Amigos, penso que cada um de nós
está aprisionado seja num problema religioso seja numa luta social ou num
conflito econômico. Cada um de nós está a sofrer pela falta de compreensão
destes variados problemas, e tentamos resolver cada um deles por si; isto é, se
têm um problema religioso, pensam que o vão resolver pondo de lado o problema econômico
ou social e centrando-se inteiramente no problema religioso, ou se têm um
problema econômico pensam que vão resolver esse problema econômico limitando-se
inteiramente a esse conflito específico. Ao passo que eu digo que não podem
resolver estes problemas por si sós; não podem resolver o problema religioso
por si só, nem o problema econômico nem o problema social, a menos que vejam a inter-relação
entre os problemas religiosos, sociais e econômicos.
Aquilo a que chamamos problemas
são meramente sintomas, que aumentam e se multiplicam porque não agarramos a
vida toda como uma coisa só, mas dividimo-la em problemas econômicos, sociais
ou religiosos. Se olharem para todas as variadas soluções que são oferecidas
para os vários padecimentos, verão que lidam com os problemas em separado, em
compartimentos estanques, e não tomam os problemas religiosos, sociais e econômicos
compreensivamente como um todo. Ora é minha intenção mostrar que enquanto
lidarmos com estes problemas em separado apenas aumentamos o desentendimento, e
portanto o conflito, e desse modo o sofrimento e a dor; até que lidemos com o
problema social e com os problemas religiosos e econômicos como um todo
compreensivo, não dividido, mas de preferência vendo a ligação delicada e
subtil entre aquilo que chamamos problemas religiosos, sociais ou econômicos –
até que vejam esta ligação real, esta ligação íntima e subtil entre os três,
seja qual for o problema que possam ter, não o vão resolver. Apenas
incrementarão a luta. Embora possamos pensar que resolvemos um problema, esse
problema surge novamente de uma forma diferente, e assim vamos através da vida
resolvendo problema após problema, luta após luta, sem compreender totalmente o
pleno significado do nosso viver.
Portanto, para compreender esta
ligação íntima entre aquilo a que chamamos problemas religiosos, sociais e econômicos,
tem que haver uma completa reorientação do pensamento – isto é, cada indivíduo
tem que deixar de ser uma peça de engrenagem, uma máquina, seja na estrutura
social seja na religiosa. Olhem e verão que a maior parte dos seres humanos são
escravos, meras peças de engrenagem nesta máquina. Não são realmente seres
humanos, apenas reagem a um meio estabelecido e por isso não existe verdadeira ação
individual, pensamento individual; e para descobrir essa relação íntima entre
todas as nossas ações, religiosas, políticas ou sociais, têm que pensar como
indivíduos, não como um grupo, não como um corpo coletivo; e essa é uma das
coisas mais difíceis de fazer, que os indivíduos saiam da sua estrutura social,
ou religiosa, e a examinem com espírito crítico, para descobrir o que é falso e
o que é verdadeiro nessa estrutura. E então verão que já não estão preocupados
com um sintoma, mas estão a tentar descobrir a causa do próprio problema, e não
apenas a lidar com os sintomas.
Talvez alguns de vocês digam no
fim da minha palestra que nada lhes dei de positivo, nada em que possam
claramente trabalhar, um sistema que possam seguir. Eu não tenho nenhum
sistema. Penso que os sistemas são perniciosos, porque podem de momento aliviar
os problemas, mas se simplesmente seguirem um sistema são escravos dele. Apenas
substituem o velho sistema por um novo, o que não origina compreensão. O que origina
compreensão não é procurar um novo sistema, mas sim descobrirem por si
próprios, como indivíduos, não como uma máquina coletiva mas como indivíduos, o
que é falso e o que é verdadeiro no sistema existente, e não substituir o velho
sistema por um novo.
