A natureza dessa Realidade única é tal que só pode ser apreendida DIRETA e IMEDIATAMENTE pelos que decidiram preencher CERTAS CONDIÇÕES, tornando-se amantes, puros de coração e pobres de espírito. Por que essas coisas são assim? Não sabemos. Trata-se simplesmente de um desses fatos que precisamos aceitar, quer nos agrade quer não, e por mais implausíveis e improváveis que possam parecer. Em nossa experiência cotidiana nada nos dá motivo para supor que a água é feita de hidrogênio e oxigênio; e, todavia, quando a sujeitamos a certos tratamentos drásticos, torna-se manifesta a natureza dos seus elementos constituintes. De maneira semelhante, em nossa experiência cotidiana, nada nos autoriza a supor que a mente do homem sensual médio tenha, como um dos seus constituintes, algo que se pareça com a Realidade substancial do mundo múltiplo, ou seja idêntico a ela; e, todavia, quando submetemos essa mente a certos tratamentos vigorosos, o elemento divino, de que ela, pelo menos em parte, se compõe, torna-se manifesto, não só para a própria mente, mas também, pelo seu reflexo no comportamento externo, para outras mentes. Somente realizando experiências físicas podemos descobrir a natureza íntima da matéria e suas forças. E somente realizando experiências psicológicas e morais podemos descobrir a natureza íntima da mente e suas potencialidades. Nas circunstâncias comuns da vida sensual média tais potencialidades da mente permanecem latentes e não manifestas. Se quisermos compreendê-las, precisamos preencher condições e obedecer regras que a experiência mostrou empiricamente válidas."Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus".
Em relação a poucos filósofos e homens de letras profissionais existem testemunhos de que eles fizeram muita coisa no sentido de preencher as condições necessárias ao conhecimento espiritual direto. Quando poetas ou metafísicos discorrem sobre a filosofia perene, fazem-no geralmente de segunda mão. Mas em todas as épocas tem havido homens e mulheres que decidiram preencher as condições indispensáveis — e temos aqui uma questão de fato empírico bruto —, a posse de tal conhecimento imediato; e, dentre eles, uns poucos deixaram relatos da Realidade que puderam apreender e tentaram relacionar, num sistema abrangente de pensamento, os fatos dessa experiência com os fatos de suas outras experiências. A esses intérpretes de primeira mão da filosofia perene os que os conheceram têm dado geralmente o nome de "santo" ou "profeta", "sábio" ou "iluminado". E foi principalmente a eles, porque existem carradas de razões para supor que sabiam o que estavam falando, e não aos filósofos e homens de letras profissionais, que recorri em busca dos meus trechos seletos.
(...) É um fato, confirmado e reconfirmado em dois ou três mil anos de história religiosa, que a Realidade final só é clara e imediatamente apreendida pelos que se fizeram amantes, puros de coração e pobres de espírito. Nessas condições, não é muito de admirar que uma teologia baseada na experiência de pessoas amáveis, comuns, não-regeneradas, transmita convicção tão escassa. Esse tipo de teologia empírica encontra-se na mesma situação da astronomia empírica, baseada na experiência de observadores que contemplam o firmamento com a vista desarmada. A olho nu, o observador detectará uma manchazinha na constelação de Órion, e não há dúvida de que seria possível elaborar uma imponente teoria cosmológica estribada na observação dessa mancha. Entretanto, nenhuma soma de considerações teóricas desse gênero, por engenhosas que fosse, nos diria, a respeito das nebulosas galáxias e extragaláxias, mais do que o conhecimento direto obtido por meio de um bom telescópio, uma câmara escura e um espetroscópio. Da mesma forma, nenhuma quantidade de teorizações a respeito das indicações que se podem lobrigar obscuramente na experiência comum, não-regenerada do mundo múltiplo nos dirá tanto sobre a Realidade divina quanto pode apreender diretamente uma mente em estado de desapego, caridade e humildade. A ciência natural é empírica; mas não se limita à experiência de seres humanos em sua condição meramente humana e não-modificada. Só Deus sabe por que os teólogos empíricos devem sentir-se obrigados a sujeitarem-se a essa desvantagem. E está claro que, enquanto eles encerrarem a experiência empírica dentro desses limites demasiados humanos, estarão condenados à perpétua invalidação dos seus melhores esforços. Do material que lhes aprouve examinar, mente alguma, ainda que muitíssimo dotada, pode inferir mais que um conjunto de possibilidades, ou, na melhor das hipóteses, de probabilidades especiosas. Em virtude da própria natureza das coisas, a certeza autovalidante da consciência direta só pode ser lograda pelos que estão equipados com o "astrolábio moral dos mistérios de Deus". A melhor coisa que pode fazer, no campo da metafísica, quem não é sábio nem santo, é estudar as obras dos que o foram, e que, por haverem modificado o seu modo de ser meramente humano, foram capazes de uma qualidade e de uma soma de conhecimentos mais do que meramente humanos.
Aldous Huxley