Krishnamurti: Não sei se vocês descobriram seu relacionamento com a natureza. Não há relacionamento “correto”, há apenas a compreensão desse relacionamento. O relacionamento correto implica a mera satisfação de uma fórmula, como acontece com o pensamento correto. O pensamento correto e o pensar corretamente são duas coisas distintas. O pensamento correto é simplesmente conformar-se com o que é certo, com o que é respeitável, ao passo que o pensar corretamente é movimento, é o produto da compreensão, a qual está constantemente passando por modificações, por mudanças. Analogamente, há uma diferença entre relacionamento correto e compreender o nosso relacionamento com a natureza. Qual é o relacionamento com a natureza (isto é, com os rios, as árvores, os pássaros que voam ligeiros, os peixes nas águas, os minerais sob a terra, as cachoeiras e os lagos rasos?) Qual é o relacionamento com eles? A maioria de nós não está consciente desse relacionamento. Nós nunca olhamos para uma árvore, ou, se o fazemos, é com a intenção de usar essa árvore, quer sentando-nos à sua sombra, quer cortando-a para usar como madeira. Em outras palavras, olhamos para as árvores com objetivos utilitários: nunca olhamos para uma árvore sem nos projetarmos, sem usá-la para a nossa própria conveniência. Tratamos a terra e os seus produtos da mesma maneira. Não há amor pela terra, há apenas o uso da terra. Se de fato amássemos a terra, economizaríamos os produtos que ela nos dá. Ou seja, se quiséssemos entender o nosso relacionamento com a terra, teríamos de ter muito cuidado com o modo de usarmos os seus produtos. A compreensão do nosso relacionamento com a natureza é tão difícil de compreender quanto o nosso relacionamento com os vizinhos, a esposa e os filhos. Mas não ligamos para isso. Nunca nos sentamos para olhar as estrelas, a lua ou as árvores. Estamos ocupados demais com as atividades sociais ou políticas. Obviamente, essas atividades são meios de fugas de nós mesmos; venerar a natureza também é um meio de fuga. Estamos sempre usando a natureza quer como fuga, quer para fins utilitários — nunca nos detemos de verdade e amamos a terra ou as coisas que ela nos dá. Não apreciamos os campos férteis, embora os usemos para nos alimentar e vestir. Não gostamos de cultivar a terra com nossas mãos. Temos vergonha de fazer trabalhos manuais. Afinal, esse trabalho só é feito pelas castas inferiores. Nós, as classes superiores, aparentemente somos demasiado importantes para usar as próprias mãos: portanto, perdemos o nosso relacionamento com a natureza.
Se tivéssemos entendido esse relacionamento, a sua real importância, não dividiríamos a propriedade em sua ou minha; embora tivéssemos um lote de terra e construíssemos uma casa, esta não seria “minha” nem “sua” no sentido de exclusividade — seria mais um modo de buscar abrigo. Pelo fato de não amarmos a terra e os seus produtos mas simplesmente os usarmos, somos insensíveis à beleza de uma queda d’água, perdemos o contato com a vida: não nos recostamos no tronco de uma árvore. Já que não amamos a natureza, não sabemos amar os seres humanos e os animais. Vão até as ruas e observem como os bois são maltratados, como a cauda dos bois perdem a forma. Vocês balançam a cabeça e dizem: “Mas como isso é triste”. Contudo, perdemos a ternura, a sensibilidade que reage às coisas belas, e é apenas na renovação dessa sensibilidade que podemos entender o que é um verdadeiro relacionamento. Essa sensibilidade não surge com o mero fato de pendurarmos alguns quadros na parede, nem de pintarmos uma árvore, nem de colocarmos flores no cabelo; a sensibilidade só morre quando se deixa de lado essa visão utilitária. Isso não significa que vocês não possam usar a terra; porém, vocês devem usá-la como ela deve ser usada. A terra existe para ser amada, protegida, não para ser dividida como se fosse sua ou minha. É tolice plantar uma árvore numa área cercada e dizer que é “minha”. Só quando estamos livres da exclusividade é que existe a possibilidade de sermos sensíveis, não só à natureza, mas também aos seres humanos e aos incessantes desafios da vida.
Jiddu Krishnamurti — Poona, 17 de outubro de 1948