Ora, ser capaz de criticar, ser
capaz de questionar, é o primeiro requisito essencial para qualquer homem
pensante, para que possa começar a descobrir o que é falso e o que é verdadeiro
no sistema existente, e por esse motivo nesse pensamento há ação, e não mera
aceitação. Assim durante esta palestra, se quiserem compreender o que vou
dizer, tem que haver espírito crítico. O espírito crítico é essencial. O
questionamento é correto, mas nós fomos treinados para não questionar, para não
criticar, fomos cuidadosamente treinados para nos opormos. Por exemplo, se eu
disser algo que não vão gostar – como o farei, espero – naturalmente começarão
a opor-se, porque a oposição é mais fácil do que descobrir se o que digo tem
algum valor. Se descobrirem que o que eu digo tem valor, então há ação, e por
isso terão que alterar toda a vossa atitude perante a vida. Por esse motivo,
como não estamos preparados para fazer isso, criamos uma hábil técnica de
oposição. Isto é, se não gostarem de qualquer coisa que estou a dizer,
apresentam todos os vossos preconceitos profundamente enraizados e obstruem-na,
e se eu estiver a dizer algo que os possa magoar, ou que os possa aborrecer
emocionalmente, refugiam-se nestes preconceitos, nestas tradições, neste pano
de fundo; e reagem a partir desse pano de fundo, e a essa reação chamam
crítica. Para mim não é espírito crítico. É apenas oposição habilidosa, que não
tem valor.
Ora bem, se forem todos Cristãos
– e presumivelmente são todos Cristãos – talvez eu vá dizer algo que podem não
compreender, e em vez de tentarem descobrir o que quero transmitir,
imediatamente se refugiarão por trás das tradições, por trás dos preconceitos
profundamente enraizados e das autoridades da ordem estabelecida, e a partir
dessa fortaleza, na defensiva, atacarão. Para mim isso não é crítica: isso é
uma maneira engenhosa de não atuar, de evitar a ação plena, completa.
Se quiserem entender o que vou
dizer, pedia-lhes que fossem realmente críticos, não habilidosos na vossa
oposição. Ser crítico requer muita inteligência. A crítica não é cepticismo, ou
aceitação; isso seria igualmente estúpido. Se simplesmente dissessem, “Bem, eu
sou céptico sobre o que diz”, isso seria tão estúpido como simplesmente
aceitar. Ao passo que a verdadeira crítica consiste, não em transmitir valores,
mas em tentar descobrir os verdadeiros valores. Não é assim? Se conferirem
valores às coisas, se a mente conferir valores, então não estão a descobrir o
mérito intrínseco da coisa, e a maior parte das nossas mentes está treinada
para conferir valores. O dinheiro, por exemplo. Abstratamente o dinheiro não
tem valor. Tem o valor que lhe damos. Isto é, se quiserem o poder que o
dinheiro dá, então usam o dinheiro para ter poder, portanto estão a dar um
valor a algo que inerentemente não tem valor; assim, da mesma maneira, se
descobrirem e compreenderem o que vou dizer, têm que ter esta capacidade de
crítica, que é realmente fácil se quiserem descobrir, se quiserem encontrar,
não se disserem, “Bem, não quero ser atacado. Estou na defensiva. Tenho tudo o
que quero, estou perfeitamente satisfeito.” Então, uma tal atitude é
perfeitamente irremediável. Estão então aqui apenas por curiosidade – e a
maioria provavelmente está – e o que eu vou dizer não terá significado, e por
isso dirão que é negativo, nada construtivo, nada positivo.
Portanto por favor lembrem-se que
esta tarde vamos descobrir, considerar em conjunto, quais são as coisas falsas
e as verdadeiras na situação social e religiosa existente; e para fazer isso
por favor não tragam continuamente os vossos preconceitos, sejam Cristãos, ou
de qualquer outra seita, mas tenham antes esta atitude inteligente e crítica,
não só a respeito do que vou dizer, mas com respeito a tudo na vida, o que
significa a cessação da procura de novos sistemas, e não a procura de um novo
sistema que, quando encontrado, será de novo pervertido, corrompido. Na
descoberta do falso e do verdadeiro nos sistemas social, religioso e econômico
– o falso e o verdadeiro que nós próprios criamos – nessa descoberta, impediremos
as nossas mentes e corações de criar falsos ambientes nos quais provavelmente a
mente será de novo aprisionada.
