Pensamos compreender as coisas mediante acumulação de conhecimentos, mediante comparação. Positivamente, por essa maneira nada se compreende. Se você compara uma coisa com outra, você é absorvido por essa ocupação. Só se pode compreender uma coisa quando lhe aplicamos toda a nossa atenção, e qualquer forma de comparação ou avaliação é uma distração.
(...) Qualquer forma de conhecimento cumulativo destrói todas as possibilidades de novos descobrimentos(...) Se uma pessoa é capaz de estudar, de observar A SI MESMA, começa a descobrir como a memória cumulativa atua sobre todas as coisas que vê; fica a pessoa, continuamente, a avaliar, a rejeitar ou aceitar, condenar ou justificar, e, nessas condições, a sua experiência fica sempre restrita ao campo do conhecido, do condicionado.
Mas, sem a memória cumulativa, COMO DIRETRIZ, muitos de nós nos sentimos perdidos, cheios de medo, e por consequência incapacitados para observar a nós mesmos TAIS COMO SOMOS. Sempre que há esse processo de acumulação, que é cultivo da memória, a observação que fazemos de nós mesmos se torna muito superficial.
A acumulação é que é a causa do sofrimento. Nós não morremos para todas as coisas, de dia em dia, não morremos para as inumeráveis tradições, para a família, para nossas próprias experiências, nosso próprio desejo de fazer mal a outrem. Precisamos morrer para TUDO isso, de momento a momento, morrer para esta vasta memória constituída de acumulações, porque só então a mente está livre do "eu", a entidade nascida da acumulação.
(...) Ora bem, se pudermos realmente atingir esse estado de "NÃO SABER", isso denotará um extraordinário senso de humildade; não há aí, a arrogância do saber, a resposta presunçosa, que visa a causar impressão. Quando você é capaz de dizer "não sei" — e muito poucas pessoas são capazes de tal — então, nesse estado, desaparece todo o temor, uma vez que terminou a atividade de reconhecimento, o rebuscar da memória; já não há busca nenhuma no campo do conhecido. É então que surge a coisa extraordinária.
Devo perceber que todo pensamento, por mais sutil e elevado ou por mais ignóbil e estúpido, tem suas raízes no conhecido, na memória. Se percebo isso com muita clareza, então a mente, ao ver-se na presença de um problema imenso, é capaz de dizer "NÃO SEI" — porque não tem resposta alguma, guardada na memória. Então, todas as respostas do Buda, do Cristo, dos Mestres, dos GURUS, nada significam; porque, se alguma coisa significam, esta significação provém da coleção de lembranças que constituem o meu condicionamento.
Se, pois, percebo a verdade de tudo isso, e ponho de lado, decididamente, todas as respostas, o que só posso fazer quando possuo essa imensa humildade do "NÃO SABER", qual é então o estado da mente? Qual é o estado da mente que diz: "Não sei se há Deus, se existe o Amor" — isto é, da mente que nenhuma resposta tem, tirada da memória? Por favor, não responda a esta pergunta já, para si mesmo, porque se assim o fizer a resposta será apenas o reconhecimento do que pensa que esse estado deve ser ou não ser. Se você diz "É um estado de negação, nesse caso você o está comparando com algo que já sabe e, por conseguinte, é inexistente, em você, o estado de "NÃO SABER".
(...) Assim, pois, a mente que é capaz de dizer "NÃO SEI", acha-se no único estado em que é possível descobrir alguma coisa. Mas o homem que diz "SEI", o homem que estuda todas as variedades da experiência humana, cuja mente está carregada de um saber enciclopédico, poderá esse homem, em algum tempo, experimentar algo que não é acumulável? Ele verá que isso é dificílimo. Quando a mente afasta de si todo o saber que adquiriu, quando para ela não existem nem Budas, nem Cristos, nem Mestres, nem instrutores, religiões, citações; quando está absolutamente SÓ, não contaminada — o que significa que cessou o movimento do conhecido — é só então que se apresenta a possibilidade de uma tremenda revolução, uma transformação fundamental. Essa transformação é obviamente necessária; e só aqueles poucos — você, ou eu, ou X — que fizerem nascer em si mesmos esta revolução, são capazes de criar um mundo novo, e não os idealistas, ou intelectuais, os homens de imenso saber, ou aqueles que estão a praticar boas obras; não serão estes que criarão o Novo Mundo. Eles são só reformadores. O homem religioso é aquele que não pertence a religião nenhuma, nenhuma nação, nenhuma raça, aquele que interiormente está completamente só, num estado de "NÃO SABER"; e para ele é que está reservada a benção do Sagrado.
JK - Realização sem esforço