“Se quiser realmente conhecer um homem, dê-lhe autoridade.” — Provérbio
Algumas famílias escolhem – aleatoriamente – um filho, apenas um, para ser o “tutor” da família. A partir desse recrutamento os esforços desse filho não mais serão dirigidos para suas necessidades de criança, mas sim para ações adultas destinadas a unir, proteger e estabilizar a família desajustada. Os meninos educados desse modo receberam, de alguns psicólogos, o nome “Personalidade Atlas” – deus grego condenado a suportar o céu nos ombros para impedi-lo de amassar a Terra.
Os estudos mostram que muitas dessas famílias são dominadas por uma mãe poderosa, egocêntrica, emocionalmente instável e pronta para xingar e explodir sob qualquer pretexto. Estas mães têm sido diagnosticadas pelos psiquiatras como possuidoras de um transtorno de personalidade ”limítrofe” (borderline), onde se inclui a irritação, impulsividade, tentativas de suicídio, autolesão, sentimento crônico de vazio, pavor de ser abandonada, além de terem um sentido da realidade diferente do das outras pessoas. Essas mães esperam, e exigem, que o resto da família aceite e apoie seu ponto de vista acerca de tudo o que ocorre à sua volta. Só ela tem razão, os outros estão sempre errados. Responde com explosões de ira às frustrações e decepções e, quase sempre, acusa os familiares ou parentes de fazerem “pouco caso” dela.
É nesse ninho disfuncional que desenvolve o filho, ou filha, destinado a suportar, apaziguar e resolver as misérias e “loucuras” ali exibidas a todo momento. Sua resposta precisa ser rápida e capaz de pôr fim às exigências extravagantes da mãe egocêntrica e possessa. A culpa da vida desestruturada e sem objetivo dos pais é colocada no infeliz e tolerante filho escolhido. Ele é forçado a participar e tomar partido nas brigas tolas dos pais: em qual programa a TV deve estar ligada, ou quanto tempo cada um deve ficar no banheiro.
O filho altruísta, nessas ocasiões, é acusado por ambos de estar tomando o lado de um ou de outro deles. Este sofredor deverá ouvir as histórias chatas dos pais, consolá-los com palavras vazias e adocicadas, franzir a testa e mudar o tom de voz para demonstrar preocupação com as queixas acerca da saúde, da estabilidade e da sobrevivência deles. Como guardião da imagem da família falida, o escolhido, ainda muito cedo, deve se engajar em atividades designadas para eliminar, camuflar ou, no mínimo, diminuir os danos exibidos pela família. Muitos desses pais exigem sua ajuda em situações delicadas como tomar a responsabilidade em falcatruas e obrigar um dos irmãos a tomar decisões cruciais.
Geralmente a escolha é feita cedo. Pouco a pouco esse filho passa a exercer o papel de “pai e mãe” da família, participando dos diversos problemas que seriam próprios dos progenitores. Ele opina acerca do que a mãe terá de fazer ao descobrir que o pai tem uma amante, a cuidar do alcoolismo da mãe. Esse papel é exercido com frequência pelas crianças cujas mães são alcoólatras. É esse filho que vai buscar soluções para pagar as dívidas da família, opinar e decidir se os pais devem ou não se separar, ou, ainda, se devem voltar a morar juntos. Alguns pais consultam o filho acerca de terem ou não mais um filho, ou se seria melhor praticar um aborto. Também esse infeliz poderá dizer ao pai, inventando uma mentira, que sua mãe foi fazer compras, quando esta, de fato, estava com o namorado.
Muito cedo aprendem a cozinhar, limpar, comprar e cuidar dos irmãos mais novos, inclusive impedindo-os de ver a mãe cambalear ou desmaiar. Fazendo o papel de “mãe” da mãe, elas ajudam-na a comer, fazer sua higiene ou a ir-se deitar. Com o tempo, essa tarefa passa a ser realizada rotineiramente. Além de cuidar dos pais, essa criança mantém em segredo as informações negativas da família. Estas “escolhidas”, olhadas externamente, são elogiadas pelos pais, parentes e amigos, percebidas como perfeitas, cooperativas e “devotadas” aos pais. Isso as anima a continuar nesse caminho ingrato.
A criança escolhida para ser o “provedor”, pode exercer também a função de “esposo substituto” para o cônjuge desesperançado, solitário e infeliz. Caberá a ela fornecer ao cônjuge o apoio emocional e companhia que deveria vir do outro esposo. Para alguns autores essas crianças são vítimas de “incesto emocional”, uma forma séria de abuso por ser a criança seduzida a fazer um papel familiar que não compete a ela e nem é esperado culturalmente.
Altamente treinados para esse trabalho de ajuda, mais tarde esses “pacientes” preocupados e sensíveis aos problemas dos outros, não de si mesmo, provavelmente encontrarão outros exploradores e, explorados por esses, irão ocupar posições de responsabilidade, continuando a fazer o que aprenderam precocemente: ajudar as pessoas a qualquer preço. Casam-se, muitas vezes, com mulheres tendo o mesmo perfil de sua mãe e cuidam delas para sempre. Estes santos ou altruístas fanáticos, que viveram orientados pelos problemas alheios e não pelos próprios, morrerão, possivelmente infelizes e arrependidos, por não terem escolhido, há muito, um caminho diferente do trilhado.
Galeno Alvarenga
Galeno Alvarenga