A maior parte de vocês está à
procura de um novo sistema de pensamento, um novo sistema de economia, um novo
sistema de filosofia religiosa. Porque procuram um novo sistema? Vocês dizem,
“Estou insatisfeito com o antigo”, isto é, se estiverem a procurar. Ora eu
digo, não procurem um novo sistema, mas em vez disso examinem o próprio sistema
em que estão presos, e então verão que nenhum sistema de nenhuma espécie
originará a inteligência criativa que é essencial para a compreensão da verdade
ou Deus ou seja lá qual for o nome que gostam de lhe dar. Isso significa que
não seguindo qualquer sistema vão descobrir a realidade eterna; mas só a vão encontrar
quando vocês, como indivíduos, começarem a compreender o próprio sistema que
edificaram através dos séculos, e nesse sistema descobrirem o que é verdadeiro
e o que é falso.
Portanto por favor lembrem-se
disso – que não lhes estou a dar um novo sistema de filosofia. Penso que estes
sistemas são gaiolas para manter presa a mente. Não ajudam o homem, são apenas
impedimentos. Estes sistemas são um meio de exploração. Ao passo que se vocês,
como indivíduos, começarem a questionar, verão que nesse questionamento criam
conflito, e a partir desse conflito compreenderão – não na mera aceitação de um
novo sistema que é apenas outro soporífero que os adormece e os transforma em
mais uma máquina.
Vamos portanto descobrir o falso
e o verdadeiro nos sistemas existentes – os sistemas da religião e da
sociologia. Para descobrir o que é falso e o que é verdadeiro, temos de ver em
que se baseiam as religiões. Ora, eu falo de religião como a forma cristalizada
de pensamento que se tornou no mais elevado ideal da comunidade. Espero que
acompanhem tudo isto. Isto é, as religiões tal como são, não como vocês
gostariam que fossem. Tal como são, em que se baseiam? Qual é o seu fundamento?
Quando olham, quando examinam e pensam realmente com espírito crítico sobre
isso – não trazendo as vossas esperanças e preconceitos, mas quando realmente
pensam sobre isso – verão que se baseiam no conforto, dando-lhes consolo quando
estão a sofrer. Isto é, a mente humana está continuamente à procura de
segurança, de uma posição de certeza, seja numa crença ou num ideal ou num
conceito, e portanto estão continuamente a procurar uma certeza, uma segurança,
em que a mente se refugie como conforto. Ora o que acontece quando estão
continuamente à procura de segurança, proteção, certeza? Naturalmente isso gera
medo, e quando há medo tem que haver conformidade. Por favor, não tenho tempo
de entrar em detalhes. Fá-lo-ei nas minhas várias palestras, mas nesta quero
pôr tudo concisamente, e se estiverem interessados podem ponderar sobre isto, e
depois podemos discuti-lo em reuniões de perguntas e respostas.
Portanto as pretensas religiões
conferem o padrão de conformidade à mente que procura segurança nascida do medo
na busca de conforto; e onde há procura de conforto, não há compreensão. As
nossas religiões em todo o mundo, no seu desejo de dar conforto, no seu desejo
de os conduzir a um padrão específico, de os moldar, dá-lhes vários padrões,
moldes, seguranças, através daquilo a que chamam fé. Essa é uma das coisas que
exigem – fé. Por favor não interpretem mal. Não se adiantem a mim. Elas exigem
fé, e vocês aceitam a fé porque ela lhes proporciona um refúgio do conflito da
existência diária, da luta contínua, das preocupações, dores e sofrimentos.
Portanto dessa fé, que tem que ser uma fé dogmática, nascem as igrejas, e daí
são estabelecidas ideias, crenças.
Ora para mim – e por favor
lembrem-se disto, quero que critiquem, não que aceitem – para mim todas as
crenças, todos os ideais são um obstáculo porque os impedem de compreender o
presente. Vocês dizem que as crenças, os ideais, a fé, são necessários como um
farol que os orientará através da confusão da vida. Isto é, estão mais
interessados em crenças, em tradição, em ideais e na fé, do que em compreender
a própria confusão. Para compreenderem a confusão não podem ter uma crença, um
preconceito; têm que olhar para ela completamente, agarrá-la com uma mente
clara, com uma mente não corrompida, não com uma mente que está influenciada
por preconceitos específicos a que chamamos um ideal. Portanto onde há uma
procura de conforto, de segurança, tem que haver um padrão, um molde, no qual
nos refugiamos, e por isso a preconceber o que deve ser Deus, e o que deve ser
a verdade.
