
futuro se encontram, que é o AGORA.
A partir do momento que tenhais compreendido, não existe mais mistério.
A eternidade que o eu progressivo
está buscando não está no passado, nem no futuro. Se não está no passado nem no
futuro, está no agora. AGORA, é o momento da eternidade. Quando a este
entenderdes, tereis transcendido todas as leis, todas as limitações, carma e
reencarnação. Estas leis, posto que sejam fatos, não terão mais valor, pelo
fato de estardes vivendo no eterno.
Não podeis solver vosso problemas
no futuro; vossos temores, vossas ansiedades, vossas ambições, vossas mortes e
nascimentos, não podem ser solvidas, seja no futuro seja no passado, vós a
tendes de solver AGORA. Deveis preocupar-vos, não se haveis de ser corruptíveis
ou incorruptíveis no futuro, porém com o serdes incorruptíveis AGORA, porque é
agora que vos achais em contato com a tristeza e não no futuro. Deveis tornar
esse eu progressivo, incorruptível, forte, íntegro, completo, no imediato
AGORA, que é o momento da eternidade.
Como nada deveríeis ter, quer com
o passado, quer com o futuro (temo que tenhais,
porém não importa), precisaríeis concentrar integralmente vossa atenção,
focalizar toda a ação, todo o pensamento na direção da incorruptibilidade da
mente e do coração, pois que é aí a sede do eu. A partir do momento que sejais
incorruptível, sereis uma luz e não projetareis mais sombra, de modo que toda a
felicidade, todo o regozijo estará concentrado em vós; então verdadeiramente
podereis ajudar, e dar luz àqueles que vos rodeiam e estão em treva.
Para viverdes neste AGORA imediato, que é
eternidade, precisais afastar-vos de todas as coisas tristes que pertencem ao
passado, ou ao futuro. Vossas esperanças mortas, vossas falsas teorias, vossos
deuses, tudo deve ir-se e tendes que
viver — plenamente concentrados nesse momento do tempo, nesse AGORA que não é
nem o futuro nem o passado, que não está distante nem perto, esse AGORA que é a
harmonia da razão e do amor.
Este AGORA é Verdade, porque nele
está a consumação integral da vida. Morar neste AGORA é verdadeira criação,
pois criação é equilíbrio. Ela é absoluta, incondicionada, é a consumação de
toda a vida. Se quiserdes morar nessa eternidade que é o agora, tendes que não
olhar nem para o futuro nem para o passado, porém, com o desejo de tomardes
esse eu progressivo, incorruptível, livre, incondicionado, deveis viver
concentrados, focalizados, acurados, em toda a ação, em todo pensamento, em
todo o amor. Pois que o AGORA existe onde quer que estejais; este AGORA habita
em cada um, integral, completo, incondicionado. É esta eternidade que o eu
progressivo, encadeado pela limitação que é tristeza, está sempre buscando.
Krishnamurti, 6 de agosto de 1929, Acampamento de Ommen – Palestra
Matinal