É-nos familiar a mente
consciente, a atividade diária da ganância, competição, ciúme, inveja, o
desejar uma coisa e não desejar outra, a nossa luta incessante; mas os mesmos
impulsos encontram-se também nos níveis mais profundos, não é verdade? Pode-se,
pois, contar com o inconsciente para se realizar uma transformação radical? Se você
prestar atenção ao que estou dizendo e o seguir sem esforço, encontrará a
solução correta; e o descobrimento da solução correta é a revolução no centro.
Qual é o estado da mente quando não
há esforço algum, nem por parte do consciente nem do inconsciente? Existe,
então, um centro? Para a maioria de nós existe um centro, que é o “eu”,
o “ego”; e se esse centro se acha num nível superior ou inferior, isso não tem
grande importância. O centro é o “eu”, o instinto de aquisição, que se expressa
no possuir propriedades, no desejo de nos tornarmos melhores, de adquirir
virtudes, pelo controle, pela disciplina ou tudo o mais.
Temores, ansiedades, disposições
de ânimo, anseios, esperanças, fracassos, frustrações — tal é o centro que
conhecemos, não é verdade? E o fazer cessar completamente esse
centro, é a única revolução verdadeira; essa revolução, porém, não é possível por
meio de esforço por parte do consciente ou do inconsciente.
Pois bem. Quando percebemos tudo
isso, qual é o estado da nossa mente? Evidentemente, a primeira reação é um
sentimento de ansiedade, de temor, de desconhecimento do que vai acontecer.
O “eu”, o centro, que é uma acumulação
de inúmeras reações, inúmeras influências culturais, políticas e religiosas —
esse centro é que tem funcionado até agora; e se queremos que esse centro
desapareça de todo, para que a mente seja pura, incorruptível, única,
singular, a primeira reação por certo, é um tremendo sentimento de negação, de não-ser;
e pouquíssimos de nós somos capazes de suportar tal coisa, que significa olhar
de frente o que na realidade somos.
Por conseguinte, no centro existe
temor, e, refugiados nesse centro, começamos a levantar defesas, a apegar-nos
aos nossos dons, capacidade, talentos, produzindo desse modo o conflito
constante entre o que somos realmente e o que gostaríamos de ser. E,
entretanto, em momentos lúcidos, percebemos que esse mero lidar com coisas
exteriores nunca produzirá uma revolução profunda, duradoura, fundamental.
Nessas condições, aqueles dentre
nós que tiverem intenções sérias e inclinações religiosas, hão de interessar-se
necessariamente por esta questão da revolução no centro.
Uma vez que nem a mente
consciente nem a inconsciente pode produzir uma transformação fundamental no
centro, que deve a mente fazer? Pode ela fazer alguma coisa? Como vimos,
a mente tanto é atividade consciente como atividade inconsciente de pensamento,
de reação, de memória.
A mente é resultado do tempo e o
tempo não pode produzir revolução. Ao contrário, só o cessar do tempo produz a revolução
fundamental no centro. O centro está acostumado ao tempo, o centro é tempo,
é todo o “processo” psicológico de ontem, hoje, amanhã — eu fui, eu sou, eu
serei — frustração, temor, esperança. Como vemos, a mente não pode produzir revolução;
quando o faz, cria mais brutalidade, mais tiranias, mais horrores, e a compulsão
totalitária. E se a mente é incapaz de efetuar uma transformação radical, qual
é então a sua função?
Espero que esteja me seguindo,
porquanto não falo para mim mesmo, mas também para você. Acredito, se essa revolução
extraordinária pudesse realizar-se em cada um de nós, criaríamos um mundo
diferente, seriamos missionários de uma nova espécie, de uma espécie inteiramente
diversa, — não daqueles que convertem, mas dos que libertam.
Qual é, pois, a função da mente,
ao reconhecer que nenhum esforço, consciente ou inconsciente, da sua parte,
pode produzir uma transformação completa? Apenas, ficar tranquila, não é
verdade? Todo esforço de sua parte para modificar-se é produto de seu
condicionamento, de seu temor, do desejo de bom êxito, da esperança de melhorar
as coisas; e tal esforço só pode dificultar o descobrimento da solução correta.
Veja bem a importância disso. Se reconheço
que a revolução fundamental não pode ser produzida por nenhuma reação da mente
consciente ou inconsciente; que todas essas reações estão baseadas no temor,
que impele à aquisição na memória, no tempo, e se encontram, portanto, na parte
externa, na periferia — se reconheço tudo isso, então o que a mente deve fazer
é ficar completamente tranquila, não acha?
A função da mente, por
conseguinte, consiste apenas em perceber como surgem essas reações, e em não procurar
conquistar um determinado estado ou produzir uma modificação no centro, pela ação
da vontade. O que pode fazer é apenas observar as próprias reações.
O observar, porém, exige
paciência infinita; e se você é impaciente, a observação transforma-se
num trabalho exaustivo, pois você deseja progredir, deseja um resultado.
Só quando a mente está sempre cônscia
de suas próprias reações de temor, de ganância, de inveja, de esperança, essas reações
podem desaparecer; não desaparecem, porém, quando há condenação, comparação,
julgamento. Só desaparecem pela observação simples, inteiramente isenta de
escolha.
A mente se torna então extraordinariamente
tranquila, de todo serena, e uma vez existente essa serenidade, opera-se uma revolução
no centro.
Aí, somente, há a possibilidade
de se ser individual, porque então a mente está só, livre de toda a influência.
E esse estado é criação. Nele não existe
um “experimentador” que experimenta. Enquanto há “experimentador”, há processo
de tempo.
Assim, essa revolução no centro,
tão obviamente necessária, não é possível por meio de nenhuma espécie de compulsão
ou disciplina, que são coisas muito infantis; realizar-se-á apenas quando a
mente estiver de todo tranquila, percebendo, sem escolha, todas as suas realizações
externas e internas como um processo total.
Você verá então surgir um
sentimento extraordinário de bem-aventurança interior, o que não constitui uma promessa, nem uma recompensa de seus
valorosos esforços de muitos dias, ou muitos anos, para alcança-la.
Essa felicidade, essa
bem-aventurança não é o oposto do sofrimento; nada tem em comum com o
sofrimento. Esse estado nasce da compreensão do sofrimento, a qual nos torna
livres do sofrimento.
Krishnamurti em, Percepção
Criadora