Ora para mim, existe uma
realidade viva. Existe algo que devém eternamente, algo fundamental, real,
duradouro, mas que não pode ser preconcebido; não requer crenças, requer uma
mente que não esteja acorrentada a um ideal tal como um animal está atado a um
poste, mas que pelo contrário, requer uma mente que esteja continuamente a
mover-se, a experimentar, nunca permanecendo. Eu afirmo que há uma realidade
viva; chamem-lhe Deus, verdade, o que quiserem, coisa que é de muito pouca
importância – e para compreenderem isso, é preciso haver suprema inteligência,
e por isso não pode haver qualquer conformidade, mas antes o questionamento
dessas coisas falsas e verdadeiras em que a mente se encontra aprisionada. E
verão que a maior parte das pessoas, a maior parte de vocês são religiosamente
propensos, estão à procura da verdade, e essa mesma procura indica que estão a
fugir do conflito do presente, ou que estão insatisfeitos com a situação
presente. Por isso tentam descobrir o que é real; isto é, deixam a situação que
cria conflito e fogem e tentam descobrir o que é Deus, o que é a verdade. Por isso
essa procura é a negação da verdade, porque estão a fugir – há evasão, desejo
de conforto, de segurança. Por isso, quando as religiões se baseiam, como o
fazem, na oferta de seguranças, tem que haver exploração; e para mim as
religiões tal como são subsistem em nada mais do que numa séria de explorações.
Aquilo a que chamamos os mediadores entre o nosso presente conflito e essa
suposta realidade tornaram-se os nossos exploradores, e eles são os sacerdotes,
os mestres, os professores, os salvadores; porque eu afirmo que só através da
compreensão do conflito presente com todo o seu significado, com todas os seus
delicados matizes – só assim podem descobrir o que é real, e ninguém os pode
conduzir a isso.
Se ambos, o inquiridor e o
professor, soubessem o que é a verdade, então ambos poderiam ir na sua direção;
mas o discípulo não pode saber o que é a verdade. Por isso a sua inquirição
sobre a verdade só pode existir no conflito, não longe dele, e assim, para mim,
qualquer professor que descreva o que é a verdade, o que é Deus, está a negar
isso mesmo, esse algo incomensurável que não pode ser medido por palavras. A
ilusão das palavras não lhes dá segurança, e a ponte das palavras não os pode
conduzir a esse algo. É somente quando vocês, como indivíduos, se começarem a
aperceber no conflito imenso, da causa, e por consequência da falsidade desse
conflito, que descobrirão o que é a verdade. Ali existe a felicidade eterna, a
inteligência; mas não nesta coisa espúria chamada espiritualidade que é apenas
uma conformidade, conduzida pela autoridade através do medo. Eu afirmo que
existe algo extremamente real, infinito; mas para o descobrir o homem não deve
ser uma máquina imitativa, e as nossas religiões não são nada mais que isso. E
além disso, as nossas religiões em todo o mundo mantêm as pessoas separadas.
Isto é, vocês com os vossos preconceitos específicos, autodenominando-se
Cristãos, e os Indianos com as suas crenças específicas, autodenominando-se
Hindus, nunca se encontram. As vossas crenças mantêm-nos separados. As vossas
religiões estão a mantê-los separados. “Mas”, dizem vocês, “se os Hindus
pudessem ao menos tornar-se Cristãos, então haveria uma unidade”, ou os Hindus
dizem, “Deixemos que se tornem todos Hindus.” Mesmo então há divisão, porque a
crença necessita de uma divisão, uma distinção, e por esse motivo a exploração
e a luta contínua da diferença de classes.
Dizemos que as religiões unem.
Pelo contrário. Olhem para o mundo fraccionado em seitas pequenas e tacanhas,
lutando umas contra as outras para aumentar o seu número de membros, a sua
riqueza, as suas posições, as suas autoridades, pensando que elas são a
verdade. Só há uma verdade, mas não podem chegar a ela através de nenhuma
seita, através de nenhuma religião. Para descobrir o que é verdade na religião,
e o que é falso, não podem ser uma máquina; não podem aceitar as coisas como
elas são. Fá-lo-ão se estiverem satisfeitos, e se estão satisfeitos não me
ouvirão, e a minha palestra será inútil. Mas se estão insatisfeitos
ajudá-los-ei a questionar corretamente, e desse questionamento descobrirão o
que é a verdade, e nessa descoberta do que é verdadeiro descobrirão como viver
amplamente, completamente, extaticamente; não com esta constante luta,
batalhando contra tudo para vossa própria segurança, à qual chamam virtude.
Mais uma vez, este medo que é
criado através da procura de segurança, procura refúgio na sociedade. A
sociedade nada mais é que a expressão do individual multiplicada por milhares.
Afinal, a sociedade não é uma coisa misteriosa. É o que vocês são. É premente,
controladora, dominadora, tortuosa. A sociedade é a expressão do indivíduo.
Esta sociedade oferece segurança através da tradição, a que chamamos opinião
pública. Isto é, a opinião pública diz que possuir, possuir bens, é perfeitamente
ético, moral, e dá-lhes distinção neste mundo, confere-lhes honras; vocês são
pessoas notáveis neste mundo. É isso que, tradicionalmente, é aceite. É essa a
opinião que criaram como indivíduos, porque é isso que vocês procuram. Todos
vocês querem ser alguém no estado, seja Sir Qualquer Coisa ou Lord, e todo o
resto, como vocês sabem, que se baseia na possessividade, nas posses; e isso
tornou-se moral, verdadeiro, bom, perfeitamente cristão, ou perfeitamente
hindu. É a mesma coisa. Ora nós chamamos a isso moralidade. Chamamos moralidade
ao ajustamento a um padrão. Por favor, não estou a pregar o contrário disso.
Estou a mostrar-lhes a falsidade disso, e se quiserem descobrir atuarão, não
procurarão o reverso. Isto é, vocês consideram as posses, já sejam a vossa
mulher, os vossos filhos, os vossos bens, vocês consideram isso perfeitamente
moral. Agora suponham que tinha nascido uma outra sociedade em que as posses
fossem más, onde esta ideia de possessividade fosse eticamente proibida – que
entrasse na vossa mentalidade como a possessividade entra agora pelas
circunstâncias, pela situação, pela opinião. Então a moralidade perde todo o
seu significado, a moralidade é então uma mera conveniência. Não a percepção correta
das coisas, mas o engenhoso ajuste às circunstâncias – a que chamam moralidade.
Suponham que querem, como indivíduos, não ser possessivos, vejam o que têm que
combater! Todo o sistema da sociedade não é senão possessividade. Se o
compreendessem e não fossem levados pelas circunstâncias que não são chamadas
morais, então vocês, como indivíduos, teriam que começar a afastar-se desse
sistema voluntariamente, e não teriam que ser levados como cordeiros a aceitar
a moralidade da não-possessividade.
Atualmente são forçados quer
gostem quer não, quer pensem que é sensato ou não; são forçados pelas
situações, pelo meio que criaram, porque são ainda possessivos, e agora talvez
apareça um outro sistema que os leve ao oposto – a ser não-possessivos.
Certamente não é moralidade; é apenas timidez ser forçado pelo meio a ser
possessivo ou não-possessivo. Ao passo que, para mim, a verdadeira moralidade
consiste em compreender totalmente o absurdo da possessividade e combatê-la
voluntariamente; e não ser conduzido de uma maneira ou de outra.
Agora, se olharem, esta sociedade
está baseada na consciência de classes que é mais uma vez a consciência da
segurança. Da mesma maneira que as crenças se tornam em religiões, também as
posses se tornam na expressão da nacionalidade. Da mesma maneira que as crenças
separam as pessoas, condicionam as pessoas, mantêm-nas separadas, também a
possessividade, expressando-se como consciência de classes e tornando-se em
nacionalidade, mantém as pessoas separadas. Isto é, toda a nacionalidade se
baseia na exploração da maioria pela minoria para seu próprio benefício através
dos meios de produção. Essa nacionalidade, através do instrumento do
patriotismo, é um processo de guerra. Todas as nacionalidades, todos os países
soberanos, têm que se preparar para a guerra; é o seu dever, e não adianta
serem pacifistas e ao mesmo tempo falar de patriotismo. Não podem falar de
fraternidade, e depois falar sobre Cristianismo, porque isso nega-a; não mais
aqui que na Índia, ou em qualquer outro país. Na Índia podem falar sobre
Hinduísmo e dizer que somos um só, que toda a humanidade é uma só. São apenas
palavras – hipocrisia.
Portanto todas as nacionalidades
são um processo de guerra. Quando falava na Índia, disseram-me (presentemente
os Hindus estão a travessar uma fase dessa doença do nacionalismo), “Olhemos
primeiro pelo nosso país porque há tanta gente a morrer de fome; depois podemos
falar sobre a unidade da humanidade”, que é a mesma coisa de que falam aqui.
“Protejamo-nos e depois falaremos sobre unidade, fraternidade, e todo os
resto.” Ora, se a Índia está realmente preocupada com o problema da fome, ou se
vocês estão realmente preocupados com o problema do desemprego, não podem lidar
apenas com o problema de desemprego da Nova Zelândia; é um problema humano, não
um problema de um grupo específico chamado Nova Zelândia. Não podem resolver o
problema da fome como um problema Indiano, ou como um problema Chinês, ou o
problema do desemprego como um problema Inglês, ou Alemão, ou Americano, ou
Australásio, mas têm que lidar como ele como um todo; e só podem lidar com ele
como um todo quando não forem nacionalistas, e não forem explorados através do
processo de patriotismo. Vocês não são patriotas todas as manhãs quando
acordam. Só são patriotas quando os papéis dizem que têm que o ser, porque têm
que conquistar o vosso próximo. Somos por isso bárbaros, e não os que invadem o
vosso país. O bárbaro é o patriota. Para ele o seu país é mais importante que a
humanidade, que o homem; e eu digo-vos que não resolverão os vossos problemas,
este problema econômico e de nacionalidade, enquanto forem Novo Zelandeses. Só
o resolverão quando forem seres humanos verdadeiros, livres dos preconceitos
nacionalistas, quando deixarem de ser possessivos, e quando a vossa mente não
estiver dividida pelas crenças. Então poderá haver verdadeira unidade humana, e
então o problema da fome, o problema do desemprego, o problema da guerra,
desaparecerá, porque vocês considerarão a humanidade como um todo e não como
algum povo específico que quer explorar outro povo.
Veem portanto o que está a
dividir o homem, o que está a destruir a verdadeira glória de viver na qual,
unicamente, podem encontrar essa realidade viva, essa imortalidade, esse êxtase;
mas para a encontrar têm que ser em primeiro lugar indivíduos. Isso significa
que têm que começar a compreender, e por consequência a agir, para descobrir o
que é falso no sistema existente, e assim, como indivíduos, formarão um núcleo.
Não podem alterar as massas. O que são as massas? Vocês próprios multiplicados.
Esperam que as massas atuem, esperando que por algum milagre haja uma mudança
completa do dia para a noite, porque não pensam, não querem agir. Enquanto esta
atitude de espera existir, haverá cada vez maior luta, cada vez mais
sofrimento, falta de compreensão; a vida torna-se uma tragédia, algo sem valor.
Ao passo que, se vocês, como indivíduos, agirem voluntariamente porque querem
compreender e descobrir, então tornar-se-ão responsáveis, então não se tornarão
reformadores, então haverá uma mudança completa, não baseada na possessividade,
nas distinções, mas na verdadeira humanidade na qual há afeto, há pensamento, e
por isso um êxtase de viver.
Auckland, Nova Zelândia - 1ª palestra 28 de março, 1934.